Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
306/22.8T8CMN-A.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: QUESTÃO NOVA
PERSI
ÓNUS DA PROVA
EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, nem foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova.
II – Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido.
III – A inclusão de cliente bancário, consumidor, no PERSI é obrigatória nas situações previstas no artº 14 nº2 do D.L. 227/2012, ficando a instituição de crédito proibida de, no seu decurso e até à extinção deste procedimento, agir judicialmente contra o cliente bancário com vista à recuperação do crédito, por o prévio cumprimento do PERSI ser condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva).
IV – Invocada a excepção dilatória inominada de falta de integração no PERSI, o ónus de alegação e prova dos factos respeitantes à integração do cliente bancário no PERSI e da sua extinção, cabe ao exequente embargado, constituindo a falta de demonstração destes requisitos uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

1 RELATÓRIO

Nos presentes autos de oposição à execução mediante embargos de executado[1] que AA e mulher BB, ambos residentes na Rua ..., ... ..., movem contra EMP01... - Stc, S.A., com sede na Avenida ..., ... ..., os embargantes peticionam que seja declarada extinta a obrigação exequenda e, por tal efeito, extinta a execução.
Para tanto, fundamentam a sua oposição com as seguintes razões: a - incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda; b - não integração no PERSI; c - preenchimento abusivo da livrança; d - prescrição da obrigação exequenda; e - prescrição de juros.
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Tendo sido proferido despacho liminar, a exequente veio apresentar contestação, impugnando a factualidade alegada pelos executados e pedindo a total improcedência dos embargos, por não provados, devendo a instância executiva prosseguir os seus demais e ulteriores termos.
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Os embargantes pronunciaram-se relativamente aos documentos juntos com a contestação.
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Aberta conclusão nos autos, a Mmª Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
GESTÃO INICIAL DO PROCESSO – ART.º 590º DO C.P.C.
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DA NÃO INTEGRAÇÃO NO PERSI:

Alegam os Embargantes que não foi dado cumprimento aos requisitos impostos pelo Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro que estabelece os procedimentos tendentes à regularização de situações de incumprimento emergentes de contratos de crédito (PERSI).
A Embargada pugnou que a obrigatoriedade de integração do processo em incumprimento era do Banco 1... S.A, e/ou Banco 2... S.A, uma vez que a integração do processo em incumprimento no PERSI é da inteira responsabilidade da Instituição de Crédito a que está associado o crédito.
Acrescenta que, não sendo uma instituição de crédito, para efeitos do referido diploma legal [cfr. o art. 3º, alínea e)], mas tão só um fundo de investimento, não está habilitada legalmente para integração do referido processo de incumprimento do referido contrato em apreço, no PERSI, não lhe sendo oponível essa situação.
No dia 01.01.2013 entrou em vigor no ordenamento jurídico português o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 02.10 que estabeleceu princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários.
Prescreve o art. 12.º do referido Decreto-Lei que “as instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contatos de crédito.”
A este propósito, acompanhamos o entendimento plasmado pelo Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de 19-02-2019 (disponível em www.dgsi.pt sob Processo n.º 144/13.9TCFUN-A.L1.S1), de acordo com o qual a exigência de integração de clientes bancários no PERSI apenas não ocorre se os respectivos contratos de crédito, à data da entrada em vigor do citado regime legal, já tiverem sido objecto de resolução ou denúncia com fundamento no incumprimento.

Nesta matéria, sufragamos também o entendimento do Tribunal da Relação de Évora, plasmado no acórdão de 24-11-2022, no processo 5/17.2T8ENT, relatado por José Lúcio, cujo sumário se transcreve:

“1 – A cedência ou a transmissão de um crédito não podem importar uma desvirtuação do regime imperativo consagrado no Dec. Lei n.º 227/2012, de 25/10.
2 – Tendo a instituição de crédito perante a qual o cliente bancário contraiu o seu crédito procedido à respectiva cedência isso não pode significar o afastamento das exigências legais respeitantes ao PERSI, nomeadamente em sede de execução do crédito.
3 – Essa conclusão impõe-se mesmo no caso de não ser instituição de crédito a entidade cessionária, pois de outra forma a consequência seria defraudar os imperativos legais nessa matéria.
4 – A mesma conclusão impõe-se também face ao regime substantivo, segundo o qual a cessão de créditos não pode ser feita em detrimento da posição do devedor, ou com diminuição das suas garantias.”

No mesmo sentido, a jurisprudência plasmada no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-12-2021, relatado por Luís Filipe Cravo e publicado em www.dgsi.pt.
Consequentemente, tendo ocorrido a cessão de créditos em causa (contra a possibilidade legal dessa cedência veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães de 30-01-2020, relatado por Alcides Rodrigues, disponível também em www.dgsi.pt), e encontrando-se a cessionária legitimada para assumir a posição de exequente, não pode, porém, essa circunstância afastar as exigências legais em matéria de exequibilidade do crédito.
Como tal, convida-se a Embargada/ Exequente/Cessionária a esclarecer, atento o disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, se foi dado cumprimento ao ali estipulado no tocante ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) – por entender o tribunal que sendo o PERSI obrigatório, o seu cumprimento consubstancia uma condição objetiva de procedibilidade para a execução. Consiste essa condição objetiva de procedibilidade na integração dos Embargantes/Executados, clientes bancários, em Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), nos termos previstos no diploma citado e de os informar da sua extinção, se tal for o caso.
Por conseguinte, perante o eventual desrespeito dessa condição objetiva de procedibilidade, impõe-se, a absolvição dos Embargantes/ Executados da instância executiva, por procedência de exceção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso, o que acarretará a extinção da execução.
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A embargada veio então informar e esclarecer o seguinte:
Veio a ora Embargada em Requerimento Probatório de 14/11/2022 juntar aos autos comprovativo do cumprimento do estatuído no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, no tocante ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), encontrando-se desta forma preenchida a condição objetiva de procedibilidade da presente execução.
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Tendo então a Mmª Juiz a quo proferido o seguinte saneador-sentença:
O tribunal é competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária.
As partes são legítimas.
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DA NÃO INTEGRAÇÃO NO PERSI:

Alegam os Embargantes que não foi dado cumprimento aos requisitos impostos pelo Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro que estabelece os procedimentos tendentes à regularização de situações de incumprimento emergentes de contratos de crédito (PERSI).
A Embargada pugnou que a obrigatoriedade de integração do processo em incumprimento era do Banco 1... S.A, e/ou Banco 2... S.A, uma vez que a integração do processo em incumprimento no PERSI é da inteira responsabilidade da Instituição de Crédito a que está associado o crédito.
Acrescenta que, não sendo uma instituição de crédito, para efeitos do referido diploma legal (cf. o art.º 3º alínea e)), mas tão só um fundo de investimento, não está habilitada legalmente para integração do referido processo de incumprimento do referido contrato em apreço, no PERSI, não lhe sendo oponível essa situação.
Posteriormente, veio juntar prova documental (Requerimento Probatório de 14/11/2022) para comprovar o cumprimento do estatuído no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, no tocante ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
No dia 01.01.2013 entrou em vigor no ordenamento jurídico português o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 02.10 que estabeleceu princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários.
Prescreve o art.º 12.º do referido Decreto-Lei que “as instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.”
A este propósito, acompanhamos o entendimento plasmado pelo Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de 19-02-2019 (disponível em www.dgsi.pt sob Processo n.º 144/13.9TCFUN-A.L1.S1), de acordo com o qual a exigência de integração de clientes bancários no PERSI apenas não ocorre se os respectivos contratos de crédito, à data da entrada em vigor do citado regime legal, já tiverem sido objecto de resolução ou denúncia com fundamento no incumprimento.

Nesta matéria, sufragamos também o entendimento do Tribunal da Relação de Évora, plasmado no acórdão de 24-11-2022, no processo 5/17.2T8ENT, relatado por José Lúcio, cujo sumário se transcreve:

“1 – A cedência ou a transmissão de um crédito não podem importar uma desvirtuação do regime imperativo consagrado no Dec. Lei n.º 227/2012, de 25/10.
2 – Tendo a instituição de crédito perante a qual o cliente bancário contraiu o seu crédito procedido à respectiva cedência isso não pode significar o afastamento das exigências legais respeitantes ao PERSI, nomeadamente em sede de execução do crédito.
3 – Essa conclusão impõe-se mesmo no caso de não ser instituição de crédito a entidade cessionária, pois de outra forma a consequência seria defraudar os imperativos legais nessa matéria.
4 – A mesma conclusão impõe-se também face ao regime substantivo, segundo o qual a cessão de créditos não pode ser feita em detrimento da posição do devedor, ou com diminuição das suas garantias.”

No mesmo sentido, a jurisprudência plasmada no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-12-2021, relatado por Luís Filipe Cravo e publicado em www.dgsi.pt.
Consequentemente, tendo ocorrido a cessão de créditos em causa (contra a possibilidade legal dessa cedência veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães de 30-01-2020, relatado por Alcides Rodrigues, disponível também em www.dgsi.pt), e encontrando-se a cessionária legitimada para assumir a posição de exequente, não pode, porém, essa circunstância afastar as exigências legais em matéria de exequibilidade do crédito.
No caso em apreço, não foi alegado qualquer facto respeitante a este procedimento.
O ónus de alegação e prova dos factos respeitantes à integração do cliente no PERSI e à sua notificação cabia à exequente embargada, por se tratarem de factos essenciais à admissibilidade desta ação (art.º 5 nº1 do C.P.C. e 342 nº1 do C.C.).
Ora, a exequente não cumpriu sequer este ónus de alegação, uma vez que não alegou qualquer facto relativamente à data da suposta integração do executado no PERSI, nem quanto à comunicação exigida pelo art.º 14 nº4 do D.L. 272/2012, nem indicou quais as negociações tidas, nem o resultado das mesmas, nem os factos relativos ao encerramento do PERSI e respetivo fundamento jurídico.
Com efeito, teria de ter sido alegada e demonstrada a comunicação ao cliente de integração do seu crédito no PERSI, teriam de ter sido alegados os factos relativos às negociações tidas, ou à recusa de colaboração do cliente.
Neste último caso, existindo recusa, conforme se refere em Ac. do STJ de 16/12/2020 Proferido no Proc. nº 2282/15.4T8ALM-A.L1.S1, de que foi relatora Catarina Serra, disponível in www.dgsi.pt, “das duas uma: (i) a instituição de crédito pode aguardar o decurso do prazo de 91 dias subsequentes à integração do cliente no PERSI e, por essa via, comunicar a extinção do PERSI, conforme decorre do art° 17° n° 1, al. c) do DL 227/20103; ou (ii) proceder à extinção do PERSI, por sua iniciativa, ao abrigo do art° 17° n° 2, al. d), justamente com fundamento na falta de colaboração com a instituição de crédito. Caso isso tivesse sucedido, a credora (…), ainda assim, estava obrigada a comunicar ao cliente, através de suporte duradouro, essa extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considerasse inviável a manutenção do procedimento, comunicação essa que deve ser acompanhada dos elementos referidos no art° 8 do Aviso 17/2012 do Banco de Portugal (art° 17° n°s 3 e 5 do DL 227/2012)”.
Nestes termos, teria a exequente/embargada de alegar e provar que integrou o cliente no PERSI e lhe comunicou essa integração e que ocorreu a extinção do PERSI, invocando os fundamentos legais para essa extinção.
Pretender suprir esta total ausência de alegação, com a junção dos documentos referidos, sem alegar ou comprovar sequer a sua receção pelo destinatário, não é conforme aos deveres de lealdade, boa fé e de informação que constam explanados no art.º 4 do D.L. 227/2012 e pelo dever imposto pelo art.º 5 nº 2 de promover, sempre que possível, a regularização, em sede extrajudicial, das situações de incumprimento, mediante promoção e célere andamento das providências consignadas no PERSI.
A questão em apreço resume-se assim, desde logo, à total ausência de alegação de qualquer dos factos respeitantes ao cumprimento dos preceitos previstos nos artigos 12 a 21 do D.L. 227/2012.
Conclui-se assim que alegada a exceção dilatória inominada de falta de cumprimento do PERSI, não foi objeto de alegação, não podendo o Tribunal substituir-se à parte, nessa alegação de factos essenciais, a inclusão deste cliente no PERSI, a comunicação de inclusão e o cumprimento dos demais normativos relativos à fase das negociações e encerramento deste processo.
Ora, quer a comunicação ao cliente da sua integração no PERSI, por alguma das formas previstas no art.º 14 nº4 e 17 do D.L. 272/2012, quer a extinção deste procedimento, constituem condição de admissibilidade da ação, quer declarativa, quer executiva, com base nesse crédito, pelo que a falta de demonstração destes requisitos, constitui uma exceção dilatória insuprível de conhecimento oficioso (art.º 576 nº2 do C.P.C.). – Neste sentido vide entre outros os Acs. do STJ de 19/05/20, proferido no proc. n.º 6023/15.8T8OER-A.L1.S1, relatora Maria Olinda Garcia; de 13/04/21, proferido no proc. nº 1311/19.7 T8ENT-B.E1.S1, relatora Graça Amaral; de 16/11/21, proferido no proc. nº 21827/17.9T8SNT-A.L1.L1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor, e 09/12/21, proferido no proc. nº 4734/18.5T8MAI-A.P1.S1, relator Ferreira Lopes, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
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DECISÃO

Por conseguinte, absolvem-se os Embargantes/ Executados da instância executiva, por procedência de exceção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso, julgando-se extinta a execução.
As custas serão suportadas pela Exequente/Embargada – cf. os artigos 527º nº 1 e nº 2 do Código de Processo Civil.
Valor – €15.179,08 (quinze mil cento e setenta e nove euros e oito cêntimos) – cf. o art.º 304º nº 1 do Código de Processo Civil
Registe.
Notifique.
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Inconformada com essa sentença, apresentou a exequente/embargada recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

I. O tribunal a quo, concluiu erradamente, pela total ausência de alegação de quaisquer dos factos respeitantes ao cumprimento dos preceitos previstos nos artigos 12.º a 21.º do D.L. 227/2012, pelo ora Recorrente, concluindo, dessa forma, pela verificação da exceção dilatória inominada de falta de cumprimento do PERSI.
II. Mas acima de tudo, concluiu erradamente ao entender que se verificam reunidos os pressupostos de aplicabilidade do regime do PERSI ao caso sub judice.
III. Pois se por um lado, é certo que “são automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor”, conforme art. 39.º n.º 1 D.L. 272/2012.
IV. Por outro lado, o art. 39.º n.º 1, in fine, do referido D.L, ressalva o seguinte: “(…) desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.”
V. Assim e uma vez que o referido D.L, nos termos do seu art. 40.º, entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2013 e as obrigações decorrentes do contrato de crédito ao consumo celebrado com os Embargantes, encontravam-se vencidas deste 15/01/2013, não se verifica, in casu, os pressupostos para a automática integração dos clientes bancários, nomeadamente dos ora Embargantes no PERSI e para a sujeição dos mesmos às disposições do presente diploma.
VI. Apesar disso, o então Cedente, encetou as diligências necessárias com vista a acautelar os devedores e inverter a situação de mora, demonstrando a sua disponibilidade analisar a realidade destes clientes bancários, disponibilizando-se, inclusive, para encontrar uma solução adequada e casuística, tendo procedido, após diligencias internas prévias, ao envio das missivas com vista à integração dos clientes bancários no PERSI.
VII. Pelo contrário, os Embargantes celebraram um crédito ao consumo, in casu, superior a 10.000,00€ e pretenderam ab initio, nunca o pagar, beneficiando dessa forma de um enriquecimento sem causa.
VIII. Os Embargantes tencionaram colocarem-se numa situação de excepção no que toca ao cumprimento das obrigações contratuais e da própria lei, sendo que nem a primeira prestação do mútuo bancário chegaram a liquidar!
IX. Tendo-se verificado um incumprimento, tão imediato, tornou-se claro o intuito dos Mutuários, então Embargantes, no sentido do locupletamento à custa de uma instituição de crédito lhe concedeu responsavelmente crédito com confiança no pontual pagamento pelo cliente bancário.
X. Apesar desta conduta dos devedores e da não obrigatoriedade de aplicação do regime do PERSI, à situação dos referidos clientes bancários, o Cedente veio alertar os mesmos, através do envio de missivas, para a necessidade de regularização das quantias em incumprimento.
XI. E no tocante as referidas missivas não se verificava qualquer exigência legal de que as comunicações referentes ao PERSI (seja a integração, seja a extinção) fossem remetidas por correio registado com aviso de recepção.
XII. Em nenhum lugar o referido D.L que regulamenta o PERSI prescreve a necessidade de envio de cartas por correio registado com aviso de recepção, pelo contrário, é admissível o envio por correio simples ou correio electrónico.
XIII. Pelo que, não poderia o Tribunal a quo, ter entendido que as missivas juntas aos autos não foram enviadas.
XIV. O Exequente, ora Embargado, juntou cópia das cartas simples enviadas aos executados no âmbito do PERSI e tais cartas, de acordo com a jurisprudência do Supremo, constituem princípio de prova do envio da comunicação, pelo que o juiz não pode oficiosamente concluir pela sua não recepção.
XV. Dessa forma, não andou bem o tribunal a quo, pois deveria, no limite, ter convidado, o ora Recorrente para que demonstrasse e provasse, por meio documental, ou testemunhal, a abertura, tramitação e encerramento do PERSI, devendo sempre as cópias das cartas, endereçadas estes, que foram juntas pela Recorrente, ser consideradas como princípio de prova desse envio e receção, podendo aquela fazer prova do facto-indiciário do respetivo envio por meio de testemunhas e deveria, o tribunal a quo, ter atendido à ratio legis do Diploma Legal que prevê o PERSI, não onerando desmesuradamente o Cedente, face à conduta abusiva do Clientes bancários.
XVI. Valendo como princípio de prova o envio das comunicações juntas aos autos, entende-se, salvo o devido respeito, que não pode o juiz, oficiosamente, concluir pela não recepção das missivas, o que sucedeu.
XVII. E por sua vez, existem também ónus na esfera jurídica do cliente bancário que não foram cumpridos, sendo que caberia sempre ao devedor/cliente bancário alegar e provar em que termos tal diploma lhe seria aplicável, ou seja, qual das circunstâncias preenche em concreto a possibilidade de integração no PERSI.
XVIII. O tribunal a quo, andou mal, ao considerar a verificação de uma exceção dilatória insuprível, sem a oportunidade de, numa subsequente fase processual, nomeadamente em audiência de julgamento, poder ser produzida a prova ainda em falta, nomeadamente com recurso a testemunhas
XIX. Por tudo quanto foi exposto, deve a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue não verificada a excepção dilatória inominada, ordenando-se o prosseguimento dos autos.
Face ao exposto, e salvo o devido respeito, que é muito, considera a Recorrente que esta última decisão não fez correta nem adequada aplicação do Direito, verificando-se nomeadamente manifesto erro quanto à verificação de excepção dilatória inominada insanável e de interpretação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, em especial os seus artigos 12.º a 17.º e 39.º, devendo, portanto, ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento da ação principal até ao efetivo e integral pagamento da quantia exequenda.
SÓ ASSIM SE FARÁ INTEIRA JUSTIÇA!
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Notificados do recurso apresentado pela apelante EMP01... - Stc, S.A., os recorridos AA e mulher BB apresentaram a sua resposta, que se encontra finalizada com as seguintes conclusões:

1.ª - A questão suscitada pela recorrente em recurso, relativa à data de vencimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito ao consumo celebrado com os embargantes, não foi alegada anteriormente, seja no requerimento executivo ou na contestação aos embargos de executado, configurando, por isso, desde logo, questão nova e como tal, subtraída ao conhecimento do Tribunal da Relação
- vd. n.º 2 art.º 608.º do CPC
2.ª - Nenhuma prova foi apresentada pela recorrente de que tais obrigações estivessem vencidas desde 15.01.2013, como agora refere, salientando-se, aliás, que em sede de contestação a recorrente alega que os embargantes deixaram de liquidar o contrato a 16.04.2013, pelo que, até na própria versão da recorrente, o alegado vencimento das obrigações em causa verificava-se há já mais de 30 dias desde a entrada em vigor do DL 227/2012, havendo por isso a obrigatoriedade de aplicação do regime do PERSI aos embargantes
- vd. ponto 8. da contestação
- vd. art.º 39.º DL 272/2012
3.ª - Competia à exequente / embargada, o ónus de alegação e prova dos factos respeitantes à integração dos recorridos no PERSI, por se tratarem de factos essenciais à admissibilidade da acção - vd. n.º 1 art.º 5.º do CPC e 342.º, n.º 1 do CC
4.ª - A recorrente não deu cumprimento sequer a este ónus de alegação, não tendo, de facto, em momento algum, nem mesmo após o convite expresso do tribunal a quo de 16.03.2023, alegado qualquer facto respeitante à integração dos recorridos no PERSI, nem quanto à comunicação exigida pelo art.º 14.º, n.º 4 do citado DL n.º 272/2012, nem tão pouco nada alegou quanto às negociações tidas, nem o resultado das mesmas, como também nenhuns factos alegou quanto à extinção do PERSI e respectivo fundamento jurídico.
5.ª - A mera junção aos autos de tais documentos, não tem a virtualidade de suprir a necessária alegação dos factos correspondentes, não podendo, pois, o tribunal a quo substituir-se à recorrente e ter em consideração factos (que, reitera-se não foram alegados) pela mera análise do teor das missivas que em 14.11.2022 a recorrente fez juntar aos autos.
6.ª - Assim, não tendo a recorrente alegado quaisquer factos atinentes à inclusão dos recorridos no PERSI, à comunicação aos mesmos dessa inclusão e encerramento desse processo, nos termos previstos no Dl n.º 272/2012, que constituem condição objectiva de procedibilidade da acção, manifesto é que ocorre excepção dilatória insuprível de conhecimento oficioso que conduz à absolvição dos recorridos da instância.
- vd, entre outros, Ac. ST de 19.05.2020, proc. n.º 6023/15.8T8OER-A.L1.S1, Ac. STJ de 13.04.2021, proc. n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, Ac. TRE de 28.06.2018 proc. n.º 2791/17.0T8STB-C.E1
SEM PRESCINDIR,
7.ª - As missivas que foram juntas aos autos pela recorrente em 14.11.2022, tratam-se de cartas simples, sendo que a prova do envio e recepção de tais missivas só pode ser feita através dos registos de envio e dos avisos de recepção das mesmas, os quais não foram juntos aos autos pela recorrente, pelo que sempre estaríamos perante um vício de prova documental não suprível por via de prova testemunhal, tanto mais que a embargada não indicou nem requereu a admissão de quaisquer testemunhas para o efeito.
8.ª - De resto, contrariamente ao defendido pela embargada / recorrente, impunha-se-lhe que as comunicações em causa fossem remetidas por carta registada, pois que foi isso que expressamente foi convencionado com os embargantes / recorridos
- vd. ponto 23.1 das condições gerais do contrato de crédito ao consumo celebrado e junto aos autos pela recorrente com a contestação
EM CONFORMIDADE COM AS RAZÕES EXPOSTAS DEVE NEGAR-SE PROVIMENTO À APELAÇÃO, CONFIRMANDO-SE A SENTENÇA PROFERIDA
ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida a este Tribunal.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Assim, consideradas as conclusões formuladas pela apelante - a exequente/embargada -, esta pretende que, verificando-se erro quanto à verificação de excepção dilatória inominada insanável e de interpretação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, em especial os seus artigos 12.º a 17.º e 39.º, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento da ação principal até ao efetivo e integral pagamento da quantia exequenda.
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3 – OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede, para os quais se remete.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Pretende a apelante a revogação do despacho proferido pelo Tribunal a quo que julgou verificada a excepção dilatória inominada insanável e de interpretação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, em especial os seus artigos 12.º a 17.º e 39.º, por ter havido erro.
Perante o entendimento de que o PERSI era de cumprimento obrigatório, por consubstanciar uma condição objetiva de procedibilidade para a execução, o Tribunal recorrido notificou a exequente para comprovar o cumprimento do estatuído no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, no tocante ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI). O que esta pretendeu fazer, comprovando ter sido enviado em 19-02-2023, carta de integração em PERSI. O que os recorridos impugnaram, pois nunca receberam tal carta, já que a sua morada não era aquela que consta da carta enviada.
O tribunal recorrido entendeu não ter sido cumprido o imperativo em questão, pois teria a exequente/embargada de alegar e provar que integrou o cliente no PERSI e lhe comunicou essa integração e que ocorreu a extinção do PERSI, invocando os fundamentos legais para essa extinção, sendo que pretender suprir esta total ausência de alegação, com a junção dos documentos referidos, sem alegar ou comprovar sequer a sua receção pelo destinatário, não é conforme aos deveres de lealdade, boa fé e de informação que constam explanados no art.º 4 do D.L. 227/2012 e pelo dever imposto pelo art.º 5 nº 2 de promover, sempre que possível, a regularização, em sede extrajudicial, das situações de incumprimento, mediante promoção e célere andamento das providências consignadas no PERSI.
Com o que discorda a recorrente, desde logo por não se verificarem, in casu, os pressupostos para a automática integração dos clientes bancários, nomeadamente dos ora Embargantes no PERSI e para a sujeição dos mesmos às disposições do presente diploma, pois beneficia da ressalva consignada no art. 39.º n.º 1, in fine, do referido DL - “(…) desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.” - uma vez que o mencionado DL, nos termos do seu art. 40º, entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2013 e as obrigações decorrentes do contrato de crédito ao consumo celebrado com os Embargantes, encontravam-se vencidas deste 15-01-2013.
Quid iuris?

Começando por esta questão da ressalva, estamos perante uma questão nova, que não foi apreciada pela primeira instância, sendo uma questão que não faz parte do objecto do processo, pois não foi incluída nos articulados, nem foi tratada na sentença recorrida.
É uma nova questão que a recorrente só trouxe agora em sede de recurso.
Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido. Só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido.
Escreve a propósito Abrantes Geraldes[2]: “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas”.
A única excepção a esta regra, como bem se compreende, são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes.
Não sendo uma situação de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal superior apreciar uma questão nova, por pura ausência de objecto: em bom rigor, não existe decisão de que recorrer. É um caso de extinção do recurso por inexistência de objecto[3].
Assim, este Tribunal da Relação não irá conhecer dessa questão, por impossibilidade legal.
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Passemos, agora, à questão da integração obrigatória do cliente bancário no PERSI.
O DL nº 227/2012, de 25 de Outubro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2013, além de instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) para os devedores em vias de incumprimento de contratos de créditos, instituiu ainda um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), com o propósito de evitar que as instituições bancárias, confrontadas com situações de incumprimento já verificado desses contratos, possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos relativamente a devedores enquadráveis no conceito legal de «consumidor», na acepção que lhe é dada pela Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril).
Nesta medida, as instituições de crédito ficaram obrigadas a promover um conjunto de diligências relativamente a clientes bancários em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, no âmbito do chamado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) (art. 12º e 14º do citado DL nº 227/2012, de 25 de Outubro), no qual «devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor» (cfr. preâmbulo daquele diploma).
Assim sendo, este modelo de negociação previsto no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), visou não só assegurar uma concessão de crédito mais responsável, como prevenir e minorar os efeitos nocivos das situações de incumprimento, “estabelecendo um conjunto de medidas que (...) promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as actuais dificuldades económicas”.[4]
Este conjunto de medidas vinculativas tem como objectivo último, facilitar a obtenção de um acordo entre o cliente bancário e a instituição de crédito para regularização de situações de incumprimento.
Neste âmbito, estipulou-se a inclusão obrigatória do cliente bancário consumidor, neste procedimento, nas situações previstas no art. 14º/2 do DL 227/2012, ou seja, nos casos em que
a) O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI, considerando-se, para todos os efeitos, que essa integração ocorre na data em que a instituição de crédito recebe a referida comunicação;
b) O cliente bancário, que alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, entre em mora, devendo, para todos os efeitos, considerar-se que a integração desse cliente no PERSI ocorre na data do referido incumprimento.”
Neste caso, “mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.” (nº 1 do art. 14º).
Iniciado este procedimento e no seu decurso, a instituição de crédito está proibida de:
-Resolver o contrato de crédito;
-Agir judicialmente contra o cliente bancário com vista à recuperação do crédito;
-Ceder o crédito ou transmitir a sua posição contratual a terceiros.[5]
O PERSI comporta assim três fases:
-a fase inicial, na qual a instituição bancária, após verificar que o cliente se encontra em mora, informa-o do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida, desenvolve as diligências que considere necessárias para apurar as razões do incumprimento, após o qual integra-o obrigatoriamente no PERSI entre o 31º e o 60º dia, subsequente à data de vencimento das obrigações em causa (arts. 13º e 14º);
-a fase de avaliação, mediante a qual avalia a situação financeira do cliente, de forma a apurar da sua solvabilidade e após a fase de proposta, mediante a qual apresenta um plano de regularização da dívida (art. 15º);
-a fase de negociação, nos termos do qual procura obter o acordo do cliente à proposta de regularização do crédito (artº16).
Durante o período de integração do cliente no PERSI e até à extinção juridicamente fundamentada deste procedimento, está vedado à instituição de crédito intentar acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito [art. 18º/1, b)], uma vez que “o conjunto dos elementos hermenêuticos – histórico, sistemático, teleológico e literal – aponta claramente que a integração do cliente bancário [e, bem assim, do fiador] no PERSI é obrigatória, quando verificados os respectivos pressupostos, posto que, consequentemente, a acção executiva só poderia ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento.[6].
Mais se estipulou no art. 40º do D.L. 227/2012 que este entraria em vigor em 01-01-2013.
Relativamente à aplicação no tempo deste diploma, rege o art. 39º, que estabelece um regime transitório, segundo o qual
1- São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no nº 4 do artigo 14.º
3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no nº 1 do artigo 14.º”.
Do disposto neste art. decorre que são integrados no PERSI os clientes com contratos celebrados após ../../2013 ou que, apesar de celebrados em data anterior, permaneçam em vigor e que se encontrem em situação de mora no cumprimento das suas obrigações.
Volvendo ao caso em apreço, devendo inequivocamente o mesmo ser integrado no PERSI, não resultou alegado ou provado qualquer facto respeitante a este procedimento. Com efeito, teria a exequente/embargada de alegar e provar que integrou o cliente no PERSI e lhe comunicou essa integração e que ocorreu a extinção do PERSI, invocando os fundamentos legais para essa extinção, sendo que pretender suprir esta total ausência de alegação, com a junção de um documento (carta) que enviou, sem alegar ou comprovar sequer a sua receção pelo destinatário, não é conforme aos deveres de lealdade, boa fé e de informação que constam explanados no art.º 4 do D.L. 227/2012 e pelo dever imposto pelo art.º 5 nº 2 de promover, sempre que possível, a regularização, em sede extrajudicial, das situações de incumprimento, mediante promoção e célere andamento das providências consignadas no PERSI.
É que o ónus de alegação e prova dos factos respeitantes à integração do cliente no PERSI e à sua notificação cabia ao exequente embargado, por se tratarem de factos essenciais à admissibilidade desta acção (cfr. arts. 5º/1 do CPC e 342º/1 do CC). Ora, o exequente não cumpriu sequer este ónus de alegação, uma vez que não alegou qualquer facto relativamente à data da suposta integração do executado no PERSI, nem quanto à comunicação exigida pelo art. 14º/4 do mencionado DL 272/2012, nem indicou quais as negociações tidas, nem o resultado das mesmas, nem os factos relativos ao encerramento do PERSI e respectivo fundamento jurídico. Com efeito, mesmo a provar-se a comunicação ao cliente de integração do seu crédito no PERSI, teriam de ter sido alegados os factos relativos às negociações tidas, ou à recusa de colaboração do cliente. Neste último caso, existindo recusa, conforme se refere no Ac. do STJ de 16-12-2020[7], “das duas uma: (i) a instituição de crédito pode aguardar o decurso do prazo de 91 dias subsequentes à integração do cliente no PERSI e, por essa via, comunicar a extinção do PERSI, conforme decorre do art° 17° n° 1, al. c) do DL 227/20103; ou (ii) proceder à extinção do PERSI, por sua iniciativa, ao abrigo do art° 17° n° 2, al. d), justamente com fundamento na falta de colaboração com a instituição de crédito. Caso isso tivesse sucedido, a credora (…), ainda assim, estava obrigada a comunicar ao cliente, através de suporte duradouro, essa extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considerasse inviável a manutenção do procedimento, comunicação essa que deve ser acompanhada dos elementos referidos no art° 8 do Aviso 17/2012 do Banco de Portugal (art° 17° n°s 3 e 5 do DL 227/2012)”. Nestes termos, teria a credora de alegar e provar que integrou o cliente no PERSI e lhe comunicou essa integração e que ocorreu a extinção do PERSI, invocando os fundamentos legais para essa extinção. O que não fez, pelo que a alegada excepção dilatória inominada de falta de cumprimento do PERSI, não foi objecto de alegação, nem de prova por parte do embargado, a inclusão deste cliente no PERSI, a comunicação de inclusão e o cumprimento dos demais normativos relativos à fase das negociações e encerramento deste processo. Ora, quer a comunicação ao cliente da sua integração no PERSI, por alguma das formas previstas nos arts. 14º/4 e 17º do referido DL 272/2012, quer a extinção deste procedimento, constituem condição de admissibilidade da acção, quer declarativa, quer executiva, com base nesse crédito, pelo que a falta de demonstração destes requisitos, constitui uma excepção dilatória insuprível de conhecimento oficioso (art. 576º/2 do CPC)[8].
Sendo, pois, assertivo o entendimento plasmado na sentença recorrida.

Logo, não assistindo qualquer razão à recorrente exequente/embargada, improcede totalmente o recurso, com custas a pagar pela mesma (art. 527º do CPC).
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e consequentemente manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 09-05-2024

(José Cravo)
(Maria Luísa Duarte Ramos)
(Alexandra Rolim Mendes)



[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de ..., ... - Juízo C. Genérica.
[2] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição – Coimbra Almedina, 2017, fls. 109.
[3] Neste sentido, cfr. Ac. da RG de 08-11-2018, proferido no Proc. nº 212/16.5T8PTL.G1 e acessível in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. PINTO MONTEIRO, A Resposta do Ordenamento Jurídico Português à Contratação Bancária Pelo Consumidor, Boletim de Ciências Económicas - Homenagem ao Prof. Doutor António José Avelães Nunes, Vol. LVII, tomo II, 2014, pág. 2340.
[5] Neste sentido, vd. Ac. do STJ de 09/02/2017, in Proc. nº 194/13.5TBCMN-A.G1.S1 e acessível in www.dsgi.pt.
[6] Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 06-10-2016, in Proc. nº 4956/14.8T8ENT-A.E1 e acessível in www.dgsi.pt.
[7] Proferido no Proc. nº 2282/15.4T8ALM-A.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[8] Neste sentido, vd. entre outros, os Acs. do STJ de 19-05-2020, proferido no proc. n.º 6023/15.8T8OER-A.L1.S1; de 13-04-2021, proferido no proc. nº 1311/19.7 T8ENT-B.E1.S1; de 16-11-2021, proferido no proc. nº 21827/17.9T8SNT-A.L1.L1.S1, e 09-12-2021, proferido no proc. nº 4734/18.5T8MAI-A.P1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.