Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
69/23.0T8CHV-A.G1
Relator: CARLA SOUSA OLIVEIRA
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
CASO JULGADO
PRINCÍPIO DA ECONOMIA E DA UTILIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O caso julgado formal, tal como o caso julgado material, visa evitar a repetição de decisões judiciais sobre a mesma questão.
II- Porém, o caso julgado tem limites temporais – porque incide sobre uma decisão que apreciou uma questão concreta e, assim, porque o seu momento de referência corresponde àquele em que poderão ser apreendidos para a decisão os factos relevantes, verificam-se, respeitantes ao futuro, duas consequências: a caducidade do caso julgado e a susceptibilidade de modificação da decisão transitada se se verificar uma alteração na situação de facto após o momento em que para a decisão poderiam ser apreendidos factos relevantes.
III - Pelo que uma decisão produzirá efeitos apenas enquanto não se modificarem as circunstâncias que foram determinantes para o seu teor e sentido.
IV - O art.º 130º do NCPC, que proíbe a prática de actos inúteis, dá corpo ao princípio da economia processual.
V – Este princípio da economia processual tem particular acuidade no processo executivo, sendo cada acto apenas admissível se for útil para a finalidade executiva.
VI - Por outro lado, o princípio da economia processual também aconselha a que reduza, no máximo que for possível, os efeitos destrutivos resultantes da declaração de nulidade de um acto processual, mas sem nunca descurar a observância dos demais princípios estruturantes do processo civil ou diminuir os direitos de defesa das partes.
VII – No âmbito de execução para entrega de coisa certa, o executado pode opor-se à apreensão, por incidente de oposição à entrega da coisa, regido com as devidas adaptações, pelo regime da oposição à penhora, quanto ao prazo, ao procedimento e aos efeitos.
VIII - O fundamento de tal oposição será, nomeadamente, a inadmissibilidade da apreensão dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada, ou seja, a impugnação visará o objecto concretamente apreendido.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA
intentou a acção executiva que corre termos sob o nº 69/23.... contra
BB, CC, DD e EE.

Corridos os termos do processo, por requerimento de 8.02.2024, vieram os executados deduzir incidente de nulidade com os seguintes fundamentos:
«1.º
Prevê o art.º 195.º do CPC que:
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.
2.º
No caso em apreço, dúvidas não haverá que os actos praticados pela Agente de Execução têm influência directa na presente acção porquanto produziram efeitos que, mais uma vez de forma ilegal e injustificada, prejudicaram os executados, além de contrariarem e desrespeitarem o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães e os doutos despachos deste Tribunal. Vejamos,
3.º
No dia 26/01/2024 são os executados notificados da seguinte Comunicação da Agente de Execução (CAE):
“- A AE foi notificada da sentença proferida no apenso de Caução - apenso C – na qual ficou julgado que se promovesse em conformidade com o determinado superiormente.
Ora,
- Foi agendada para dia 01/02/2023 a diligencia de voltar a entregar aos executados o imóvel rustico a que alude a sentença que serve de título executivo nos presentes autos.
Posteriormente,
Foi a AE notificada que foi proferida Sentença no mesmo apenso C, a qual julgou procedente o incidente de Caução interposto pelo exequente, e, em consequência, declarou idónea a referida prestação de caução.
Deste modo,
Entende a AE que:
- A diligencia de entrega do imóvel aos executados agendada para dia 01/02/2024, é um ato inútil atento a caução prestada.
Verifica-se também que foi proferida sentença no apenso de Embargos de Executado- apenso D, no qual foi declarada a extinção da instância.
Por conseguinte, decide a AE
- Dar sem efeito a referida diligência agendada para o dia 01/02/2024- entrega do imóvel aos executados”
- E remeter a presente execução a douta apreciação da extinção da instancia em resultado de todo o processado nos autos e respetivos apensos.”.
4.º
Contextualizado o acto cuja nulidade se pretende ver declarada, vejamos cada uma das questões em separado.
A) Da diligência agendada para o dia 01/02/2024:
5.º
Conforme os executados têm vindo a repetir, a Agente de Execução não é trabalhadora, funcionária ou prestadora de serviço para a parte que a contrata e deve assegurar que as suas funções são realizadas com isenção e fiel respeito pela lei e pelo doutamente determinado pelo Tribunal.
6.º
Está, no exercício das suas funções, obrigar a cumprir decisões, acórdãos e despachos proferidos pelo Tribunal da Relação de Guimarães e o Juízo de Execuções de Chaves, desde que aqueles tenham transitado em julgado, ou seja, desde que não haja reclamação ou recurso quanto aos mesmos - como sucede com o Acórdão de 28/10/2023 e os despachos de 06/11/2023 e 06/12/2023.
7.º
Contudo e ao arrepio do supra, profere no dia 26/01/2024 uma deliberação que viola e contraria a lei e o doutamente determinado por ambas as instâncias citadas. Assim,
8.º
Por acórdão proferido em 28/10/2023, foi declarada a nulidade da sentença proferida em 12/07/2023 e todos os actos que daquele dependem - em particular as tomadas de posse dos dias 13, 14 e 18 de Julho.
9.º
Na sequência do douto acórdão do Tribunal da Relação, profere a M.me juiz despacho de acordo com qual notifica a Exma. AE, em 06/11/2023, a devolver a posse dos imóveis aos executados.
10.º
E ao contrário do que sucedeu em Julho, a Exma. AE nada agendou.
11.º
Os executados vieram requerer a entrega dos imóveis em 07/11/2023 e 13/11/2023, mas a Exma. AE ignorou aquele despacho e os requerimentos que se seguiram e, nada agendou.
12.º
Por insistência dos executados, é a Exma. AE, a 06/12/2023, expressamente notificada pelo Tribunal para proceder à entrega dos imóveis.
13.º
Os executados voltam a insistir em 11/12/2023 e 18/12/2023, mas a Exma. AE continuou a ignorar os dois despachos já proferidos e os quatro requerimentos dos executados, e nada agendou.
14.º
Finalmente em 09/01/2024 vem agendar a entrega dos imóveis para o dia 01/02/2024.
15.º
E conforme resulta dos autos, apesar de não ter notificado o exequente dessa diligência, este, no dia seguinte, dá entrada de um requerimento a pedir que no mesmo dia se dêem duas tomadas de posse.
16.º
Requerimento que mereceu, no dia 22/04/2024 o seguinte despacho:
Requerimentos que antecede: O Tribunal já proferiu as decisões que se impunham, sendo certo que as diligências executivas, designadamente quanto ao cumprimento das mesmas são da competência da AE.
Notifique e comunique.
17.º
E porque o tribunal não deferiu o requerido pelo exequente, pelo contrário, reafirma que terá de ser dado cumprimento aos despachos de 06/11/2023 e 06/12/2023, opta a Exma. AE por proferir o CAE objecto do presente incidente de nulidade e dá sem efeito a diligência do dia 01/02/2024, destinada a expurgar do processo 3 actos nulos e a dar cumprimento ao determinado pelo Tribunal da Relação de Guimarães e o Juízo de Execução de Chaves, por a considerar inútil.
18.º
Contudo entendem os executados que as nulidades só serão sanadas com a devolução dos prédios aos executados, após o que terá de ser agendada nova tomada de posse, válida, a favor do exequente.
19.º
Contudo apesar disso, num esforço hercúleo de manter actos nulos no processo, decidiu a Exma. AE que a entrega do imóvel aos executados é um acto inútil e deu sem efeito a entrega daqueles prédios.
20.º
Considerando que nula a deliberação que considera ser inútil expurgar as nulidades do processo; Que considera ser inútil cumprir o determinado pelo Tribunal da Relação de Guimarães e os três despachos da M.me Juiz do Juízo de Execuções de Chaves.
21.º
Acresce que, sem prejuízo da sentença proferida em sede de incidente de caução, ainda não foi determinada a suspensão da instância - o que se compreende porque tal despacho só poderá ser proferido depois de expurgada a nulidade e dos prédios voltarem a ser, validamente, entregues ao exequente.
22.º
Dito isto, é a CAE de 26/01/2024 nula por omitir um acto que a lei, um acórdão e três despachos determinam, persistindo a posse do exequente assente num acto declarado nulo e que, como tal, terá de ser materialmente eliminado e corrigido.
B) Da extinção da instância:
23.º
Sem prejuízo do que se alegou supra, que aqui por razões de economia processual se dá por integralmente reproduzido, decidiu ainda a Exma. AE extinguir a instância executiva em virtude da sentença proferida no apenso “D”.
Vejamos,
24.º
A sentença proferida no apenso “D” assenta nos seguintes pressupostos:
a) A tomada de posse do dia 18/07/2023 foi declarada nula;
b) Em consequência dessa nulidade foi ordenada a restituição do prédio urbano aos executados;
c) Com a restituição do urbano aos executados, deixa de se verificar a causa de pedir daqueles embargos:
“Nestes termos nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V.ª Ex.ª, deverão os presentes embargos ser recebidos e julgados procedentes por provados e, em consequência disso ser ordenada a devolução do prédio urbano, provisoriamente identificado no art.º 11.º do Requerimento inicial, aos executados, condenando-se o executado a respeitar o direito de propriedade dos executados sobre aquele imóvel, bem como a fornecer-lhes uma chave do portão por forma a que possa aceder ao mesmo pelo único caminho existente, nos dias, as vezes e às horas que quiserem, a pé ou de viatura motorizada.”.
25.º
Ora até ao momento, porque a Exma. AE entendeu ser inútil a diligência do dia 01/02/2024, a posse do urbano ainda não foi restituído aos executados.
26.º
E enquanto não for restituída a posse do urbano, mantêm-se, não só a nulidade daquele acto, como o interesse dos executados discutirem a matéria controvertida daqueles embargos.
27.º
Ao actuar da forma descrita, sem fundamento e com o único objectivo de beneficiar o exequente, ficam os executados, usando uma expressão popular, “sem pau nem bola” - porque nem lhes foi devolvido o urbano, nem podem discutir se o urbano integra o título e pode sequer ser entregue ao executado.
28.º
Mais uma vez se sublinha que, primeiro, terão de ser expurgadas as nulidades processuais, com a devolução dos imóveis aos executados, só depois poderá a Exma. Agente de Execução praticar novos actos, válidos.
29.º
E quanto ao urbano, antes de proceder à tomada de posse, no mínimo, solicitar despacho judicial que o autorize.
30.º
Sem prejuízo dos executados deduzirem novamente embargos caso venha a haver tomada de posse daquele prédio urbano por se repetirem os pressupostos que fundamentam os embargos deduzidos no apenso “D”.
31.º
Ou seja e em jeito de resumo, persiste a Exma. AE na prática de actos nulos, prejudicando objectivamente os executados com a sua conduta, obrigando-se a deduzir o 3.º incidente de nulidade, bem como a recorrer da sentença proferida no apenso “D” caso não venha a ser ordenada a imediata restituição do urbano.
32.º
Porque a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide só se poderá dar depois deste ter sido entregue aos executados - o que ainda não sucedeu porque a Exma. AE se recusa a praticar tal acto desde 06/12/2023.
33.º
Mais uma vez praticou a Exma. AE com as deliberações do CAE de 26/01/2024 actos nulos, nulidades que se pretendem ver declaradas, nulidades que determinam a nulidade de todos os actos posteriores, sem nunca deixar de prescindir da responsabilidade civil e disciplinar que couber a cada um dos intervenientes.
Nestes termos nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V.ª Ex.ª, deverá o presente incidente ser recebido e julgado procedente por provado e, em consequência disso serem declaradas nulas as deliberações da Agente de Execução do dia 26/01/2024, ordenando-se a restituição dos prédios aos executados.».
Cumprido o contraditório, sobre tal incidente recaiu o despacho recorrido, datado de 30.04.2023, com o seguinte teor:
«Os executados introduziram nos autos vários requerimentos onde alegam a nulidade das decisões da AE por entenderem que a mesma ainda não deu cumprimento às decisões proferidas pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães e por este Juízo de Execução.
Para melhor se perceber a tramitação dos presentes autos executivos e respetivos apensos faz-se infra uma cronologia dos principais atos (requerimentos das partes, comunicações e decisões da AE, despachos e sentenças judiciais) praticados que poderão, a nosso ver, ter interesse para a apreciação das questões em causa nos autos.
_ Em 10/01/2023 o exequente AA veio instaurar contra os executados BB e CC, casados e DD e FF os autos principais de execução oferecendo como título executivo uma sentença e descrevendo os seguintes factos: “1- Por douta sentença, proferida no âmbito do processo nº 1929/20...., que correu termos no Juízo Central Cível – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real foram os ali réus, ora executados, condenados a: a) Reconhecer ao autor (ora exequente) o direito de preferência sobre o prédio rústico melhor identificado no artigo 17º da petição inicial (o prédio rústico sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., composto de pinhal e vinha, com a área de 20.621 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo ..., com proveniência nos artigos ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...42 da freguesia ...), substituindo-se aos segundos réus (ora executados) na escritura de compra e venda realizada no dia 12 de novembro de 2019 no Cartório Notarial do Dr. GG. b) A entregarem o referido prédio rústico ao autor, (ora exequente) livre e desocupado de pessoas e bens. 2- Da supra referida decisão recorreram os Réus, ora executados, tendo apresentado as suas doutas alegações na data de 19.10.2022. 3- Todavia, não obstante a interposição de recurso da decisão proferida, os ora executados não requereram a fixação do efeito suspensivo da mesma e/ou invocaram que a execução da decisão lhes causasse quaisquer prejuízos. 4- Neste conspecto, na data de 13.12.2022 foi proferido despacho de admissão de recurso pela Meritíssima Juiz a quo tendo-lhe sido fixado efeito meramente devolutivo. 5- Pelo que, é exigível aos executados que procedam em conformidade com o doutamente decidido, mormente que procedam á entrega imediata ao exequente do prédio rústico sito no lugar ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., composto de pinhal e vinha, com a área de 20.621 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo ..., com proveniência nos artigos ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...42 da freguesia .... 6- Razão pela qual, na data de 06.12.2022 procedeu a mandatária subscritora ao envio de email ao Ilustre mandatário dos executados, peticionando a entrega do prédio supra melhor identificado. 7- Todavia, até á presente data, não procederam os executados á entrega do imóvel, nem se presume que, voluntariamente, o venham a fazer. Assim, 8- Não resta ao exequente outra alternativa senão o recurso á presente via para que lhe seja entregue o imóvel ora sua propriedade”.
_ Na sentença dada à execução como título executivo, foram considerados como provados, ente outros, os seguintes factos: “43. No prédio rústico objeto da presente ação existem duas construções compostas por um armazém agrícola e uma casa de apoio. 44. Imóveis que foram naturalmente incluídos no negócio. 45. Ao tomar posse das referidas construções, os segundos Réus resolveram levantar uma vedação para proteção dos seus filhos menores. 46. Mais executaram na casa de suporte os seguintes trabalhos: a) Construção de mobiliário embutido; b) Construção de teto falso; c) Construção de divisória em pladur; d) Remodelação da rede elétrica. 47. Trabalhos que valorizaram o imóvel em causa em, pelo menos, 5 000 € (cinco mil euros)”.
_ Por terem sido citados nos termos do processo executivo, os executados vieram, em 01/03/2023, deduzir oposição à execução através dos respetivos embargos de executado, que correm termos sob a Letra ...) invocando a ilegitimidade dos primeiros executados, a inexigibilidade da obrigação, falta de pagamento de caução (art.694.º do CPC) e, por último, as benfeitorias posteriores à ação declarativa, concluindo peticionando a procedência dos embargos e, em consequência disso: “(…) a) Serem os primeiros executados absolvidos da instância, por ilegitimidade; b) Atenta a inexigibilidade da obrigação, sejam os executados absolvidos do pedido; Caso assim não se entenda, c) Seja determinada a suspensão da entrega do imóvel até que se mostre aquela entrega caucionada; Sem prejuízo do pedido anterior, d) Ser o exequente condenado a pagar aos segundos executados o valor das benfeitorias discriminadas nos art.ºs 45.º a final dos Embargos de Executado, determinando-se a suspensão da execução até que a quantia reclamada se mostre caucionada nos presentes autos (…)”.
_ Em 01/03/2023 os executados vieram também deduzir o incidente de caução (apenso B) para suspensão dos autos executivos para entrega do imóvel rústico ao exequente.
_ No Apenso A) de embargos de executado foi junto pelo exequente o teor do acórdão proferido, em 19/01/2023, pelo Tribunal da Relação de Guimarães que confirmou a sentença proferida em 1.ª instância que foi oferecida nos autos principais de execução como título executivo e decidido, pelo indeferimento, o pedido de reforma desse acórdão.
_ Em 08/05/2023 foi proferida sentença no Apenso de Caução (Apenso B) onde, para além do mais, foi feito constar: “(…) Face a tais fundamentos entendemos que não há idoneidade da garantia prestada. Assim, por tudo o exposto, julga-se inidónea a caução que os requerentes/executados pretendem prestar, sem prejuízo de os mesmos, querendo, procederem à prestação de caução por depósito em dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, ou por penhor, hipoteca ou fiança bancária. Não se encontra que as partes tenham agido com dolo ou negligência grave e, como tal de má fé. V – DECISÃO: Por tudo o exposto, julga-se inidónea a caução indicada pelos requerentes/executados e que estes se propuseram prestar nos autos. Valor do incidente: 60.000,00€. Custas a cargo dos executados/requerentes (artigo 527º, n.º 1 e 2, do C.P.C.). Registe e notifique. Comunique à AE”.
_ Em 25/05/2023 foi nesse apenso de embargos de executado proferido despacho saneador onde, para além do mais, se pode ler o seguinte: “(…) Da transcrição supra efetuada resulta que os executados já efetuaram um pedido de reconvenção por benfeitorias na ação declarativa, todavia, as benfeitorias que agora são reclamadas dizem respeito, a momento posterior à fase dos articulados, ou seja, depois dos ora executados terem sido citados nos autos declarativos para contestarem a dita ação, razão pela qual, a nosso ver, podem ser invocadas nestes autos de oposição como fundamento dos embargos as benfeitorias peticionadas no articulado inicial de oposição à execução através dos presentes embargos. Por outro lado, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 860.º do CPC, a falta caução no montante das benfeitorias reclamadas pelos executados impõe a suspensão da execução uma vez que os exequentes não prestaram caução. Pelo exposto, defere-se a pretensão dos executados/embargantes e, consequentemente, decide-se suspender a execução. Custas pelos exequentes/embargados que decaíram na sua pretensão, fixando a taxa de justiça em 1 Uc (artº536.º do CPC). Notifique. Comunique ao Exmo. AE”.
_ Em 29/05/2023 veio o exequente oferecer-se para prestar caução ao abrigo do disposto nos artigos 860º nº 2 e 913º do CPC, tendo sido criado o Apenso C) alegando em síntese, que “(…) A caução será consumada através do depósito á ordem destes autos da quantia indicada pelos executados como correspondente ao valor das benfeitorias por estes realizadas até aos dias de hoje (não obstante, sublinhe-se sequer entender-mos tratar-se de benfeitorias, mas sim de despesas de frutificação). Assegurando, assim, aos executados a garantia do pagamento do crédito que invocam nos autos de execução. Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exª doutamente suprirá requer-se que seja admitida a presente prestação espontânea de caução através do depósito autónomo feito á ordem destes autos, declarando-se, assim, sustada a suspensão da execução e consequentemente prosseguindo a mesma ulterior tramitação legal, mormente investindo-se o exequente na posse do imóvel em causa nestes autos na data para o efeito já designada. Valor: 30.000,00 (…)”
_ Em contestação ao dito incidente de caução (Apenso C), vieram, em 22/06/2023, os executados contestar, alegando, em síntese, que “(…) o valor da caução não se deve limitar ao pedido de capital formulado pelos oponentes, mas assegurar o pagamento de todas as quantias a que o exequente possa vir a ser, ainda que em teoria, julgados procedentes que venha a ser os embargos de executado, condenado. Assim, importará caucionar, além do montante do pedido, o valor respeitante às custas, não só as custas pagas, como as que, em resultado de sentença que julgue os embargos procedentes, serão devidas a título de custas de parte. E que incluirão, não só a taxa de justiça (612€), o montante devido a título de compensação de honorários (612€), como o valor pago pela perícia que se irá realizar. E quanto a esta última, poderá a mesma ser singular; Realizar-se de uma só vez; Ser colegial; Ou exigir mais do que uma deslocação, seja ao local, seja ao julgamento. O que implica um cuidado especial na fixação do seu montante, ainda que provisoriamente e admitindo que será singular e de apenas uma deslocação, se possa fixar no montante de 750€. Atento o exposto, entendem os oponentes que o valor da caução não é suficiente para assegurar, além do valor das benfeitorias que se venham a apurar, as custas devidas em caso de procedência dos embargos de executado. Termos em que deverá o incidente ser julgado improcedente, considerando que o valor da caução não se revela suficiente para assegurar o pagamento das custas em que o exequente possa vir a ser condenado”.
_ Em 27/06/2023 juntou o exequente aos autos um requerimento onde se pode ler, para além do mais: “(…) Salvo o devido respeito, a contestação apresentada carece de todo e qualquer fundamento, pois que é bem clara a Lei quando indica como e de que forma é prestada a Caução. Raia, inclusive, a referida defesa a má fé processual, pois que, como é bom de ver, com a sua apresentação pretendem tão somente os requeridos ganhar tempo e com isso privar o requerente daquilo que é seu por direito… Aliás comportamento adotado desde inicio, em clara contravenção ao disposto no artigo 542º/2, do Código de Processo Civil. Assim, e não obstante a certeza de que razão alguma assiste aos requeridos, visando o requerente tão somente alcançar uma decisão célere, pelas razões já invocadas em requerimentos anteriores, mormente a urgência de a vinha ser tratada da forma como este desejaria, vem requerer a V. Exª a junção aos autos de comprovativo de reforço da caução inicialmente prestada, no valor de mais € 10.000,00 (dez mil euros), quantia em muito superior ao valor indicado pelos requeridos. Termos em que se requer que seja admitido o presente reforço da caução inicialmente prestada, através de novo depósito autónomo feito á ordem destes autos, declarando-se, assim, de imediato, sustada a suspensão da execução e consequentemente prosseguindo a mesma ulterior tramitação legal, mormente investindo-se o exequente na posse do imóvel em causa nestes autos”, encontrando-se junto aos autos o depósito autónomo do reforço da caução no valor de 10.000,00€.
_ Em 12/07/2023 foi proferida sentença no incidente de caução Apenso C) onde se fez constar, para além do mais, “(…) Assim sendo, entendemos que a quantia prestada nos autos pelo Exequente a título de caução (no valor global de 40.000,00), satisfaz os requisitos legais, designadamente de idoneidade. Custas a cargo do Requerente que do incidente retirou proveito, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (art.527.º, n.º1 e 2 do CPC e art. 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Judiciais). Decisão: Pelo exposto, julgo o presente incidente procedente e, em consequência, julgo idónea a prestação de caução por parte do Exequente/Requerente, a qual já se mostra, na íntegra, prestada nos presentes autos. Custas a cargo dos Requerentes, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (art.527.º, n.º1 e 2 do CPC e art. 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Judiciais). Registe e notifique. Comunique ao Agente de Execução. Abra de imediato conclusão nos autos principais para se proferir decisão de prosseguimento da execução, designadamente com o exequente a ser investido pelo AE na posse/propriedade do imóvel cuja entrega requer nos autos principais e melhor identificado na sentença que foi dada à execução como título executivo”.
Em 28/07/2023 interpuseram os executados recurso da sentença proferida em 12/07/2023 na Apenso C) de Caução peticionando a nulidade da sentença, bem como todos os actos praticados posteriormente àquela.
Em 28/10/2023 foi proferida decisão no Tribunal da Relação de Guimarães que julgou procedente a apelação e declarou nula a sentença recorrida por violação do princípio do contraditório, assim como todos os atos subsequentes, que dela dependam absolutamente.
Em 06/11/2023 foi proferido nos autos principais de execução o seguinte despacho: “Ref.ª...83: Visto. Ref.ª...54: Notifique a AE para que proceda em conformidade com o teor da decisão proferida no Apenso C) relativa à admissão de recurso proferida em 21/09/2023, sob ref.ª...31. Ref.ª...88: Autoriza-se o acompanhamento do processo principal, bem como de todos os apensos e/ou integrados, a efetuar-se através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais. ...”.
Em 20/11/2023 foi por nós proferida a seguinte decisão: Face ao teor da decisão proferida superiormente, cumpra o princípio do contraditório nos termos ordenados”.
Em 06/12/2023 também nos autos executivos foi proferido o seguinte despacho: “Em 28/10/2023, foi proferida pelo Tribunal da Relação, no âmbito do Incidente de Caução, que corre termos sob o Apenso C), uma decisão com o seguinte teor: “(…) Por todo o exposto, Julga-se Procedente a Apelação, e declara-se nula a sentença recorrida, assim como todos os atos subsequentes, que dela dependam absolutamente”. Assim sendo, notifique a AE do teor da aludida decisão e ainda para proceder em conformidade com o determinado superiormente e devolver aos executados a posse do prédio rústico a que alude a sentença que serve de título executivo aos presentes autos executivos devendo, para o efeito, agendar dia e hora, a qual deverá ser notificada com 05 dias de antecedência a todos os intervenientes processuais por forma a permitir ao exequente retirar do interior do aludido prédio os bens que possam ser de sua propriedade”.
_ Nada mais tendo sido junto aos autos, em 13/12/2023, foi proferida nova sentença no incidente de caução em cujo dispositivo se pode ler: “(…) Pelo exposto, julgo o presente incidente procedente e, em consequência, julgo idónea a prestação de caução por parte do Exequente/Requerente, a qual já se mostra, na íntegra, prestada nos presentes autos. Custas a cargo dos Requerentes, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (art.527.º, n.º1 e 2 do CPC e art. 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Judiciais). Registe e notifique. Comunique ao Agente de Execução”.
_ Em 09/01/024 a AE proferiu a seguinte decisão: “HH, Agente de Execução, Vem no seguimento do douto despacho proferido, informar os autos que fica agendada para o dia 1 de fevereiro de 2024 as 14h30 a entrega aos executados do imóvel rústico a que alude a sentença dos presentes autos. Mais se informar que nesta data promoveu com a notificação às partes, na pessoa dos seus respetivos mandatários, da referida diligencia de entrega”.
_ Notificado o exequente AA veio o mesmo expor e requerer: “ (…) - Sabe o executado que, face á decisão proferida a 30.10.2023 pelo Tribunal da Relação de Guimarães – ... Secção Cível, no âmbito do Apenso C – Caução - desta execução, tem a Srª Agente de Execução, aliás como ordenado por V. Exª, que restituir o rústico melhor identificado na sentença que ora se executa aos executados, investindo-os na sua posse. Igualmente sabem, exequente e executados, que posteriormente a tal decisão, foi já por este douto Tribunal proferida Sentença no mesmo apenso C, desta execução, mormente a 13.12.2023, a qual julgou o incidente de Caução interposto procedente, e, em sua consequência, declarou idónea a prestação de caução por parte do exequente, a qual já se mostra, na íntegra, prestada naqueles autos. Salvo o devido respeito, entende o exequente que como consequência da douta Sentença proferida no referido apenso deverá V. Exª determinar, de forma imediata, o levantamento da suspensão da presente execução bem como ordenar á Srª AE que invista o exequente, novamente, na posse do imóvel cuja entrega se requer nestes autos, o que, a final, se requererá. Neste conspecto, e por forma a cumprir o doutamente decidido, terá a Srª Agente de execução de primeiramente investir os executados na posse do rústico e, logo de seguida, fazê-lo, novamente, quanto ao exequente. Ora, Nestas circunstâncias, e mostrando-se já agendado pela Srª Agente de Execução a deslocação ao local para o próximo dia 1 de Fevereiro para a realização da entrega do rústico aos executados, entende o exequente que, por forma a evitar deslocações inúteis, quer da Srª Agente de execução, quer de todos os demais intervenientes – partes e mandatários – bem como por forma a evitar inevitáveis atrasos processuais, tudo em cumprimento e ao abrigo do disposto nos artigos 6º, 7º e 8º do CPC, deveria, nesse mesmo dia, a Srª Agente de Execução dar cumprimento ás duas decisões proferidas e, consequentemente, fazer, de forma sucessiva, a entrega do rústico, primeiramente aos executados e logo após, novamente, ao exequente, e, desta forma, dar-se por regularizada a instância. Termos em que, face a todo o supra exposto, se requer a V. Exª que: 1 - Determine, de forma imediata, o levantamento da suspensão da presente execução face á Sentença proferida no Apenso D – Caução; 2- Ordene á Srª AE que invista o exequente na posse do imóvel cuja entrega se requer nestes autos, autorizando a que esta o faça no dia já designado e imediatamente após a entrega do rústico aos executados, tudo ao abrigo e em cumprimento do disposto nos artigos 6º, 7º e 8º do CCP”.
_ Em 10/01/2024 foi dado conhecimento aos autos pelo exequente do teor da decisão proferida, em 19/12/2023, pelo Supremo Tribunal de Justiça que se pronunciou sobre o recurso da sentença dada à execução como título executivo onde se pode ler, em termos conclusivos: “(…) Assim sendo, mantendo-se a decisão de facto fixadas pelas instâncias, o enquadramento jurídico perfilhado no acórdão recorrido afigura-se-nos totalmente correcto, não existindo motivo algum para dele divergir. A revista é assim negada. IV – DECISÃO: Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (... Secção - Cível) em negar a revista. Custas pelos recorrentes”.
_ Nessa mesma data, em 10/01/2024, notificados da decisão da AE de 09/01/2024, juntam aos autos os executados um requerimento dirigido à AE onde declaram que “(…) o auto de entrega deverá abranger para além do rústico, o prédio urbano que consta do auto de posse de 18/07/2024”.
_ Nessa sequência de requerimentos, em 22/01/2024, profere o seguinte despacho: “Requerimentos que antecede: O Tribunal já proferiu as decisões que se impunham, sendo certo que as diligências executivas, designadamente quanto ao cumprimento das mesmas são da competência da AE. Notifique e comunique”.
_ Em 26/01/2024 a AE profere a seguinte decisão: “- A AE foi notificada da sentença proferida no apenso de Caução - apenso C – na qual ficou julgado que se promovesse em conformidade com o determinado superiormente. Ora, - Foi agendada para dia 01/02/2023 a diligencia de voltar a entregar aos executados o imóvel rustico a que alude a sentença que serve de título executivo nos presentes autos. Posteriormente, Foi a AE notificada que foi proferida Sentença no mesmo apenso C, a qual julgou procedente o incidente de Caução interposto pelo exequente, e, em consequência, declarou idónea a referida prestação de caução. Deste modo, Entende a AE que: - A diligencia de entrega do imóvel aos executados agendada para dia 01/02/2024, é um ato inútil atento a caução prestada. Verifica-se também que foi proferida sentença no apenso de Embargos de Executado- apenso D, no qual foi declarada a extinção da instância. Por conseguinte, decide a AE - Dar sem efeito a referida diligência agendada para o dia 01/02/2024- entrega do imóvel aos executados” - E remeter a presente execução a douta apreciação da extinção da instancia em resultado de todo o processado nos autos e respetivos apensos.”.
*
Cumpre apreciar:

Os atos e decisões que o legislador ordinário reserva ao agente de execução que, na ação executiva, são a grande maioria dos atos e decisões a serem nela praticados e proferidas, são (e têm de ser) materialmente administrativos, não havendo, por isso, qualquer impedimento constitucional à desjudicialização desses atos e decisões, e à concessão da competência para os praticar e proferir a esse auxiliar da justiça, que é o agente de execução, que tem de atuar sempre em nome e por conta e em representação do Estado, na prossecução do interesse pública, face à consideração que tal incrementará a celeridade processual na resolução das ações executivas e, nessa medida, contribuirá para o prestígio do sistema de justiça em geral, ao fomentar a concretização prática e efetiva do decidido nas sentenças proferidas pelos tribunais e ao libertar os magistrados judiciais de uma atividade materialmente administrativa, que lhe consumia grande parte do tempo e de recursos, libertando-os para o exercício da atividade que lhes é própria, que é a atividade materialmente jurisdicional.
Apesar dos atos e decisões, respetivamente, praticados e proferidos pelo agente de execução no âmbito da ação administrativa serem materialmente administrativos, o agente de execução encontra-se, no exercício dessa atividade, obrigado ao respeito pela lei e pelo seu Estatuto.
Por outro lado, quanto aos atos e decisões praticados e proferidos pelo agente de execução no âmbito da ação executiva o legislador reservou ao juiz de execução um papel de controlo jurisdicional da legalidade dos atos praticados pelo agente de execução e/ou das decisões por ele proferidas, ao estabelecer na al. c) do n.º 1 do art. 723º do CPC, competir ao juiz, julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias”.
Conforme resulta desse preceito, no mesmo encontram-se previstos dois meios de controlo e defesa distintos contra os atos e decisões do agente de execução, a saber: a impugnação para os atos decisórios do agente de execução e a reclamação para os atos por ele praticados.
Na verdade, das decisões do agente de execução cabe impugnação para o juiz de execução, enquanto dos atos daquele agente cabe reclamação para o juiz.
Salienta-se que o conceito de reclamação em sentido amplo engloba as duas modalidades a que alude a al. c) do art.723.º do CPC, isto é, a reclamação stritu sensu e a impugnação, sendo certo que em sentido amplo, a reclamação traduz o mecanismo processual em que quem a ele recorre pretende obter a revogação de decisões do agente de execução proferidas no âmbito da ação executiva.
Em primeiro lugar há que referir que o Tribunal já fez constar nos autos, por despacho transitado em julgado, que as diligências executivas deveriam ter começado com a entrega do imóvel rústico (único objeto do título executivo oferecido (sentença) nestes autos executivos), tramitação que não foi seguida pela AE que procedeu, previamente, à citação dos executados.
Por outro lado, há que referir que, por decisão transitada em julgado, no Apenso A) foi determinada a suspensão da execução.
De seguida, para levantamento de tal suspensão, deduziu o exequente incidente de caução que correm termos sob a letra ...) tendo sido proferida sentença em 12/07/2023 que julgou idónea a caução no valor de 40.000,00€ prestada pelo exequente, sendo certo que tal sentença foi objeto de recurso.
Em férias judiciais foi empossado o exequente na posse do imóvel rústico a que alude a sentença condenatória.
Em ../../2023, foi declarada a nulidade da decisão proferida no Apenso C) de Caução por violação do princípio do contraditório, bem como de todos os atos que dela dependentes
Tendo baixado os autos à 1.ª Instância, determinou o Tribunal, em novembro de 2023 que fosse cumprido o contraditório.
Em 06 de novembro e de dezembro de 2023 foram proferidas decisões pelo Tribunal no sentido de se dar cumprimento ao determinado superiormente.
A AE não cumpriu de imediato tais decisões, todavia, nada mais sendo trazido ao Apenso de Caução, proferiu o Tribunal nova sentença em ../../2023 a julgar idónea a caução prestada pelo exequente e, consequentemente, originou o levantamento da suspensão da execução.
No estrito cumprimento das decisões proferidas nos autos e estando levantada a suspensão dos autos executivos, a AE deveria ter praticado os seguintes atos: num primeiro momento investir os executados na posse do rústico (porque era o exequente que se encontrava empossado do mesmo desde julho de 2023) e, logo de seguida, investir, novamente, o exequente na posse do dito imóvel rústico (atento o trânsito em julgado da sentença proferida no Apenso de caução que corre sob a letra ...).
Cumpre-nos referir que, como se sabe, o ato da proposição da ação/execução dá início a um processo judicial, cuja tramitação comporta uma sequência de atos processuais os quais deverão ser levados a cabo pelas partes, pela secretaria judicial do Tribunal, pelo Juiz titular do processo e, no caso dos processos executivos, pelos agentes de execução.
Por outro lado, os atos que integram cada fase do processo estão definidos pela lei de processo aplicável.
Todavia, a lei prevê importantes princípios que podem condicionar a tipificação dos atos processuais previstos.
A este propósito há que ter em consideração que o legislador consagrou, expressamente, um princípio da limitação dos atos, que determina que “Não é lícito realizar no processo atos inúteis” (artigo 130.º do CPC).
Na verdade, o princípio ínsito no preceito supra referido proíbe a prática de atos inúteis e desnecessários ao normal desenvolvimento da lide, impondo a todos que se abstenham de praticar tais atos que não têm qualquer efeito na substância e/ou mérito do processo e que, muitas das vezes, apenas protelam a finalidade a alcançar nos autos.
Com efeito, o que se pretende evitar é uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contraria a proibição legal da prática no processo de atos inúteis (artigo 130.º do CPC).
Parece-nos que foi com base neste princípio da proibição da prática de atos inúteis, ínsito no at.130.º do CPC, que a AE deu sem efeito a diligência que a própria agendou para o dia 01 de fevereiro de 2024 pois, em seu entender, nessa data, face ao teor da sentença de caução (estando caucionado o montante peticionado a título de benfeitorias pelos executados no apenso de embargos de executado que correm termos sob a Letra ...), que determinava o levantamento da suspensão da execução e permitia o empossamento do exequente no imóvel rústico identificado no título executivo – no qual o mesmo já se encontrava desde julho de 2023 – era inútil empossar os executados nesse mesmo imóvel e, de imediato, voltar a empossar o exequente.
A nosso ver parece-nos que a sequência de decisões proferidas implicava, entre ../../2023 – decisão da Relação a declarar nula 1.º sentença do apenso de caução - e até ../../2023 – data da 2.ª sentença de Caução - que, efetivamente a AE efetuasse os empossamentos, primeiro dos executados e depois do exequente, todavia, no final de janeiro de 2024, mais concretamente no dia 26 de janeiro de 2024 (quando a AE decide que é um ato inútil efetuar o empossamento dos executado do imóvel rústico em causa nos autos - parece-nos que, efetivamente, já se estariam a praticar atos que, no nosso modesto entendimento, poderiam ser considerados inúteis tendo em consideração que, nessa data, já tinha sido proferida a segunda sentença no Apenso de Caução sob a letra ...) que já tinha procedido ao levantamento da suspensão e já legitimava que o exequente estivesse na posse do aludido rústico.
Insurgem-se nos autos os executados alegando que no caso concreto a AE tem de proceder ao seu empossamento do urbano visível nas fotografias juntas aos autos pela AE na diligência de julho de 2023 tanto mais que esse urbano é a casa de morada dos executados.
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, o peticionado pelos executados não é possível concretizar nestes autos.
Na verdade, a AE não tem qualquer título, muito menos válido, para efetuar tal diligência.
Se atentarmos na sentença dada à execução como título executivo, o que estava em causa era o exercício de um direito de preferência na venda de um prédio rústico, nada mais.

Por outro lado, se atentarmos à factualidade que supra elencámos, verificamos que, para além de outros, foi dado como provado o teor do requerimento executivo bem como alguns factos dados como provados na sentença que ora se executa, entre eles os seguintes:
_ Em 10/01/2023 o exequente AA veio instaurar contra os executados BB e CC, casados e DD e FF os autos principais de execução oferecendo como título executivo uma sentença e descrevendo os seguintes factos: “1- Por douta sentença, proferida no âmbito do processo nº 1929/20...., que correu termos no Juízo Central Cível – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real foram os ali réus, ora executados, condenados a: a) Reconhecer ao autor (ora exequente) o direito de preferência sobre o prédio rústico melhor identificado no artigo 17º da petição inicial (o prédio rústico sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., composto de pinhal e vinha, com a área de 20.621 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo ..., com proveniência nos artigos ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...42 da freguesia ...), substituindo-se aos segundos réus (ora executados) na escritura de compra e venda realizada no dia 12 de novembro de 2019 no Cartório Notarial do Dr. GG. b) A entregarem o referido prédio rústico ao autor, (ora exequente) livre e desocupado de pessoas e bens. 2- Da supra referida decisão recorreram os Réus, ora executados, tendo apresentado as suas doutas alegações na data de 19.10.2022. 3- Todavia, não obstante a interposição de recurso da decisão proferida, os ora executados não requereram a fixação do efeito suspensivo da mesma e/ou invocaram que a execução da decisão lhes causasse quaisquer prejuízos. 4- Neste conspecto, na data de 13.12.2022 foi proferido despacho de admissão de recurso pela Meritíssima Juiz a quo tendo-lhe sido fixado efeito meramente devolutivo. 5- Pelo que, é exigível aos executados que procedam em conformidade com o doutamente decidido, mormente que procedam á entrega imediata ao exequente do prédio rústico sito no lugar ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., composto de pinhal e vinha, com a área de 20.621 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo ..., com proveniência nos artigos ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...42 da freguesia .... 6- Razão pela qual, na data de 06.12.2022 procedeu a mandatária subscritora ao envio de email ao Ilustre mandatário dos executados, peticionando a entrega do prédio supra melhor identificado. 7- Todavia, até á presente data, não procederam os executados á entrega do imóvel, nem se presume que, voluntariamente, o venham a fazer. Assim, 8- Não resta ao exequente outra alternativa senão o recurso á presente via para que lhe seja entregue o imóvel ora sua propriedade”.
_ Na sentença dada à execução como título executivo, foram considerados como provados, ente outros, os seguintes factos: “43. No prédio rústico objeto da presente ação existem duas construções compostas por um armazém agrícola e uma casa de apoio. 44. Imóveis que foram naturalmente incluídos no negócio. 45. Ao tomar posse das referidas construções, os segundos Réus resolveram levantar uma vedação para proteção dos seus filhos menores. 46. Mais executaram na casa de suporte os seguintes trabalhos: a) Construção de mobiliário embutido; b) Construção de teto falso; c) Construção de divisória em pladur; d) Remodelação da rede elétrica. 47. Trabalhos que valorizaram o imóvel em causa em, pelo menos, 5 000 € (cinco mil euros)”.
Ora, dúvidas não existem, pelo menos para nós, que o “armazém agrícola e uma casa de apoio”, na qual os segundos executados fizeram várias benfeitorias, também dadas como provadas, fizeram parte do negócio em causa nestes autos e não são edificações, como pretendem os executados, com autonomia e independência em relação ao rústico cuja entrega tem de ser efetuada ao exequente face ao trânsito em julgado das decisões proferidas pelo Tribunal da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Por outro lado, não podia a AE adivinhar, porque tal não resulta da sentença dada à execução, que os executados tenham feito da dita edificação/casa de apoio uma residência para que a AE se tivesse de munir, previamente, de despacho judicial para proceder à entrega do imóvel, questão neste momento já ultrapassada tento o teor da decisão proferida pelo Tribunal da Relação em 28/10/2023.
A nosso ver, não pode a AE efetuar qualquer entrega de um “urbano” aos executados como estes vêm peticionar nos autos por não ter competência para tal, nem existir um urbano, nos termos referidos pelos executados, com autonomia e independência do imóvel rústico em causa nos autos e que é objeto da sentença dada à execução como título executivo.
Na decisão da AE de 26/01/2024 consignou a mesma o seguinte: “(…) E remeter a presente execução a douta apreciação da extinção da instancia em resultado de todo o processado nos autos e respetivos apensos”.
Salvo melhor opinião, os presentes autos executivos ainda não se encontram em condições de serem extintos.
Corresponde à verdade que o Apenso de Embargos de Executado que corre termos sob a Letra ...) foi extinto “(…) por ter ocorrido uma situação de inutilidade superveniente da lide atento o teor da decisão proferida pelo Tribunal da Relação em 20/10/2023 (…)”, contudo, tal extinção teve apenas a ver com a procedência do recurso relativo à 1.ª sentença proferida no Apenso C) de Caução, a qual tendo declarado a nulidade de tal sentença originou que os atos praticados pela AE na sequência de tal decisão ficassem sem efeito, sendo desnecessário tramitar o apenso D) de embargos de executado porque o efeito pretendido já tinha sido alcançado com a decisão proferida, em 28/10/2023, pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
Contudo, os autos executivos não podem, por ora, serem extintos, porque ainda se encontra a correr termos o Apenso de Embargos de Executado que correm termos sob a Letra ...) e ainda não se mostram decididos, razão pela qual se indefere o pedido formulado pela AE de extinção dos autos executivos.
Notifique e comunique.».

Inconformados, os executados recorreram da aludida decisão, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“1.ª - Deduzido incidente de nulidade de actos praticados pela Agente de Execução em 13, 14 e 18 de Julho de 2023 e mantendo a discussão da sua validade válida, terá o Tribunal de primeira instância de decidir sobre a sua admissibilidade e, caso assim o entenda, de notificar o recorrido para, querendo, exercer o contraditório sob pena de violação do art.º 6.º do CPC;
2.ª- Os acórdãos e despachos proferidos num determinado processo transitam em julgado se não forem impugnados por via do recurso ou da reclamação;
3.ª- O trânsito em julgado impede que o tribunal profira em momento posterior decisão contrária àquela que se mostra consolidada;
4.ª- Considerando o acórdão proferido em 28/10/2023 e os despachos de 06/11/2023, 06/12/2023 e 22/04/2024, viola a força do trânsito em julgado o despacho recorrido que, por via disso deverá ser revogado;
5.ª- Declarados os actos praticados pelo Agente de Execução nulos pelo Tribunal da Relação e o Juízo de Execução competente, terão estes de ser material e juridicamente revertidos, após o que, sendo caso disso, deverão ser praticados novos actos, válidos;
6.ª- A renovação de actos nulos não constitui por isso a prática de actos inúteis;
7.ª- No âmbito da presente execução deduziram os Recorrentes Embargos de Executados que, por força do acórdão de 28/10/2023 e dos despachos de 06/11/2023 e 06/12/2023 são declarados extintos por inutilidade superveniente da lide, sentença que tem como pressuposto a devolução do imóvel objecto desses embargos aos executados, não pode o tribunal, em momento posterior, considerar inútil essa entrega, privando os executados de, querendo, deduzir novos embargos ou renovar a instância extinta;
8.ª- Ao decidir da forma como decidiu, viola o tribunal recorrido os princípios de certeza, segurança jurídica e de boa fé processual, porquanto levou a que os recorrentes aceitassem como certa a entrega do imóvel e a desnecessidade da discussão sobre a validade daquela tomada de posse, com possibilidade de deduzir novos embargos caso a AE repetisse aquele acto;
9.ª- Se na fase declarativa o Autor, não só não amplia o pedido por força a que a preferência que pretende exercer também recaia sobre um prédio urbano composto de armazém e habitação, como expressamente renuncia a esse direito, não pode a instância executiva considerar que o urbano não tem autonomia e, por via disso, faz parte do rústico;
10.ª- Havendo dúvidas sobre o tipo de utilização de um prédio urbano composto de armazém e habitação e sem que ninguém tenha alegado ou feito prova de que o mesmo não tem autonomia, não pode o tribunal de primeira instância dar como provado esse facto;
11.ª- Sendo evidente que de um prédio urbano tem a natureza de domicílio, carece a sua tomada de posse de despacho prévio do juiz de execução;
12.ª- Se for controversa a sua natureza de domicílio, não pode o Tribunal de primeira instância decidir da sua natureza sem que essa discussão seja colocada por alguma das partes, exercido o contraditório e produzida prova, sob pena de violar o art.º 3.º do CPC;
13.ª- Ao decidir, sem respeito pelas conclusões que antecedem, que a habitação objecto do auto de entrega do dia 18/07/2023 não é, nem uma habitação, nem um domicílio, nem que tenha autonomia, profere o Tribunal de primeira instância um despacho nulo;
14.ª- Ao decidir da forma como o fez, violou o Tribunal “a quo” o preceituado nos art.º 82.º do CC, 13.º da CRP, 162.º, n.º 3, 168., n.º 1, al. a) do EOSAE, bem como os art.ºs 3.º, 4.º, 195.º, 202.º, 620.º, 628.º e 861.º todos do CPC.”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
*
II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
*
Tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, importa decidir se a decisão recorrida viola o caso julgado formado pela decisão proferida no apenso C pelo Tribunal da Relação de Guimarães (bem como pelo caso julgado formal formado pelas decisões proferidas nos autos principais pelo tribunal recorrido datadas de 6.11.2023 e 6.12.2023) e se é inútil ou não a renovação dos actos considerados nulos por aquele aresto (mormente por via da impugnação deduzida aos autos de entrega), bem como se existe interesse no conhecimento das nulidades invocadas relativamente aos actos praticados em 13, 14 e 18.07.2023.
*
III. Fundamentação

3.1. Fundamentos de facto

Como factualidade relevante interessa aqui ponderar os trâmites processuais consignados no relatório do presente acórdão e o teor da decisão recorrida que supra se transcreveu e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

Para além da factualidade descrita na decisão recorrida, acrescenta-se, para melhor compreensão, a seguinte que foi coligida através da consulta electrónica dos autos principais e do apenso D:
a) Em 12.07.2023, foi proferido no âmbito da acção executiva apensa, o seguinte despacho:
“Face ao teor da decisão proferida, na presente data, nos autos apensos de caução que correm termos sob a letra ...), determina-se o prosseguimento da execução, designadamente com o exequente a ser investido pelo AE na posse/propriedade do imóvel cuja entrega requer nos autos principais e melhor identificado na sentença que foi dada à execução como título executivo.
Notifique e comunique.”.
b) No dia seguinte (13.07.2023), a agente de execução, em cumprimento do assim ordenado, procedeu à entrega do dito prédio rústico, tendo elaborado o “Auto de entrega”, com o seguinte teor:
“No dia ../../...., pelas __18H30____, desloquei-me ao lugar ..., “Quinta ...”, ...,
Em cumprimento com o douto despacho proferido nos autos de Execução supra mencionado, para promover com a entrega efetiva ao Exequente - AA, do imóvel:
-Prédio rústico sito no lugar ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., composto de pinhal e vinha, com a área de 20.621 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo ...24 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...42 da freguesia ....
Os executados não se encontravam no local. Tentou a AE falar telefonicamente com o Dr. II, mandatário dos executados, mas o mesmo não atendeu.
Nos termos do disposto no nº3 do Artigo 861º do CPC , foi o exequente investido da posse do referido imóvel, na pessoa da sua mandataria, a Drª JJ, que acompanhou a diligencia.
Mais se declara que:
Foi aberto o portão da entrada do referido imóvel rustico para se entrar na propriedade. Na propriedade não foram encontrados quaisquer animais, nem cães, gatos, galinhas etc…
As portas da edificação não foram abertas por o exequente não possuir, na hora, os meios.
Foram recolhidas fotos do local e de alguns bens moveis existem no espaço.
O portão foi fechado pelo exequente com corrente e aloquete.
Ficou afixado no local Aviso/notificação de que o exequente tinha sido investido na posse do imóvel.”.
c) No dia 14.07.2023, a agente de execução deslocou-se novamente ao local, tendo elaborado o “Auto de diligência” nos seguintes termos:
“No dia _14/07/2023__, pelas __11h30____, a pedido da mandataria do exequente, desloquei-me novamente ao lugar ..., “Quinta ...”, ..., em razão da corrente que tinha sido colocada no portão ter sido estroncada.
No local, constatei que a corrente tinha sido estroncada e a notificação/aviso colocado no portão tinha desaparecido.
A mandatária da exequente chamou a GNR para tomar conta da ocorrência.
Feita a vistoria ao imóvel, verifiquei que todos os bens moveis existentes no imóvel se encontravam em conformidade com o anterior relatório.
Foram recolhidas fotos do local e de alguns bens moveis existem no espaço.
O portão foi novamente fechado pelo exequente com corrente e cadeado com corrente e aloquete.
Ficou novamente afixado no local Aviso/notificação.
d) No dia 18.07.2023, a agente de execução deslocou-se outra vez ao local e desta feita elaborou o seguinte “Auto de diligência”.
“No dia _18/07/2023__, pelas __17h30____, a pedido da mandataria do exequente, desloquei-me novamente ao lugar ..., “Quinta ...”, ..., por ter sido mais uma vez estroncada a corrente que tinha sido colocada no portão no dia 14/07/2023.
No local, constatei que a corrente tinha sido novamente estroncada e a notificação/aviso colocada no portão também tinha sido novamente arrancada.
A mandatária da exequente chamou uma vez mais a GNR para tomar conta da ocorrência.
Feita a vistoria ao imóvel, verifiquei que:
No meio do caminho do imóvel foi colocado um trator de marca ...” modelo ..., com a matricula incompleta” ..- L-..”, e com o numero de registo “...02...” como se comprova pela fotos em anexo.
As portas da edificação e do armazém foram abertas, e foram recolhidas fotos dos respetivos interiores, que aqui também se inserem.
No armazém foi encontrada uma galinha. Pelo aspeto do estado do interior do armazém o mesmo também servia de galinheiro.
Foi encontrado um recipiente com restos de comida.
Foi colocado água à galinha.
A mandataria do exequente solicitou que ficasse a constar do presente auto o seguinte:
Durante o dia tinha sido contactada pelo EMP01..., em sequência da queixa apresentada pelo Sr. DD, “em como não conseguia dar de comer à galinha, animal de estimação da filha que permanecia no imóvel”.
A mesma informou que, até aquela data não tinha conhecimento da existência do animal no local, no entanto, e já que estava agendada nova diligencia ao local em razão de ter sido estroncada a corrente, o queixoso poderia também estar presente para levar a galinha.
No armazém, e como consta do presente auto foi encontrada uma galinha.
O agente do EMP01... foi informado que se confirmava a presença da galinha, e que o queixoso não compareceu como combinado.
Ficou também acordado com o EMP01... que, logo pela manha, eles teriam que se deslocarem ao imóvel para recolherem o animal, e agirem em conformidade.
O portão foi novamente fechado pelo exequente com corrente.
Ficou novamente afixado no local Aviso/notificação.”.
e) Por requerimento de 11.09.2023, os executados deduziram incidente de nulidade, alegando, para além do mais, que a entrega do imóvel não deveria ter sido realizada sem que a decisão proferida no apenso de caução tivesse transitado em julgado e terminaram pediram que fossem declarados nulos os seguintes actos da agente de execução:
1. A entrega do prédio rústico e consequente investidura de posse do exequente 13.07.2023;
2. o acto praticado no dia 14.07.2023; e
3. o acto praticado no dia 18.07.2023, em particular a entrega do prédio urbano e consequente investidura de posse do exequente.
f) Em 12.10.2023, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho sobre o aludido requerimento (e sobre outro da mesma data a arguir a falsidade do auto de diligência do dia 18.07.2023):
“Ref.ªs ...79 e ...80:
Tendo em consideração que, no incidente de caução, já foi admitido o recurso interposto pelos executados, ao qual foi fixado efeito suspensivo (art. 645.º, n.º1, alínea a) e 647.º, n.º3, alínea c) do CPC), atentos os fundamentos invocados nos requerimentos supra identificados, aguardem os presentes autos que seja conhecida a decisão proferida pelo
Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.
Notifique.”.
g) Em 20.09.2023, os executados vieram, por apenso ao processo executivo (Apenso D), deduzir embargos de executado do “auto de tomada de posse do pretérito dia 18/07/2023”, pedindo que fosse ordenada a devolução do prédio urbano, provisoriamente identificado no art.º 11.º do Requerimento inicial, aos executados, condenando-se o executado a respeitar o direito de propriedade dos executados sobre aquele imóvel, bem como a fornecer-lhes uma chave do portão por forma a que possa aceder ao mesmo pelo único caminho existente, nos dias, as vezes e às horas que quiserem, a pé ou de viatura motorizada.
h) Tais embargos foram admitidos e notificada a parte contrária para os contestar, o que fez.
i) Na sequência da declaração de nulidade da sentença proferida no âmbito do incidente de caução e de todos os actos subsequentes que dela dependem, proferiu o tribunal recorrido o seguinte despacho, a 06.12.2023, no referido apenso D:
«Compulsados os autos constata-se que, em 20/10/2023, foi proferida pelo Tribunal da Relação, no âmbito do Incidente de Caução, uma decisão com o seguinte teor: “(…) Por todo o exposto, Julga-se Procedente a Apelação, e declara-se nula a sentença recorrida, assim como todos os atos subsequentes, que dela dependam absolutamente”.
Os presentes embargos foram deduzidos relativamente ao auto de tomada de posse do pretérito dia 18/07/2023, na sequência da decisão declarada nula, assim como foram declarados nulos todos os atos subsequentes praticados nos autos, designadamente pela AE que dessa decisão dependam em absoluto.
Assim sendo, antes de mais, notifique os embargantes para, em 10 dias, informarem se mantém interesse na apreciação dos presentes embargos de executado face ao teor de tal decisão.».
j) Responderam os executados da seguinte forma, a 12.12.2023:
“No sempre modesto entender dos embargantes, dúvidas não haverá que a entrega dos imóveis ao exequente foi ilegal porque assente numa decisão declarada nula e que feriu de nulidade todos os actos subsequentes, que dela dependiam, designadamente as três entregas dos dois imóveis.
Nula a entrega dos imóveis, o urbano incluído, entendem os embargantes que a instância, respeitante aos presentes embargos, deverá ser declarada extinta como consequência da nulidade superveniente de todos os actos posteriormente praticados.
Naturalmente aceitam os embargantes poder haver interesse no aproveitamento
dos actos que, apesar da nulidade, poderiam ser aproveitados - o que se poderia
colocar com os presentes embargos.
Contudo, entendem que a entrega do urbano ao exequente não é só inválida atenta a declaração de nulidade da sentença proferida no incidente de caução, mas também em consequência de um conjunto de actos (ou omissões), também eles nulos e ilegais, passíveis de procedimento disciplinar e criminal, de cuja apreciação, em sede própria, não irão prescindir.
Em primeiro lugar, considerando que a sentença não fazia referência a um prédio urbano, deveria a Exma. AE., a requerimento do exequente e não por auto-recriação, caso não tivesse dúvidas, proferir uma decisão de AE, notificar as partes dessa decisão e aguardar o contraditório.
Ou seja, permitir que os executados pudessem suscitar a questão da admissibilidade da entrega do urbano ao exequente, junto da M.me Juiz, sendo certo que da decisão proferida pelo Tribunal caberia recurso.
Se, face ao requerido pelo exequente tivesse dúvidas e entendesse não dever emitir decisão de AE, teria de suscitar previamente a questão à M.me Juiz de Execução que proferiria a competente decisão, tal como no caso anterior, passível de recurso.
O que não podia, na modesta opinião dos embargantes, foi actuar da forma como o fez e a seu bel prazer, sem título, requerimento ou despacho, apenas por sua livre iniciativa, proceder injustificadamente à entrega de um urbano que, apesar de implantado no rústico objecto da execução, não consta do título.
Prosseguindo,
Decidido que fosse a favor dos exequente a entrega do urbano, teria a Senhora AE de agendar a tomada de posse.
Para o efeito teriam os executados de ser notificados para, num prazo razoável, proceder à entrega voluntária do imóvel - o que não sucedeu.
Frustrada a entrega voluntária, teria de agendar dia e hora para a entrega coerciva mas, verificado que o urbano é um domicílio, teria aquela tomada de posse de ser precedida de despacho judicial que a autorizasse - o que também não sucedeu.
Concretizada a entrega e dependendo das questões que pudessem ter sido discutidas aquando da decisão/despacho supra, sempre teriam os executados legitimidade para instaurar os competentes embargos de executado - limitados às questões que pudessem ainda não estar resolvidas.
Contudo, se a decisão proferida fosse favorável aos embargantes, ficaria precludido o conhecimento dos presentes embargos de executado.
Feita esta introdução, começam os embargantes por declarar que não prescindem que a devolução dos imóveis determinada na execução à qual o presente apenso corre por apenso, abranja também e em particular o prédio urbano.
Ferida de nulidade a entrega de 18/07/2023 e restituídos os embargantes da posse do urbano, entendem que, a presente instância terá de ser extinta, sem prejuízo de, havendo nova entrega, deduzirão novamente embargos de executado.
O que teria de suceder sempre.

Vejamos:
a) Se for decretada a extinção da instância, havendo nova tomada de posse, terão de ser instaurados novos embargos de executado;
b) Se não for decretada a extinção da instância e se determinar o prosseguimento dos autos, dizem estes respeito à tomada de posse do dia 18/07/2023. Havendo nova tomada de posse, terão os executados de reagir contra aquela, deduzindo novos embargos de executado.
Ou seja, sempre terão de ser instaurados novos embargos.
Acresce que os embargantes entendem ainda que permitir o prosseguimento dos presentes embargos implica que estejam a aceitar todas as ilegalidades supra citadas, carecendo de legitimidade para apresentar as respectivas participações, disciplinares e criminais - do que não prescindem.
Naturalmente a extinção da instância, única decisão que se admite, não equivale a uma desistência do pedido porquanto, os embargantes não prescindem do direito de discutir, a legalidade da tomada de posse, a propriedade do urbano ou se este está incluído na preferência.
O que pretendem fazer, cumprindo ou não a AE todas as formalidades que supra descritas.
Por fim, entendem que extinta a instância nos termos supra, deverá ser o executado condenado nas custas, considerando que a extinção é consequência de recurso no qual os embargantes obtiveram vencimento.

Termos em que:
a) Deverá ser declarada nula a entrega do urbano ao exequente em 18/07/2023;
b) Em consequência disso ser ordenada a restituição da posse do urbano aos embargantes;
c) Declarar-se extinta a instância por nulidade superveniente;
d) Ser o exequente condenado nas custas.”.
k) Em 22.01.2024 foi proferida a seguinte decisão no referido apenso D:
«Ref.ª...85:
No anterior despacho pode ler-se: “Compulsados os autos constata-se que, em 20/10/2023, foi proferida pelo Tribunal da Relação, no âmbito do Incidente de Caução, uma decisão com o seguinte teor: “(…) Por todo o exposto, Julga-se Procedente a Apelação, e declara-se nula a sentença recorrida, assim como todos os atos subsequentes, que dela dependam absolutamente”. Os presentes embargos foram deduzidos relativamente ao auto de tomada de posse do pretérito dia 18/07/2023, na sequência da decisão declarada nula, assim como foram declarados nulos todos os atos subsequentes praticados nos autos, designadamente pela AE que dessa decisão dependam em absoluto. Assim sendo, antes de mais, notifique os embargantes para, em 10 dias, informarem se mantém interesse na apreciação dos presentes embargos de executado face ao teor de tal decisão”.
Assim sendo, a única apreciação e decisão que podemos tomar neste momento, face ao teor do nosso despacho e sem entrar no mérito da causa, é declarar a existência de uma situação de inutilidade superveniente da lide atento o teor da decisão proferida pelo Tribunal da Relação em 20/10/2023, no âmbito do Incidente de Caução que tinha o seguinte teor: “(…) Por todo o exposto, Julga-se Procedente a Apelação, e declara-se nula a sentença recorrida, assim como todos os atos subsequentes, que dela dependam absolutamente”, razão pela qual se julgam extintos os presentes autos de embargos de executado, nos termos do disposto no artigo 287.º, alínea e), do Código de Processo Civil.
Custas pelo Exequente/Embargado uma vez que a extinção da instância ora determinada é consequência da decisão proferida em sede de recurso no qual os embargantes obtiveram vencimento (art.450, n.º3 do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.».
*
3.2. Fundamentação de direito
O presente recurso versa sobre uma decisão judicial que tem por objecto a impugnação deduzida pelos executados, ora recorrentes, relativamente a uma decisão da agente de execução.  
Antes de entrarmos na apreciação do recurso propriamente dito questão, cumpre introduzir uma nota prévia.
Com efeito, o art.º 723º do NCPC estabelece no seu nº 1 al. c) que, sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, compete ao juiz julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de actos e impugnações de decisões do agente de execução.
Note-se que a competência do juiz de execução é uma competência “restrita, tipificada e residual” por contraste com o agente de execução que tem uma competência ampla e não tipificada, correspondente a um “poder geral de direcção do processo” (vide, Rui Pinto, A Ação Executiva, p. 65) pois que segundo o nº 1 do art.º 719º do NCPC cabe-lhe “efectuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos”. Assim, em regra, no silêncio da lei a competência será do agente de execução, estando reservada ao juiz de execução a reserva da jurisdição, sendo o juiz das garantias dos direitos subjectivos.
Neste contexto é ao juiz que compete julgar as reclamações de actos e impugnações de decisões do agente de execução.
Por sua vez, a reclamação dos actos do agente de execução trata-se de um “meio de revogação de actos processuais decisórios e não decisórios do agente de execução com fundamento em ilegalidade ou em erro de julgamento de factos que não sejam objecto de meio processual especial” – cfr. Rui Pinto, ob. citada, p. 113.
Com efeito, existindo ilegalidades e actos processuais que integram o âmbito de outros meios de defesa e não sendo de pressupor que o legislador pretendeu deixar ao interessado a livre escolha entre a reclamação e os outros meios, deve aceitar-se que a reclamação de acto do agente de execução não pode ser deduzida quando a lei preveja um meio processual mais adequado ao fundamento invocado pelo interessado, ou seja, nesse caso, prevalece o meio processual de âmbito especial. Vide, a este propósito o ac. RP de 8.06.2022, relatado por Joaquim Moura e disponível in www.dgsi.pt.
Acresce que, a lei prevê que o controlo jurisdicional da decisão tomada pelo agente de execução seja exercido apenas em um grau, isto é, pelo juiz de execução, constando expressamente da referida alínea c) a menção a “sem possibilidade de recurso”.
Não existe, por isso, qualquer dúvida que o legislador pretendeu que a actuação do agente de execução e as decisões por ele tomadas sejam objecto de apenas um único nível de controlo jurisdicional, a exercer pelo juiz de execução ao decidir a reclamação ou impugnação; julgamos justificar-se tal opção pois que, por regra, não está em causa dirimir qualquer litígio ou pretensão entre as partes.
Como vimos o juiz de execução tem a reserva da jurisdição, sendo o juiz das garantias dos direitos subjectivos, ficando “reservado ao juiz de execução o julgamento das questões em que exista um litígio de pretensões, sempre a pedido do interessado” (vide, Rui Pinto, ob. cit., p. 65).
Quanto ao agente de execução, a quem compete efectuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, as suas decisões recaem por um lado sobre a relação processual (admissão ou recusa do requerimento executivo e remessa do requerimento executivo para despacho liminar) e, por outro, sobre a realização coactiva da prestação como é o caso da decisão sobre a venda; matérias que não contendem com a garantia constitucional da reserva de jurisdição, não estando em causa dirimir litígio de pretensões entre as partes.
Note-se, que com a reforma de 2013 passaram para a competência do juiz as decisões sobre matérias que contendiam exactamente sobre essa reserva de jurisdição (estabelece o nº 2 do art.º 202º da Constituição da República Portuguesa que na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados) e que tinham suscitado questões de constitucionalidade.
Isto posto, no caso que nos ocupa, é por demais manifesto que a decisão da agente de execução impugnada consubstancia uma decisão sobre questão que envolve litígio entre as partes, sendo, pois, de afastar a regra geral de irrecorribilidade prevista na al. c) do nº 1 do art.º 723º do NCPC.
Nesta conformidade, e passando ao objecto do recurso propriamente dito, do acima descrito resulta que a discussão da bondade da decisão proferida em 1ª instância se centra, essencialmente, em duas vertentes que, salvo mais avisada opinião, se interligam – violação do caso julgado, por um lado, e (in)utilidade de renovação dos actos declarados nulos, por outro.
Com efeito, importa começar por apreciar se o tribunal recorrido ao julgar ser inútil proceder à devolução do imóvel apreendido e entregue ao exequente violou o caso julgado formal formado por decisões anteriores, transitadas em julgado, mais precisamente, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães que declarou nula a primeira sentença proferida no incidente de prestação de caução (apenso C) e todos os actos posteriores dela dependentes e as subsequentes decisões proferidas pelo tribunal recorrido a ordenar tal devolução.
Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, o caso julgado consubstancia-se “na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário” – in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª edição, 1997, p. 567.
Seguindo o ensinamento de Rui Pinto (in, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, revista Julgar Online, Novembro de 2018, p. 2/3), o caso julgado tanto designa a qualidade de imutabilidade da decisão judicial que transitou em julgado, como o conjunto dos efeitos jurídicos que têm o transito em julgado da decisão judicial por condição. A decisão transitou em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (cfr. art.º 628º, nº 1, do NCPC). Trata-se, por conseguinte, de uma qualidade formal ou externa ao próprio teor da decisão. Por outro lado, a imutabilidade da decisão permite que esta alcance uma estabilidade, ou seja, uma continuidade, na emissão dos respetivos efeitos jurídicos.
O trânsito em julgado constitui uma técnica de estabilização dos resultados do processo, mas que não é única, integrando-se numa linha gradual de estabilização.
Efectivamente, decorre, desde logo, do art.º 613º, nº 1, do NCPC que, prolatada a sentença ou despacho, o tribunal não os pode revogar, por perda de poder jurisdicional.
Trata-se, pois, de uma regra de proibição do livre arbítrio e discricionariedade na estabilidade das decisões judiciais.
O caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, restringe-se às decisões que apreciam matéria de direito adjectivo, produzindo efeitos limitados ao próprio processo (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 745).
As decisões de forma que incidem sobre aspectos processuais, adquirindo, em regra, valor de caso julgado formal, são vinculativas no processo, produzindo efeitos processuais: enquanto efeito negativo, resulta da decisão transitada a insusceptibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que a proferiu, se voltar a pronunciar sobre ela; como efeito positivo, resulta da decisão transitada a vinculação do tribunal que a proferiu (e de outros) ao que nela foi definido ou estabelecido (vide, Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit. p. 572).
Assim, qualquer despacho proferido sobre questão processual, uma vez transitado em julgado, adquire valor de imutabilidade, sendo no processo inadmissível (e por isso ineficaz – art.º 625º, nº 2 do NCPC) decisão posterior sobre a mesma questão que dele tenha sido objecto – não sendo respeitados os efeitos processuais resultantes de decisão transitada em julgado, ocorrerá situação de contraditoriedade, a solucionar de acordo com a regra prescrita no art.º 625º do NCPC, valendo aquela que primeiro transitou em julgado (princípio da prioridade do trânsito em julgado que vale também para as decisões de natureza adjetiva proferidas no processo, como resulta do nº 2 do art.º 625º do NCPC). Neste sentido, veja-se o ac. da RP de 17.05.2022, processo nº 1320/14.2TMPRT.P1, acessível in www.dgsi.pt.
Porque assim, o caso julgado formal de uma decisão obsta a que no processo seja tomada nova decisão (seja renovando, seja modificando a anterior) e, como referido no ac. do STJ de 8.03.2018 (relatado por Fonseca Ramos e acessível no mesmo sítio), uma pretensão já decidida, em contexto meramente processual, e não recorrida, seja objecto de repetida decisão (se tal acontecer, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão).
O pressuposto nuclear do instituto consiste em a pretensão - ao nível da relação meramente processual - constituir a renovação, alteração ou repetição duma anteriormente decidida.
Determinar quando tal ocorre, remete-nos para o âmbito objectivo do caso julgado, isto é, para a determinação do seu objecto, do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal na decisão transitada.
Esse quantum definidor dos limites objectivos respeita, no caso julgado formal, à questão processual concretamente apreciada e decidida.

Como expressivamente se explica no ac. desta Relação de Guimarães de 6.05.2021, relatado por João Ramos Lopes e acessível in www.dgsi.pt:
O caso julgado tem limites temporais – porque incide sobre uma decisão que apreciou uma questão concreta e, assim, porque o seu momento de referência corresponde àquele em que poderão ser apreendidos para a decisão os factos relevantes, verificam-se, respeitantes ao futuro, duas consequências: a caducidade do caso julgado e a susceptibilidade de modificação da decisão transitada se se verificar uma alteração na situação de facto após o momento em que para a decisão poderiam ser apreendidos factos relevantes [Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª edição, 1997, p. 583/584].
Efectivamente, porque também submetido ao princípio rebus sic santibus, o caso julgado deixa de valer quando se alteram os condicionalismos de facto em que a decisão proferida assentou – e assim que o caso julgado pode perder a sua eficácia por caducidade (que ocorre quando deixa de subsistir a situação de facto subjacente à decisão) ou por substituição da decisão transitada (que pode ser requerida quando se altera a situação de facto a ela subjacente) [Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, p. 586 e 587].
Dito doutro modo – uma decisão perdurará enquanto não sobrevierem alterações na situação processual objecto de despacho; isto é, produzirá ‘efeitos enquanto não se modificarem as circunstâncias que foram determinantes para o seu teor e sentido’ (asserção válida tanto para as decisões de mérito quanto para as decisões de forma) [Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, revista Julgar Online, Novembro de 2018, pp. 2/3.14].”.
Transpondo estes considerandos para o caso vertente, constata-se que foi ordenada e concretizada a entrega do imóvel objecto dos autos ao exequente na sequência da sentença proferida no incidente de prestação de caução, datada de 12.07.2023 (incidente este interposto pelo exequente com vista a obter o prosseguimento da instância executiva – a qual havia sido suspensa por força da oposição à execução deduzida pelos executados – e, consequentemente, a entrega do bem imóvel identificado no requerimento executivo).
Refira-se que na dita sentença não só foi julgada idónea a prestação de caução por parte do exequente, como foi ordenado que fosse de imediato aberta conclusão nos autos principais para ser proferida decisão de prosseguimento da execução, designadamente com o exequente a ser investido pelo agente de execução na posse/propriedade do imóvel cuja entrega é requerida nos autos de execução.
Porém, interposto recurso, o tribunal superior declarou tal sentença nula, bem como todos os actos subsequentes dela dependentes, nos quais, naturalmente, se inclui o acto de entrega do imóvel ao exequente, entretanto concretizada.
Nessa conformidade, o tribunal recorrido ordenou à agente de execução que procedesse à devolução do imóvel apreendido aos executados.
Sucede que, tendo sido proferida nova sentença no aludido incidente de prestação de caução, julgando-o procedente, a agente de execução proferiu decisão, considerando ser inútil proceder à devolução aos executados do imóvel apreendido, dando sem efeito a data agendada para a dita diligência.
Apresentada reclamação de tal decisão, o tribunal recorrido proferiu decisão no mesmo sentido, considerando ter-se tornado inútil a devolução do imóvel aos executados anteriormente ordenada.
Em face do disposto, ressuma que as circunstâncias que deram origem à decisão que ordenou a devolução do imóvel se alteraram por força da nova decisão proferida no incidente de prestação de caução.
Ou seja, as circunstâncias mediante as quais os despachos assinalados foram proferidos são diversas, possibilitando evidentemente o entendimento adoptado pelo tribunal a quo de considerar ser inútil proceder à devolução do imóvel aos executados, em resultado da prolação da nova decisão no incidente de prestação de caução.
A discordância de tal entendimento - quanto à utilidade a renovação dos actos declarados nulos - pode apenas consubstanciar fundamento de recurso com base em erro de julgamento (como veremos adiante), mas já não com base em violação do caso julgado formal.
O caso julgado formal apenas se forma relativamente a questões que tenham sido concretamente apreciadas e nos limites dessa apreciação.
Não pode ser afirmado que os efeitos processuais do caso julgado formal formado, mormente, com o despacho de 6.12.2023 – que ordenou a devolução do imóvel por força da declaração de nulidade da sentença proferida no incidente de prestação de caução - se mantinham, e que a situação que determinou a prolação de tal despacho permanece inalterada.
Assentando o despacho recorrido numa alteração da situação que determinou a prolação da decisão a ordenar a devolução do imóvel, não estamos perante a violação do caso julgado formal (cfr, a este propósito, o ac. do STJ de 7.03.2018, processo nº 98/17.2YFLSB, disponível in www.dgsi.pt).
As decisões apresentadas pelo recorrente não são conflituantes, pois as bases factuais em que assentam, por serem distintas, inviabilizam considerar-se que a segunda decisão contraria a primeira.
Porque assim, o tribunal a quo não desrespeitou o caso julgado formal.
Improcede, assim neste segmento, a apelação.
Nesta conformidade, urge agora averiguar se, face à prolação da segunda sentença no incidente de prestação de caução, é inútil ou não efectuar o empossamento dos executados no imóvel em causa e, de imediato, voltar a empossar o exequente, como entenderam a agente de execução e o tribunal recorrido.
Com efeito, insurgem-se os recorrentes contra o assim decidido, defendendo que tendo sido declarados nulos os actos praticados pela agente de execução, designadamente os atinentes à entrega do imóvel e datados de 13, 14 e 18.07.2023, devem tais actos ser revertidos e, após, devem ser praticados novos actos válidos.
Justificam tal entendimento no facto dos embargos interpostos pelos executados - que visavam impugnar a diligência efectuada em 18.07.2023 (Apenso D) - terem sido declarados extintos precisamente por força da decisão do Tribunal da Relação, e que a considerar-se inútil a repetição dos actos que foram declarados nulos na referida decisão, os executados ficam privados de, querendo, deduzir novos embargos a fim de discutir a validade da entrega ao exequente do(s) edifício(s) implantado(s) no prédio rústico cuja entrega coerciva foi peticionada na acção executiva apensa.
Consideram, pois, que, ao decidir da forma como decidiu, o tribunal recorrido violou os princípios da certeza, segurança jurídica e de boa fé processual.
Vejamos, então.     
Note-se que, nos presentes autos, não é objecto de controvérsia que a sentença proferida no incidente de prestação caução, datada de 12.07.2023, foi declarada nula, bem como os actos subsequentes dela dependentes (por força da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de 30.10.2023), cabendo retirar dessa constatação todas as devidas consequências legais, nomeadamente no que respeita à ulterior tramitação da acção executiva.
Com efeito, cumpre recordar que, de acordo com o disposto no nº 2 do art.º 195º do NCPC 2013, quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente e a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
Deste modo, por força do aludido normativo, não restam dúvidas que a nulidade da aludida sentença importa que se considerem nulos todos os actos praticados na acção executiva subsequentes ao levantamento da suspensão da acção executiva, ou seja, os atinentes à entrega do bem imóvel ao exequente – os praticados em 13, 14 e 18.07.2023 - tendo sido por essa mesma razão que, em 6.12.2023, foi ordenada a devolução do mesmo bem imóvel aos executados e foi declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide nos embargos que visavam impugnar a diligência realizada em 18.07.2023 (Apenso D).
Por maioria de razão, em face de tal declaração de nulidade, carecia e carece de utilidade a apreciação dos incidentes de nulidade e falsidade apresentados pelos executados em 11.09.2023 relativamente aos mesmos actos praticados pela agente de execução, desde já, se adiantando que carece totalmente de fundamento a pretensão recursória deduzida a esse propósito.    
Contudo, como também já vimos, em 13.12.2023 foi proferida nova sentença no referido incidente de prestação de caução.
Ora, não existindo notícia nos autos de que tal sentença tenha sido impugnada, a mesma transitou em julgado, pelo que, pelo menos, a partir do trânsito em julgado da mesma, impunha-se considerar que a ordenada devolução do prédio objecto dos referidos autos de diligências realizados em 13, 14 e 18.07.2023 passou a carecer de utilidade.   
Com efeito, determina o art.º 130º desse mesmo Código que é proibida a prática de actos inúteis.
Este normativo dá corpo a um princípio geral de economia processual.
Segundo Rui Pinto, o processo civil rege-se por vários princípios gerais arrumados nas categorias de princípios estruturantes e princípios instrumentais: aqueles necessariamente presentes, porque impostos pela Constituição, estes eventualmente consagrados, dependentes do legislador ordinário, sendo considerados estruturantes ou necessários os princípios da igualdade das partes, do contraditório, da legalidade da decisão, da publicidade e da economia processual (in, ob. citada, p. 25).
Lembra o mesmo autor que o denominado “princípio da economia processual tem particular acuidade no processo executivo: cada ato apenas é devido ou admissível se for útil para a finalidade executiva, sob pena de ilicitude, nos termos do artigo 130º” (in ob. citada, p. 27).
Por outro lado, o processo é composto pelo encadeamento de actos processuais que devem ser executados segundo certas formalidades legalmente previstas. Essas formalidades servem para conferir igualdade de tratamento, estabilidade, segurança jurídica e previsibilidade às partes processuais, que de antemão tem conhecimento do caminho a ser traçado no âmbito do processo. No entanto, o processo não pode ser visto como um fim em si mesmo, mas um instrumento para a prossecução do direito material. Assim, caso um acto processual tenha sido praticado sem observância das formalidades legais, mas tenha atingido sua finalidade e não tenha causado prejuízo às partes, não deve ser anulado, mas sim aproveitado.
Deste modo, o princípio da economia processual também aconselha a que reduza, no máximo que for possível, os efeitos destrutivos resultantes da declaração de nulidade de um acto processual. Isto sempre, como é evidente, sem nunca descurar a observância dos demais princípios estruturantes do processo civil ou diminuir os direitos de defesa das partes.
Tendo presentes estes considerandos, no caso em apreço, e muito embora se considere acertada a decisão de considerar que a devolução do prédio aos executados se tornou evidentemente um acto inútil, já se nos afigura que têm razão os recorrentes quando defendem que o(s) acto(s) relativo(s) à apreensão e entrega do imóvel ao exequente deveria(m) ser repetido(s).
Ou seja, só carecem de repetição os actos que foram declarados nulos.
E assim é, porquanto, só com a repetição (ainda que formal) de tais actos de apreensão e entrega é que poderá garantir o cumprimento dos princípios da igualdade das partes e do contraditório, plasmados nos art.ºs 3º e 4º, do NCPC e, consequentemente, ficar assegurado o pleno exercício dos direitos de defesa dos executados.
Na verdade, e como bem fizeram notar os recorrentes, não podia o tribunal recorrido extinguir os embargos do apenso D por inutilidade superveniente com base na nulidade do acto que os mesmos tinham por objectivo impugnar e depois considerar o mesmo acto válido, inviabilizando a apreciação dos fundamentos ali esgrimidos pelos executados.
Veja-se que, ao contrário do que parece entender o tribunal recorrido, e sem que com isto se esteja a proferir qualquer juízo de mérito, nada obsta a que os executados possam, em abstracto, invocar a inadmissibilidade do bem concretamente apreendido, através do competente incidente de oposição à entrega da coisa, sendo, aliás, esse o meio próprio para, querendo, pôr em causa a validade de acto e não através da arguição de nulidade do acto da agente de execução, como também de forma incongruente fizeram.
Com efeito, em situações como a presente, e conforme assertivamente ensina Rui Pinto (in ob. citada, p. 998):
O executado pode opor-se à apreensão por incidente de oposição à entrega da coisa, regido mutatis mutandis, pelo regime da oposição à penhora (cf. artigos 784º e 785º ex vi artigo 861º nº 1), quanto ao prazo, ao procedimento e aos efeitos.
O fundamento será, nomeadamente, a inadmissibilidade da apreensão dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada. Ou seja: não se impugna o crédito de entrega, nem o objecto do mesmo, mas o objecto concretamente apreendido.”.
Neste mesmo sentido, veja-se Miguel Teixeira de Sousa, in Acção executiva singular, 1998, p. 47, citado por Rui Pinto. 
Em suma, tendo já sido declarados nulos, por decisão transitada em julgado, os actos de apreensão e de entrega do imóvel ao exequente efectuados na acção executiva, carece de qualquer utilidade a apreciação dos vários requerimentos atravessados pelos executados a invocar a nulidade de tais actos (ainda que com fundamentos algo distintos), pelo que improcede nessa parte o recurso.
Por outro lado, atenta a segunda sentença proferida no incidente de prestação de caução, também transitada em julgado, carece de utilidade e fundamento proceder-se à devolução do prédio apreendido aos executados, devendo apenas ser ordenada nova apreensão e entrega do mesmo ao exequente, com vista nomeadamente a permitir aos executados, querendo, deduzir oposição à entrega nos termos acima referidos, pois só nessa sede é que tal questão pode ser definitivamente decidida.
Nesta parte, procede, pois, parcialmente o recurso.    
Isto tudo também sem prejuízo dos executados, se assim o pretenderem, deduzirem nos meios próprios as acções ou procedimentos que tiverem por convenientes com vista a serem ressarcidos dos prejuízos que alegadamente lhes foram provocados.  
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Destarte, impõe-se revogar parcialmente a decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que determine ao Agente de Execução que proceda a nova apreensão e entrega do prédio rústico identificado no requerimento executivo ao exequente, com vista nomeadamente a permitir aos executados, querendo, deduzir oposição à entrega nos termos acima referidos.
Não obstante, as custas do recurso deverão ser integralmente suportadas pelos recorrentes, uma vez que o recorrido não deu causa à reclamação, não a contestou e não contra-alegou (art.º 527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em revogar parcialmente a decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que determine à Agente de Execução que proceda a nova apreensão e entrega do prédio rústico identificado no requerimento executivo ao exequente, com vista nomeadamente a permitir aos executados, querendo, deduzir oposição à entrega nos termos acima referidos.
Custas do recurso a cargo dos recorrentes.
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Guimarães, 30.01.2025
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juíza Desembargadora Relatora: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dra. Maria dos Anjos Melo Nogueira
2º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Alcides Rodrigues