Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2781/22.1T8VCT.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: INVENTÁRIO
SEGUNDA PERÍCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/06/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Visando a partilha de bens a realizar em processo de inventário uma justa igualdade, constitui a avaliação de bens, a requerimento de algum interessado, o mecanismo que (em face da falta de consenso) permite obter uma primeira aproximação relativamente ao valor que será considerado para efeitos de partilha; e ao mesmo tempo que estabelece um valor mais próximo da realidade, do qual partirão as futuras licitações, impede que nestas se beneficiem injustamente os interessados dotados de maior poderio financeiro, ou se beneficiem injustamente os interessados legatários cujos bens nem mesmo poderão ser objecto de licitação (facilitando a obtenção de um resultado mais justo na partilha que se venha a concretizar).
II. A fase de licitações em processo de inventário, embora tendencialmente destinada a favorecer a igualdade dos quinhões hereditários, tem apenas uma função rectificadora ou aquisitiva, não permitindo ao juiz uma intervenção propiciadora da plena observância do estatuto da igualdade substancial dos interessados; e dela estão excluídos bens que, não obstante, influenciam os termos da partilha (como os legados a um interessado).
III. Resultando já do art.º 549.º, n.º 1, do CPC, a aplicação do regime da prova pericial à avaliação de bens a realizar em processo de inventário, não se justifica que neste se proceda a uma reiterada remissão para aquele; e as especialidades consagradas nos n.º 3 e n.º 4 do art.º 1114.º do CPC para a dita avaliação de bens não consubstanciam um regime especial completo que possa prescindir do recurso àquele outro (nomeadamente, quanto a aspectos essenciais de preparação e produção respectivas, e de apreciação pelas partes do resultado da perícia de avaliação de bens relacionados).
IV. O regime actual do inventário, no que à avaliação de bens relacionados diz respeito, é herdeiro das ponderações feitas e das soluções consagradas, de forma mais ou menos inalterada, pelo legislador desde 1994; e nem foi neste aspecto objecto de reparos ou de polémicas (doutrinais ou jurisprudenciais), nem o legislador assumiu quaisquer razões específicas que justificassem hoje a não aplicação do regime previsto na parte geral do CPC para a prova pericial a produzir no seu âmbito.
V. Sendo o processo de inventário um daqueles em que a determinação do valor de bens (sobretudo de imóveis) se reveste de maior importância, e sendo a perícia de avaliação de bens relacionados o meio de prova por excelência do valor a atribuir-lhes, só pela aplicação do regime editado para a prova pericial na parte geral do CPC (nomeadamente, dos procedimentos aí consagrados para assegurar a respectiva eficácia e fiabilidade) se poderá alcançar a verdade material (sob pena de se admitir que um único perito possa condicionar de forma definitiva - e quiçá injusta - o resultado da partilha, sem que os directos interessados nela possam sequer sindicar o seu juízo).
VI. Sendo o princípio do contraditório e o direito à prova enformadores do direito processual civil nacional (art.ºs 3.º e 415.º, ambos do CPC), e gozando de consagração constitucional enquanto pressupostos de um processo equitativo, destinado a fazer valer nos tribunais direitos e interesse legalmente protegidos (art.º 20.º da CRP), só a aplicação do regime disposto para a prova pericial na parte geral do CPC à avaliação realizada em processo de inventário permite a audiência contraditória dos interessados na sua preparação, produção e apreciação de resultados (esta última por meio de apresentação de reclamações ao relatório produzido, ou de requerimento para segunda perícia).
VII. Tendo imóveis relacionados em processo de inventário sido objecto de uma primeira avaliação por perito único, é legalmente admissível que venham a ser objecto de uma segunda avaliação (desde que os seus pressuposto próprios se encontrem verificados); e esta segunda avaliação mais se justifica quando no acervo a partilhar se inclui um prédio urbano legado por conta da quota disponível a um dos dois únicos interessados (ambos herdeiros legitimários), por ser legalmente insusceptível de licitação (já que, de outro modo, ficará o interessado não beneficiado com ele totalmente impossibilitado de reagir ao que considere ser um defeito na respectiva avaliação).
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ...-traseiras, em ..., ..., propôs um processo especial de inventário facultativo, para partilha da herança de BB (falecido em ../../2022, no estado de divorciado de CC) e para partilha da herança de CC (falecida em ../../2022, no estado de divorciada de BB).
São exclusivas interessadas em ambos os inventários, como filhas únicas e comuns dos dois Inventariados: AA, a quem o Inventariado (BB), por testamento e por conta da quota disponível, legou um bem imóvel, com todo o seu recheio, instituindo-a ainda herdeira da dita quota disponível; e DD, residente na Rua ...-frente, em ....

1.1.2. Foi nomeada como cabeça-de-casal AA.

1.1.3. A Cabeça-de-casal (AA) apresentou uma relação de bens para cada um dos Inventariados, qualquer delas com prédios rústicos e urbanos, relacionados com os respectivos valores patrimoniais tributários, constando da pertinente: ao Inventariado (BB), um prédio rústico, com o valor de € 4,27 (verba n.º 3), nove de cem partes indivisas de um prédio rústico, com o valor de € 2,94 (verba n.º 4) e o prédio urbano que lhe foi legado pelo Inventariado, com o valor de € 49.653,80 (verba n.º 6); e à Inventariada (CC), uma fracção autónoma de um prédio urbano, com o valor de € 52.820,60 (verba n.º 5) e um prédio rústico, com o valor de € 0,17 (verba n.º 6).

1.1.4. Notificadas as Interessadas (AA e DD) para o efeito, só Cabeça-de-casal apresentou forma à partilha.

1.1.5. A Cabeça-de-casal (AA) veio depois requerer a avaliação dos bens imóveis, lendo-se nomeadamente no seu requerimento:
«(…)
AA (…) vem muí respeitosamente, e ao abrigo do disposto no artigo 1114.º do Código de Processo Civil, requerer a avaliação dos bens imóveis, integrantes das relações de bens de cada um dos inventariados.
- As razões pelas quais não se aceitam os valores que lhe foram atribuídos, deve-se ao facto dos valores patrimoniais tributários, se encontrarem totalmente desfasados da realidade actual.
(…)»

1.1.6. Foi proferido despacho sobre o modo como deveria ser organizada a partilha e designando dia para realização da conferência de interessados (que aqui se dá por integralmente reproduzido), lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Para realização da conferência de interessados (artigo 1110.º, n.º 2, alínea b), do CPC) designo do dia 28 de Novembro de 2023, pelas 10h00m.
Notifique tendo em consideração o disposto no artigo 1110.º, n.º 3 a 6 do CPC. 
(…)»

1.1.7. Em sede de conferência de interessados, tendo ambas as Interessadas (AA e DD) requerido a avaliação dos bens imóveis relacionados, foi proferido despacho deferindo-a, conforme acta respectiva (que aqui se dá por integralmente reproduzida) e onde nomeadamente se lê:
«(…)
Iniciada a presente conferência de interessados, com as observâncias das formalidades legais, pelos Drs. EE e FF foi requerida a avaliação dos bens imóveis urbano e rústico integrantes da relação de bens de cada um dos inventariados, uma vez que os valores aí indicados encontram-se totalmente desfasados da realidade actual.

Seguidamente pelo Mmº Juiz foi proferido o seguinte
DESPACHO
Considerando que os bens imóveis cuja avaliação vem requerida foram relacionados tendo por referência o valor patrimonial tributário dos mesmos, e que, na esmagadora maioria dos casos, o valor de mercado de bens dessa natureza é bastante superior ao valor fixado para efeitos fiscais, defere-se o requerido ao abrigo do disposto no artigo 1114.º, n.º 1, do CPC, determinando-se assim a avaliação dos bens imóveis identificados no requerimento conjunto dos interessados, devendo a secção indicar pessoa idónea para o efeito - que desde já se nomeia para realizar a avaliação agora ordenada -, e que terá por objecto apurar o valor do mercado dos referidos imóveis, concedendo-se para o efeito o prazo de trinta dias.
Notifique e desconvoque.
(…)»

1.1.8. Junto o relatório de avaliação dos bens imóveis relacionados (que aqui se dá por integralmente reproduzido), foram-lhes atribuídos os seguintes valores: do Inventariado (BB), ao prédio rústico (verba n.º 3) o valor de € 4.185,00 (em lugar dos anteriores € 4,27), às nove de cem partes indivisas de um prédio rústico (verba n.º 4) o valor de € 2.115,00 (em lugar dos anteriores € 2,94) e ao prédio urbano por ele legado à Cabeça-de-casal (verba n.º 6) o valor de € 90.000,00 (em lugar dos anteriores € 49.653,80); e da Inventariada (CC), à fracção autónoma de um prédio urbano (verba n.º 5) o valor de € 75.000,00 (em lugar dos anteriores € 52.820,60) e ao prédio rústico (verba n.º 6) o valor de € 150,00 (em lugar dos anteriores € 0,17).

1.1.9. A interessada DD veio reclamar do relatório e pedir que se procedesse a uma segunda avaliação, lendo-se nomeadamente no seu requerimento (que aqui se dá por integralmente reproduzido):
«(…)
1. Conforme se pode verificar no relatório em análise, o senhor perito, nada diz quanto á razão de ter utilizado o método do custo em detrimento dos demais métodos [1], quando podia e devida calcular os valores dos imóveis utilizando aqueles 3 métodos [comparativo, do custo e de rendimento] ou quando podia utilizar aquele método comparativo que é aquele que mais de aproxima do valor de mercado dos imóveis e que é, por isso, o mais justo.

2. Acresce que, o senhor perito, usando o referido método do custo, na avaliação do imóvel da verba n.º 6, legado por conta da quota disponível do inventariado á interessada/legatária AA, denominado prédio urbano sito na Rua ..., ..., da União de Freguesias ... (…), indica valores completamente desfasados da realidade, que não se aceitam e que não são defensáveis.

3. Com efeito, o referido método, também denominado como método da substituição ou da reposição, traduz-se na avaliação do imóvel a partir do custo da construção semelhante àquela que se avalia. Ora, o senhor perito indica ali, como “custo unitário da construção”, o montante de 550 €/m2, quando é sabido, quando é do conhecimento da generalidade das pessoas sendo, por isso, um facto notório, que, actualmente, atento os valores dos materiais de construção e o custo da mão-de-obra, não se consegue construir habitação á razão de 550,00€/m2.
()
13. Do exposto resulta que o valor de 90.000,00€ atribuído no relatório pericial ao imóvel da verba n.º 6 é absolutamente irreal, correspondente, na melhor das hipóteses, a 1/3 (uma terça parte) do seu real valor.

14. Face aos vícios apontados, não vemos que o senhor perito, através de esclarecimentos, tenha condições para proceder á avaliação dos bens usando aqueles critérios ou métodos que não utilizou.

15. Daí que, de modo a realizar-se uma partilha justa e equitativa, assente em valores reais dos bens a partilhar ou, pelo menos, valores aproximados da realidade, deve ordenar-se a realização de uma segunda perícia, se possível por perito da lista oficial – O QUE SE REQUER.
(…)»

1.1.10. A Cabeça-de-casal (AA) opôs-se à realização de uma segunda avaliação, nomeadamente defendendo que «os valores constantes do relatório de avaliação, servem apenas para início das licitações em substituição do valor patrimonial tributário», podendo a «interessada DD (…) licitar até ao valor que entender»; e ser ainda a diligência legalmente inadmissível.

1.1.11. Foi proferido despacho (que aqui se dá por integralmente reproduzido), indeferindo a realização de uma segunda perícia e designando data para continuação da conferência de interessados, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Ref.ª ...87: vem a interessada DD, pelos motivos enunciados no respectivo requerimento, solicitar uma segunda avaliação dos bens imóveis que constam da relação de bens, sendo certo, porém, que, em bom rigor, apenas se pronuncie contra o método de que o Sr. Perito lançou mão para fixar o valor de mercado de um dos imóveis relacionados.
Esta última opôs-se ao requerido, entendendo, para além do mais, que a norma do artigo 1114.º do CPC não prevê a realização de uma segunda avaliação e que ao caso não pode ser aplicada a disciplina do artigo 487.º e ss. do CPC.
(…)
Assim é que, por um lado, tanto no regime jurídico do processo de inventário pretérito (introduzido pelo Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de Setembro), como no regime do processo de inventário regulamentado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, que atribuiu aos Cartórios Notariais competência para efectuar o processamento dos actos e termos do processo de inventário e da habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra, existiam normas expressas que remetiam para o regime da prova pericial prevista na parte geral do CPC, autorizando, consequentemente, a realização de uma nova avaliação (cfr. artigos 1369.º e 33.º, n.º 2, respectivamente). Ora, certo é que o legislador (com a Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro) decidiu, conforme resulta da leitura do artigo 1114.º do CPC, excluir a remissão para o “preceituado na parte geral do Código” ou para o “disposto no Código de Processo Civil quanto à prova pericial”, não se olvidando que a norma actualmente prevista no artigo 549.º, n.º 1, do CPC, já existia no código velho sob o artigo 463.º, n.º 1, e convivia com as remissões expressas da(s) lei(s) para o estipulado no CPC quanto à aplicação das regras da prova pericial.
Assim sendo, o facto de ter deixado de existir a remissão legal para a parte geral do código respeitante à prova pericial significa que se quis disciplinar a matéria da avaliação de forma autónoma e específica, maxime quanto ao aspecto de nela só ter lugar uma única avaliação.
Cremos também ser relevante a circunstância de a avaliação não ser aqui propriamente usada como um meio de prova, ao contrário do que sucede com a perícia prevista no artigo 467.º e ss. do CPC. É que a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outras apreciadas livremente pelo Tribunal, o que coloca a questão de saber, em processo de inventário, qual será então o valor a atender (o fixado na primeira perícia ou o fixado na segunda?) para os bens que foram objecto de avaliação, quando, como será natural, existam diferenças entre uma e outra nesse aspecto.
(…)
Em suma, entendemos que o artigo 1114.º do CPC não consente a possibilidade de realização de uma segunda avaliação no processo de inventário, pelo que se indefere o requerido.
Notifique.
*
Para continuação da conferência de interessados designa-se o dia 3 de Junho de 2024, pelas 9h30m.
Notifique.
(…)»

1.1.12. Em sede de conferência de interessados, não tendo a interessada DD sido autorizada a licitar a verba correspondente ao imóvel legado à Cabeçal-de-casal (AA), foram as demais verbas licitadas e sorteadas, conforme acta respectiva (que aqui se dá por integralmente reproduzida) e onde nomeadamente se lê:
«(…)
De seguida, sendo inviável a obtenção de acordo quanto aos bens identificados nas relações de bens, deu-se início às licitações, iniciando-se pela relação de bens por óbito do Inventariado BB.
Nesta altura, pelo ilustre mandatário da interessada DD, Dr. FF, foi dito que pretende licitar as verbas n.º 5 e 6 da relação de bens (bens legados).
*
Dada a palavra ao Dr. EE, pelo mesmo foi dito que entende que os bens legados sob as verbas nº 5 (móveis) e nº 6 (imóvel) não estão sujeitos a licitações. Sendo porém certo que relativamente à verba nº 5 não se trata de bem indivisível, pode a interessada DD, querendo, licitar. Já relativamente à verba nº 6, atendendo ao seu valor e à soma dos valores dos bens da herança que neste momento ronda os 100.785,00 €, sendo que a legítima da interessada DD é inferior a metade do seu valor conforme a avaliação do bem legado, pelo que a composição da sua legítima será sempre feita através de composição em dinheiro.

De seguida o Mmº Juiz proferiu o seguinte:
DESPACHO
Se a memória não nos falha, o Código de Processo Civil velho, nos seus artigos 1366.º a 1368.º, permitia que os interessados licitassem nos bens legados caso não houvesse oposição do legatário. Esse regime legal não transitou para o novo processo especial de inventário, concedendo-se apenas aos restantes interessados a possibilidade de requererem a redução dos legados por inoficiosidade.
Assim sendo e pelos fundamentos antes aduzidos, indefere-se o pedido de licitação dos bens legados formulado pela interessada DD.
(…)»

1.1.13. Elaborado o mapa de partilha (que aqui se dá por integralmente reproduzido), não foi o mesmo objecto de reclamação.

1.1.14. Foi proferida sentença homologatória da partilha constante do respectivo mapa, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Elaborado o mapa de partilha, e dele notificadas as partes, não foram deduzidas quaisquer reclamações.
Assim, homologo pela presente sentença a partilha constante do mapa nos seus precisos termos, ao abrigo do disposto no art.º 1122º, nº 1 do CPC.
Em face do decidido quanto ao passivo existente, condeno os interessados no seu pagamento, na proporção dos respectivos quinhões.
Custas pelos interessados na proporção do recebido (art. 1130º, nº 1 CPC)
Registe e Notifique
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com o despacho que indeferiu a realização de uma segunda avaliação dos bens imóveis, a interessada DD interpôs recurso de apelação da sentença homologatória da partilha, pedindo que se revogasse aquele e se ordenasse «a realização da requerida segunda perícia, com o objeto da primeira, seguindo-se os ulteriores termos até final».
                                    
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

I. Tal como decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães no seu douto acórdão proferido em 04-10-2023, supra citado: 
1. A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.
2. O regime especial previsto no âmbito do processo especial de inventário para a avaliação que nele tenha lugar não restringe, nem limita, tal diligência a uma única avaliação.
3. Assim sendo, à diligência de avaliação de bens em sede de inventário é aplicável o regime estabelecido no processo declarativo comum acerca da prova pericial (arts. 467.º e ss. do CPC), por via do disposto no artigo 549.º, n.º 1 do CPC, com a possibilidade da realização de segunda perícia.
 
II. Tendo a interessada DD (após lhe ter sido notificado o relatório pericial) apresentado nos autos, em 13-03-2024 (dentro do prazo legal), o requerimento que instruiu com 2 documentos, onde alegou/expôs factos e vícios de que a avaliação padece e onde formulou o pedido de segunda avaliação, o Tribunal recorrido deveria ter deferido tal pedido de segunda avaliação.
 
III. Ao proferir a decisão recorrida onde se indeferiu tal pedido de realização da segunda perícia, o Tribunal recorrido julgou em desconformidade com as conclusões I. e II. deste recurso, tendo incorrido em erro de julgamento e em violação do n.º 3 do art. 1114.º do CPC e do n.º 1 do art. 549.º do mesmo diploma legal.
 
IV. Na sequência e por causa da decisão recorrida, no processo de inventário em questão realizou-se uma partilha ilícita e injusta, tendo-se adjudicado à interessada AA um quinhão hereditário preenchido com bens avaliados muito aquém do seu valor real e do mercado, designadamente o bem da verba n.º 6 da herança deixada pelo inventariado BB e, correlativamente, adjudicou-se à interessada recorrente DD um quinhão hereditário cujo valor é muito inferior àquele a que legalmente tem direito.
 
V. O processado posterior à decisão recorrida é nulo e de nenhum efeito.
*
1.2.2. Contra-alegações
A Cabeça-de-casal (AA) contra-alegou, pedindo que se mantivesse a decisão recorrida.
                                    
Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1.ª - A douta decisão recorrida, não merece qualquer reparo, primando pela total clareza, concisão e qualidade. 
 
2.ª - Nela o Tribunal “a quo” interpretou bem os factos e fez uma correcta aplicação do direito aos mesmos. 
 
3.ª - Pelo que não obstante os esforços efectuados, não se verifica na douta decisão recorrida, nenhum dos vícios apontados pela interessada Recorrente. 
 
4.ª - Assim, a douta decisão ora em crise deve ser mantida inalterada no sentido da não admissibilidade da segunda avaliação. 
*
1.2.3. Processamento ulterior do recurso
Tendo sido proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir o recurso da interessada DD - como de «de apelação (artigo 627.º, n.º 2, e 1123.º, n.º 2, alínea c), do CPC), com subida imediata e nos próprios autos (artigo 645.º, n.º 1, alínea a), do CPC)» -, foi o mesmo recebido por este Tribunal ad quem, sem alteração (nomeadamente, quanto ao momento e forma de subida), esclarecendo-se apenas que o recurso tem efeito meramente devolutivo.
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [2].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [3], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
*
2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso interposto pela interessada DD, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente ao ter indeferido a realização de uma segunda perícia aos imóveis relacionados, por a considerar legalmente inadmissível em sede de processo de inventário  ?
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão única enunciada encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Processo de inventário - Avaliação dos bens relacionados
4.1.1. Processo de inventário (em geral)
Lê-se no art.º 1082.º, al. a), do CPC, que o «processo de inventário cumpre, entre outras», a função de fazer «cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens» [4]; e caracteriza-se pela universalidade objectiva (recai, em princípio, sobre a totalidade da herança) e subjectiva (requer a presença de todos os interessados na partilha), bem como pela proporcionalidade da partilha segundo a quota de cada herdeiro (a atribuição dos bens é feita segundo a quota de cada interessado na comunhão).

Está-se perante um processo especial de jurisdição contenciosa ou litigiosa, reintroduzido no CPC pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro (não obstante a sua inserção sistemática no CPC, após os processos especiais de jurisdição voluntária, por se ter pretendido salvaguardar a prévia numeração dos artigos que a estes diziam respeito).

A reintrodução do processo especial de inventário no CPC torna-lhe aplicáveis os princípios gerais do processo civil (conforme art.º 549.º, n.º 1, do CPC), «nomeadamente o da gestão e adequação processual (art.ºs 6.º, n.º 1 e 547.º, do CPC) e o da cooperação do juiz (art. 7.º, do CPC)», estando o primeiro «acolhido e concretizado», por exemplo, no art.º 1105.º, n.º 4, do CPC «(possibilidade de realização oficiosa de quaisquer diligências probatórias antes da decisão de saneamento)».
Dir-se-á, mesmo, que o «novo modelo do processo de inventário acentua, muito claramente, o papel activo do juiz na realização do fim último do inventário: a justa e igualitária partilha do acervo hereditário, obtida, se possível, por consenso entre os interessados». Ora, de forma muito «relevante no processo de inventário pode ser o uso pelo juiz dos poderes inquisitórios em matéria probatória (art. 411.º). Assim, as diligências probatórias a realizar no processo poderão não ser apenas as que tenham sido requeridas pelas partes, dado que o juiz deve exercer os seus poderes inquisitórios em matéria probatória de modo a decidir, com o indispensável rigor e ponderação, todas as questões controvertidas. Através destes poderes inquisitórios podem ser superadas as limitações que constam do art. 293.º, n.º 1, aplicáveis aos incidentes do processo de inventário por força do disposto no art. 1091.º, n.º 1» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, Reimpressão, Setembro de 2021, pág. 10, com bold apócrifo) [5].
*
Estando em causa o processo de inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária, aplica-se-lhe «o disposto no capítulo II» (art.º 1084.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo da aplicação aos respectivos incidentes, «e salvo indicação em contrário, [d]o disposto nos artigos 292.º a 295.º» (art.º 1091.º, n.º 1, do CPC) [6].
O dito capítulo II - epigrafado «Inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária» - contém os art.ºs 1097.º a 1130.º, inclusive, integrados nas seguintes secções: Secção I - epigrafada «Fase inicial» (contém os art.ºs. 1097.º a 1103.º); Secção II - epigrafada «Oposições e verificação do passivo» (contém os art.ºs. 1104.º a 1108.º); Secção III - epigrafada «Audiência prévia de interessados» (contém o art.º. 1109.º); Secção IV - epigrafada «Saneamento do processo e conferência de interessados» (contém os art.ºs 1110.º a 1117.º); ); Secção V - epigrafada «Incidente de inoficiosidade» (contém os art.ºs 1118.º e 1119.º); Secção VI - epigrafada «Mapa da partilha e sentença homologatória» (contém os art.º.s 1120.º a 1125.º); e Secção VII - epigrafada «Incidentes posteriores à sentença homologatória» (contém os art.º.s 1126.º a 1129.º).

«O novo modelo do processo de inventário assenta» assim, e como desde logo resulta das suas diferentes secções, «em fases processuais relativamente estanques e consagra um princípio de concentração, dado que fixa para cada acto das partes um momento próprio para a sua realização. Em consequência, o novo regime não pode deixar de comportar algumas cominações e preclusões», «inexistentes no regime anterior e responsáveis, sob o ponto de vista económico, pela ineficiência do anterior modelo». Dir-se-á, por isso, que o «novo modelo tem implícito um reforço da auto-responsabilidade das partes» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, Reimpressão, Setembro de 2021, págs. 8 e 9, com bold apócrifo).

4.1.2. Avaliação dos bens relacionados 
4.1.2.1. Propósito
Lê-se no art.º 1097.º, n.º 1 e n.º 3, al. c), do CPC, que o requerente do «processo destinado a fazer cessar a comunhão hereditária» «deve juntar ao requerimento inicial» a «relação de todos os bens sujeitos a inventário, ainda que a sua administração não lhe pertença, acompanhada dos documentos comprovativos da sua situação no registo respetivo e, se for caso disso, da matriz».
Mais se lê, no seguinte art.º 1098.º, n.º 1, al. a), que na «relação de bens referida na alínea c) do n.º 2 do artigo anterior, o cabeça de casal indica o valor que atribui a cada um dos bens», sendo que o «valor dos bens imóveis é o respetivo valor tributável».
Com efeito, não «é possível partilhar uma herança sem se ter feito previamente a descrição [dir-se-á hoje a relação] dos bens que ela abrange e sem se ter apurado o valor de cada unidade patrimonial»; e chega-se «assim à conclusão de que o inventário divisório compreende três operações fundamentais: descrição [dir-se-á hoje relação], avaliação, partilha» (Professor Alberto dos Reis, Processos Especiais, Volume II, Coimbra Editora, Limitada, 1982, pág. 381, com bold apócrifo).
Já relativamente à opção pelo valor tributável dos bens imóveis, pretendeu-se com a mesma «não onerar desnecessariamente os interessados, sendo certo que os serviços de finanças dispõem de mecanismos que permitem o ajustamento dos valores patrimoniais por meios específicos, sem necessidade de impulsos advindos do processo de inventário» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2.ª edição, Almedina, Junho de 2022, pág. 595).

Lê-se ainda, no 1111.º, n.º 2, do CPC, que, na conferência de interessados, estes «podem acordar, por unanimidade, (…) que a composição dos quinhões se realize por algum dos modos seguintes: a) Designação das verbas que vão compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um dos interessados e os valores por que são adjudicados; b) Indicação das verbas ou lotes e respetivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objeto de sorteio pelos interessados; c) Acordo na venda total ou parcial dos bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados».
Com efeito, sabendo os interessados que, por via de eventuais avaliações e/ou licitações, pode ocorrer um aumento substancial do valor patrimonial da herança (e, consequentemente, do montante de obrigações tributárias e de custas judiciais), e bem assim que a abertura de licitações tende  a privilegiar os interessados com maior capacidade financeira (face à regra de atribuição preferencial aos interessados que tenham oferecido o lanço de valor mais elevado, conforme art.º 1120.º, n.º 4, al. a), do CPC, e de  integração preferencial dos respectivos quinhões hereditários pelos bens em que tenham licitado, contida no art.º 1116.º, n.º 2, do CPC), terão um natural incentivo para consensualmente partilharem (se não total, pelo menos parcialmente) a herança.
Contudo, e conforme art.º 1113.º do CPC, se não lograrem esse acordo abrem-se licitações na própria conferência de interessados (n.º 1), sendo que a «licitação tem a estrutura de uma arrematação» (n.º 3); e dela estão excluídos «os bens que, por força da lei ou de negócio, não possam ser dela objeto, os que devam ser preferencialmente atribuídos a certos interessados e ainda os que hajam sido objeto de pedido de adjudicação» (n.º 4).
Recorda-se, a propósito, que: de acordo com os art.ºs 2030.º, n.º 2, 2165.º e 2163.º, todos do CC, os legados estão excluídos de licitação, incluindo os legados em sentido próprio, e bem assim os legados em substituição da legítima, os legados por conta da quota disponível e o legado por conta da legítima, quando não rejeitados por inoficiosidade; e de acordo com o art.º 1115.º do CPC, qualquer interessado pode pedir, na conferência de interessados, que lhe sejam adjudicados determinados bens compreendidos na herança, podendo os restantes interessado requerer então que se proceda a avaliação, sempre e só até à abertura das licitações.
As licitações não só constituem o última e derradeira hipótese de correcção dos valor do bens relacionados (a elas não obstando qualquer avaliação prévia dos mesmos [7]), como serão determinantes para a posterior integração dos quinhões, já que (conforme referido supra) são uma diligência preparatória da posterior adjudicação. Compreende-se, por isso, que se reconheça que «a fase de licitações, em processo de inventário, embora tendencialmente destinada a favorecer a igualdade dos quinhões hereditários, tem apenas uma função retificadora ou aquisitiva, não permitindo ao juiz uma intervenção propiciadora da plena observância do estatuto da igualdade substancial dos interessados» (Ac. do STJ, de 02.03.2024, Hélder Roque, Processo n.º 278/09.4TVPRT.P1.S1).
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Contudo, e compreensivelmente - já que a partilha supõe igualdade -, lê-se no art.º 1114.º seguinte que até «à abertura das licitações, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído» (n.º 1); e o «deferimento do requerimento de avaliação suspende as licitações até à fixação definitiva do valor dos bens» (n.º 2).
Logo, se essa avaliação não tiver sido feita antes (nomeadamente, na sequência da citação dos interessados para o inventário, através da impugnação do valor atribuído pelo cabeça-de-casal, nos termos do art.º 1104.º do CPC), poderá ser feita neste momento, que simultaneamente constitui o termo final para a apresentação de requerimento nesse sentido [8].
Dir-se-á que a «realização da avaliação, a requerimento de algum interessado, constitui o mecanismo que, em face da falta de consenso, permite obter uma primeira aproximação relativamente ao valor que será considerado para efeitos de partilha. Ao mesmo tempo, atenua os efeitos negativos de um modelo (como o que esteve consagrado no CPC de 1961) baseado na prevalência das licitações e que acabava por beneficiar os interessados dotados de maior poderia financeiro. Com tal diligência pericial, todos os interessados acabarão por ser confrontados, na ocasião em que se iniciam as licitações, com bens cujo valor estará mais próximo da realidade, facilitando a obtenção de um resultado mais justo na partilha que venha a concretizar-se (arts. 1116.º, 1117.º e 1120.º)» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2.ª edição, Almedina, Junho de 2022, pág. 633).

Dir-se-á, ainda, que o diferimento até este momento da possibilidade de se requerer uma tal diligência (em excepção à regra da preclusão e concentração dos meios de defesa logo a seguir à citação para o processo de inventário, contida no art.º 1104.º do CPC [9]) visou evitar o recurso indiscriminado à mesma, com o correspondente empolamento de custos fiscais e judiciais, incentivando à partilha por acordo [10]. Já o termo final (até ao início das licitações) justifica-se pelo facto de só então se ter como certa a frustração da realização da partilha por uma forma consensual; e de se pressupor que no momento de abertura das licitações já deverá estar estabilizado o valor real dos bens (por forma a que os lanços oferecidos partam desse valor efectivo e não de um valor desajustado ou ficcionado).
Contudo, impõe-se que: a avaliação decorra no prazo de 30 dias, o que obriga a que todos os requerimentos sejam concentrados (e não sucessivos); a discordância do valor atribuído seja fundamentada (pelo que a avaliação não corresponde a um direito incondicional) [11]; e, em princípio, depende da iniciativa dos interessados, e não de uma intervenção oficiosa do juiz. «Ou seja, se os interessados estão de acordo em que o processo avance para as licitações com base nos valores indicados na relação de bens, não existem motivos que levem a impor-lhes valores diversos, a não ser que a oficiosidade da diligência encontre motivos de outra ordem (arts. 411. e 467.º, n.º 1) ou em sede de apreciação do incidente de inoficiosidade, em que se prevê expressamente essa possibilidade no art. 1118.º, n.º 3. Também assim no caso específico da oposição de herdeiro preterido, nos termos do art. 1128.º, n.º 2, al. b), e em sede de processo de inventário para separação de meações, nos termos do art. 1135.º, n.º 6» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2.ª edição, Almedina, Junho de 2022, pág. 634) [12].
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4.1.2.2. Segunda perícia - (Im)Possibilidade de realização
4.1.2.2.1. Artigo 1114.º do CPC - Dúvida interpretativa
Concretizando a forma como se deverá realizar a avaliação dos bens relacionados, lê-se no art.º 1114.º do CPC que a «avaliação dos bens é, em regra, realizada por um único perito, nomeado pelo tribunal, salvo se» o «juiz entender necessário, face à complexidade da diligência, a realização de perícia colegial», ou os «interessados requererem perícia colegial e indicarem, por unanimidade, os outros dois peritos que vão realizar a avaliação dos bens» (n.º 3); e esta «deve ser realizada no prazo de 30 dias, salvo se o juiz considerar adequada a fixação de prazo diverso» (n.º 4).
Deixou assim, e a propósito da realização da perícia de avaliação de bens relacionados, de se remeter para «o preceituado na parte geral do Código, com as necessárias adaptações», conforme sucedeu no regime anterior, nomeadamente no CPC de 1961 com a versão que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de Setembro, e no Regime Jurídico do Processo de Inventário (aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de Março), que lhe sucedeu.

Discute-se hoje, e por isso, se face à actual tramitação do inventário contida no CPC de 2013 é, ou não, admissível uma segunda perícia de avaliação de bens, isto é, se se deverá considerar essa possibilidade excluída por um regime especial nele consagrado (que não a prevê) [13], ou admitir-se a mesma por aplicação supletiva das regras da parte geral do CPC [14].

Importa, pois, interpretar o art.º 1114.º citado, conforme as directrizes do art.º 9.º do CC. Assim, e de acordo com a norma nele contida, não deverá o intérprete, na interpretação, cingir-se  «à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1);  mas não poderá «ser considerado (…) o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2), presumindo ainda o intérprete, na «fixação do sentido e alcance da lei», «que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).
Logo, importa considerar vários elementos interpretativos, nomeadamente: literal ou gramatical («letra da lei»), do qual se parte [15]; histórico («circunstâncias em que a lei foi elaborada») [16] e conjuntural («condições específicas do tempo em que é aplicada») [17]; racional ou teleológico («pensamento legislativo», que «consagrou as soluções mais acertadas»), que é o mais importante de todos [18]; e sistemático («unidade do sistema jurídico») [19].
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4.1.2.2.2. Elemento literal ou gramatical
Lia-se no art.º 1369.º do CPC de 1961 (na versão que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de Setembro, e aqui com bold apócrifo), que a «avaliação dos bens que integram cada uma das verbas da relação é efectuada por um único perito, nomeado pelo tribunal, aplicando-se o preceituado na parte geral do Código com as necessárias adaptações».
Posteriormente, lia-se no art.º 33.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário (aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, e aqui com bold apócrifo) que, com «a oposição ao inventário pode qualquer interessado impugnar o valor indicado pelo cabeça de casal para cada um dos bens, oferecendo o valor que se lhe afigura adequado» (n.º 1); e tendo sido «impugnado o valor dos bens, a respetiva avaliação é efetuada por um único perito, nomeado pelo notário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil quanto à prova pericial».
Lê-se agora, no art.º 1114.º do CPC de 2013, que a «avaliação dos bens é, em regra, realizada por um único perito, nomeado pelo tribunal, salvo se «o juiz considerar necessário, face à complexidade da diligência, a realização de perícia colegial» ou os interessados a requererem «e indicarem, por unanimidade, os outros dois peritos que vão realizar a avaliação dos bens» (n.º 3); e «deve ser realizada no prazo de 30 dias, salvo se o juiz considerar adequado a fixação de prazo diverso» (n.º 4).

Ora, face à inédita (perante o Direito anterior) falta de remissão para o regime da prova pericial consagrado na parte geral do CPC, tornando-o desse modo aplicável à perícia de avaliação a realizar no processo de inventário, defende-se que o legislador consagrou neste um regime especial, não pretendendo que ao mesmo se apliquem as disposições gerais.

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não se crê ser esse o único entendimento possível.
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Com efeito, lê-se no art.º 549.º, n.º 1, do CPC, que os «processos especiais regulam-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum».
Logo, resultando já do art.º 549.º, n.º 1, do CPC, a aplicação do regime da prova pericial ao processo de inventário, tornava-se redundante a reiterada remissão para aquele nesta outra sede, justificando-se, por isso, a sua eliminação.

Dir-se-á ainda que, considerando-se terem sido efectivamente consagradas nos n.º 3 e n.º 4 do art.º 1114.º  do CPC especialidades aplicáveis à prova pericial a produzir em sede de processo de inventário, face ao regime dessa prova consagrado nas disposições gerais e comuns do mesmo diploma, não se considera, porém, consubstanciarem as mesmas um regime especial (completo e fechado) [20], porque então seria, necessária e gravemente, lacunoso quanto a aspectos essenciais de preparação e produção respectivas, e de apreciação pelas partes do resultado da dita prova.
Com efeito, face ao singelo regime do art.º 1114.º, n.º 3 e n.º 4, do CPC, como saber: se, uma vez requerida a avaliação dos bens relacionados, o interessado requerente pode, ou não, desistir livremente dela, isto é, sem a anuência dos demais interessados (art.º 474.º do CPC); se o perito, ou peritos, prestam, ou não, compromisso de honra (art.º 479.º do CPC); se os interessados podem, ou não, assistir à avaliação e fazerem as observações que entendam necessárias ou pertinentes (art.º 480.º do CPC); se o perito, ou peritos, podem, ou não, recorrer a todos os meios necessários ao bom desempenho da sua função, contando para o efeito com o apoio do tribunal e dos interessados (art.º 481.º do CPC); se se pode, ou não, prorrogar o prazo de 30 dias fixado na lei para a avaliação dos bens (art.º 483.º do CPC) [21]; se no relatório tem de constar, ou não, a fundamentação do resultado da avaliação, incluindo a indicação das razões de perito discordante da maioria, em caso de perícia colegial (art.º 484.º do CPC); e se se permite, ou não, a reclamação dos interessados, com que fundamentos e com que efeitos (art.º 485.º do CPC).  
Compreende-se, por isso, que se afirme que à «diligência de avaliação de bens é aplicável o regime estabelecido no processo declarativo comum acerca da prova pericial (arts. 467.º ss.), pelo que os n.ºs 3 e 4 se limitam a definir algumas especificidades no domínio do inventário» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, Reimpressão, Setembro de 2021, pág. 115).

Por fim, dir-se-á que se fosse intenção do legislador amputar do regime aplicável à avaliação a realizar em processo de inventário tantos e tão relevantes aspectos, que ao longo de quase três décadas pacificamente lhe foram próprios (sem quaisquer vozes discordantes na doutrina ou na jurisprudência, por indetectados efeitos nefastos resultantes dessa aplicação), o que seria natural é que o assumisse expressa e claramente; e ainda indicasse as razões justificativas dessa radical alteração (que, pelo menos por ora, este Tribunal ad quem não descortina). 

Crê-se, assim, que o elemento o literal de interpretação do art.º 1114.º do CPC mais facilmente se coaduna com o entendimento que considera aplicável o regime regra editado para a prova pericial (na parte geral do CPC) à perícia de avaliação de bens a realizar em processo de inventário.
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4.1.2.2.3. Elemento histórico
4.1.2.2.3.1. Versão inicial do CPC de 1961
Previa-se na versão inicial do CPC de 1961, no seu art.º 1338.º,  que o cabeça-de-casal, ao relacioná-los, indicasse o valor de prédios inscritos na matriz, de títulos de crédito, moedas estrangeiras e objectos de ouro, prata e pedras preciosas e semelhantes, de direitos de crédito ou de outra natureza, de estabelecimento comercial ou industrial, de acções e partes ou quotas em sociedade e de móveis de pequeno valor; e a avaliação por um louvado era reservada, pelo art.º 1347.º,  aos bens cujo valor não devesse ser indicado pelo cabeça-de-casal ou determinado pela secretaria (falando-se, então, da primeira avaliação), sendo o mesmo nomeado pelo juiz.
Diga-se, desde já, que esta solução não era isenta de críticas, face nomeadamente à falta de competência do cabeça-de-casal para indicar o valor de activos de especial natureza (v.g. objectos de metais preciosos) [22].
Aos interessados que não concordassem com o valor atribuído aos bens (fosse inicialmente pelo cabeça-de-casal, ou fosse por louvado nomeado nos limitados casos em que essa nomeação era possível [23]), restava apenas reclamar contra o excesso de avaliação uma vez feita a descrição dos bens pela secretaria, nos termos do art.º 1361.º, cabendo a decisão à conferência de interessados, nos termos dos art.ºs 1352.º e 1362.º; e só em sede de licitações se poderia reagir contra a insuficiência do valor atribuído por um e por outro, mediante o oferecimento de lanços de montante superior ao valor antes atribuído ao bem em causa, nos termos dos art.ºs 1370.º e 1371.º [24].
A possibilidade de uma segunda avaliação de bens existia, mas era limitada  exclusivamente aos casos previsos no art.º 1369.º, a saber: relativamente a «coisas que, por força da lei ou de contrato, não possam ser licitadas» (no art.º 1364.º, n.º 3); relativamente a bens doados pelo inventariado a herdeiro legitimários quando algum interessado pretendesse licitar sobre eles e o respectivo donatário se opusesse (no art.º 1365.º); relativamente a bens legados quando algum interessado pretendesse licitar sobre eles e o legatário se opusesse (no art.º 1366.º); relativamente a bens doados ou legados, ou a quaisquer outros que ainda não tivessem sido avaliados uma segunda vez, quando se apurasse que a doação ou o legado eram inoficiosos (no art.º 1367.º); em caso de emenda de partilha, por preterição de herdeiro, relativamente a bens em que houvesse divergência sobre o seu valor (art.º 1389.º); e em caso de partilha de património antes conjugal (art.º 1408.º).

Logo, atribuía-se «ao acto de licitação uma função correctiva ou rectificadora do valor dos bens relacionados», já que as «licitações seriam a forma privilegiada para, através da emulação dos herdeiros, alcançar o valor real dos bens, suprimindo ou corrigindo a possível subavaliação que se encontrasse na relação de bens ou que tivesse resultado de uma primeira avaliação dos bens. Daí a hostilidade que o CPC, na versão anterior à Reforma de 94, manifestava relativamente à segunda avaliação, apenas consentindo nos casos excepcionais previstos na lei e circunscrevendo a reclamação ao excesso de avaliação dos bens (arts. 1362.º e 1369.º, n.º 1, CPC/61, na redacção primitiva)».
Ora, esta «solução - que atribuía quase exclusivamente às licitações o apuramento do valor dos bens descritos no inventário por valor inferior ao real - [foi] sempre merecedora de fundados reparos, dado que ela permitia que os herdeiros mais abonados economicamente se pudessem apropriar, a preços de saldo, do património hereditário mais apetecível, perante a incapacidade económica dos restantes de acompanharem os sucessivos lanços oferecidos» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, Reimpressão, Setembro de 2021, pág. 112) [25].
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4.1.2.2.3.2. Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de Setembro
Não alheio a estas e outras críticas, viria o legislador a proceder a uma profunda reforma do processo de inventário, operada pelo Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de Setembro, assumindo-se no seu preâmbulo visar, entre outros objectivos, «a simplificação do processo de inventário», assim se justificando «proceder a uma reformulação substancial da tramitação» respectiva, «em particular das fases que precedem as licitações».
Particularizou-se no mesmo preâmbulo, com ênfase e extensão, o respeitante «ao relacionamento dos bens objecto do inventário», assumindo-se desde logo a eliminação da anterior «primeira avaliação, bem como a descrição de bens», ponderando-se que ao «cabeça-de-casal incumbe indicar o valor que atribui aos bens relacionados, não havendo qualquer razão para confiar no seu critério quanto a alguns bens eventualmente de elevado valor e não quanto a outros». De forma conforme, «no sistema [então] adoptado, apenas se procede à avaliação quando se frustrar o acordo acerca da partilha, surgindo as avaliações como forma de evitar que a base de partida das licitações se apresente falseada, permitindo aos herdeiros mais abonados pecuniariamente apropriar-se da totalidade do património hereditário».
Contudo, e «relativamente à indicação do valor dos imóveis relacionados, optou-se por manter, como regra, a sua avaliação inicial baseada no valor matricial e não no respectivo valor 'real' - de modo a obstar a drásticos agravamentos, em todos os processos, do montante de valor do inventário e, reflexamente, das custas e do imposto sucessório devido -, sendo certo que a possibilidade conferida aos interessados de reclamar contra o valor atribuído aos bens os defende satisfatoriamente da não coincidência entre a matriz e o valor 'real' ou de mercado dos imóveis».
Admitiu-se ainda, em sede de conferência de interessados, «a modalidade de acordo traduzida na venda de bens e repartição do respectivo produto e que o acordo dos interessados possa ser precedido de arbitramento, que facilite a repartição igualitária dos bens a partilhar, aderindo-se, assim, à solução da nomeação de 'partidores'».
Admitiu-se igualmente, e como «uma das mais relevantes alterações à disciplina do inventário», «quando o acordo sobre a partilha se» frustrasse «irremediavelmente, que» pudesse «ser questionado o valor de quaisquer bens relacionados, com vista a obstar a que a base de partida das licitações possa estar gravemente falseada, permitindo aos interessados mais abonados apropriarem-se, com base num valor não real, dos bens da herança».
De forma conforme, derrogou-se «claramente a regra de que a 'segunda avaliação' só pode ter lugar nos casos especialmente previstos na lei, uma vez que» era «sabido que a solução» então «vigente - que confia quase exclusivamente nas licitações como forma de chegar ao apuramento do valor dos bens descritos - sempre mereceu reparos da doutrina».
Por fim, e no que aqui nos interessa, no «que respeita às avaliações», previu-se «a sua realização, em regra, por um único perito, designado pelo tribunal, já que a estrutura do processo de inventário torna particularmente complexa a designação de peritos pelas partes - uma vez que no inventário não existem, com frequência, partes em directo contraditório - e sendo certo que as possibilidades de contraditório face aos resultados da avaliação pelo perito judicialmente designado serão suficientes para assegurar os legítimos direitos dos interessados na partilha».
Passou, então,  a ler-se no art.º 1362.º, do CPC, que até «ao início das licitações, podem os interessados (…) reclamar contra o valor atribuído a quaisquer bens relacionados, por defeito ou por excesso, indicando logo qual o valor que reputam exacto» (n.º 1); a «conferência delibera, por unanimidade, sobre o valor em que se devem computar os bens a que a reclamação se refere» (n.º 2); não «havendo unanimidade na apreciação da reclamação deduzida, nem se verificando a hipótese prevista no número anterior, poderá requerer-se a avaliação dos bens cujo valor foi questionado, a qual será efectuada nos termos do artigo 1369.º» (n.º 4); e as «reclamações contra o valor atribuído aos bens podem ser feitas verbalmente na conferência» (nº 5).
Passou ainda a ler-se, no art.º 1369.º do CPC, que a «avaliação dos bens que integram cada uma das verbas da relação é efectuada por um único perito, nomeado pelo tribunal, aplicando-se o preceituado na parte geral do Código com as necessárias adaptações».
Por fim, previa-se a avaliação de bens doados em caso de ser arguida inoficiosidade (art.º 1365.º), a avaliação de bens legados no caso de ser arguida inoficiosidade (art.º 1366.º) e a avaliação a requerimento do donatário ou legatário, sendo as liberalidades inoficiosas (art.º 1367.º).

Compreende, assim, que se afirme que a «situação, indesejável e iníqua», do regime das licitações da versão inicial do CPC foi, «entretanto, atenuada na Reforma de 94, dado que passou a facultar-se em termos muito amplos, até ao início das licitações, a dedução de reclamação contra o valor dos bens relacionados, podendo até, se não houvesse unanimidade, requerer-se a respectiva avaliação pericial (arts. 1362.º e 1369.º CPC/61). Por esta via, conseguiu-se que as licitações partissem, ao menos tendencialmente, do valor real dos bens que tivesse sido apurado pericialmente» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, Reimpressão, Setembro de 2021, pág. 112).
Ficou ainda assente que àquela perícia de avaliação se aplicava o regime deste meio de prova previsto na parte geral do código (nomeadamente, a possibilidade de uma segunda avaliação), por força da expressa remissão feita no art.º 1369.º, in fine; e sem prejuízo de também aqui se afirmar que a diligência aqui em causa seria realizada por um único perito.
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4.1.2.2.3.3. Regime Jurídico do Processo de Inventário
Contudo, uma nova reforma do processo de inventário seria ainda levada a cabo na vigência do CPC de 1961, nomeadamente a operada pela Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, que, pretendendo reagir contra a excessiva morosidade da sua tramitação judicial, promoveu uma desjudicialização do processo especial em causa, retirando a previsão do seu regime do CPC e a sua normal tramitação dos tribunais, cometendo-a aos cartórios notariais.
Lia-se, então, no art.º 33.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário que, com «a oposição ao inventário pode qualquer interessado impugnar o valor indicado pelo cabeça de casal para cada um dos bens, oferecendo o valor que se lhe afigura adequado» (n.º 1); e tendo sido «impugnado o valor dos bens, a respetiva avaliação é efetuada por um único perito, nomeado pelo notário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil quanto à prova pericial» (n.º 2).
Previa-se ainda a avaliação de bens doados em caso de ser arguida inoficiosidade (art.º 52.º), a avaliação de bens legados no caso de ser arguida inoficiosidade (art.º 53.º) e a avaliação a requerimento do donatário ou legatário, sendo as liberalidades inoficiosas (art.º 54.); e defendia-se que a mesma se faria por um único perito, aplicando-se o regime do art.º 33.º [26].

Logo, e independentemente da significativa reforma do regime do processo de inventário operada, manteve-se grosso modo neste aspecto da avaliação de bens o regime anterior; e também então se defendeu que a «remissão do n.º 2 para a prova pericial regulada no Código de Processo Civil, implica a consideração conjugada dos preceitos dos artigos 568.º a 591.º desse Código (a que correspondem os artigos 467.º a 489.º do Novo Código de Processo Civil)» (Carla Câmara, Carlos Castelo Branco, João Correia e Sérgio Castanheira, Regime Jurídico do Processo de Inventário Anotado, 2013, Almedina, Julho de 2013, pág. 150).
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4.1.2.2.3.4. Lei n.º 117/19, de 13 de Setembro
Seria finalmente editada a Lei n.º 117/19, de 13 de Setembro, que revogou o Regime Jurídico do Processo de Inventário e reintroduziu o seu regime no CPC (de 2013), bem como a sua tramitação nos tribunais (face ao reconhecido o insucesso da sua anterior transferência para os cartórios notariais).
Ora, e tal como referido supra, mantiveram-se na nova regulamentação as soluções herdadas da reforma de 1994, nomeadamente a possibilidade de reagir contra o defeito ou o excesso de valor atribuído pelo cabeça-de-casal aos bens a partilhar, requerendo a respectiva avaliação (art.º 1114.º); o incluir-se no objecto da mesma bens doados ou legados quando se considerem as liberalidade viciadas por inoficiosidade (art.º 1118.); o deverem as pretendias avaliações mostrar-se concluídas até à abertura de licitações, por forma a que estas partam de um real valor do bens (art.ºs 1114.º, n.º 1, in limine, e 1118º, n.º 1); e o serem em regra realizadas por um único perito, nomeado pelo tribunal (art.º 1114.º, n.º 3).
           
Dir-se-á assim, e salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, que sendo o regime actual do inventário, neste particular aspecto, herdeiro das ponderações feitas e das soluções consagradas, de forma mais ou menos inalterada, pelo legislador desde 1994, não tendo sido aqui  objecto de reparos ou de polémicas (doutrinais ou jurisprudenciais), e não tendo sido apresentadas (nem se descortinando) razões específicas que justifiquem hoje a não aplicação do regime previsto na parte geral do CPC para a prova pericial a produzir no seu âmbito, se considera manter-se o mesmo aplicável.

Crê-se, assim, que o elemento o histórico de interpretação do art.º 1114.º do CPC impõe o entendimento que considera aplicável o regime editado para a prova pericial (na parte geral do CPC) à perícia de avaliação de bens a realizar em processo de inventário.
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4.1.2.2.4. Elemento racional ou teleológico
Considerando agora a razão de ser dessa aplicação, dir-se-á que só a mesma salvaguarda a natureza própria da perícia de avaliação, enquanto meio de prova sobre o valor (impugnado, pelo mero requerimento de avaliação) a atribuir a bem a partilhar, ou com influência na partilha, mercê de procedimentos consagrados precisamente para assegurar a sua eficácia e fiabilidade.  
Com efeito, só mercê da aplicação do regime editado para a prova pericial (na parte geral do CPC) se permite que os interessados possam: contribuir para o seu resultado, fazendo as observação que entendam pertinentes e prestando os esclarecimentos que o perito julgue necessários (art.º 480.º);  confrontados com o relatório de avaliação, reclamar do mesmo, nomeadamente quando seja deficiente, obscuro, contraditório ou sem a devida fundamentação das respectivas conclusões (art.º 485.º); e/ou requerer uma segunda perícia, por discordarem fundamentadamente da primeira (art.º 487.º).
Dir-se-á mesmo que «os processos de inventário são daqueles em que a determinação do valor de bens reveste maior importância, sobretudo no caso de imóveis. Seria estranho que o legislador, consagrando a figura da segunda avaliação para o processo comum, viesse proscrevê-la no caso do inventário. O que está em causa, bem vistas as coisas, é a busca da verdade material. Sendo, ou podendo ser da maior importância, determinar com rigor o valor de uma determinada verba, e se a avaliação realizada deixou algumas dúvidas sobre a sua certeza e correcção, parece-nos inteiramente óbvio que o caminho a seguir poderá ser o da realização de uma segunda perícia» (Ac. da RG, de 11.01.2024, Afonso Cabral de Andrade, Processo n.º 3281/21.2T8VCT-A.G1).
Entendendo-se de forma contrária (isto é, limitando o regime da avaliação a realizar em processo de inventário ao disposto no art.º 1114.º, n.º 3 e n.º 4 do CPC), então chegaríamos à absurda conclusão de que um único perito poderia condicionar de forma definitiva (e quiçá injusta) o resultado da partilha (ainda que no seu todo, ou em parte substancial da mesma); e sem que os directos interessados pudessem sequer sindicar aquele seu juízo.
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Dir-se-á, ainda, que não consideramos que obste a esta ponderação a reconhecida simplificação e celeridade que se quis imprimir ao actual regime do processo de inventário, patente quer nos princípios da concentração (assente na definição de fases perfeitamente estanques) e da preclusão, quer (aqui particularmente) no facto de no art.º 1114.º, n.º 4, do CPC se impor que a «avaliação dos bens deve ser realizada no prazo de 30 dias», o que, segundo alguns, excluiria desde logo a possibilidade de ser realizada uma segunda avaliação.

Com efeito, e relativamente aos princípios da concentração e da preclusão, já adiantámos supra que a possibilidade de se requerer, e de se proceder, à avaliação de bens é precisamente uma excepção querida e admitida pelo legislador para aquele modelo (por forma a privilegiar até onde for possível a partilha consensual, mas assegurando que, uma vez frustrada, se venha a proceder à mesma com o máximo rigor - e, por isso, com a máxima justiça - possível) [27].

Já relativamente ao prazo de 30 dias para realização da avaliação de bens em inventário, dir-se-á que esse é igualmente o prazo consagrado no art.º 483.º, n.º 1, do CPC, para a conclusão de qualquer perícia (nele se lendo que «o juiz fixa o prazo dentro do qual a diligência há de ficar concluída, que não pode exceder 30 dias»). Ora, esse limite não obstou a que se consagrasse a possibilidade de uma segunda perícia, no art.º 487.º do CPC.
Acresce que o próprio art.º 1114.º, n.º 4, in fine, do CPC, salvaguarda expressamente que «o juiz possa considerar adequada a fixação de prazo diverso» dos referidos 30 dias, numa solução mais eficaz (embora idêntica no resultado) da possibilidade de posterior prorrogação daquele prazo, «por uma única vez, ocorrendo motivo justificado», prevista no n.º 3 do art.º 483.º citado. Logo, é o próprio legislador quem demonstra que o prazo de 30 dias para a realização da avaliação não é absoluto e/ou peremptório.
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Crê-se, assim, que também o elemento teleológico de interpretação do art.º 1114.º do CPC impõe o entendimento que considera aplicável o regime geral editado para a prova pericial (na parte geral do CPC) à perícia de avaliação de bens a realizar em processo de inventário.
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4.1.2.2.5. Elemento sistemático
Por fim, dir-se-á que sendo o princípio do contraditório e o direito à prova enformadores do direito processual civil nacional (art.ºs 3.º e 415.º, ambos do CPC),  e gozando de consagração constitucional enquanto pressupostos de um processo equitativo, destinado a fazer valer nos tribunais direitos e interesses legalmente protegidos (art.º 20.º da CRP), o entendimento aqui defendido (de aplicação à avaliação realizada em processo de inventário do regime disposto para a prova pericial na parte geral do CPC) é o mais consentâneo com a unidade do sistema jurídico.
Com efeito, cabendo a iniciativa da prova, em princípio, à parte a quem aproveita o facto dela objecto (e não ao tribunal), sob pena de não vir a obter uma decisão que lhe seja favorável, uma vez que o juiz julga secundum allegata et probata (art.ºs 342.º e 346.º, do CC, e art.º 414.º, do CPC), «para cumprir este ónus, reconhece-se o direito à prova» (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 207, com bold apócrifo).
Pode definir-se genericamente o mesmo como o «direito da parte de utilizar todas as provas de que dispõe, de forma a demonstrar a verdade dos factos em que a sua pretensão se funda. Do seu conteúdo essencial constam, portanto, os seguintes aspectos: o direito de alegar factos no processo; o direito de provar a exactidão ou inexactidão desses factos, através de qualquer meio de prova», o que implica a proibição de um elenco taxativo de meios de prova; e «o direito de participação na produção das provas» (Ac. da RC, de 14.07.2010, Carvalho Martins, Processo n.º 102/10.5TBSRE.C1).
Compreende-se, por isso, que se leia, no art.º 415.º do CPC, que, salvo «disposição legal em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas» (n.º 1); e, quanto «às provas constituendas, a parte é notificada, quando não for revel, para todos os atos de preparação e produção da prova [28], e é admitida a intervir nesses atos nos termos da lei», sendo que, «relativamente às provas pré-constituídas», deve facultar-se-lhe «a impugnação, tanto da respetiva admissão como da sua força probatória».
É que «a contraditoriedade impõe-se com excecional vigor no capítulo fulcral do processo que tem a ver com a demonstração ou prova dos factos»; e, também por isso, essa regra é reiterada a propósito de cada um dos meios de prova admissíveis», o que até «seria desnecessário, mas os subsequentes afloramentos do mesmo princípio visam eliminar quaisquer dúvidas e marcar o relevo que lhe é atribuído, como ocorre quanto à prova (…) pericial (arts. 467.º, n.º 2, e 468.º)», em que se prevê expressamente «a intervenção de ambas as partes na produção da prova», bem como que «a apreciação dos elementos recolhidos deve ser precedida de contraditório» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I 2018, Almedina, Setembro de 2018, pág. 488).
Este direito à prova - nomeadamente, o princípio da audiência contraditória na sua preparação, produção e apreciação de resultados - aplica-se a todos os processos, independentemente da sua natureza, nomeadamente de jurisdição voluntária [29].

Enfatiza-se aqui que, sem o direito à prova, as garantias constitucionais do acesso ao direito e ao processo equitativo seriam meramente formais: se não fosse facultada às partes a possibilidade de apresentarem os meios de prova legalmente admissíveis, obtidos de forma lícita, e pertinentes para a prova dos factos que previamente alegaram e cujo ónus de prova lhes compete, bem como de se pronunciarem depois criticamente sobre o resultado da sua produção, não conseguiriam obter o reconhecimento das respectivas pretensões [30]. Compreende-se, por isso, que se afirme que, sendo o direito à prova um direito necessariamente instrumental da realização de um outro, substantivo, «uma restrição incomportável da faculdade de apresentação de prova em juízo pode impossibilitar a parte de fazer valer o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva» (Ac. do STJ, de 17.12.2009, Hélder Roque, Processo n.º 159/07.6TVPRT-D.P1.S1).
Logo, e como regra geral, «os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, pág.190). Dir-se-á mesmo, e mercê deste imperativo constitucional, que a própria interpretação das normais legais infraconstitucionais deverá ser feita por forma a salvaguardar a máxima e efectiva actividade probatória.

Ora, assim sendo, e face a dúvida quanto à aplicação do regime da prova pericial (consagrado na parte geral do CPC) à avaliação de bens realizada em sede de processo de inventário, sempre se deveria privilegiar o entendimentos que defendesse essa mesma aplicação (não contrariado pelas disposições especiais do n.º 3 e do n.º 4 do art.º 1114.º do CPC), nomeadamente no que tange à possibilidade de apreciação contraditória pelos interessados do respectivo resultado (seja em sede de apresentação de reclamações ao relatório produzido, seja em sede de requerimento para segunda perícia).
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Dir-se-á, ainda, que não consideramos que obste a esta ponderação a alegação de que a perícia de avaliação de bens em sede de inventário não ser usada como um verdadeiro meio de prova.
Com efeito, e salvo o devido respeito por opinião contrária, só uma visão excessivamente formal do processo especial em causa (em que nunca existiriam propriamente partes contrárias, mas sempre comuns interessados) é consentânea com esse entendimento.  A existência de mais do que um interessado na partilha permite (se não mesmo pressupõe) uma natural divergência de interesses (face a um único acervo patrimonial a dividir por todos); e (tal como referido supra) o requerimento de avaliação de bens funciona como impugnação ao valor que já lhes tenha sido atribuído em momento prévio dos autos (v.g. pelo cabeça-de-casal na relação de bens que tenha apresentado, em documento de realização pelo inventariado de liberalidades, seja doação ou legado).  Sendo, desde então, incerto o dito valor, e importando determiná-lo por meio da perícia de avaliação, esta comporta-se efectivamente como um respectivo meio de prova; e, por isso, submetida aos princípios gerais que regulam a produção de qualquer um, bem como ao regime que lhe é próprio e exclusivo.
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Crê-se, assim, que também o elemento sistemático de interpretação do art.º 1114.º do CPC impõe o entendimento que considera aplicável o regime geral editado para a prova pericial (na parte geral do CPC) à perícia de avaliação de bens a realizar em processo de inventário.
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.1. Juízo do Tribunal a quo
Concretizando, verifica-se que, procedendo-se à partilha cumulada das heranças de BB e de CC, ambos falecidos em 2022 e no estado de divorciado um do outro, são exclusivas interessadas as duas únicas filhas comuns de ambos, AA (aqui cabeça-de-casal) e DD.
Mais se verifica que, integrando ambas as heranças prédios rústicos e urbanos, o Inventariado (BB), por testamento, legou à interessada AA um imóvel, com o recheio nele existente, instituindo-a ainda herdeira da sua quota disponível.
Verifica-se ainda que, tendo a Cabeça-de-casal (AA) atribuído inicialmente aos imóveis o respectivo valor patrimonial tributário, veio depois requerer a sua avaliação, defendendo encontrarem-se aqueles valores «totalmente desfasados da realidade actual», pedido que reiterou em sede de conferência de interessados, sendo então secundada pela interessada DD; e que o mesmo foi no mesmo acto deferido pelo Tribunal a quo, ordenando a avaliação dos bens imóveis relacionados por forma a se «apurar o valor de mercado» respectivo.
Por fim, verifica-se que, junto o relatório pericial, veio a interessada DD requerer uma segunda avaliação dos ditos imóveis, por entender que deveria ter sido adoptado para o efeito o método comparativo (e não o método do custo) e ser «o valor de 90.000,00 € atribuído ao» imóvel legado à interessada AA «absolutamente irreal, correspondente, na melhor das hipóteses, a 1/3 (uma terça parte) do seu real valor»; e que, tendo-se a Cabeça-de-casal (AA) oposto à realização da segunda perícia de avaliação, por alegadamente «os valores constantes do relatório de avaliação» servirem «apenas para início das licitações e em substituição do valor patrimonial tributário», o Tribunal a quo viria a indeferi-la, defendendo que «o artigo 1114.º do CPC não consente a possibilidade de realização de uma segunda avaliação no processo de inventário».

Ponderou para o efeito:
i. «o facto de ter deixado de existir a remissão legal para a parte geral do código respeitante à prova pericial significa que se quis disciplinar a matéria da avaliação de forma autónoma e específica, maxime quanto ao aspecto de nela só ter lugar uma única avaliação»
ii. «a avaliação não ser aqui propriamente usada como um meio de prova, ao contrário do que sucede com a perícia prevista no artigo 467.º e ss. do CPC», servindo antes para permitir o confronto de «todos os interessados (…), na ocasião em que se iniciam as licitações, com bens cujo valor estará mais próximo da realidade, facilitando a obtenção de um resultado mais justo na partilha que venha a realizar-se»;
iii.«previsão de um prazo de 30 dias para a realização da avaliação (…) inculca a ideia de que, ao contrário do que se acha disposto no artigo 483 º1, a propósito da realização da 1ª perícia - quando a perícia não possa logo encerrar-se com a imediata apresentação do relatório pericial, o juiz fixa prazo dentro do qual a diligencia há de ficar concluída -, não se trata do prazo concedido ao perito para concluir a perícia no caso de não puder de imediato apresentar o relatório pericial, mas de um prazo para a realização da avaliação»; e a «interpretação de tal norma haverá de ser efetuada à luz do novo paradigma do processo de inventário, em que se pretende evitar o carater arrastado, sinuoso e labiríntico da anterior tramitação, que sempre produziu resultados insatisfatórios», sendo agora o «modelo dominado pelos princípios da concentração (assente na definição de fases perfeitamente estanques) e da preclusão»
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4.2.2. Juízo do Tribunal ad quem
Não se concorda, porém, com este seu juízo, conforme detalhadamente exposto supra, a propósito da correcta interpretação a fazer do art.º 1114.º, do CPC, mercê de todas as ponderações que então fizemos.

Assim, e apelando apenas às que contendem com a argumentação seguida pelo Tribunal a quo: não ser necessária uma reiterada (e redundante) remissão para o regime da prova pericial (contido na parte geral do CPC) para que o mesmo seja aplicável à perícia de avaliação de bens relacionados em processo de inventário, face ao disposto no art.º 549.º, n.º 1; o art.º 1114.º do CPC, nomeadamente os seus n.º 3 e n.º 4, limitam-se a consagrar especialidades da avaliação de bens em sede de inventário, não prevendo nem determinando todos os necessários aspectos da preparação e produção respectivas, e de apreciação de resultados pelos próprios interessados; a avaliação de bens relacionados em sede de inventário destina-se à determinação do seu real valor (uma vez impugnado aquele que lhes foi antes atribuído, impugnação essa feita precisamente com o pedido de avaliação respectiva), actuando com meio de prova do mesmo; existem bens relacionados que não poderão ser objecto de licitação (v.g. os legados por conta da quota disponível), vendo-se aquela como susceptível de corrigir algum defeito na sua prévia avaliação, o que mais justifica um acrescido rigor na determinação do seu real valor (com implicações na natureza oficiosa, ou inoficiosa, de liberalidade); a imposição de um prazo de 30 dias para a realização da avaliação não é absoluta, prevendo expressamente a lei que o juiz possa fixar um prazo diverso quando o considere mais adequado; e é a própria lei que permite que o requerimento de avaliação de bens relacionados seja formulado até à abertura das licitações, em clara e particular derrogação do modelo de concentração (em fases perfeitamente estanques) e da preclusão

Dir-se-á ainda que o caso dos autos ilustra à saciedade os efeitos perversos do entendimento oposto ao aqui seguido, já que, a sufragar-se o mesmo, ficariam os interessados inteiramente à mercê do resultado da actividade de um único perito (por muito idóneo e respeitável que seja), que não poderiam contraditar (por reclamação ou requerimento de segundo perícia), com manifesta (se não mesmo determinante) influência nos termos da partilha a efectuar (v.g. cálculo da quota disponível do Inventariado, inoficiosidade do legado de imóvel e eventual colação), e ao contrário  do que sucede com qualquer decisão de mérito do próprio Tribunal (sempre sindicável, em sede de arguição de nulidade ou de recurso).
Acresce que, no caso dos bens legados por conta da quota disponível (como é o caso dos autos), não podendo os mesmos ser objecto de licitação, ficariam os demais interessados (não beneficiados) impossibilitados, de todo em todo (isso é, nem mesmo por licitação), de reagirem ao que considerassem ser um defeito na respectiva avaliação.
*
Por fim, dir-se-á que, tendo a segunda perícia requerida sido indeferida com o exclusivo argumento de que a mesma não era legalmente admissível, e ficando agora assente o entendimento contrário, após baixa dos autos ao Tribunal a quo deverá o mesmo apreciar, então, a questão nos termos do disposto no art.º 487.º do CPC, isto é, decidir se, em concreto, há razões válidas para a ordenar (isto é, se se mostram verificados os seus pressupostos próprios).
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela procedência do recurso de apelação interposto pela interessada DD.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pela interessada DD e, em consequência, em:

· Revogar o despacho recorrido (que indeferiu a realização de uma segunda perícia de avaliação aos imóveis relacionados, por a considerar legalmente inadmissível), sendo o mesmo substituído por outro a proferir pelo Tribunal a quo (reconhecida que está a admissibilidade de segunda perícia em processo de inventário), onde aprecie a verificação dos pressupostos e fundamentos do pedido de realização de segunda perícia no caso concreto
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Custas da apelação pela Cabeça-de-casal, que nela ficou vencida (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 06 de Março de 2025.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - Fernando Manuel Barroso Cabanelas;
2.º Adjunto - Gonçalo Oliveira Magalhães.


[1] Refere-se a Interessada ao método comparativo, ao método do custo e ao método do rendimento, definindo-os ela própria do seguinte modo:
. método comparativo - o valor do imóvel é atribuído por comparação com imóveis semelhantes, baseando-se no conhecimento do mercado local e dos valores das transações de imóveis semelhantes ao que está em análise.
Na prática, para utilizar este método recorre-se ao valor por m2 através da média ponderada dos imóveis utilizados na amostra, ou seja, o valor do imóvel = valor/m2 x área do imóvel. 
. método do custo - calcula-se o valor de um imóvel através da reposição ou substituição de um imóvel com características e funções semelhantes. Este método de cálculo é utilizado em mercados onde a informação é escassa ou quando o imóvel que se pretende avaliar é de uma tipologia pouco transacionada.
Por este método, o valor do imóvel = valor do Terreno + custo de construção – depreciação (no caso de imóveis usados).
. método do rendimento - traduz-se em calcular a renda ou o rendimento que um imóvel pode gerar. 
A fórmula para calcular o valor utilizando este método é: R = r x 12 / t.
Com esta fórmula inclui-se outra variável extremamente importante que é a taxa de capitalização. Esta é obtida através da relação entre os rendimentos gerados pelo imóvel anualmente e o valor do imóvel, ou de imóveis comparáveis. 
Sendo assim a taxa de capitalização é dada por:
T = R/ V, em que:
R = Rendimento em imóveis semelhantes r = rendimento mensal/ bruto t = taxa de capitalização.
[2] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). 
[3] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[4] A partilha «é a operação através da qual se põe fim à comunhão hereditária e se atribui a cada um dos contitulares, na proporção da sua quota na comunhão, a titularidade exclusiva sobre bens pertencentes a herança. Portanto, a partilha converte uma quota ideal num património comum em propriedade exclusiva sobre uma parcela deste património» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, Reimpressão, Setembro de 2021, pág. 57).    
[5] Enfatizando, porém, que não existem especialidades na aplicação do princípio do inquisitório ao processo de inventário, antes se lhe aplicando o respectivo regime geral, Ac. da RG, de 25.05.2023, Pedro Maurício, Processo n.º 2525/21.5T8VCT-A.G1, onde se lê que, por «força da entrada em vigor da Lei nº117/2019, de 13/09, actualmente, o processo de inventário judicial está configurado como uma verdadeira acção declarativa, sendo que a este processo especial são plenamente aplicáveis os princípios gerais do Código, bem como o regime do processo comum de declaração, com as adaptações necessárias».
Assim, e embora «no nº3 do art. 1105º do C.P.Civil de 2013 se consagre um reforço do princípio do inquisitório no âmbito do processo especial de inventário, verifica-se que inexiste aqui uma previsão mais ampla daquela que está estatuída na parte geral do Código, especificamente no art. 411º do C.P.Civil de 2013, que consagra o referido princípio e logo impõe que o juiz realize ou ordene, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias».
[6] Precisa-se apenas, e a «propósito do efeito cominatório decorrente da falta de oposição nos incidentes (cf. art. 293.º, n.º 3)», «que, no novo regime do inventário, foi introduzido um ónus de contestação do requerimento inicial (arts. 1104.º e 1106.º) e um ónus de resposta à contestação (art. 1105.º, n.º 1), o que implica, como efeito cominatório para a falta de resposta ao requerimento inicial ou à oposição, a aceitação dos termos desse requerimento inicial ou dessa oposição. Passa, assim, a vigorar um verdadeiro sistema de preclusões, até agora inexistente, no processo de inventário» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, pág. 43).
No mesmo sentido: Ac. da RG, de 07.06.2023, Pedro Maurício, Processo n.º 94/21.5T8EPS-A.G1; ou Ac. da RG, de 15.06.2023, Joaquim Boavida, Processo n.º 1851/19.8T8CHV-B.G1.
[7] Neste sentido, Ac. da RE, de 10.05.2018, Conceição Ferreira, Processo n.º 3715/13.0TBSTB.E1.
[8] Neste sentido, Ac. da RC, de 20.09.2016, Fonte Ramos, Processo n.º 748/06.6TBLMG.C1.
[9] Precisa-se que este «ónus de concentração das reclamações contra a relação de bens no âmbito da oposição ao inventário é consequência da fase inicial do processo se não encerrar sem que se mostre apresentada pelo cabeça-de-casal a relação de bens (cf. art. 1097.º, n.º 3, al. c), e 1102.º, n.º 1, al. b)). Obsta-se a que se possa produzir o resultado que ocorria no anterior regime processual (face ao que estava estabelecido no art. 1348.º, n.ºs 2 a 4, CPC/61), no qual, quando o cabeça-de-casal não tivesse logo presentado a relação de bens, se podia ter de dissociar os actos de oposição ao inventário e de reclamação contra essa relação».
Precisa-se ainda que à «produção de um efeito cominatório semipleno, decorrente do não exercício do direito de oposição no prazo legalmente fixado, acresce um efeito preclusivo, resultante da estrutura sequencial que se atribui ao processo de inventário e, em especial, da regra de concentração de todas as impugnações e meios de defesa que a parte pretenda suscitar», possibilitando «a estabilização dos elementos factuais apurados na fase dos articulados» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, Reimpressão, Setembro de 2021, págs. 81 e 83).
[10] No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, Reimpressão, Setembro de 2021, pág. 105, onde se lê que, resultando da lei «uma clara preferência pelas soluções de consenso entre os interessados», a mesma diferiu, no actual «modelo processual instituído», «o momento até ao qual pode ser impugnado o valor atribuído aos bens relacionados», excluindo «a questão referente à fixação do valor real dos bens do regime cominatório que passou a vigorar quanto aos restantes fundamentos da reclamação contra a relação de bens (cf. arts. 1104.º e 105.º)». Receou a mesma que, se «a impugnação do valor atribuído aos bens relacionados (…) tivesse de ser deduzida naquele articulado (e apenas nele), pudesse levar a que, à cautela, tal impugnação viesse a ser sistematicamente deduzida pelos interessados, conduzindo à necessidade de avaliação dos bens e a um substancial aumento do valor e dos custos do inventário, o que, por seu turno, exacerbaria o conflito entre os interessados e dificultaria a obtenção das sempre preferíveis soluções consensuais acerca da partilha».  
[11] Compreende-se que assim seja, já que a «formulação do pedido de avaliação tem implícita uma impugnação do valor que foi atribuído ao bem» (Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, Reimpressão, Setembro de 2021, pág. 115).
[12] No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, Reimpressão, Setembro de 2021, pág. 115, onde se lê que, não obstante a regra contrária, ao juiz não está «vedada, em todo e qualquer caso, a decisão sobre a avaliação de bens. A avaliação pode ser determinada pelo juiz se ela constituir condição para o exercício de um poder oficioso do tribunal, como, por exemplo, o de obstar a uma situação de fraude à lei ou de uso anormal do processo (art. 612.º). A avaliação também pode ser determinada ex officio pelo juiz quando constitua diligência probatória que deva ser realizada num incidente, enxertado no processo de inventário, que ao juiz cumpra resolver, com recurso aos seus poderes inquisitórios em matéria probatória (art. 411.º). É o caso, por exemplo, da avaliação de bens realizada no incidente de inoficiosidade, decorrendo, aliás, do art. 1118.º, n.º 3, o poder-dever de o juiz determinar essa avaliação, enquanto tal se revele necessário para a apreciação do incidente».
[13] No sentido da não admissão da aplicação à avaliação de bens realizada em processo de inventário do regime editado para a prova pericial na parte geral do CPC:  Ac. da RC, de 10.05.2022, Mário Rodrigues da Silva, Processo n.º 1734/20.9T8FIGB.C1; Ac. da RC, de 13.12.2022, Luís Cravo, Processo n.º 462/20.0T8PBL-A.C1; ou Ac. da RC, de 27.06.2023, Maria João Areias, Processo n.º 127/20.2T8FIG-A.C1.
[14] No sentido da admissão da aplicação à avaliação de bens realizada em processo de inventário do regime editado para a prova pericial na parte geral do CPC:  Ac. da RP, de 04.05.2022, Isoleta de Almeida Costa, Processo n.º 646/20.0T8VFR.P1; Ac. da RG, de 04.10.2023, Paulo Reis, Processo n.º 165/20.5T8VVD-A.G1; Ac. da RP, de 07.12.2023, Manuela Machado, Processo n.º 1066/20.2T8PVZ-A.P1; Ac. da RG, de 11.01.2024, Afonso Cabral de Andrade, Processo n.º 3281/21.2T8VCT-A.G1; Ac. da RP, de 22.02.2024, Ana Vieira, Processo n.º 1621/20.0T8PVZ-A.P1; Ac. da RP, de 04.04.2024, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 1274/23.4T8VCD-A.P1; Ac. da RP, de 06.06.2024, Judite Pires, Processo n.º 3151/21.4T8VFR-A.P1; Ac. da RP, de 08.10.2024, Raquel Correia Lima, Processo n.º 2004/21.0T8PRD-A.P1; Ac. da RG, de 16.01.2025, Alcides Rodrigues, Processo n.º 718/21.4T8PTL-A.G1; ou Ac. da RG, de 06.02.2025, Fernando Cabanelas, Processo n.º 2711/21.8T8VCT-A.G1.
[15] Precisa-se, no elemento literal ou gramatical, que, sendo «a letra (o enunciado linguístico) (…) o ponto de partida» da interpretação da norma jurídica, exerce a mesma «também a função de um limite, nos termos do art. 9º, 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”». Exerce ainda a «letra (texto)» «uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correto das expressões utilizadas» (J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra 1990, pág. 189).
[16] Precisa-se que no elementos histórico se compreendem «todos os materiais relacionados com a história do preceito», nomeadamente: «a) A história evolutiva do instituto, da figura ou do regime jurídico em causa», sendo que «as mais das vezes a norma é produto de uma evolução histórica de certo regime jurídico, pelo que o conhecimento dessa evolução é suscetível de lançar luz sobre o sentido da norma, pois nos faz compreender o que pretendeu o legislador com a fórmula ou com a alteração legislativa»; «b) As chamadas “fontes da lei”, ou seja, os textos legais ou doutrinais que inspiraram o legislador», devendo «ser tomadas em conta não só as principais obras doutrinais, nacionais e estrangeiras, que serviram de inspiração à fórmula normativa, mas sobretudo aquelas leis doutros países (…) que serviram de modelo ao legislador português, em muitos pontos, ou que, pelo menos, representam as fontes em que ele foi beber a sua inspiração»; e «c) Os trabalhos preparatórios»,  entendendo-se como tais «os estudos prévios, os anteprojetos que normalmente os acompanham, os projetos, as respostas a críticas feitas aos projectos, as propostas de alteração aos projetos, as actas das comissões encarregadas da elaboração do projeto, as actas das comissões encarregadas da elaboração do projecto, as actas de discussão do projecto na generalidade e na especialidade»,  tudo «de grande valia para definir a atitude final e a opção do “legislador”, servindo para afastar interpretações que se devem considerar rejeitadas»  (J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra 1990, págs. 184 e 185).
[17] Compreende-se, por isso, que se afirme que, na «querela doutrinária» que «opõe os historicistas aos atualistas, o legislador tomou uma posição frontal a favor do atualismo, ao dizer que a interpretação jurídica não pode atender apenas às “circunstâncias em que a lei foi elaborada”, mas também tem de ter em conta as “condições em que [a lei] é aplicada. Neste pondo, o CC tomou a posição correta: sem desprezar o elemento histórico - que pode ser muito útil para compreender as razões do aparecimento de uma certa lei, com dado conteúdo, em determinado momento -, é óbvio que tão-pouco se pode ignorar as circunstâncias políticas, económicas, sociais e culturais em que uma lei mais antiga vai ser aplicada» (Diogo Freitas do Amaral, Código Civil Anotado (coordenação de Ana Prata), Volume I, Almedina, Outubro de 2021, pág. 26). 
[18] Precisa-se que o elemento racional ou teleológico consiste «na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma», revelando «a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime».
Compreende-se, por isso, que o conhecimento desse fim, «sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico-social que motivou a “decisão” legislativa (ocasio legis)», permite que o intérprete se apodere «de um ponto de referência que ao mesmo tempo o habilita a definir o  exacto alcance da  norma», transpondo «para o condicionalismo actual aquele juízo de valor» e  ajustando o «próprio significado da norma  à evolução entretanto sofrida (pela introdução de novas normas ou decisões valorativas) pelo ordenamento em cuja vida ela se integra»  (J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra 1990, págs. 182, 183 e 191).
[19] Precisa-se que o elemento sistemático impõe «a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o “lugar sistemático” que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico», já que «as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário» (J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra 1990, págs. 182, 183 e 191).
Afirma-se, ainda, como aspectos «relevantes a ter em conta, para além da “unidade do sistema jurídico”: o local em que a norma se insere no diploma a que pertence (partes, títulos, capítulos, secções, subsecções, etc.); epígrafe da norma, se existir; outras normas do mesmo diploma; normas antecedentes da norma interpretanda ou a ela subsequentes (contexto formal); normas para as quais remete; lugares paralelos; etc.» (Diogo Freitas do Amaral, Código Civil Anotado (coordenação de Ana Prata), Volume I, Almedina, Outubro de 2021, pág. 25). 
[20] Recorda-se que, enquanto as normas gerais estabelecem o direito-regra, isto é, o regime-regra para o sector de relações que regulam, as normas especiais, não consagrando uma disciplina directamente oposta àquela outra, consagram, porém, uma disciplina nova ou diferente para círculos mais restritivos de pessoas, coisas ou relações. 
[21] Recorda-se que, de acordo com o art.º 483.º, n.º 1, do CPC, é também este o prazo regra de conclusão de uma perícia, lendo-se expressamente no preceito em causa que, quando «a perícia não possa logo encerrar-se com a imediata apresentação do relatório pericial, o juiz fixa o prazo dentro do qual a diligência há-de ficar concluída, que não pode exceder 30 dias».
[22] Neste sentido, João António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Volume I, 4ª edição, Livraria Almedina, Coimbra 1990, págs. 495 e seguintes.
[23] Neste sentido, Domingos Silva Carvalho de Sá, Do Inventário. Descrever, Avaliar e Partir, Almedina, Coimbra 1993, pág. 113, onde se lê que era claro que a «reclamação incide sobre todos e quaisquer bens e não só sobre aqueles que tenham sido avaliados por louvados», isto é, abrange igualmente aqueles «cujo valor é indicado pelo cabeça-de-casal»
Ainda João António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, II Volume, 4.ª edição, Almedina, Coimbra 1990, págs. 186-7, onde se lê que, aliás, «a correcção mais parece necessária nos casos» em que o cabeça-de-casal haja indicado o valor aos bens, «do que naqueles outros em que intervém o louvado. (…) Como judiciosamente se ponderou na Revista dos Tribunais: “contra o valor dos bens que não tenham sido avaliados é que a reclamação se tornará mais necessária, pois as matrizes prediais estão organizadas com grande variedade de critérios, havendo concelhos em que os rendimentos colectáveis são excessivos, outros em que são diminutos e não existindo sequer uniformidade de escalão dentro do mesmo concelho».
[24] Compreende-se, por isso, que se afirmasse que, no âmbito do processo de inventário, e «como mecanismo de correcção dos valores iniciais dos bens, que são tidos como provisórios, foram escolhidos, por um lado, a reclamação contra o excesso de avaliação e, por outro, as licitações» (Domingos Silva Carvalho de Sá, Do Inventário. Descrever, Avaliar e Partir, Almedina, Coimbra 1993, pág. 113, com bold apócrifo).
No mesmo sentido, João António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, II Volume, 4.ª edição, Almedina, Coimbra 1990, pág. 187, onde se lê que, certamente «que as matrizes, as cotações, os balanços e a declaração do cabeça-de-casal têm uma certa base e conduzem a uma aproximação do valor dos bens a que respeitam, mas a presunção de que se parte pode ser ilidida por dois meios: pela licitação quando aquém do valor real, e pela reclamação contra o excesso no caso contrário. O mesmo se verifica em relação aos bens dependentes da avaliação. Aqui, como ali, o art. 1362.º pode entrar em funcionamento».
[25] No mesmo sentido, Carla Câmara, Carlos Castelo Branco, João Correia e Sérgio Castanheira, Regime Jurídico do Processo de Inventário Anotado, 2013, Almedina, Julho de 2013, pág. 230, onde se lê que, tal «como estava prevista, a licitação constituía acto por meio do qual os herdeiros, a seu arbítrio, aumentavam o valor dos bens relacionados, os quais entravam no seu quinhão hereditário pelo preço pelo qual os licitaram. Cedo se perceberam as vantagens da licitação - quando permitia corrigir a avaliação e aumentar o valor do acervo hereditário, consentia uma partilha mais igualitária - e, igualmente, as suas desvantagens (“a emulação, a inveja e mil outras paixões de natureza semelhante presidem quase sempre a elas”, como se lhes referia José Pereira de Carvalho; Primeiras Linhas sobre o Processo orfanológico, 1914, p. 72) - na medida em que colocava na mão dos co-herdeiros mais abastados a decisão sobre o destino dos bens a partilhar na herança, sujeitando os menos abastados a uma venda forçada ou a fiarem com os bens que os primeiros não pretendessem licitar».
[26] Neste sentido: Carla Câmara, Carlos Castelo Branco, João Correia e Sérgio Castanheira, Regime Jurídico do Processo de Inventário Anotado, 2013, Almedina, Julho de 2013, pág. 227; ou Eduardo Sousa Paiva e Helena Cabrita, Manual do Processo de Inventário, à Luz do Novo Regime aprovado pela Lei nº 23/2013, de 5 de Março e regulamentado pela Portaria nº 278/2013 de 26 de Agosto, Coimbra Editora, 2013, pág. 102.
[27] Pondera ainda o Ac. da RP, de 04.04.2024, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 1274/23.4T8VCD-A.P1, que, «embora das normas citadas transpareça uma intenção de maior simplicidade e celeridade relativamente ao processo comum, trata-se de uma intenção que deve orientar o juiz na condução do processo, mas que é sempre conferida no interesse das partes. Daí que, se uma destas entende mais adequado à salvaguarda dos respectivos interesses requerer segunda perícia e, nos termos comuns, apresenta razões válidas para a requerer, não se veja razão para interpretar aquelas normas extensivamente dando-lhes uma previsão que não têm e retirando delas uma previsão que vai contra o interesse da parte».
[28] Precisa-se que a «dicotomia preparação/produção, utilizada para a prova constituenda, teve fundamentalmente em vista a prova pericial, cujos atos preparatórios (escolha de peritos e determinação do objeto da prova) se fazem por contraditoriedade».
Com efeito, «no plano da admissibilidade da prova pericial, a parte contra a qual ela tenha sido requerida, é previamente ouvida sobre a nomeação do perito ou peritos para arguir impedimentos ou suspeições (art. 417-1); no plano da produção da prova pericial, a parte contrária ao requerente é ouvida sobre o seu objeto, que pode propor seja restringido ou ampliado (art. 476-1), e ambas as partes podem fazer observações aos peritos no ato de inspeção (art. 480-4) e pedir-lhes esclarecimentos (arts. 485-2 e 486), tal como podem, quando a iniciativa da prova é oficiosa, propor a ampliação do respectivo objeto (art. 477)» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 218).
[29] Neste sentido, Ac. da RP, de 25.11.2014, João Diogo Rodrigues, Processo n.º 2370/07 (embora admitindo compressões).
[30] No mesmo sentido, Ac. da RP, de 15.06.2020, Carlos Gil, Processo n.º 8583/18.2T8PRT-A.P1, onde se lê que o «direito à prova é parte essencial do direito fundamental de acesso ao direito (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa), na vertente do direito a um processo equitativo, constituindo-se como peça fundamental para a realização efetiva do direito de ação judicial».