Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
695/20.9T8EPS.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
CUSTAS DA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- A condenação por litigância de má fé em qualquer uma das suas vertentes – material e instrumental – visa sancionar a conduta processual assumida pela parte que, sabendo que não tinha razão, ou podendo saber que não tinha razão caso tivesse adotado as precauções mínimas exigíveis pelas mais elementares regras de prudência ou de previsão que devem ser observadas nos usos correntes da vida (negligência grosseira), exerce o direito de ação ou de defesa ou utiliza os meios que a lei adjetiva coloca ao seu dispor para exercer esses direitos para um uso indevido, por contrário ao fim para que o legislador lhos concedeu, incorrendo num ilícito processual.
2- O parâmetro a utilizar para se aferir do dever de diligência que impende sobre a parte é o da generalidade das pessoas pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocada na situação concreta em que esta última se encontrava quando adotou a conduta processual, devendo concluir-se existir negligência grave/grosseira e, consequentemente, litigância de má fé, quando feito esse juízo se conclua que essas pessoas se teriam abstido de adotar a conduta processual que a parte real adotou por terem concluído não existir fundamento legal para a adotarem.
3- A circunstância do autor não ter provado a versão dos factos (causa de pedir) em que fundamentou o pedido e se ter provado a versão factual contrária não é suficiente para que se possa concluir que aquele litiga de má fé, sendo necessário apurar se o mesmo faltou dolosamente ou com negligência grosseira à verdade dos factos.
4- Tendo os Autores pedido a condenação dos Réus, além do mais, a reconhecer que a cobertura da fração dos 1ºs Réus e a chaminé que sobre esta se encontra edificada são bens comuns do edifício constituído em propriedade horizontal, com fundamento de que os últimos, com o conhecimento e autorização da 2ª Ré (administração do condomínio), demoliram a dita chaminé e obstruíram o cano de exaustão que nela existia, e vindo a provar-se que os Réus não demoliram a chaminé em causa, a qual permanece edificada no dito terraço, e não obstruíram qualquer tubo de exaustão que se encontrasse na saída da cobertura, nessa chaminé, e nunca mexeram ou alteraram a estrutura da chaminé ou executaram qualquer tipo de trabalhos que modificassem as características dessa chaminé, não tendo os Réus contestado a natureza comum do terraço e da chaminé, antes tendo expressamente aceite essa natureza comum de tais bens, apesar destes terem sido condenados, na sentença, a reconhecer que aquela cobertura e chaminé constituem partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal, que os absolveu dos restantes pedidos formulados pelos Autores, as custas da ação são na sua totalidade da responsabilidade dos Autores, nos termos do art. 535º do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

AA e mulher BB, residentes na Rua ..., ... ..., ..., instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra CC e mulher DD, residentes na Travessa ... ..., ... ..., ..., e A..., Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., Sala ..., ... ..., ..., pedindo que estes fossem condenados a:

a) reconhecer que a cobertura da fração dos 1ºs RR melhor identificada no art. 18º da petição inicial, constitui parte comum do condomínio Edifício ...;
b) reconhecer que a chaminé, que se encontrava na cobertura da fração dos 1ºs RR, melhor identificada na petição inicial e demolida pelos 1ºs Réus, ou por alguém a seu mando, constitui parte comum do condomínio Edifício ...;
c) ou, caso assim não se entenda, reconhecer que a referida chaminé é propriedade dos Autores;
d) demolir a churrasqueira que os 1ºs Réus edificaram na cobertura e no lugar onde a chaminé se encontrava, e serem condenados os Réus a reconstruírem ou edificarem a chaminé que se encontrava edificada na cobertura, de forma a possibilitar a extração de fumos ou caso assim não se entenda, e, subsidiariamente, desimpedir a obstrução do tubo de exaustão que se encontra na saída da cobertura da fração melhor identificada na petição inicial, de forma a possibilitar a extração de fumo e cheiros retidos na fração dos AA.
e) ao cumprimento de uma sanção pecuniária compulsória de €100,00 (cem euros) diários no caso de incumprimento de tais pedidos julgados procedentes, após 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença.
f) pagar a cada um dos Autores, a título de danos não patrimoniais, a quantia de dois mil e quinhentos euros.
Para tanto alegaram, em síntese, serem proprietários da fração ..., do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Travessa ..., ..., da União das Freguesias ..., ... e ..., concelho ....
Os 1ºs Réus são proprietários das frações designadas pelas letras ... e ... e a 2ª Ré é administradora do condomínio.
A propriedade dos Autores é composta por cobertura, onde se encontrava erigida uma chaminé, de modo a extrair o fumo proveniente da cozinha da fração dos Autores.
A fração propriedade dos Autores, em 29/03/1999, data em que foi adquirida, possuía, na cozinha, um exaustor de fumos, com um tubo de exaustão que ligava à dita chaminé.
Desde sempre os Autores utilizaram aquele exaustor e chaminé para que os fumos da sua fração saíssem para o exterior.
Essa chaminé é propriedade dos Autores em virtude de terem adquirido esse direito por usucapião.
Acontece que os 1ºs Réus, ou alguém a seu mando, com o conhecimento da 2ª Ré, demoliram a chaminé e, no local em que esta se encontrava instalada, edificaram uma churrasqueira, o que lhes causou danos patrimoniais e não patrimoniais (que concretizam).
Os Réus CC e DD contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocaram, ainda que não discriminadamente nem expressamente, a exceção de ilegitimidade passiva da Ré DD, alegando que as frações identificadas pelos Autores são bem próprio do Réu CC, uma vez que foram adquiridas pelo último no estado de solteiro, sendo os Réus CC e DD casados no regime de separação de bens.
Mais invocaram a exceção de prescrição, sustentando que face à alegação dos Autores, a por estes “imaginada demolição”, ocorreu há mais de três anos.
Impugnaram parte da facticidade alegada pelos Autores, aceitando que o terraço de cobertura e a chaminé constituem partes comuns do prédio, ainda que o terraço se destine a uso exclusivo das frações autónomas ... e ..., propriedade do Réu CC, mas que jamais procederam à demolição de qualquer chaminé edificada e/ou existente no terraço de cobertura do prédio e que a chaminé a que se reportam os Autores permanece implantada no mencionado terraço; jamais obstruíram qualquer tubo de exaustão que se encontrasse na saída da cobertura.
Concluíram pedindo que fossem absolvidos do pedido.
A 2ª Ré contestou impugnando parte dos factos alegados pelos Autores, sustentando que a chaminé ou exaustão de fumos que se encontrava edificada na cobertura do prédio continua presente, não tendo havido qualquer obra de demolição; que a churrasqueira está instalada ao lado dos tubos de exaustão, não podendo ser responsabilizada pela suposta falta de exaustão na fração dos Autores e alegando que estes litigam de má fé.
Concluiu pedindo que fosse absolvida do pedido.
Convidou-se os Autores para se pronunciarem, querendo, quanto à exceção dilatória de ilegitimidade passiva da Ré DD e quanto ao pedido de condenação como litigantes de má fé.
Os Autores acataram esse convite, concluindo pela improcedência da exceção dilatória de ilegitimidade passiva da Ré DD, alegando que as frações dos 1ºs Réus constituem a casa de morada de família desse casal, bem como pela improcedência do pedido de condenação daqueles como litigantes de má fé.
Por despacho de 29/05/2021 convidou-se os Autores a “indicar/concretizar a data em que os 1ºs Réus terão procedido à demolição da chaminé, que é parte comum do edifício em causa nos autos” e, bem assim, para que os Réus exercessem o contraditório na sequência dessa concretização.
Os Autores alegaram que a chaminé em causa foi demolida no ano de 2015, devendo, contudo, ser julgada improcedente a exceção perentória de prescrição em virtude da conduta dos Réus, ao demolirem aquela, consubstanciar o cometimento de um crime de dano.
Os Réus CC e DD responderam mantendo a sua versão dos factos de que nunca teriam demolido a mencionada chaminé e que o direito indemnizatório exercido pelos Autores se encontra prescrito, uma vez que os últimos nunca apresentaram queixa crime contra os mesmos e os factos descritos na petição inicial nunca foram classificados ou subsumidos como ilícito criminal.
Em 16/09/2021 proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o valor da ação em 8.000,00 euros, dispensou-se a fixação do objeto do litígio e dos temas de prova, advertiu-se as partes que, “em face das posições vertidas nos autos, a prova de uma das versões das partes, poderá fazer a outra parte incorrer em litigância de má fé”, conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e designou-se data para a realização de audiência final.

Realizada esta, em 14/07/2022, proferiu-se sentença em que se julgou a ação parcialmente procedente e se condenou os Autores como litigantes de má fé, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

“Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) Condeno os réus a reconhecer que a cobertura e chaminé existentes no prédio referido em 1) dos factos provados constituem partes comuns desse mesmo edifício;
b) Absolvo os réus de tudo o mais peticionado;
c) Condeno os autores como litigantes de má-fé em multa de 3 UC (três unidades de conta).
*
Custas pelos autores, nos termos do disposto no artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC”.
           
Inconformados com o assim decidido, os Autores interpuseram o presente recurso de apelação, em que formulam as seguintes conclusões:
A. O presente recurso tem como objeto, a matéria de facto e de direito da douta sentença proferida nos presentes autos.
B. Da audição dos depoimentos prestados pela testemunha dos Autores e pelos Autores, da prova documental, é lícito concluir que foram erradamente apreciados e valorados, pelo que ocorre erro de julgamento.
C. Indicam a seguir os Recorrentes, os pontos de facto que consideram incorretamente julgados nos termos do artigo 640º do CPC.
Considerar provado que a alínea c) dos factos dados como não provados:
c) Os 1ºs RR. obstruíram o tubo de exaustão que se encontra na saída da cobertura, na respetiva chaminé, com o conhecimento da 2ª R.
D. Conforme se vislumbra através da prova testemunhal arrolada pelos AA. e pelas declarações de parte, resulta que os 1ºs RR. obstruíram o tubo de exaustão que se encontra na saída da cobertura, na respetiva chaminé.
E. Resulta do doc. nº ...0 junto com a PI que o exaustor localizado na cozinha da casa de habitação dos AA. encontra-se com ausência total da capacidade de extração, e o equipamento não apresenta qualquer sinal de avaria. Mais resulta que: “A causa mais provável da patologia identificada será a obstrução do tubo de exaustão que tem a sua saída na cobertura, na respetiva chaminé”.
F. Resulta do doc. nº ...1 junto com a PI resulta que: “Não foi possível confirmar na cobertura do prédio o que foi feito à tubagem de exaustão de fumos da casa do reclamante, contudo foi possível verificar que com o exaustor da cozinha ligado não existe qualquer extração de vapores, pelo que tudo indica ter sido alterada/removida a tubagem existente, uma vez que foi construída uma chaminé/churrasqueira naquele local”.
G. Assim, face à prova produzida em sede de discussão e julgamento, o Tribunal a quo deveria ter JULGADO COMO PROVADO, a al. c) dos factos dados como não provados.
*
SEM PREJUÍZO, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, E SE CONSIDERE QUE A AÇÃO DEVA SER JULGADA IMPROCEDENTE, OS RECORRENTES INSURGEM-SE QUANTO À CONDENAÇÃO DE LITIGÂNCIA DE Má-FÉ E CONDENAÇÃO NA TOTALIDADE DAS CUSTAS:

H. Foi entendimento do digníssimo Tribunal que os AA., aqui Recorrentes, “litigaram de forma temerária, alegando como verdadeiros factos que, não são resultaram como não provados, mas em que se provou o seu contrário, resultando, pois, na alegação de factos falsos. E, salvo devido respeito, para estes efeitos não releva a argumentação de que os autores estavam convencidos de que os factos alegados eram verdadeiros.”
I. Assim, o Tribunal condenou os AA., aqui Recorrentes, como litigantes de má fé, no pagamento de 3 (três) UC de multa.
J. Todavia, os Recorrentes discordam com a condenação quanto à litigância de má-fé.
K. Nos presentes autos, nada impede, ou impedia os Recorrentes de estruturar a sua ação, com base de relatório técnicos emitidos por Engenheiro Civil e pelo fiscal da Câmara Municipal ..., cfr. documentos nºs ...0 e ...1, juntos com a PI.
L. A Petição Inicial foi intentada suportada pelo doc. nº ...0 junto com a PI – relatório emitido por Engenheiro Civil:
(…) “DESCRIÇÃO DA PATOLOGIA IDENTIFICADA Após visita ao local verificou-se a ausência total da capacidade de extração do exaustor localizado na cozinha. O equipamento não apresenta qualquer sinal de avaria pelo que a patologia não poderá ser imputada ao mesmo. POSSÍVEIS CAUSAS E SOLUÇÕES DE REPARAÇÃO: A causa mais provável da patologia identificada será a obstrução do tubo de exaustão que tem a sua saída na cobertura, na respetiva chaminé. A obstrução não foi possível de ser averiguada ou identificada por não ter sido possível aceder ao local que é domínio privado do apartamento do piso de cima. A solução de reparação a propor só poderá ser avaliada após identificação “in situ” da possível obstrução.”
M. Ademais, a Petição Inicial também foi instaurada de acordo com o relatório emitido pelo Fiscal da Câmara Municipal ..., id. sob o doc. nº ...1 junto com a PI:
“Após várias deslocações ao local (fração ...) não consegui contatar o proprietário.
Não foi possível confirmar na cobertura do prédio o que foi feito à tubagem de exaustam de fumos da casa do reclamante, contudo foi possível verificar que com o exaustor da cozinha ligado não existe qualquer extração de vapores, pelo que tudo indica ter sido alterada/removida a tubagem existente, uma vez que foi construída uma chaminé/churrasqueira naquele local”.
N. Para além disso, os AA., aqui recorrentes enviaram missiva aos 1ºs RR. (doc. nº ...4 e ...5 junto com a PI) e notificação judicial avulsa (doc. nº ...6 junto com a PI), contudo, nunca obtiveram resposta por parte dos 1ºs RR. às missivas enviadas, para solucionar o assunto extrajudicial.
O. Não existe factualidade na douta sentença que sustente uma atuação dolosa, relativo a um dever processual.
P. Não pode ser considerado nos autos qualquer multa por parte dos Recorrentes, por estes eventualmente terem litigado de má-fé, pois, o mesmo não foi admitido.
Q. Também, não existem factos provados e não provados, para relevar a conduta dos Autores, aqui Recorrentes.
R. Trazemos à colação o sumário do Ac. do STJ, processo nº 03B3893, relator Quirino Soares, de 11.12.2003, disponível em www.dgsi.pt:
1- A verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico.
2- Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu.
3- Há que ser, pois, muito prudente no juízo sobre a má fé processual.
S- Não é, por exemplo, por se não ter provado a versão dos factos alegada pela parte que se pode ter provada a versão dos factos inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação dos Autores por litigância de má-fé.
T- Atentos os autos, cremos que não se demonstrou por parte dos Recorrentes qualquer atuação dolosa ou gravemente negligente, considerando-se, que uma eventual litigância de má-fé por parte da Recorrente, não resulta provada, nem se manifesta nos autos, com vista a conseguir um objetivo ilegal, a impedir a descoberta da verdade, ou a entorpecer a ação da justiça.
U. Distintamente, porém, exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte (Abílio Neto, Código de Processo Civil anotado, anotações ao art.º 456º, citando Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 20/6/1990; Ac. STJ de 10/4/80; 19/9/91; 3/7/84, in www.dgsi.pt) – sublinhado nosso.
V. Com efeito, o Tribunal a quo, não deu como provado qualquer facto na douta sentença, segundo a sua prudente convicção (vide art. 607º, nº 5 do CPC), que possa originar a condenação dos Recorrentes em litigante de má-fé.
W. Não estão preenchidos no âmbito dos autos, os pressupostos patentes no art. 542º do CPC.
X. Entendem os Recorrentes, salvo devido respeito por opinião contrária, deve ser revogada a condenação como litigante de má-fé, por injusta, uma vez que sempre agiram de boa fé.
Y. Pelo que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não fez a correta interpretação e aplicação da Lei, ao condenar os Recorrentes como litigantes de má-fé, sendo a procedência do presente recurso, em nosso entender, manifesta.
Z. A douta sentença recorrida, é violadora das mais elementares normas, designadamente os arts. 527º, 528º, 536º, 542º, 607º, nº 6, todos do CPC e art. 27º, nº 3 do Regulamento das Custas Processuais.
- Das Custas processuais
AA. Na douta sentença proferida, o Tribunal a quo decidiu condenar os Autores nas custas da ação: “Custas pelos autores, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC”.
BB. Os AA. na sua petição inicial, peticionaram: “A. Reconhecer que a cobertura da fração dos 1ºs RR, melhor id. no art. 18º deste articulado, constitui parte comum do condomínio Edifício ...; B. Reconhecer que a chaminé, que se encontrava na cobertura da fração dos 1ºs RR, melhor id. no art. 18º deste articulado – e demolida pelos 1ºs RR. ou por alguém a seu mando, constitui parte comum do condomínio Edifício ...”;
CC. Vislumbrando as doutas contestações apresentadas pelos RR., aqui Recorridos, denota-se que os mesmos contestaram todos os pedidos formulados pelos AA., aqui Recorrentes, ora vejamos:
DD. Contestação apresentada pelos 1ºs RR.: “Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Va. Exa., deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, tudo com as legais consequências”.
EE. Contestação apresentada pela 2ª R.: “TERMOS EM QUE deve a presente ação ser julgada improcedente, por não provada, com as legais consequências”.
FF. Os pedidos formulados pelos Autores em I. A e B, foram julgados procedentes, pelo que, salvo devido respeito por opinião contrária, andou mal o Tribunal a quo em condenar os Recorrentes na totalidade das custas.
GG. Os pedidos I a), b), foram julgados procedentes, pelo que os AA. não deverão ser considerados partes vencidas no processo, e sujeitar-se ao pagamento das custas na sua totalidade.
HH. Assim sendo, os RR. Aqui Recorridos contestaram TODOS os pedidos FORMULADOS pelos Recorrentes, na sua petição inicial, inclusive os pedidos das als. a) e b) em I.
II. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, a douta sentença não fixou corretamente as custas processuais, já que em relação à ação, as custas devem ser suportadas da seguinte forma: ½ a cargo dos Autores, aqui Recorrentes, e ½ a cargo dos Réus, aqui Recorridos.
JJ. Estamos perante um erro de julgamento, que se deixa consignado para os devidos efeitos legais.
KK. Assim sendo, violou a douta sentença, os artigos estabelecidos nos artigos 607º e 608º do CPC, entre outros.
LL. Assim sendo, violou a douta sentença, os preceitos estabelecidos nos arts. 607º, nº 6, 527º, 528º, 536º, entre outros do CPC.
NESTES TERMOS, e pelos motivos supra alegados:
A) deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, e, em consequência, revogar-se a douta sentença proferida nos autos e julgar a ação totalmente procedente;
Sem prejuízo, caso assim não se entenda, e se considere que a ação deva ser julgada improcedente, os recorrentes insurgem-se quanto à condenação de litigância de má fé e condenação na totalidade das custas:
B) revogar a douta sentença na qual condenou os Autores como litigantes de má-fé, por infundada.
C) Mais se requer a V. Ex.ª que as custas fixadas na douta sentença sejam revogadas, e fixá-las nas respetivas proporções: 1/2 a cargo dos Recorrentes e 1/2 a cargo dos Recorridos.
Assim farão Vossas Excelências, como sempre, a devida, JUSTIÇA”.

Apenas os apelados CC e DD contra-alegaram pugnando pela improcedência da apelação.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo esta Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento do que se acaba de dizer, as questões que se encontram submetidas à apreciação do tribunal ad quem resumem-se ao seguinte:
a- se a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto quando nela se julgou como não provada a facticidade da alínea c) e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe julgar essa facticidade como provada.
b- se, na sequência da procedência da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos apelantes, a decisão de mérito constante da sentença padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe julgar a ação totalmente procedente e condenar os apelados em todos os pedidos formulados pelos apelantes na petição inicial, a título principal ou subsidiário;
c- independentemente da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos apelantes proceder, se a sentença recorrida padece de erro de direito quanto à condenação daqueles como litigantes de má-fé e quanto à sua condenação no pagamento da totalidade das custas e se, em consequência, se impõe revogar esses segmentos decisórios e absolver os apelantes do pedido de condenação como litigantes de má fé e, em sede de condenação de custas, condenar apelantes (Autores) e apelados (Réus) nas custas na proporção do respetivo decaimento, fixando este em ½ para os Autores e em ½ para os Réus.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade com relevo para a decisão a proferir na presente ação:
1) Na localidade de ..., freguesia das ... (atual União das Freguesias ..., ... e ...), concelho ..., encontra-se edificado um prédio, denominado Condomínio Edifício ..., sito na Travessa ..., ..., da União das Freguesias ..., ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...22, correspondente ao artigo antigo ... da extinta freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...28,
2) … o qual se encontra constituído em regime de propriedade horizontal,
3) … e é composto por cave, ..., ... andar e ... andar ..., destinado à habitação, com logradouro, com área total do terreno de 2.964,00 m2, área de implantação de edifício de 1.149,50,
4) … sendo constituído por 22 frações autónomas, independentes, distintas e isoladas entre si, todas elas com saída própria para a via pública ou para uma parte comum do prédio.
5) O prédio referido em 1) é constituído por blocos.
6) A 2ª R. foi constituída em 18-10-1999, possuindo o CAE nº ... – Administração de Condomínios.
7) A 2ª R. dedica-se à “Constituição e gestão de condomínios, serviço de limpeza e manutenção geral de edifícios, serviços de jardinagem e arranjos exteriores de prédios. Serviços administrativos de cobrança; Administração de imóveis por conta de outrem; Comércio de artigos de papelaria, material de bricolage, produtos de limpeza, artigos de iluminação e comércio materiais para a construção civil”.
8) A 2ª R. foi eleita administradora do condomínio do edifício referido em 1), …
9) ... e exerce a atividade de administração, auferindo uma remuneração.
10) Por escritura pública, outorgada a 29 de março de 1999, o Autor-marido declarou adquirir a M... Limitada a propriedade da fração autónoma, designada pela letra ..., ..., do prédio referido em 1), e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...22º, correspondente ao artigo antigo ... da extinta freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...28, da freguesia ..., conforme documento junto aos autos a fls. 36v. e 37, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
11) Os AA. por si e ante possuidores, há mais de 5, 10, 15 e 20 anos usam a fração descrita em 10), habitando a fração, fazendo obras, pagando o seu custo e respetivos impostos.
12) O que fazem à vista e com o conhecimento de todos.
13) Sem oposição de quem quer que seja.
14) De forma ininterrupta.
15) Sempre convencidos que exercem um direito próprio, que são donos da fração autónoma, como tal atuando e por todos considerado como tal, convencidos que não prejudicam ninguém.
16) A propriedade das frações autónomas, designadas pelas letras ... e ..., correspondentes ao ... andar-..., sita no Condomínio Edifício ..., em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., no Lugar ..., ..., da União das Freguesias ..., ... e ..., concelho ..., inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...22, correspondente ao artigo antigo ... da extinta freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...28, da freguesia ..., mostra-se registada a favor do 1º réu CC, conforme documento junto aos autos a fls. 7v e 8, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
17) As frações autónomas ... e ... encontram-se por cima da fração dos AA.
18) As frações ... e ... são dotadas de um terraço que constitui a cobertura do edifício referido em 1)…
19) … e onde se encontra uma chaminé edificada, de modo a extrair o fumo proveniente da cozinha da fração dos AA.
20) Desde a data referida em 10), que fração descrita em 10) possui na cozinha dos AA. um exaustor de fumos, contendo um tubo de exaustão, tendo a sua saída na cobertura do prédio dos 1ºs RR.
21) Os AA. sempre utilizaram o referido exaustor e a chaminé, para que os fumos da sua fração saíssem para o exterior.
22) Os AA. utilizam a referida chaminé, reiteradamente, no seu dia-a-dia…
23) A referida chaminé é o único meio de extração dos fumos acumulados no interior da habitação dos AA., pelos atos normais de cozinhar.
24) Há mais de 5, 10, 15, 20 anos que os AA. na total fruição dessa fração, vêm utilizando a cozinha e consequentemente a chaminé, fazendo-o ininterruptamente, contínua e reiteradamente, à vista de toda a gente e sem oposição de terceiros.
25) A confeção de tais refeições na cozinha, origina cheiros e fumos intensos no interior da fração dos AA.
26) Os factos referidos em 20), 21) e 25) factos eram do conhecimento dos 1ºs RR. e da 2ª R.
27) Os condóminos do prédio referido em 1) reuniram-se em Assembleia no dia 16/2/2019 e aí exararam em ata: “Por último, deliberou a assembleia promover uma reunião conjunta no edifício, em data a definir, para avaliar sobre as alegadas alterações promovidas nas chaminés na cobertura e que estarão a provocar danos e transtornos nas frações abaixo. Nesta reunião, para além da administração, deverá contar com os membros da comissão de condóminos, o proprietário queixoso, da fração ... e o proprietário das frações recuadas, “VX”, que disponibilizou o acesso à cobertura. Também foi requerida a presença do empreiteiro Sr. EE.
Ponto aprovado por unanimidade.”, conforme documento junto aos autos a fls. 14 a 16, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
28) Os condóminos do prédio referido em 1) reuniram-se em Assembleia no dia 29/2/2020 e aí exararam em ata: “a) Foi agendada visita da firma L... ao edifício para avaliar as saídas de cheiros e fumos das frações ... e ..., que ficam no mesmo alinhamento, em diferentes pisos. O acesso à cobertura foi garantido pelo proprietário da fração .... A visita acontecerá no próximo dia 10 de março. (…)”, conforme documento junto aos autos a fls. 17 a 20, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
29) Os AA. endereçaram uma carta aos 1ºs RR., solicitando-lhe que “… proceda à reconstrução da chaminé …”, conforme documento junto aos autos a fls. 20 v e 21, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
30) Os Autores requereram, e foi deferido, a notificação judicial avulsa do 1º Réu CC, notificando-o para que “proceda à reconstrução da chaminé, … no prazo de 15 dias.”, conforme documento junto aos autos a fls. 23 a 25, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
31) o A. marido padece de doença pulmonar crónica.
32) A A. esposa padece de depressão.
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(Da contestação dos 1ºs réus)
33) O Réu CC adquiriu, no estado de solteiro, as frações autónomas identificadas pelas letras ... e ..., em 10 de julho de 2008, por escritura pública, outorgada na data referida e exarada a fls. 28 a fls. 31 verso, do Livro ...36..., do Cartório Notarial ..., a FF e esposa, GG, seus pais, conforme documento junto aos autos a fls. 47v a 60, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
34) Os 1ºs Réus são casados entre si no regime de separação de bens, conforme certidão junta aos autos a fls. 56v, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
35) FF e esposa, GG, adquiriram as frações em causa a 29 de março de 1999, à sociedade “M... Limitada”, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial ..., conforme documento junto aos autos a fls. 57v. a 59, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
36) A sociedade “M... Limitada” foi a construtora do prédio urbano, denominado “Edifício ...”.
37) Nem os 1ºRR., nem ninguém a seu mando, procederam à demolição de qualquer chaminé edificada e/ou existente no terraço de cobertura do prédio urbano referido em 1).
38) A chaminé referida em 19) serve de tiragem de fumos e cheiros a diversas frações autónomas do prédio referido em 1).
39) O terraço referido em 18) destina-se a uso exclusivo das frações autónomas ... e ....
40) A chaminé referida em 19) e 38) nunca foi demolida, permanecendo a mencionada chaminé implantada e/ou edificada no aludido terraço de cobertura.
41) Os RR. não obstruíram qualquer tubo de exaustão que se encontrasse na saída da cobertura, na respetiva chaminé.
42) Os RR. nunca mexeram ou alteraram a estrutura da chaminé ou executaram qualquer tipo de trabalhos ou obra que modificasse as características da chaminé, ou alterasse a sua linha arquitetónica ou estética.
43) A sociedade “M... Limitada”, ainda enquanto proprietária da totalidade das frações autónomas que compõem o prédio referido em 1), edificou uma churrasqueira no terraço de cobertura referido em 18).
44) Quando o R. marido, CC, comprou aos seus pais, os ditos FF e GG, as frações autónomas identificadas pelas letras ... e ..., já existia a churrasqueira referida em 43).
45) A churrasqueira referida em 43) é mais baixa que a chaminé, não impedindo ou prejudicando a tiragem de fumos e cheiros das frações autónomas que pela referida chaminé são servidas.
46) Os 1º RR. sempre se disponibilizaram a permitir o acesso ao terraço de cobertura para verificar o estado da chaminé e a executar quaisquer obras, nomeadamente de reparação ou conservação e de manutenção da mencionada chaminé.
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(Da contestação da 2ª ré)
47) Na sequência da deliberação referida em 27), o condomínio diligenciou pela verificação de potenciais obstruções na chaminé e colocaram-se as campânulas nas saídas dos tubos para melhorar a extração.
48) Na sequência da deliberação referida em 28), foi enviado o próprio técnico de assistência da administração ao edifício, HH, tendo este resolvido o problema que afetava a fração ... do ... andar, substituindo os tubos de exaustão.
49) Os Autores, por sua vez, não permitiram a mesma intervenção.
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Por sua vez, a 1ª Instância julgou não provada a facticidade que se segue:
(Da PI)
a) Atualmente já não se se encontre edificada uma chaminé no terraço referido em 18), de modo a extrair o fumo proveniente da cozinha da fração dos AA.
b) Em data que os AA. não logram determinar, os 1ºs RR. ou alguém a seu mando, - e com o conhecimento da 2ª R., procederam à demolição da chaminé na sua cobertura.
c) Os 1ºs RR. obstruíram o tubo de exaustão que se encontra na saída da cobertura, na respetiva chaminé, com o conhecimento da 2ª R.
d) A demolição levada a cabo pelos 1ºs RR. e com o conhecimento da 2ª R., causou forte retenção do fumo e cheiros na cozinha dos autores.
e) No local onde se encontrava edificada chaminé – e na cobertura – os 1ºs RR. edificaram uma churrasqueira, com o conhecimento da 2ª R.,
f) … provocando a limitação de extração de fumos na fração dos AA.
g) A conduta dos 1ºs RR. e com a anuência da 2ª R., supra descrita impediu os AA. de procederem à exaustão dos fumos próprios da sua fração autónoma, principalmente da sua cozinha.
h) A demolição da chaminé – levada a cabo pelos 1ºs RR. ou por pessoa a seu mando, e com o conhecimento da 2ª R., importou uma alteração da estrutura do edifício.
i) Os autores intimaram várias vezes, para que tanto os 1ºs RR., como a 2ª R. para que colocassem a chaminé no estado em que se encontrava aquando da aquisição da fração por parte dos AA., bem como, impedissem a obstrução do tubo de exaustão,
j) A 2ª R. não resolveu os problemas relacionados com a demolição da chaminé, edificação de churrasqueira levados a cabo pelos 1ºs RR. e obstrução da extração dos fumos / cheiros na fração autónoma dos AA.
k) Os 1ºs RR. não pretenderam levantar a missiva, referida em 29) dos factos provados.
l) Os autores hajam notificado a 1ª ré DD, nos termos referidos em 30º dos factos provados.
m) Por diversas vezes que os AA. informaram o Condomínio – aqui 2ª R. acerca dos atos levados a cabo pelos 1ºs RR. – nomeadamente da demolição da chaminé…
n) que originou à ausência total da capacidade de extração do exaustor localizado na cozinha.
o) Tais intimações junto do Condomínio – aqui 2ª R., foram levadas à consideração da Reunião de Condomínios.
p) A 2ª R. deu anuência à demolição da chaminé, e edificação de churrasqueira.
q) Os AA. foram obrigados a contratar os serviços de engenheiro civil, de forma a elaborar relatório, para instruir a presente ação.
r) Os AA. também condóminos do Ed. II, não logram proceder à reparação de obras urgentes e indispensáveis, porquanto não possuem acesso à cobertura que se encontra na fração dos 1ºs RR.
s) Em consequência direta e necessária da conduta dos RR., os fumos e cheiros, ficaram retidos na fração autónoma dos AA. e originou a irritação das vias respiratórias dos AA., com constantes acessos de tosse, lacrimejo e comichão nos olhos.
t) A demolição provocou um agravamento da saúde do autor marido.
u) A retenção dos fumos na fração dos autores, provocada pela conduta dos réus provocou o agravamento da doença da autora mulher.
v) Os réus privaram os AA. totalmente, contra a sua vontade, da fruição plena da sua fração, designadamente da extração de fumos pela chaminé.
w) Procederam os RR. sem consentimento dos AA. e de má fé.
x) A conduta por parte dos RR., ao demolir a chaminé, causou grandes preocupações e transtornos aos AA.,
y) ... assim como, grande revolta e inquietação.
z) Como consequência direta e necessária por parte da conduta dos RR., os AA. não conseguiram descansar devidamente.
aa) Os AA. sentem incómodos, tristeza e stress, em virtude dos RR. devassarem a propriedade dos AA.
bb) Os AA. não têm condições de subsistência, porquanto se acumula muito fumo e cheiros dentro da habitação dos AA.
cc) Os 1ºs RR. pretendem atormentar os autores.
dd) Os 1ºs RR. pretendem aproveitar-se da boa índole dos AA., designadamente da humildade e ingenuidade,
ee) … que conseguiram, até aos dias de hoje.
ff) Resultaram fortes incómodos e canseiras, que os AA. não teriam, senão fosse, o comportamento dos RR.
gg) Os comportamentos dos RR. têm provocado desavenças e intrigas na relação conjugal dos AA.,
hh) … assim como, a tranquilidade e a paz que antes gozavam.
ii) Os AA. não gozam de um descanso tranquilo, devido à atuação dos réus.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Da impugnação do julgamento da matéria de facto.
(…)
Termos em que, sem mais, por desnecessárias, considerações, improcede a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos apelantes, mantendo-se inalterado o julgamento de não provado da facticidade da alínea c) dos factos não provados na sentença.

B- Do Direito.
Com exceção da condenação como litigantes de má fé e quanto à decisão de custas, os erros de direito que os apelantes assacam à decisão de mérito constante da sentença estavam dependentes do êxito da impugnação do julgamento da matéria de facto que operaram.
Na verdade, no âmbito do presente recurso, os apelantes não assacaram qualquer erro de direito às normas que foram selecionadas pela 1ª Instância na sentença sob sindicância, quanto à interpretação que nela foi feita dessas normas, nem quanto à aplicação que das mesmas foi realizada à facticidade que se quedou como provada ou não provada que não seja decorrência da procedência da impugnação do julgamento da matéria de direito que fizeram.
Ora, tendo essa impugnação do julgamento de facto improcedido, com exceção da condenação dos apelantes como litigantes de má fé e da decisão quanto a custas, declara-se prejudicado o conhecimento do recurso que interpuseram quanto à decisão de mérito.

B.1- Da condenação dos apelantes como litigantes de má fé.
A 1ª Instância condenou os apelantes como litigantes de má fé em multa, que fixou em três UC, com os seguintes fundamentos:
“Da matéria de facto provada verifica-se que não só a matéria de facto invocada pelos autores quanto à conduta da 2ª ré e quanto às alegadas obras feitas pelos 1º réus resultou não provada, como resultou provada matéria de facto oposta e contraditória com a invocada pelos autores.
Assim sendo, salvo o devido respeito, entendemos que os autores incorreram em litigância de má-fé pois que litigam de forma temerária, alegando como verdadeiros factos que, não só resultaram como não provados, mas em que se provou o seu contrário, resultando, pois, na alegação de factos falsos.
E, salvo o devido respeito, para estes efeitos não releva a argumentação de que os autores estavam convencidos de que os factos alegados eram verdeiros.
É que a alegação de factos como verdadeiros ou a negação de factos que subjetivamente a parte considere falsos “pode integrar litigância de má-fé se ocorrer violação do dever de pré-indagação em função dos mais elementares deveres de cuidado, numa atuação que se revele gravemente negligente.”, neste sentido acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07-12-2017, proferido no processo nº 1166/14.8TBGMR-B.G1 e consultado em www.dgsi.pt.
Assim sendo, conclui-se que os autores atuaram de forma temerária, imputando a ambos os réus factos que se demonstraram não ser verdadeiros, ofendendo por essa via os princípios da segurança jurídica e a confiança que os cidadãos depositam no sistema judicial, pelo que deverão ser condenados como litigantes de má-fé”.
Os apelantes não se conformam com essa condenação pretendendo terem instaurado e estruturado a presente ação com base no documento n.º ...0 junto com a petição inicial, em que o técnico que contrataram para indagar da causa ou causas da não exaustão dos fumos e cheiros do interior da sua cozinha aponta como “causa mais provável da patologia a obstrução do tubo de exaustão que tem a sua saída na cobertura, na respetiva chaminé”, obstrução essa que não foi possível “ser averiguada ou identificada por não ter sido possível aceder ao local que é domínio privado do apartamento do piso de cima”; do documento de fls. 11, também junto com aquele articulado inicial, emitido pelo fiscal da Câmara Municipal ..., em que refere que: “Após várias deslocação ao local (fração ...) não consegui contactar o proprietário. Não foi possível confirmar na cobertura do prédio o que foi feito à tubagem de exaustão de fumos da casa do reclamante, contudo foi possível verificar que com o exaustor da cozinha ligado não existe qualquer extração de vapores, pelo que tudo indica ter sido alterada/removida a tubagem existente, uma vez que foi construída uma chaminé/churrasqueira naquele local”.
 Concluem os apelantes não existir qualquer impedimento à instauração da presente ação com base nos identificados documentos, quando tiveram o cuidado de enviar as cartas que constituem os documentos n.ºs ...4 e ...5, juntos com a petição inicial, aos 1ºs Réus e procederam à notificação judicial avulsa destes (doc. n.º ...6, junto com o mesmo articulado), aos quais não obtiveram qualquer resposta, não existindo, na sua perspetiva, factualidade apurada na sentença que sustente uma atuação dolosa ou gravemente negligente daqueles relativa a um dever processual suscetível de ancorar a sua condenação como litigantes de má fé.
Vejamos se assiste fundamento aos apelantes para o erro de direito que imputam à sentença recorrida quando os condena como litigantes de má fé.
Constituem princípios estruturantes do processo civil nacional os princípios da cooperação e da boa fé processual.
O princípio da cooperação encontra-se consagrado no art. 7º, n.º 1 do CPC, onde se dispõe que, “na condução e intervenção do processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.
A cooperação é, assim, uma responsabilidade conjunta de todos os intervenientes processuais (magistrados, advogados, partes, testemunhas, peritos, etc.), mas é um dever que impende com especial incidência sobre o juiz, os mandatários e as partes, estando estes obrigados a cooperar entre si, por forma a transformar o processo civil numa “comunidade de trabalho”[1] e tendo, por isso, a obrigação de se absterem de atos que prejudiquem o normal decorrer do processo e de colaborarem para que o mesmo alcance o seu objetivo final, que é o de, com brevidade e eficácia, se obter a justa composição do litígio.
Deste modo, sem prejuízo das naturais divergências quanto à matéria de facto e à questão de direito em litígio, o dever de cooperação impõe às partes e aos seus mandatários a obrigação de “encarar o processo como um simples instrumento necessário à busca da solução justa, com reflexos na ilegitimidade de formulação de pretensões e argumentos inconsistentes, dedução de incidentes ou oposição sem fundamento razoável ou iniciativas tomadas com o mero objetivo de dilatar a conclusão do processo”[2].
O princípio da cooperação é reflexo ou expressão do princípio da boa fé processual, consagrado no art. 8º do CPC, o qual, por sua vez, é uma das vertentes em que se desdobra o princípio geral da boa fé.
Com efeito, a boa fé é uma norma de conduta que impõe a quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato a obrigação de proceder segundo essa regra, tanto nos preliminares como na formação do contrato (art. 227º do CC) e no cumprimento deste (art. 762º, n.º 2 do CC).
Nessa aceção (boa fé em sentido ético ou objetivo), agir de boa fé “é a consideração razoável e equilibrada dos interesses dos outros, a honestidade e a lealdade nos comportamentos”. Trata-se de “um conceito indeterminado, uma cláusula geral de direito privado, que cabe ao julgador preencher casuisticamente, de acordo com as circunstâncias do caso e as convicções historicamente dominantes em cada momento na sociedade”[3].
A boa fé em sentido ético ou objetivo é uma norma de conduta que naturalmente também tem de incidir sobre a relação jurídico-processual que tem como sujeitos principais as partes e o tribunal e que, por isso, estabelece as balizas de atuação de todos os que participem nessa relação jurídica, impondo-lhes uma conduta proba e leal.
Trata-se de uma “norma cogente, de ordem pública no sentido de que atua independentemente da vontade dos interessados e mesmo contra a vontade destes, que não podem impedir a sua aplicação (…) e que atua como norma delimitadora do exercício doutros princípios processuais como o do contraditório e o da igualdade das partes”[4].
Mas a boa fé pode também ser a convicção errónea e não culposa da existência de um facto ou de um direito ou da validade de um negócio.
Nessa aceção subjetiva ou em sentido psicológico,  a boa fé traduz-se na convicção errónea em que se encontra o sujeito de que o seu comportamento é conforme ao direito[5].
A violação do dever de cooperação a que se encontram legalmente adstritas as partes e os seus mandatários, quando essa infração decorra de uma quebra da boa fé processual em sentido objetivo (ético) ou subjetivo (psicológico) é suscetível de os fazer incorrer em litigância de má fé[6].
Neste sentido estabelece o n.º 2, do art. 542º do CPC que se diz “litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; ou d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Note-se que as situações de litigância de má fé que se encontram elencadas nas als. a) e b) acabadas de transcrever consubstanciam aquilo que a doutrina e a jurisprudência habitualmente denominam de litigância de má fé substantiva ou material, enquanto as als. c) e d) regem sobre a denominada litigância de má fé instrumental.
A litigância de má fé substantiva ou material relaciona-se com o mérito da causa, isto é, a parte, não tendo razão, conhecendo essa sua falta de razão ou tendo obrigação de dela ter conhecimento, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual.
Na modalidade de má fé substantiva ou material sanciona-se, assim, a conduta da parte que sabendo, ou tendo a obrigação legal de saber, que não tem razão, infringe o dever de não formular pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, ou que não devia ignorar, altera a verdade dos factos ou omite factos relevantes para a decisão.
Por sua vez, na má fé instrumental abstrai-se da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa e qualifica-se o comportamento processual que a mesma assumiu ao longo do processo como litigância de má fé, por essa sua conduta processual consubstanciar uma violação grave ao dever de cooperação (al. c), do n.º 2, do art. 542º) ou traduzir a utilização dos meios processuais para os fins ilegítimos que constam da al. d), do n.º 2, do art. 542º.
Conforme é bom de ver, embora a parte vencedora não possa incorrer em má fé substantiva ou material, já pode incorrer em má fé instrumental[7].
Note-se que a condenação como litigante de má fé é estritamente processual, uma vez que nela se sanciona o litigante por ter efetuado dos meios processuais que a lei adjetiva coloca à sua disposição um uso indevido, isto é, contrário ao fim para que o legislador lhos concedeu, representando a má fé uma das modalidades do dolo processual, que consiste na utilização maliciosa e abusiva do processo.
Na base da condenação como litigante de má fé não está, portanto, a violação pelo litigante de posições de direito substantivo, mas o seu sancionamento por ofensas cometidas no exercício da atividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo considerado[8].
Em suma, condena-se a parte como litigante de má fé não porque ao demandante não assista o direito substantivo a que se arroga titular, ou por o demandado, com a sua oposição ter colocado em crise o direito substantivo que assiste efetivamente ao demandante, mas porque, ao exercer o direito de ação ou de defesa ou ao utilizar os meios que a lei adjetiva coloca ao seu dispor para exercer esses direitos, a parte incorre no cometimento de um ilícito processual.
Neste sentido já expendia Alberto dos Reis que, na base da condenação como litigante de má fé, “(…) está o princípio da responsabilidade subjetiva: a culpa e o dolo do litigante. Se a parte procedeu de boa fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a sua conduta é perfeitamente lícita; por isso, em caso de insucesso, suporta unicamente o peso das custas, como risco inerente à sua atuação. Mas se procedeu de má fé ou com culpa, se sabia que não tinha razão ou se não ponderou com prudência as pretensas razões, a sua conduta assume o aspeto de conduta ilícita. Demandando ou contestando em tais circunstâncias, pratica um facto ilícito, um facto contrário à ordem jurídica; daí a sua responsabilidade subjetiva, emerge precisamente do seu estado de consciência – do dolo ou da culpa. Quer dizer, o que inquina o facto da parte, o que lhe imprime a mancha ou o vício, o que transforma de facto lícito em facto ilícito, é justamente o dolo ou a culpa com que ela se conduziu em juízo. (…). A ordem jurídica põe a tutela jurisdicional à disposição de todos os titulares de direitos; que no caso concreto o litigante tenha ou não razão, é indiferente: num e noutro caso goza dos mesmos poderes processais. Mas ao princípio da licitude do exercício dos meios processuais a mesma ordem jurídica põe uma limitação: que o exercício seja sincero, que a parte esteja convencida da justiça da sua pretensão. Quando falta este requisito, o ato passa a ter o caráter de ilícito. Estamos perante um ilícito processual (…). Por outras palavras, uma coisa é o direito abstrato de ação ou de defesa, outra o direito concreto de exercer a atividade processual. O primeiro não tem limites; é um direito inerente à personalidade humana. O segundo sofre limitações, impostas pela ordem jurídica; e uma das limitações traduz-se nesta exigência de ordem moral: é necessário que o litigante esteja de boa fé ou suponha ter razão. Portanto, revelada a má fé, torna-se patente que ele exerceu atividade ilícita. Há, em tal caso, segundo alguns, abuso de direito; parece-nos mais rigoroso dizer que não há direito”[9].
Antes da revisão ao CPC, operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12/11, apenas se sancionava como litigância de má fé a lide dolosa, isto é, o dolo processual, ou seja, a utilização maliciosa e abusiva do processo, a violação da boa fé em sentido ético ou objetivo, pelo que à  condenação das partes como litigantes de má fé era necessário que estas tivessem conhecimento da sua falta de razão e, ainda assim, assumissem propositadamente uma das condutas processuais tipificadas no n.º 2, do art. 542º do CPC, mas já não integrava litigância de má fé a lide temerária ou a litigância imprudente.
Acontece que, na sequência da mencionada revisão à lei adjetiva, com o objetivo de uma maior responsabilização das partes, o legislador ampliou a litigância de má fé à negligência grave, bastando agora que a parte desconheça da sua falta de razão por “negligência grave” para que incorra em litigância de má fé, passando-se, portanto, a sancionar-se as quebras à boa fé processual subjetiva em determinados condicionalismos.
Por “negligência grave” entende-se o desconhecimento em que incorre a parte por falta de adoção de precauções mínimas exigidas pelas mais elementares regras da prudência ou da previsão, que deve ser observada nos usos correntes da vida[10].
Na litigância de má fé por negligência grave está, assim, em causa uma questão de exigibilidade, tornando-se, necessário determinar se, desconhecendo a parte que não lhe assistia razão, lhe era (ou não) exigível que tivesse conhecimento dessa sua falta de razão e, no caso positivo, se esse seu desconhecimento apenas se deve a uma situação de negligência (em que não incorre em condenação como litigante, mas poderá ser alvo de condenação de taxa sancionatória excecional – art. 531º do CPC) ou antes a uma situação de negligência grave, isto é, grosseira, por não ter cuidado em adotar regras de cuidado mínimas, da mais elementar prudência ou previsibilidade que devem ser observados nos usos correntes da vida.
O parâmetro de aferição do dever de diligência que impende sobre a parte a ser considerado pelo julgador nessa aferição é o “da generalidade das pessoas ou de todas as pessoas, pertencentes à mesma categoria social e intelectual da parte real, colocada naquela situação em concreto”, pelo que apenas poderá concluir pela existência de uma situação de negligência grosseira e, consequentemente, pela verificação de uma situação de litigância de má fé, quando, feito o referido juízo, conclua que a generalidade das pessoas  da categoria social e intelectual da parte real, quando colocada nas concretas situações em que esta assumiu a conduta processual, se teria abstido de litigar, porquanto, cumpridos com os deveres de indagação a que se encontra legalmente adstrita, teriam concluído que a sua pretensão ou defesa não tinham fundamento[11].
Daí que se tem vindo a entender que a sustentação de teses controvertidas na doutrina e/ou na jurisprudência e a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, mesmo que integre litigância ousada, não integra litigância de má fé, porque não há um claro limite entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, no que concerne à interpretação da lei e à sua aplicação aos factos[12].
E se entenda que a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a juízo, assim como a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, não consubstancia litigância de má fé[13].
E finalmente, se subscreva o expendido no acórdão do STJ, de 28/05/2009, em que se pondera que: “Para a condenação como litigante de má-fé, exige-se que o procedimento do litigante evidencie indícios suficientes de uma conduta dolosa ou gravemente negligente, o que requer grande cautela para evitar condenações injustas. (…). Tal é exigência legal que deflui imediatamente, como corolário, do axioma antropológico da dignidade da pessoa humana proclamado pelo art. 1º da nossa Lei Fundamental, pois ninguém porá em causa o caráter gravoso e estigmatizante de uma condenação injusta como litigante de má fé. É esta dignidade, proclamada legal, constitucional e supranacionalmente, impeditiva de que a simples impugnação per positionem da versão de uma das partes seja considerada como integrando a «mala fides» sempre que a versão aposta à alegada seja provada, antes se exigindo que ela seja imputável subjetivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira”[14] destacado nosso.
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, os apelantes instauram a presente ação pedindo, além do mais, que os apelados fossem condenados a reconhecer que a cobertura da fração dos 1ºs Réus constitui parte comum do condomínio Edifício ... e que a chaminé que se encontrava na cobertura da dita fração – e demolida pelos 1ºs Rés, ou por alguém a seu mando -, constitui parte comum desse condomínio ou, subsidiariamente, a reconhecer que essa chaminé é propriedade dos apelantes, bem como a demolir a churrasqueira que os 1ºs Réus edificaram naquela cobertura, no lugar onde se encontrava a chaminé, condenando-se os apelados a reconstruir essa chaminé ou, subsidiariamente, a desimpedir a obstrução do tubo de exaustão que se encontra na saída da cobertura da fração, de forma a possibilitar a extração do fumo e cheiros retidos na fração dos apelantes.
As identificadas pretensões fundam-se, além do mais, na alegação dos apelantes de que “os 1ºs Réus, ou alguém a seu mando, com o conhecimento da 2ª Ré, procederam à demolição da chaminé na sua cobertura” (art. 31º da p.i.), e “obstruíram o tubo de exaustão que se encontrava na saída da cobertura, na respetiva chaminé, com o conhecimento da 2ª Ré” (art. 32º), em consequência do que, causaram uma “forte retenção do fumo e cheiros na cozinha” dos mesmos (art. 33º) e, no local onde se encontrava edificada a chaminé, os 1ºs Rés edificaram uma churrasqueira, com o conhecimento da 2ª Ré, provocando a limitação de extração de fumos na fração” (arts. 34º e 35º do mesmo articulado).
Nas contestações que apresentaram, os apelados imediatamente alegaram não terem procedido à demolição da chaminé a que se reportavam os apelantes, nem terem procedido a qualquer intervenção ao nível do tubo de exaustão, os quais se encontram presentes na cobertura no estado em que sempre aí estiveram.
Essa versão dos factos apresentada pelos apelados foi aquela que se veio a apurar nos presentes autos (cfr. pontos 41 e 42º da facticidade apurada).
Acontece que, a circunstância da chaminé e do tubo de exaustão se situarem no terraço das frações ... e ..., propriedade do 1º Réu CC, desse terraço se destinar a uso exclusivo dessas frações (cfr. pontos 16º, 18º, 19º, 33º e 34º da facticidade apurada), não tendo, por isso, os apelantes livre acesso ao referido terraço e, bem assim, o facto de não se ter apurado que a chaminé fosse visível do exterior do edifício, por forma a que os últimos pudessem verificar do exterior desse edifício se essa chaminé tinha ou não sido demolida, não permite imputar a errónea alegação dos apelantes de que os 1ºs Réus tinham demolido a chaminé em causa e obstruído o tubo de exaustão, a título de dolo.
E, salvo o devido respeito por opinião contrária e melhor opinião, também não se subscreve a posição da 1ª Instância  segundo a qual os apelantes não terão cumprido com os deveres de pré-indagação que sobre eles impendiam por forma a averiguarem se a causa de acumulação de fumos e de cheiros na fração de que são proprietários se devia ou não à demolição da dita chaminé e/ou à obstrução do tubo de exaustão, condutas essas que imputaram erroneamente à conduta dos 1ºs Réus, com o pretenso conhecimento e consentimento da 2ª Ré, agindo, por isso, na perspetiva do tribunal a quo com grave negligência.
Com efeito, os apelantes queixaram-se junto da 2ª Ré da acumulação de fumos e cheiros na fração de que são proprietários decorrentes de alterações promovidas pelos 1ºs Réus na chaminé que se situava (e situa) na cobertura que serve de terraço às frações dos últimos.
Na sequência dessa queixa, os condóminos reuniram em assembleia geral em 16/02/2019, em que deliberaram promover a realização de uma reunião conjunta, no edifício, em data a definir, para avaliar essas alegadas alterações promovidas na chaminé, e em que estariam presentes, nessa reunião, os membros da comissão de condóminos, o proprietário queixoso da fração ..., isto é, o apelante, e o proprietário das frações ... e ..., ou seja, o 1º Réu CC (cfr. ponto 27º da facticidade apurada).
Na assembleia de condóminos que teve lugar em 29/02/2020 foi agendada uma visita de um empreiteiro para avaliar as saídas de cheiros e fumos na fração dos apelantes e de um outro condómino (fração ...), cuja fração ficava no mesmo alinhamento da fração dos apelantes, a ser realizada em 10 de março de 2020, disponibilizando-se o 1º Réu CC a dar acesso à cobertura para que essa visita fosse concretizada (cfr. ponto 28º da facticidade apurada).
A dita visita veio a ser realizada, embora se desconheça se na data de 10 de março de 2020 para que foi agendada (dado que esse facto não foi apurado) e, na sequência dela, foram colocadas campânulas nas saídas dos tubos de exaustão para melhorar a extração e foram substituídos os tubos de extração da fração ..., com o que ficou resolvido o problema de retenção de fumos e de cheiros ao nível dessa fração ..., mas não foi feita a substituição dos tubos de extração na fração dos apelantes por estes não o terem permitido (cfr. pontos 48º e 49º da facticidade apurada).
Acontece que, não estando provado que, na sequência da intervenção ocorrida ao nível da fração ..., os apelantes tivessem tido conhecimento que a retenção de fumos e de cheiros verificada ao nível da mencionada fração ... ficou resolvida com a obra nela realizada de substituição dos tubos de extração, nada nos autos permite concluir que os mesmos, ao instaurarem a presente ação, imputando erroneamente como causa da retenção de fumos e cheiros ao nível da sua fração ... facto dos 1ºs Réus terem demolido a chaminé e obstruído o tubo de extração, com o conhecimento e consentimento da 2ª Ré, tivessem agido com negligência grosseira.
Com efeito, a retenção de fumos e cheiros ao nível da fração dos apelantes (e da fração ...) era uma situação real.
Qualquer observador externo que se deparasse com uma situação de retenção de fumos e de cheiros na sua fração, que antes não se verificava ao nível desta, poderia, razoável e justificadamente, imputar essa situação ao facto do condómino em cuja cobertura se localizava a chaminé e o tubo de extração de fumos e cheiros dessa sua fração, ou seja, aos 1ºs Réus, os quais teriam realizado uma qualquer intervenção ao nível da chaminé e/ou do tubo de exaustão geradora de semelhante situação.
Acresce que, perante as queixas que os apelantes apresentaram junto da administração do condomínio e a persistência da situação de retenção de fumos e cheiros ao nível da sua fração, mesmo após a sobredita visita do empreiteiro com vista a solucionar essa patologia, quando essa situação persistiu, seria razoável e justificado concluir que essa intervenção levado a cabo ao nível da chaminé e/ou do tubo de extração, fora realizada pelos 1ºs Réus com a autorização ou, pelo menos, com o consentimento implícito da 2ª Ré, já que não vislumbrava a tomada por parte desta de uma atitude eficaz tendente a pôr termo à referida  patologia.
Esse estado de convencimento dos apelantes apenas poderia ser tido como injustificado e desrazoável caso se tivesse apurado nos autos que os mesmos tinham possibilidade de visualizar a chaminé do exterior do edifício, de modo a poderem certificar-se se a chaminé tinha ou não sido demolida, ou, caso se tivesse apurado que os mesmos tiveram conhecimento que, na sequência da intervenção realizada pelo empreiteiro ao nível da fração ..., traduzida na substituição dos tubos de exaustão dessa fração (intervenção essa que os apelantes não consentiram fosse realizada na sua fração), os problemas de fumos e cheiros ocorridos ao nível dessa fração ... ficaram solucionados, levando-os, nesse caso, a concluir que as causas da patologia não eram as que imputavam aos Réus, mas ao eventual desgaste ou a patologias verificadas ao nível do tubo de exaustão da sua fração ... que tudo se queda por provar nos autos.
Acresce que o razoável e justificado convencimento dos apelantes quanto à causa da retenção de fumos e de cheiros verificado ao nível da sua fração que imputaram indevidamente ao comportamento dos 1ºs Réu sai reforçado quando se verifica que os mesmos contrataram um técnico habilitado para apurar da causa ou causas dessas anomalias, e que este, no relatório junto aos autos a fls. 11 verso e 12, datado de 29/07/2020, isto é, já após a realização das assembleias de condomínios acima referidas e, com elevado grau de probabilidade, já depois da visita feita pelo empreiteiro ao edifício e da intervenção que realizou ao nível da fração ..., apesar de não ter tido acesso às frações do 1º Réu, onde se encontrava o terraço em que a chaminé e o tubo de extração de fumos e cheiros da fração dos apelantes se encontram instalados, concluiu que: “A causa mais provável da patologia verificada será a obstrução do tubo de exaustão que tem a sua saída na cobertura, na respetiva chaminé”, acrescentando: “é do conhecimento geral que existiram obras de construção no terraço acima da fração referida, pelo que poderão ter existido alterações que possam ter acusado a patologia identificada, mas esta situação só poderá ser avaliada após visita ao local para comparar a existência de alterações relativamente ao projeto licenciado”.
E sai também reforçado quando se verifica que os apelantes apresentaram uma denúncia junto da Câmara Municipal ... e que o fiscal que se deslocou ao local elaborou o relatório, datado de 25/08/2020, junto aos autos a fls. 13 verso, em que informa que: “Após várias deslocações ao local (fração ... e ...) não consegui constatar o proprietário”, isto é, o 1º Réu e, por isso, “não foi possível confirmar na cobertura do prédio o que foi feito à tubagem de exaustão de fumos da casa do reclamante, contudo, foi possível verificar que com o exaustor da cozinha ligado não existe qualquer extração de vapores, pelo que tudo indica ter sido alterada/removida a tubagem existente, uma vez que foi construída uma chaminé/churrasqueira naquele local”.
Destarte, em face da facticidade apurada e do teor dos relatórios que se acabam de referir, não é certo que, antes de instaurarem a presente ação, os apelantes não tivessem encetado diligências a fim de averiguarem da causa ou causas para a retenção de fumos e cheiros na fração de que são proprietários, posto que o fizeram.
O resultado dessas diligências, realizados por técnicos habilitados, que acima se transcreveram, eram aptos a criar nos apelantes o razoável convencimento que as causas das patologias verificadas ao nível da sua fração se deviam ao facto dos 1ºs Réus, com o conhecimento e o consentimento, pelo menos, implícito, da 2ª Ré, terem demolido a chaminé e/ou obstruído o tubo de exaustão relativos à fração de que são proprietários.
Poderá argumentar-se que, antes de instaurarem a presente ação e de fazerem as referidas imputações aos Réus, que se vieram a revelar serem falsas, impunha-se que os apelantes tivessem encetado diligências para que o técnico e o fiscal municipal, autores dos mencionados relatórios, tivessem acesso ao terraço, a fim de se certificarem se essas causas (prováveis) para as patologias verificadas ao nível da fração que apontaram nos seus relatórios se confirmavam ou não, uma vez que, conforme neles se refere, aqueles não tiveram acesso ao terraço onde se encontravam erigidos a chaminé e  o tubo de exaustão, diligência essa que o técnico contratado pelos apelantes refere ser necessária para que pudesse chegar a uma conclusão definitiva.
Contudo, o facto dos apelantes assim não terem procedido, face às diligências de indagação que tiveram o cuidado de encetar antes de instaurarem a presente ação, o teor daqueles relatórios, a gravidade das patologias que se verificavam ao nível da sua fração ... longo período de tempo em que essas patologias já persistiam sem que vislumbrassem resolução para as mesmas, bem como a facticidade que se apurou nos autos e que acima se analisou e, sobretudo, a facticidade que se quedou por apurar, quando muito, permite concluir que os apelantes, ao instaurarem a presente ação sem terem diligenciado pela realização daquela diligência, agiram negligentemente, mas não com negligência grosseira, indispensável à sua condenação como litigantes de má fé.
Resulta do que se vem dizendo que, ao condenar os apelantes como litigantes de má fé, quando não se trata de factos pessoais, de que os apelantes tivessem necessariamente conhecimento, e quando a facticidade que se apurou nos autos se revela insuficiente para que se possa concluir que os mesmos, ao instaurarem a presente ação, imputando erroneamente as patologias verificadas ao nível da sua fração à demolição da chaminé e à obstrução do tubo de extração pretensamente promovidas pelos 1ºs Réus, com o conhecimento e o consentimento da 2ª Ré, agiram com negligência grosseira, a 1ª Instância incorreu em erro de direito, impondo-se revogar o segmento decisório da sentença recorrida em que assim se decidiu e absolvê-los dessa condenação.

B.2- Da decisão quanto a custas.
Os apelantes imputam erro de direito à sentença recorrida quanto à decisão nela proferida relativa à condenação em custas, sustentando que a 1ª Instância não os podia condenar na totalidade das custas da presente ação, dado que os Réus, nas respetivas contestações, pugnaram pela total improcedência da ação e a ação foi julgada parcialmente procedente, pretendendo que se altere esse segmento decisório no sentido de se condenar cada uma das partes nas custas na proporção do respetivo decaimento, que pretendem ver fixado em metade para os próprios e na restante metade para os Réus, mas sem razão.
Vejamos:
Nos termos do n.º 6, do art. 607º do CPC, no final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade.
Na contestação de fls. 41 a 46, os apelados CC e DD concluíram esse articulado pedindo que a ação instaurada pelos apelantes fosse “julgada totalmente improcedente, por não provada, tudo com as legais consequências” (cfr. fls. 46), o mesmo acontecendo com a 2ª Ré.
Também é certo que, na sentença sob sindicância, a 1ª Instância julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou os Réus (apelados) a reconhecer que a cobertura e chaminé existente no prédio referido em 1) dos factos provados constituem partes comuns desse mesmo prédio, absolveu os Réus de tudo o mais peticionado e condenou os Autores (apelantes) como litigantes de má fé em multa de três UC e, no final, proferiu decisão quanto a custas, condenando os apelantes no pagamento da totalidade das custas do processo, nos termos do disposto no artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Acontece que, tal como a parte dispositiva da sentença tem de ser interpretada por referência aos fundamentos de facto e de direito que lhe servem de fundamento[15], também os pedidos deduzidos pelo autor, na petição inicial, têm de ser lidos e interpretados à luz da causa de pedir por ele invocada nesse articulado inicial, assim como a parte final com que o réu conclui a contestação tem de ser lida e interpretada à luz da defesa, por impugnação e/ou exceção, que apresenta nesse articulado.
Sendo assim, conforme é, nas contestações que apresentaram, nenhum dos Réus colocou em crise que o terraço e a chaminé sejam partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal, mas antes aceitaram expressamente essa qualificação jurídica.
Com efeito, nos pontos 11º da contestação, os 1ºs Réus alegam expressamente que: “ (…) o terraço de cobertura constitui parte comum do aludido prédio urbano, nos termos do disposto no art. 1421º, n.º 1, al. b) do CC, ainda que se destine, como efetivamente se destina, a uso exclusivo das frações autónomas, identificadas pelas  letras ... e ..., propriedade do Réu CC, que os Réus sempre admitiram ser parte comum do edifício nos termos referidos”, e no art. 12º do mesmo articulado alegam: “Constituindo igualmente a chaminé, que se encontra edificada no mencionado terraço de cobertura (a chaminé existe e sempre existiu) e que serve de tiragem de fumos e cheiros de diversas frações autónomas localizadas no citado prédio urbano, parte comum, nos termos do disposto no art. 1421º, n.º 2, al. e) do CC, que os Réus também sempre aceitaram ser parte comum do edifício em causa”.      
Por sua vez, no ponto 53º da contestação que apresentou, a 2ª Ré alega que: “não há qualquer dúvida de que a cobertura do edifício é obrigatoriamente comum, facto que a aqui 2ª Ré reconhece sem qualquer problema e que não foi, de resto, posto em causa por quem quer que seja, fosse pelos 1ºs Réus, fosse pela 2ª Ré, fosse por qualquer outro condómino”, e no ponto 54º desse mesmo articulado aduz: “O mesmo se diga da chaminé, que se encontrava e encontra na cobertura e que nunca foi demolida por quem quer que fosse e que é parte comum do prédio, como também nunca alguém pôs em causa!!!”.
Destarte, quer os 1ºs Réus, quer a 2ª Ré aceitaram expressamente que quer a cobertura do edifício onde se encontra instalada a chaminé, quer a própria chaminé, são partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal, pelo que o único sentido interpretativo que é possível extrair da parte final das contestações que apresentaram, em que pediram que a ação  fosse “julgada totalmente improcedente, por não provada, tudo com as legais consequências”, é no sentido de que todas as pretensões (pedidos) deduzidas pelos apelantes fossem julgadas improcedentes, por não provadas, à exceção do pedido de condenação daqueles a reconhecer que a dita cobertura e chaminé são partes comuns do edifício, pelo que os réus não deram causa à presente ação e não contestaram, mas antes reconheceram expressamente  a realidade jurídica em que foram condenados por via da parcial procedência de presente ação – a cobertura e a chaminé existentes no prédio constituem parte comum do edifício.
Neste sentido lê-se, no n.º 1, do art. 535º do CPC, que: “Quando o reu não tenha dada causa à ação e a não conteste, são as custas pagas pelo autor”, elencando, o seu n.º 2, de modo meramente exemplificativo, situações em que se tem de considerar que o réu não deu causa à ação e que, portanto, não tem de ficar responsabilizado pelo pagamento das custas do processo[16].
Nessas situações, o legislador afasta o critério geral vigente no âmbito das custas (critério do vencimento), mas acentua o critério da causalidade, o qual implica que as custas do litígio em matéria de direito privado devem ser suportadas pela parte que determinou a intervenção judicial, reconhecendo-se que se, em regra, quem dá causa à necessidade dessa intervenção é a parte vencida, na proporção em que o for, casos existem em que, apesar de vencida, esta não deu causa à intervenção judicial, porquanto, com o seu comportamento anterior à propositura da ação, não colocou em crise o direito que acabou por ser reconhecido à parte vencedora, nem colocou em  causa esse direito dentro do processo, ao não contestá-lo, mas antes quem deu causa  à intervenção judicial foi a parte que obteve vencimento e, por isso, terá de arcar com as custas do processo, nos termos do n.º 1 do art. 535º do CPC.
O regime jurídico especial previsto no mencionado art. 535º do CPC, ao impor que, nos casos nele estatuídos e que são enumerados de modo exemplificativo no seu n.º 2, expressam, assim, situações de falta de interesse em agir da parte vencedora, a qual não tendo necessidade de sobrecarregar os tribunais para exercer os seus direitos, porquanto, estes não foram colocados em crise, antes da propositura da ação, pela parte por si demandada, nem sequer na ação, onde esta não os contestou, acabou por sobrecarregar os tribunais. Daí que o legislador imponha à parte vencedora como sanção que fique responsável pelo pagamento das custas[17].
Neste sentido, expende Alberto dos Reis que o art. 535º do CPC (à data, art. 458º do então CPC vigente) atua quando “ocorram duas condições: 1ª não ter o réu dado causa à ação; 2º - não a ter contestado. Verificados cumulativamente estes dois requisitos, não pode lançar-se sobre o réu o pagamento das custas, ainda que se encontre na posição de parte vencida, isto é, ainda que o autor veja acolhida pelo tribunal a sua pretensão; não pode, porque nem o seu comportamento anterior ao processo, nem o seu comportamento dentro do processo fornecem base razoável para sobre ele assentar a responsabilidade pelas custas. Se o réu não deu causa à ação, se não deixou de satisfazer qualquer obrigação, já vencida, em que se achasse constituído para com o autor, a sua conduta processual não justifica o pagamento das custas. Não há nexo algum de causalidade entre a conduta do réu e as despesas do processo. Se o réu não contestou, se nenhuma resistência ofereceu ao reconhecimento do direito do autor, a sua conduta processual também não fundamenta a responsabilidade pelas custas. Em suma, cumulados os dois requisitos referidos, o réu, embora vencido porventura, não dá causa às custas e por isso não deve pagá-las. De sorte que o princípio da causalidade – paga as custas quem dá causa a elas - reveste, na vida real, duas modalidades: a) paga as custas o vencido (art. 458º, atual 527º do CPC vigente); b)paga as custas o autor (art. 458º, atual art. 535º do CPC)[18].
No caso dos autos, os apelantes (Autores) pediram a condenação dos apelados (Réus) a reconhecer que a cobertura e a chaminé constituem parte comum do edifício constituído em propriedade horizontal, alegando como único fundamento da necessidade de reconhecimento dessa pretensão a circunstância do direito de compropriedade que detêm sobre a dita cobertura e chaminé, enquanto condóminos, ter sido colocado em crise pelos últimos, ao terem os 1ºs Réus pretensamente demolido a chaminé e obstruído o tubo de exaustão que se encontrava à saída da cobertura, na respetiva chaminé, com o conhecimento e autorização da 2ª Ré.
Ora, estando apurado que os Réus não demoliram a mencionada chaminé, a qual permanece edificada no terraço de cobertura, nem obstruíram qualquer tubo de exaustão que se encontrasse na saída da cobertura, na respetiva chaminé e, bem assim, que os Réus nunca mexeram ou alteraram a estrutura da chaminé ou executaram qualquer tipo de trabalhos que modificassem as características da mencionada chaminé, ou que tivessem alterado a sua linha arquitetónica (cfr. pontos 40º, 41º e 42º da facticidade provada), daqui decorre que os Réus (apelados), apesar de vencidos (na medida em que, no âmbito da sentença recorrida, foram condenados a reconhecer que a cobertura e a chaminé existentes no prédio referido em 1) dos factos provados constituem partes comuns desse mesmo edifício), não deram causa, com o seu comportamento, antes da propositura da ação, à presente demanda, na medida em que nunca puseram em causa a natureza comum dessa cobertura e chaminé do edifício constituído em propriedade horizontal, nem ofereceram resistência ao direito de compropriedade dos condóminos, onde se incluem os apelantes (Autores), sobre esses bens, na medida em que, no âmbito da presente ação não contestaram a natureza comum dessa cobertura e chaminé, mas antes reconheceram expressamente essa natureza jurídica de tais bens.
Daí que apesar do vencimento dos apelados, tal como decidido pela 1ª Instância, nos termos do art. 535º do CPC, as custas tenham de ficar a seu cargo.
Refira-se, aliás, que, apesar de na contestação que apresentou, a 2ª Ré ter alegado que os apelantes litigam de má fé, não deduziu pedido no sentido de que os últimos fossem condenados como litigantes de má fé, pelo que os mesmos acabaram por ser condenados como litigantes de má fé oficiosamente pelo tribunal a quo, razão pela qual, não obstante essa condenação tenha sido agora revogada, os Réus mantêm a situação de ausência de qualquer decaimento.
Decorre do que se vem dizendo que, ao condenar os apelantes na totalidade das custas da ação, a 1ª Instância não incorreu no erro de direito que os apelantes lhe imputam.
Aqui chegados, resta concluir pela parcial procedência do presente recurso de apelação e, em consequência, impõe-se revogar o segmento decisório da sentença recorrida que condena os apelantes como litigantes de má fé, confirmando-se, no mais, o nela decidido.
*
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- A condenação por litigância de má fé em qualquer uma das suas vertentes – material e instrumental – visa sancionar a conduta processual assumida pela parte que, sabendo que não tinha razão, ou podendo saber que não tinha razão caso tivesse adotado as precauções mínimas exigíveis pelas mais elementares regras de prudência ou de previsão que devem ser observadas nos usos correntes da vida (negligência grosseira), exerce o direito de ação ou de defesa ou utiliza os meios que a lei adjetiva coloca ao seu dispor para exercer esses direitos para um uso indevido, por contrário ao fim para que o legislador lhos concedeu, incorrendo num ilícito processual.
2- O parâmetro a utilizar para se aferir do dever de diligência que impende sobre a parte é o da generalidade das pessoas pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocada na situação concreta em que esta última se encontrava quando adotou a conduta processual, devendo concluir-se existir negligência grave/grosseira e, consequentemente, litigância de má fé, quando feito esse juízo se conclua que essas pessoas se teriam abstido de adotar a conduta processual que a parte real adotou por terem concluído não existir fundamento legal para a adotarem.
3- A circunstância do autor não ter provado a versão dos factos (causa de pedir) em que fundamentou o pedido e se ter provado a versão factual contrária não é suficiente para que se possa concluir que aquele litiga de má fé, sendo necessário apurar se o mesmo faltou dolosamente ou com negligência grosseira à verdade dos factos.
4- Tendo os Autores pedido a condenação dos Réus, além do mais, a reconhecer que a cobertura da fração dos 1ºs Réus e a chaminé que sobre esta se encontra edificada são bens comuns do edifício constituído em propriedade horizontal, com fundamento de que os últimos, com o conhecimento e autorização da 2ª Ré (administração do condomínio), demoliram a dita chaminé e obstruíram o cano de exaustão que nela existia, e vindo a provar-se que os Réus não demoliram a chaminé em causa, a qual permanece edificada no dito terraço, e não obstruíram qualquer tubo de exaustão que se encontrasse na saída da cobertura, nessa chaminé, e nunca mexeram ou alteraram a estrutura da chaminé ou executaram qualquer tipo de trabalhos que modificassem as características dessa chaminé,  não tendo os Réus contestado a natureza comum do terraço e da chaminé, antes tendo expressamente aceite essa natureza comum de tais bens, apesar destes terem sido condenados, na sentença, a reconhecer que aquela cobertura e chaminé constituem partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal, que os absolveu dos restantes pedidos formulados pelos Autores, as custas da ação são na sua totalidade da responsabilidade dos Autores, nos termos do art. 535º do CPC.
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Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência:
a- revogam o segmento decisório da sentença recorrida que condena os apelantes como litigantes de má fé, absolvendo-os dessa condenação;
- confirmam, no mais, o nela decidido.
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Custas da apelação por apelantes e pelos apelados CC e DD (que ao pugnarem pela improcedência da presente apelação, decaíram quanto à condenação dos apelantes como litigantes de má fé) na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 2/3 para os apelantes e em 1/3 para os apelados CC e DD (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.
*
Guimarães, 02 de fevereiro de 2023

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:
José Alberto Moreira Dias – Relator
Alexandra Maria Viana Parente Lopes - 1ª Adjunta
Rosália Cunha - 2ª Adjunta.

 


[1] Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 62.
[2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimento e Luís Filipe Sousa, ob. cit., pág. 36.
[3] Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, vol. I, 5 ed., Almedina, pág. 214.
[4] Abrantes Geraldes, Paulo Pimento e Luís Filipe Sousa, ob. cit., pág. 38.
[5] Ana Prata, ob. cit., pág. 214.
[6] Neste sentido, Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 62 e 63, em que expende: “O dever de cooperação assenta, quanto às partes, no dever de litigância de boa fé. A infração do dever do honeste procedere pode resultar de uma má fé subjetiva, se ela é aferida pelo conhecimento ou não ignorância da parte, ou objetiva, se resulta da violação dos padrões de comportamento exigíveis”.
[7] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre”, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2ª, 3ª ed., Almedina, págs. 457 e 458, nota 4.
[8]Ac. RP. de 13/02/2017, Proc. 3006/05.0TBGDM.P3.
[9] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, págs. 260 e 261.
No mesmo sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª edª, Almedina, págs. 615 e 616, nota 2; Pais de Amaral, “Direito Processual Civil”, 2016, 12ª ed., Almedina, págs. 27 e 28.
[10] Acs. STJ. de 28/05/2009, Proc. 09B681; de 03/02/2011, Rev. 351/2000, Sumários, 2011, pág. 77.
[11] Paula Costa e Silva, “A Litigância de Má Fé”, Almedina, pág. 38; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 616.
[12] Ac. STJ, de 23/04/208, Proc. 097S894; Ac. n.º 442/91, TC, de 20/11/1991, BMJ, 411º, pág. 611; Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 263.
[13] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, ob. cit., pág. 616
[14] Ac. STJ. de 28/05/2009, Proc. 09B681.
[15] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 715: “(…) é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado”.
[16] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 439: “O disposto neste artigo faz cessar a aplicação do critério do vencimento, adotado pelo art. 527º para determinar quem dá causa à ação. Não obstante o autor obter vencimento, o que, segundo aquele critério, deveria ter como consequência o pagamento das custas pelo réu, não é este, mas o autor, quem as paga quando, cumulativamente, o réu não tenha contestado e ocorra alguma das situações previstas no n.º 2. Estas são referidas a título exemplificativo, e não como enunciado taxativo dos casos em que, segundo a lei, o réu não dá causa à ação”.
[17] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 610; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., págs.  441 a 444.
[18] Alberto dos Reis, “Código de processo Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, 1981, pág. 216.