Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3186/23.2T8GMR-A.G1
Relator: MARGARIDA PINTO GOMES
Descritores: PROVA DOCUMENTAL
ALTERAÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Constitui violação ao principio do contraditório, nos termos do nº 1 do artº 3º e 415º ambos do Código de Processo Civil, a não audição das partes quanto a requerimento de alteração da prova.
II. Tal violação está a coberto do disposto no nº 1 do artº 195º do Código de Processo Civil.
III. Tendo o interessado reclamado da omissão praticada e, no mesmo requerimento, pronunciado-se sobre a (in)admissibilidade de parte de requerimento, afim de se evitar a prática de atos inúteis, não se anulam os atos praticados após a referida omissão.
IV. A prova documental a apresentar está limitada pela causa de pedir, do pedido e dos temas de prova fixados.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório:

EMP01..., S.A., e EMP02..., Lda, instauraram acção declarativa de processo comum contra AA e EMP03... Unipessoal, Lda, pedindo:

1)serem os réus condenados, autónoma ou solidariamente, a pagar às 1ª e 2ª autoras as quantias de € 80.831,00 e €292.742,50, respectivamente, correspondente aos lucros cessantes e danos emergentes decorrentes da sua actuação ilícita de concorrência desleal, acrescidas de juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
2)caso assim se não entenda, serem os réus condenados, autónoma ou solidariamente, a pagar à 1ª e à 2ª autora as quantias que vierem a ser liquidadas nos presentes autos em função da clientela que delas transitou para a 2ª ré e dos danos emergentes decorrentes da sua actuação ilícita;
3)serem os réus condenados, solidariamente, a pagar a cada uma das autoras a quantia de € 25.000,00, no total de € 50.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
4)ser o 1º réu condenado a pagar à 2ª autora a quantia de € 50.000,00, a titulo de indemnização, pela violação do dever de confidencialidade a que estava adstrito por acordo que assinou;
5) Serem os réus condenados nas custas dos autos.

Alegam as autoras, em resumo que são ambas sociedades comerciais que têm por objecto social, entre outras, a actividade de recrutamento, selecção e colocação de pessoal, gestão de recursos humanos e formação profissional com vista à colocação de candidato, actividade exercida pelas sociedades autoras – que trabalham conjuntamente
no mercado sob a marca registada “...”, sendo a segunda participada pela primeira - alcançou rápido sucesso e granjeou fama no mercado de recrutamento de profissionais qualificados, a nível nacional e internacional.
O ora 1º réu AA foi contratado para prestar serviços à 1ª autora (EMP01..., S.A) em Junho de 2019, tendo começado por exercer funções de recrutador (recruiter) e, após seis meses, passado a gestor de recrutamento (global recruiter manager) e em Setembro de 2021, o 1º réu passou a trabalhador da 2ª autora (EMP02..., Lda)., mediante contrato de trabalho celebrado entre as partes, com a categoria profissional de Head of Strategic Account, depois designada director comercial (comercial director), trabalhando com clientes nacionais e internacionais da marca ..., serviços esses que eram depois facturados aos clientes, respectivamente, pela 2ª autora (EMP02..., Lda – clientes nacionais) e pela 1ª Autora (EMP01..., S.A – clientes internacionais), pelo que o exercício das suas funções tinha repercussões em ambas as autoras, cargo de elevada confiança e responsabilidade, na medida em que passou a ter acesso às estratégias comerciais e bases de dados de clientes de ambas as Autoras, assim como passou a ter uma equipa de recrutadores sob sua alçada, com acesso também às referidas bases e métodos de trabalho, funções que exerceu até à data da sua efetiva saída da 2ª autora, em 7 de Novembro de 2022, alegando que o fazia por razões de saúde.
Acontece que, logo após a saída do 1º réu, a maioria dos membros da sua anterior equipa - denominada equipa “...” - vieram também, gradualmente, a apresentar a sua
demissão perante as autoras, invocando, todos eles, também razões pessoais ou de saúde, sem aludir a causas objectivas ou inerentes à empresa.
As autoras tomaram, entretanto, tomaram conhecimento de que o 1º réu, bem como todos os supra referidos sete ex-colaboradores, se encontram, actualmente, a trabalhar para uma sociedade constituída em 7 de Dezembro de 2022, 2ª ré, sociedade essa cujo objecto social coincide precisamente com o das autoras, consistindo na “selecção, recrutamento e gestão de recursos humanos”, entre outros.
Acresce que a 2ª ré actua no mercado sob a marca ...”, marca essa que pertence – precisamente - a AA, e foi, pelo próprio, registada no INPI, em 8 de Março de 2023, sob o n.º ...22, significando isto que a ora 2ª ré  pertence, na realidade, ao 1º réu, que nela exerce a sua actividade através da marca ...” por si criada e registada, cujos serviços prestados são sempre facturados pela 2ª ré, bem como todos os sete ex-colaboradores das autoras nela exercem agora a sua actividade profissional.
Tais comportamentos causaram uma repentina desorganização na actividade das autoras e o consequente desvio de clientela, por via da utilização do conhecimento comercial e do negócio desta, desiderato que o 1º réu, intencionalmente, ocultou das autoras quando anunciou pretender cessar a relação laboral, escudando-se exclusivamente em questões de saúde.
O 1º réu, face às funções exercidas nas sociedades autoras, logrou aceder a toda a documentação e informação relativa ao negócio e estratégia comercial das mesmas, nomeadamente listas de candidatos e clientes, bem como preços praticados, violando assim o dever de lealdade a que estava vinculado por virtude da relação laboral mantida com a EMP01..., quer enquanto tal relação perdurou, quer após a sua cessação, assim como o dever de confidencialidade, o que deu origem a danos patrimoniais às autoras.

Com a sua petição juntaram as autoras o requerimento de prova, a saber:
B. Requer-se o depoimento de parte do 1.º Réu aos factos constantes dos artigos 3.º a 10º, 12º a 17.º, 20.º a 27.º, 34.º e 35.º, 41.º, 46.º, 76.º, 77.º e 83.º 84.º da P.I.
C. Requer-se declarações de parte do legal representante das Autoras, BB, a toda a matéria de facto constante da P.I.
D. Testemunhas:
1. CC, casada, a apresentar;
2. DD, casado, a apresentar;
3. EE, casado, a apresentar;
4. FF, residente na Rua ..., ... ..., a notificar;
5. GG, residente na Rua ..., ... ..., a notificar;
6. HH, residente em 14 ..., ..., ..., ..., a notificar;
7. II, residente na Via ..., ..., ..., ..., ..., a notificar;
8. JJ – residente em ... 18, ..., ..., ..., a
notificar.

Citadas as rés vieram as mesmas apresentar a sua contestação.

A 2 de outubro de 2023 foi proferido despacho saneador, devidamente notificado às partes, que, no que aos autos aqui importa, dispensou a realização da audiência prévia.

A 16 de outubro de 2023 foi apresentado, pelas autoras, requerimento nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artº 598º do Código de Processo Civil, com vista a alterar o seu requerimento probatório - mantendo, a prova já anteriormente requerida e requerendo:

1. Requer-se o depoimento de parte da 2.ª Ré, na pessoa da sua legal representante e gerente KK, quanto aos factos constantes dos arts. 20.º a 25.º, 26.º in fine e 27.º da P.I., nos termos e para os efeitos do disposto no art. 452.º do CPC.
2. Testemunhal:
As duas Autoras mantêm todo o rol de 8 testemunhas apresentado na petição inicial, aditando, cada uma delas, as seguintes testemunhas:
A) A Autora EMP01... adita a 2 seguintes testemunhas:
1) LL, da EMP04..., S.A..
2) MM, da EMP04..., S.A
B) A Autora EMP01... adita a 2 seguintes testemunhas:
1) NN, da EMP04...
2) OO, da EMP04...
3. Documental:
A) A prova documental junta com a P.I. e os 5 documentos ora juntos, cuja tradução se protesta juntar em 10 dias e oportunidade da junção decorre do teor da contestação e dos temas da prova constantes do despacho saneador.
B) Mais requerem a V.Exa., ao abrigo do disposto no art. 429.º do CPC, conforme requerido no art. 90.º da P.I. e por se afigurar relevante à apreciação da matéria dos autos, que a Ré EMP03..., Lda. seja notificada para juntar aos autos cópias de todas as facturas emitidas a clientes no período compreendido entre Janeiro de 2023 até ../../2023, com identificação dos respectivos clientes.
C) Por último e por se tratar de extensa documentação, as Autoras requerem a V.Exa. se digne conceder a prorrogação do prazo, por mais 10 dias, para a junção dos documentos requerida na contestação, documentação essa que estão ainda a coligir e juntarão aos autos dentro do ora requerido prazo.

A 20 de outubro de 2023 foi proferido o seguinte despacho:
Conforme defendem J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 4.ª Edição, pág. 644, “não havendo audiência prévia, às partes deve ser consentida a alteração do requerimento probatório no prazo (geral) de 10 dias contados da notificação do despacho previsto no art. 596-1, ainda que tal conduza à retificação do despacho de programação da audiência final. Com efeito, não se justificaria que o direito das partes à alteração do requerimento probatório precludisse com a dispensa da audiência prévia”.
Face ao exposto, admito o depoimento de parte de 2.ª Ré, na pessoa da sua legal representante, à matéria indicada no requerimento em epígrafe, por ser susceptível de ser provada por confissão.
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Mais admito o aditamento ao rol de testemunhas, a realizar por videoconferência, no caso das testemunhas que têm domicílio em Portugal, e por Webex, no caso das testemunhas com domicílio no estrangeiro, face ao disposto no art.º 502.º, nºs 1 e 5, do Código de Processo Civil.
Tendo em vista a nomeação de intérprete, deverão as Autoras indicar, em 10 dias, qual a língua falada pelas testemunhas cujo aditamento foi requerido.
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Notifique a Ré, “EMP03..., Lda.” para, no prazo de 10 dias juntar aos autos os documentos solicitados pelas Autoras no requerimento em epígrafe, uma vez que os mesmos são fundamentais para a descoberta da verdade, atentos os temas da prova selecionados – Cfr., art.º 429.º, do Código de
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Mais concedo a requerida prorrogação de 10 dias, atentos os motivos invocados.
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Notifique.

Notificados que foram do despacho supra vieram os réus atento o disposto nos artigos 3.º, 4.º, 6.º e 415.º, n.º 2, todos do CPC, exercer o seu direito ao contraditório e arguir a nulidade, o que fazem nos seguintes termos e fundamentos:
1.º
Nos artigos 63.º e 77.º da petição inicial das AA., alegam a perda de faturação de 4 (quatro) clientes devido à alegada atuação dos RR..
2.º
Inclusive, no seu artigo 90º da petição inicial, as AA. requerem a junção aos autos de todas as faturas da R. EMP03... emitida às 4 empresas clientes das AA.
3.º
O intuito da ação intentada pelas AA. é comprovar a alegada perda de faturação das 4 empresas clientes das AA. por alegada interferência dos RR.
4.º
Os RR. na sua contestação juntaram o balancete da faturação total da R. EMP03... sob o doc. n.º 3 da contestação.
5.º
Ao que parece, as AA. entenderam agora que o Doc. n.º ... junto pelos RR. não era suficiente e requerem a junção de autos de cópias de todas as faturas emitidas no período compreendido entre janeiro de 2023 até ../../2023, com identificação dos respetivos clientes.
6.º
O requerimento probatório, ao requerer a junção de documentação para lá do requerido na própria petição inicial das AA., excedeu completamente o objecto do presente processo expresso no pedido apresentado na petição inicial e constitui verdadeira “espionagem comercial”.
7.º
As AA. deveriam ter requerido apenas a junção das faturas emitidas pela R. EMP03... das alegadas 4 empresas mencionadas nos artigos 63.º, 77.º e 90.º da petição inicial das AA. em que suportam os respectivos pedidos e causa de pedir.
8.º
Mas, para além de requererem a junção de toda a faturação da R. EMP03..., entre o período de janeiro de 2023 a setembro 2023, requerem em completa espionagem comercial ainda a identificação de todos os clientes.
9.º
Esta espionagem comercial apenas favorece as AA. à margem destes autos, fazendo-lhe chegar de forma imprópria informação comercial relevante totalmente desligada da causa de pedir e pedidos, sendo que a R. EMP03... ficaria prejudica e exposta a qualquer contacto que estas poderiam ter com os clientes da empresa que não sabem quem são mas que pretendem desta forma sub-reptícia ficar a saber.
10.º
A EMP03... tem o direito legitimo de recusar a entrega de documentos quando tal importe intromissão injustificada na sua vida empresarial na justa medida em que a pretendida informação não integra o objecto do processo (a parte que excede os já discriminados 4 clientes), nem as AA. tem nisso interesse legítimo, nem a R. tem qualquer responsabilidades nos seus demais e diversos clientes que não integram a causa de pedir, tudo como decorre do disposto nos artigos 43.º, do Código Comercial e 417.º, do CPC.
11.º
Como decidiu o Acórdão do STJ de 22/04/1997, proc.n.º 087158, disponível no site da dgsi, que, uniformizando jurisprudência nesse sentido, enunciou que “o artigo 43.º do Código Comercial não foi revogado pelo artigo 519.º, n.º 1, do Código de Processo Civil de 1961, na versão de 1967, de modo que só poderá proceder-se a exame dos livros e documentos dos comerciantes quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida”.
12.º
Vigora nesta matéria o princípio do segredo da escrituração mercantil que procura proteger “a privacidade do comerciante, de afastar os seus bens da cobiça alheia e de evitar que a sua actividade seja afectada por informações sobre a sua situação e as perspectivas de negócio” – cfr. L.Brito, in ‘Direito Comercial’, I, pg. 309.
13.º
Ora, qualquer um dos demais clientes da R. e todo o seu demais negócio dentro do seu extenso objecto social não pode ser violado, não pode ser exposto à cobiça alheia das AA. sendo necessário evitar que a sua actividade seja afectada por informações sobre a sua situação e as perspectivas de negócio, uma vez que como já se disse tal matéria não integra a causa de pedir nem o pedido das mesmas e nenhuma responsabilidade é lhe é sindicada ou atribuída a esse título.
14.º
Ainda antes do contraditório da R. EMP03... o MM Julgador emitiu despacho a ordenar a junção de toda a documentação, não conhecendo a posição da demandada mesma sobre essa matéria.
15.º
Ao se não ter ainda cumprido o contraditório sobre tal pretensão probatória e estando ainda R. EMP03... em prazo para se pronunciar acabou cometida irregularidade com influência na boa e equitativa decisão da causa que dita a respectiva nulidade deste despacho com a Ref.ª ...49 e que expressamente se argui.
16.º
Na verdade, a inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, por decorrência do aditamento do nº 3, do art. 3º, do CPC que estabelece a proibição de decisões-surpresa e em que se pretendeu uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios.
17.º
É certo que o segredo da escrituração mercantil, previsto nos artigos 41.º, 42.º e 43.º do Código Comercial, não faculta às partes recusar a apresentação dos documentos quando se trate de apurar factos em que tenha interesse ou responsabilidade a pessoa a quem eles pertençam, na medida em que aquele segredo não pode subsistir em tal situação, sendo que, em todo o caso, face a um eventual conflito de interesses, por um lado, o do segredo comercial e, por outro, o do dever geral de colaboração com a administração da justiça, sempre o direito ao segredo deve ceder perante um interesse público superior, que é o da boa administração da justiça.
18.º
Porém, repita-se, a junção e a identificação de todos os documentos e clientes da R. EMP03... não resulta da causa de pedir nem dos pedidos apresentados, não conferindo nisso interesse às AA., nem é base da responsabilidade da pessoa a quem eles pertençam, devendo nessa medida ser totalmente indeferido tal requerimento probatório.
19.º
Já se entende, por outro lado, que possa ser diferente o entendimento quanto ao requerimento das AA. das faturas emitidas pela R. EMP03... às alegadas 4 empresas clientes, precisamente porque integram quer a causa de pedir directamente, quer o pedido indirectamente, desiderato já logrado com o balancete junto de identificação das facturas, valor e clientes.
20.º
Mas atente-se que também nesta matéria se estará a violar o segredo da escrituração mercantil porque o balancete identifica que negócios concretos a R. EMP03... realizou com as 4 empresas permitindo às AA. aferir cabalmente que negócios forma realizados e respectivo valor global (única matéria relevante para os autos sub judice).
21.º
Ora, a junção das facturas dessas 4 empresas permitirá às AA. saberem os preços unitários, condições de pagamento, forma de pagamento, que são segredos comerciais da R. EMP03..., irrelevantes para a questão sub judice que diz apenas respeito a eventual concorrência desleal e a inerente e alegada quebra de receita.
22.º
Ainda que se julgue necessário o suporte das facturas dessas 4 empresas (uma vez que já estão cabal e inequivocamente identificados no balancete todos os negócios ocorridos) é preciso não olvidar que a R. EMP03... não tem autorização desses clientes de revelar documentos que também integram o segredo comercial daqueles e, nessa media, requer que, caso se venha a julgar pertinente a sua junção, se digne ordenar a notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira para juntar aos presentes autos cópia das faturas mencionadas pelas AA. para tais clientes, a saber do período de janeiro de 2023 até ao dia 07/06/2023.
Para além disso,
23.º
As AA. neste requerimento probatório juntaram documentos, após análise dos documentos n.º ... e ... ora juntos, verifica-se que se trata de uma mera troca de correspondência eletrónica.
24.º
Nos documentos n.º ... e ... deste articulado, evidencia troca de correspondência entre o R. AA e funcionários da A. EMP01..., S.A ou da A. EMP02..., LDA., nestes documentos não conseguimos identificar em qual empresa autora estes funcionários trabalham, bem como, apenas se trata de uma conversa cordial entre funcionários de uma empresa.
25.º
As AA. no seu artigo 8.º da sua petição inicial alegam que o motivo da cessação do contrato de trabalho do R. AA foi, exclusivamente, de ordem pessoal, alegando que o fazia por razões de saúde, o que não é verdade como refere a contestação dos RR..
26.º
Ora, os documentos n.º ... e ... juntos neste articulado em nada demostram o alegado pelas AA., ou seja, estes documentos que apresentam como prova, não visam o fim que as AA. pretendem com a sua petição inicial.
27.º
Assim sendo, os RR. impugnam os documentos n.º ... e ... juntos com este articulado quanto aos seus efeitos e consequente prova que com os mesmos pretendam fazer, mormente em tudo que contrarie o alegado em sede de contestação.
Termos em que, deve:
a) se digne julgar verificada a arguida nulidade do despacho com a Ref.ª ...49 em razão da violação do contraditório;
b) ser considerado improcedente o requerimento da junção aos autos de cópias de todas as facturas emitidas pela R. EMP03... a clientes no período compreendido entre janeiro de 2023 até ../../2023, com identificação dos respectivos clientes por violação do segredo profissional desta e por tal requerimento não ter subjacente interesse das AA. nem responsabilidade da demandada;
c) se digne julgar desnecessária a junção das facturas emitidas às 4 empresas em razão do concreto volume de negócios já estar identificado no balancete junto pela R. EMP03... e em razão de tais documentos, por um lado, terem ínsita matéria de segredo comercial como sejam a relativa aos preços unitários, condições de pagamento, forma de pagamento, que não tem subjacente interesse das AA. nem responsabilidade da demandada;
Subsidiariamente,
d) se V/Ex.a entender pela procedência da junção das facturas das 4 empresas, se digne a proceder à notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira para junção aos presentes autos de tais documentos na justa medida em que a R. EMP03... não tem autorização dessas 4 empresas clientes para relevar matéria de segredo comercial daquelas.
Por último, por mera cautela de patrocínio e nos termos expostos, ficam impugnados para os devidos e legais efeitos o valor probatório os documentos juntos pelas AA..

Foi então proferido o seguinte despacho:

“Vêm os Réus, AA e EMP03... Unipessoal, Lda., invocar a nulidade do despacho de 20.10.2023, na parte em que o mesmo, com base no disposto no art.º 429.º, do Código de Processo Civil, determinou a notificação da Ré para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos os documentos solicitados pelas Autoras no requerimento com a Ref.ª ...49.
Alegam, nesse sentido, que:
“1.º Nos artigos 63.º e 77.º da petição inicial das AA., alegam a perda de faturação de 4 (quatro) clientes devido à alegada atuação dos RR..
2.º Inclusive, no seu artigo 90º da petição inicial, as AA. requerem a junção aos autos de todas as faturas da R. EMP03... emitida às 4 empresas clientes das AA.
3.º O intuito da ação intentada pelas AA. é comprovar a alegada perda de faturação das 4 empresas clientes das AA. por alegada interferência dos RR.
4.ºOs RR. na sua contestação juntaram o balancete da faturação total da R. EMP03... sob o doc. n.º 3 da contestação.
5.º Ao que parece, as AA. entenderam agora que o Doc. n.º ... junto pelos RR. não era suficiente e requerem a junção de autos de cópias de todas as faturas emitidas no período compreendido entre janeiro de 2023 até ../../2023, com identificação dos respetivos clientes.
6.º O requerimento probatório, ao requerer a junção de documentação para lá do requerido na própria petição inicial das AA., excedeu completamente o objecto do presente processo expresso no pedido apresentado na petição inicial e constitui verdadeira
“espionagem comercial”.
7.º As AA. deveriam ter requerido apenas a junção das faturas emitidas pela R. EMP03... das alegadas 4 empresas mencionadas nos artigos 63.º, 77.º e 90.º da petição inicial das AA. em que suportam os respectivos pedidos e causa de pedir.
(…)
14. Ainda antes do contraditório da R. EMP03... o MM Julgador emitiu despacho a ordenar a junção de toda a documentação, não conhecendo a posição da demandada mesma sobre essa matéria.
15.º Ao se não ter ainda cumprido o contraditório sobre tal pretensão probatória e estando ainda R. EMP03... em prazo para se pronunciar acabou cometida irregularidade com influência na boa e equitativa decisão da causa que dita a respectiva nulidade deste despacho com a Ref.ª ...49 e que expressamente se argui.
16.º Na verdade, a inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, por decorrência do aditamento do nº 3, do art. 3º, do CPC que estabelece a proibição de decisões-surpresa e em que se pretendeu uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios”.
Cumpre apreciar e decidir.
Estabelece o art.º 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
No caso, as Autoras haviam requerido “que a Ré EMP03..., Lda. seja notificada para juntar aos autos cópias de todas as facturas emitidas a clientes no período compreendido entre Janeiro de 2023 até ../../2023, com identificação dos respectivos clientes”, pretensão essa que foi deferida pelo despacho em crise.
Tais documentos são manifestamente relevantes para a matéria constante do 9.º tema de prova, a saber, “se os Réus desviaram intencionalmente a clientela das Autoras, nos termos e pelos meios alegados nos artigos 31.º a 41.º, 43.º, 44.º, 46.º e 47.º da Petição Inicial”, o qual não se refere exclusivamente às empresas mencionadas no requerimento em epígrafe.
Por outro lado, conforme decorre do artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, tal despacho mantém incólume a faculdade que assiste aos Réus de, após a sua notificação, recusarem a junção dos documentos pretendidos, invocando qualquer dos fundamentos que a legitimam – Cfr ., neste sentido, J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 4.ª Edição, pág. 249.
Assim, não obstante o despacho em apreço ter sido proferido sem que tivesse sido facultado o contraditório aos Réus, tal não comporta qualquer nulidade, quer por se tratar de caso de manifesta necessidade, quer porque a ausência de contraditório prévio não influi no exame ou na decisão da causa.
Face ao exposto, julgo improcedente a nulidade invocada pelos Réus AA e EMP03... Unipessoal, Lda., no requerimento em epígrafe.
*
Isto posto, cumpre então apreciar da legitimidade da recusa, por parte da Ré, em juntar aos autos os documentos solicitados, a qual é por esta fundamentada nos seguintes termos:
“8.º Mas, para além de requererem a junção de toda a faturação da R. EMP03..., entre o período de janeiro de 2023 a setembro 2023, requerem em completa espionagem comercial ainda a identificação de todos os clientes.
9.º Esta espionagem comercial apenas favorece as AA. à margem destes autos, fazendo-lhe chegar de forma imprópria informação comercial relevante totalmente desligada da causa de pedir e pedidos, sendo que a R. EMP03... ficaria prejudica e exposta a qualquer contacto que estas poderiam ter com os clientes da empresa que não sabem quem são mas que pretendem desta forma sub-reptícia ficar a saber.
10.º A EMP03... tem o direito legitimo de recusar a entrega de documentos quando tal importe intromissão injustificada na sua vida empresarial na justa medida em que a pretendida informação não integra o objecto do processo (a parte que excede os já discriminados 4 clientes), nem as AA. tem nisso interesse legítimo, nem a R. tem qualquer responsabilidades nos seus demais e diversos clientes que não integram a causa de pedir, tudo como decorre do disposto nos artigos 43.º, do Código Comercial e 417.º, do CPC.
11.º Como decidiu o Acórdão do STJ de 22/04/1997, proc.n.º 087158, disponível no site da dgsi, que, uniformizando jurisprudência nesse sentido, enunciou que “o artigo 43.º do Código Comercial não foi revogado pelo artigo 519.º, n.º 1, do Código de Processo Civil de 1961, na versão de 1967, de modo que só poderá proceder-se a exame dos livros e documentos dos comerciantes quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida”.
12.º Vigora nesta matéria o princípio do segredo da escrituração mercantil que procura proteger “a privacidade do comerciante, de afastar os seus bens da cobiça alheia e de evitar que a sua actividade seja afectada por informações sobre a sua situação e as perspectivas de negócio” – cfr. L.Brito, in ‘Direito Comercial’, I, pg. 309.
13.º Ora, qualquer um dos demais clientes da R. e todo o seu demais negócio dentro do seu extenso objecto social não pode ser violado, não pode ser exposto à cobiça alheia das AA. sendo necessário evitar que a sua actividade seja afectada por informações sobre a sua situação e as perspectivas de negócio, uma vez que como já se disse tal matéria não integra a causa de pedir nem o pedido das mesmas e nenhuma responsabilidade é lhe é sindicada ou atribuída a esse título”.
Dispõe o art.º 42.º, do Código Comercial, que “A exibição judicial dos livros de escrituração comercial por inteiro, e dos documentos a ela relativos, só pode ser ordenada a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de quebra”.
Por seu turno, o corpo do art.º 43.º, do Código Comercial, estabelece que “(…) só poderá proceder-se a exame nos livros e documentos dos comerciantes, a instâncias da parte, ou de ofício, quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida”.
Da conjugação dos normativos acima citados, decorre que a lei protege o segredo da escrita comercial quando esteja em causa a exibição por inteiro dos livros de escrituração e dos documentos a ela relativos. Nas situações em que apenas esteja em causa parte da documentação comercial, é aplicável o art.º 43.º, do Código Comercial, que admite o acesso aos mesmos, desde que a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em litígio – Cfr., neste sentido, Ac. da Relação do Porto, de 17.11.2008, proc. 0855318, Ac. da Relação de Coimbra, de 19.01.2010, proc. 7494/06.9TBLRA.C1, Ac. da Relação do Porto, de 21.11.2011, proc. 462/10.8TBVFR-W.P1, Ac. da Relação do Porto, de 9.10.2012, proc. 1570/09.3TBVNG-A.P1, Ac. da Relação de Lisboa, de 29.01.2015, proc. 313/11.6TVLSB-B.L1-6, Ac. da Relação de Guimarães, 7729/13.1TBBRG-C.G1, e Ac. da Relação de Guimarães, de 21-10.2021, proc. 892/20.7T8BGC-A.G1, todos disponíveis em www.gde.mj.pt.
Ora, no caso dos autos, está em causa saber se os Réus desviaram ou não clientes das Autoras, sendo a junção das facturas por aqueles emitidas essencial, como já se referiu, para a demonstração do 9.º tema da prova. Discutindo-se, assim, a responsabilidade dos Réus, a quem pertencem tais documentos, é permitida a sua junção, ao abrigo do disposto no art.º 43.º, do Código Comercial e do art.º 429.º, do Código de Processo Civil – não sendo necessária qualquer autorização de terceiros para a sua junção.
Face ao exposto, notifique novamente a Ré “EMP03...” para que junte aos autos, no prazo de 10 dias, os documentos referidos no despacho de 20.10.2023.
(…)”.

Inconformado com a decisão veio da mesma recorrer a ré, formulando as seguintes conclusões:

1) O tribunal a quo decidiu mal, incorrendo em violação do princípio da igualdade das partes, da violação do princípio da proporcionalidade, bem como, incorreu na colisão com princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes, e ainda, excedeu em completo o objecto do processo expresso no pedido apresentado e na causa de pedir da petição inicial, o que culminou no despacho a deferir a junção de todas as facturas emitidas a clientes no período compreendido entre Janeiro de 2023 até ../../2023, com identificação dos respectivos clientes”, permitindo por essa encapotada via uma verdadeira espionagem comercial das AA.;
2) O despacho ora sindicado viola as normas jurídicas atinentes aos princípios de igualdade das partes e da proporcionalidade, e ainda, respetivamente, o artigo 4.º do CPC e o artigo 18.º n.º 2 da CRP;
3) A acção intentada pelas AA./Recorridas delimitada pela causa de pedir e pedidos supra mencionados, é assente, nos termos do artigo 5.º do CPC, no desvio de clientela de quatro clientes das AA., EMP05..., EMP06..., EMP07... e a EMP08... e não assente meramente no desvio de outra clientela das AA.;
4) O despacho recorrido entendeu que a junção das faturas emitidas pela R. EMP03... era essencial para demonstrar o desvio de clientela das AA./Recorridas, o que não é verdade na justa medida em que só relevam nesse aspecto as facturas das empresas que sejam comuns;
5) As AA. não tem direito a saberem para quem trabalha a R. e nunca foi cliente destas porque a ação intentada pelas AA./Recorridas tem por base a responsabilidade por factos ilícitos e concorrência desleal devido ao alegado desvio de clientela de forma ilícita por parte do R. AA e da R. EMP03..., sendo que, para demonstrar esse desvio de clientela utilizam a perda de faturação dos três principais clientes das AA., e ainda, a perda do possível cliente EMP08...;
6) Interessa apenas ao julgamento as empresas que possam ter saído do lado das AA. para o lado da R. mas jamais as empresas que as primeiras não conhecem e nunca trabalharam na vida para evitar precisamente a espionagem comercial das primeiras;
7) A causa de pedir das AA./Recorridas é fundamentada no desvio de clientes destas e não na ideia geral do desvio de clientela por parte dos RR., que substancia um dos pressupostos da concorrência desleal, sendo que o facto do desvio desses clientes consiste num facto essencial nuclear/ principal da causa de pedir da ação;
8) O primeiro pedido das AA./Recorridas, é “serem os Réus condenados, autónoma ou solidariamente, a pagar às 1ª e 2ª. Autoras as quantias de 80.831,00€ e 292.742,50€, respectivamente, correspondente aos lucros cessantes e danos emergentes decorrentes da sua actuação ilícita de concorrência desleal, acrescidas de juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento”, sendo que, os valores supra são referentes ao calculo da perda de faturação das empresas EMP05..., EMP07... e EMP06...;
9) Os factos essenciais principais da causa de pedir e os pedidos das AA./Recorridas são assentes no desvio de clientela destas, em específico, o desvio das anteriormente mencionadas empresas, visto que, se a intenção destas fosse assente no desvio de clientela no sentido geral, teriam fundamentado e calculado os lucros cessantes com base na perda de toda a faturação a todos os clientes que AA. tinham e têm, e não apenas nesses três clientes;
10) Seja como for a R. tem desbravado o seu jovem caminho, não foi sequer alegado mas, além dessas entidades, não tem mais qualquer caminho em comum com as AA. que habilite ou justifique a espionagem comercial destas;
11) O tribunal a quo não analisou a situação sub judice com o grau de cuidado e profundidade que se lhe impunha no que à causa de pedir e aos pedidos das AA., incorrendo assim em erro de identificar os factos essenciais da causa de pedir, relativamente ao desvio dos clientes destas;
12) Em abono da verdade, a causa de pedir e pedidos trazidos pelas AA., encontram fundamento e invocação da alegada responsabilidade por factos ilícitos e concorrência desleal devido ao alegar e invocar o desvio de três clientes destas por parte dos RR., pelo que, não entende nem aceita a recorrente como pôde o tribunal considerar que a apreciação suscitada contende no mero desvio de clientes, sendo que o desvio de clientes é um dos fundamentos na concorrência desleal;
13) O tribunal a quo deveria ter tido em conta a intenção das AA./Recorridas, ao enumerarem esses clientes, e calculado o lucro cessante através da quebra de vendas dos três clientes, o que não o fez;
14) Agiu mal, o despacho recorrido ao deferir a junção de todas as facturas emitidas pela R. EMP03... a clientes (mesmo os que não tem e nunca tiveram nada a ver com as AA.) no período compreendido entre Janeiro de 2023 até ../../2023, com identificação dos respectivos clientes, pois o requerimento com a Ref.ª ...49 visa apenas fazer prova do desvio dos clientes destas e do possível cliente EMP08...;
15) O que as AA. pretendem é uma prova exploratória de espionagem comercial de forma a encontrar pela primeira vez, através da exibição de documentos, novos clientes da R. EMP03... que até a esse momento lhes eram totalmente desconhecidos e que não substanciam os factos nucleares essenciais desta acção;
16) A decisão proferida no despacho ora recorrido extrapolou completamente os meios de prova adequados à satisfação do respetivo ónus probatório das AA./Recorridas, na justa medida, que a junção de todas as faturas emitidas pela R. EMP03.../Recorrente com identificação de todos os clientes desta, não resulta da causa de pedir nem dos pedidos apresentados, não conferindo nisso interesse às requerentes;
17) A actividade comercial com clientes não comuns às AA. não é base da responsabilidade da pessoa a quem eles pertençam, ou seja, esta junção não visa a prova dos factos nucleares da causa de pedir e dos pedidos que é a alegada perda dos quatro clientes destas, nem da respetiva alegada quebra de faturação destas empresas, mas sim configura uma tentativa destas de espiarem e explorarem a possibilidade da existência de novos clientes a custa da sociedade R.;
18) O Tribunal a quo deveria ter deferido e notificado apenas a junção das faturas emitidas pela R. EMP03... às 3 empresas clientes das AA./Recorridas, e ainda da empresa cliente que estas perderam, a EMP08..., conforme inicialmente requerido pelas AA. no seu art. 90.º da p.i.;
19) O despacho recorrido ao notificar a junção de todas as facturas emitidas pela R. EMP03... a clientes no período compreendido entre Janeiro de 2023 até ../../2023, com identificação dos respectivos clientes, encontra-se em violação dos princípios da igualdade das partes e da proporcionalidade nos termos do artigo 4.º do CPC e o artigo 18.º n.º 2 da CRP;
20) A verdadeira intenção das AA./Recorridas na sua p.i era alegar o desvio de três clientes destas e a perda de chance num quarto e, para isso, tentaram ilustrar esse facto ilícito através da perda de faturação destes clientes, juntando tabelas com as faturas emitidas por estas identificando apenas essas três empresas do ano anterior à saída do colaborador R. AA (2022) e do ano após essa saída (2023), até ao inicio da proposição da ação (07/06/2023), ou seja, estas juntaram tabelas com as faturas emitidas até fim do mês de maio de 2023;
21) Com o propósito de demonstrar a perda de clientes das AA./Recorridas para a R. EMP03..., requerem a junção de todas as faturas emitida pela Requerente com identificação dos respetivos clientes no período entre janeiro de 2023 e setembro de 2023;
22) O despacho recorrido deveria ter indeferido esse requerimento visto que existe uma clara violação dos princípios da igualdade das partes e da proporcionalidade, ao notificar a R. EMP03... para juntar todas as suas faturas, bem como a identificação de todos os seus clientes desde ../../2023 a setembro 2023, com intuito de saber se os RR. desviaram ou não clientes das AA./Recorridas. porque lhes permite uma completa espionagem comercial;
23) Mesmo que a R. EMP03... junte toda a sua faturação emitida com a identificação de todos os seus clientes, até ../../2023, o tribunal não tem forma de examinar essa prova, assente no desvio de clientes, sem comparar previamente com todos as faturas emitidas pelas AA./Recorridas, com respetiva identificação dos seus clientes, o que não é possível se as próprias AA. nas tabelas de faturação que juntam apenas identificaram as três empresas, EMP05..., EMP07... e EMP06...;
24) Na situação em apreço, entende a Requerente que o Tribunal a quo deveria ter deferido e notificado apenas a junção das faturas emitidas pela R.EMP03... às 3 empresas clientes das AA., e ainda da empresa cliente que estas perderam, a EMP08..., no período de janeiro de 2023 a Maio de 2023, e não até setembro como requereram as AA./Recorridas e deferiu o tribunal;
25) A R. EMP03... tem o direito legítimo de recusar a entrega de documentos quando tal importe intromissão injustificada na sua vida empresarial na justa medida em que a pretendida informação não integra o objecto do processo (a parte que excede os já discriminados 4 clientes), nem as AA. tem nisso interesse legítimo, nem a demandada tem qualquer responsabilidades nos seus demais e diversos clientes que não integram a causa de pedir, tudo como decorre do disposto nos artigos 43.º, do Código Comercial e 417.º, do CPC que foram nesta medida violados;
26) Vigora nesta matéria o princípio do segredo da escrituração mercantil que procura proteger a privacidade do comerciante, de afastar os seus bens da cobiça alheia e de evitar que a sua actividade seja afectada por informações sobre a sua situação e as perspectivas de negócio;
27) Qualquer um dos demais clientes da R. e todo o seu demais negócio dentro do seu extenso objecto social não pode ser violado, não pode ser exposto à cobiça alheia das AA. sendo necessário evitar que a sua actividade seja afectada por informações sobre a sua situação e as perspectivas de negócio, uma vez que como já se disse tal matéria não integra a causa de pedir nem o pedido das mesmas e nenhuma responsabilidade é lhe é sindicada ou atribuída a esse título;
28) De resto, o despacho agora recorrido confirma um anterior que não cumpriu o contraditório sobre tal pretensão probatória e estando ainda R. EMP03... em prazo para se pronunciar acabou cometida irregularidade com influência na boa e equitativa decisão da causa que ditou a respectiva nulidade que expressamente a recorrente arguiu em tempo;
29) A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, por decorrência do aditamento do nº 3, do art. 3º, do CPC que estabelece a proibição de decisões-surpresa e em que se pretendeu uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios;
30) Em súmula, atentas as razões e fundamentos invocados, deve ser o douto despacho recorrido ser revogado, e substituído por outro que declare, a notificação da R. EMP03... para juntar as faturas emitidas por esta à empresa EMP05..., EMP07..., EMP06... e EMP08... no período compreendido entre janeiro de 2023 e maio de 2023, tal como juntou as AA./Recorridas;
TERMOS EM QUE, e nos que Vossas Excelências superiormente suprirão deve ser revogado o despacho agora sindicado e substituído por outro que declare, a notificação da R. EMP03... para juntar as faturas emitidas por esta à empresa EMP05..., EMP07..., EMP06... e EMP08... no período compreendido entre janeiro de 2023 e maio de 2023
Decidindo nesta conformidade será feita: J U S T I Ç A!

Não foram apresentadas contra alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II: Objeto do recurso:

O objeto do recurso define-se pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras.
Acresce que, o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim sendo, lidas as conclusões apresentadas pelas recorrentes, importa aos autos determinar se nos autos foi omitido o contraditório quanto ao requerimento de alteração do requerimento de prova, ainda se se verifica a violação do princípio da igualdade das partes, do princípio da proporcionalidade, verificando-se uma colisão com princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes, e ainda, se excedeu em completo o objecto do processo expresso no pedido apresentado e na causa de pedir da petição inicial, ao proferir-se despacho que ordenou a junção de todas as facturas emitidas a clientes no período compreendido entre janeiro de 2023 até ../../2023, com identificação dos respectivos clientes”, permitindo por essa encapotada via uma verdadeira espionagem comercial das autoras.
Atentos os documentos já juntos aos autos, a saber, o da desnecessidade da junção das facturas relativas às clientes identificadas pelas autoras/recorridas.
*
III. Fundamentação de facto:

Dão-se aqui por reproduzidos os atos processuais supra mencionados.
*
IV. Do direito:

Aqui chegados importa responder às questões que constituem o objeto deste recurso.

Vejamos.

Da leitura conjugada do disposto nos artºs 3º, nº 1, 5º, nº 1, 552º, nº 1, al. d), 571º, 572º, als. b) e c) e 574.º, todos do Código do Processo Civil) resulta vigorar, em sede do regime processual o princípio do dispositivo, incumbindo às partes, necessariamente, alegar, nos respetivos articulados, os factos essenciais fundamento das pretensões deduzidas,
Ora, para além daqueles factos essenciais, nos termos e com os condicionalismos previstos no disposto nas al.s a) e b), do nº 2, do artº 5º do referido diploma legal, pode o juiz considerar os factos instrumentais e os que sejam complemento ou concretização dos que as partes alegaram e resultem da instrução da causa.
Como refere o Acordão da Porto, 25 de outubro de 2023, relatado pela Srª Desembargadora Ana Luísa Loureiro, in www.dgsi.pt “A instrução do processo reporta-se à atividade destinada à produção dos meios de prova dos factos controvertidos relevantes/abrangidos pelos temas da prova fixados (art. 410.º do Cód. Proc. Civil). Os meios de prova visam a demonstração dos factos oportunamente alegados pelas partes que estão controvertidos ou que carecem de determinado meio de prova para poderem ser considerados. Da produção dos meios de prova oportunamente indicados podem ainda resultar demonstrados os factos instrumentais e os que sejam complemento ou concretização dos que as partes alegaram (art. 5.º, n.º 2, als. a) e b), do Cód. proc. Civil, já referido)”.
Ora, no atual regime processual civil, devem as partes indicar os meios de prova nos articulados, como resulta quanto à petição inicial, do disposto no nº 6 do artº 552º e quanto à contestação, do disposto na al. d) do artº 572º, ambos do Código de Processo Civil.
Do disposto nos preceitos acima referidos resulta ainda que os requerimentos probatórios apresentados com a petição inicial e a contestação podem vir a ser alterados, na sequência da apresentação da contestação/reconvenção e de eventual réplica.
De acordo com o disposto no artº 598º do Código de Processo Civil, o requerimento probatório apresentado nos articulados pode ainda ser alterado na audiência prévia, devendo entender-se que, sendo a razão de ser da alteração do requerimento probatório pelas partes na audiência justificada sobretudo pelo facto de nela se proferir a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova, conforme resulta  da al. f), do nº 1 do artº 591º e do nº 1 do artº 596º ambos do Código de Processo Civil, impondo-se igualmente a identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, nos casos de dispensa da audiência prévia (artºs 593º nº 2 al. c) e 596º nº 1 ambos do CPCivil) também neste caso se admite a alteração do requerimento probatório.
De resto, “o direito à prova das partes impõe essa possibilidade que deve ser exercida através de um requerimento dirigido ao tribunal”, conforme resulta do Acordão da Relação de Lisboa de 30 de abril de 2019, proc. nº 704/18.1T8AGH-A.L1-7, in www.dgsi.pt.
Deste modo, a alteração do requerimento probatório, pode abranger, como é o caso concreto, a prova documental, a qual deve ser efectuada mediante requerimento dirigido ao tribunal quando a diligência de audiência prévia seja dispensada, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, conforme resulta do nº 2 do artº 598º do Código de Processo Civil.
Ora, posto isto, importa aos autos, aferir se, perante a apresentação do requerimento de alteração do requerimento de prova, nos termos em que o foi, deveria o Tribunal, no caso, aguardar o prazo de 10 dias para a contra parte se pronunciar.
Estabelece o nº 1 do artº 3º do Código de Processo Civil que “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada a deduzir oposição”.
Do preceito citado resulta o principio do contraditório, ao qual, como referem os Drs Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição “(…)subjaz a ideia de que repugnam ao nosso sistema processual civil decisões tomadas à revelia de algum dos interessados, regra que sofre desvios quando outros interesses se sobreponham. Posto que a necessidade de observância do contraditório seja replicada em diversos preceitos avulsos, tal não diminui o relevo da sua enunciação como principio geral que se impõe em todas as fases processuais, especialmente nos articulados e na apresentação e produção de meios de prova (artº 415º)”.
Efetivamente, estabelece o nº 1 do artº 415º do Código de Processo Civil que “salvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas” e o seu nº 2, no que ao caso importa “(…)relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respetiva admissão como da sua força probatória”.

Revertendo aos autos verifica-se que, a 2 de outubro de 2023 foi proferido despacho saneador, devidamente notificado às partes, que, no que aos autos aqui importa, dispensou a realização da audiência prévia.
A 16 de outubro de 2023 foi apresentado, pelas autoras, requerimento nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artº 598º do Código de Processo Civil, com vista a alterar o seu requerimento probatório - mantendo, a prova já anteriormente requerida e requerendo, no que aos autos importa:
B) Mais requerem a V.Exa., ao abrigo do disposto no art. 429.º do CPC, conforme requerido no art. 90.º da P.I. e por se afigurar relevante à apreciação da matéria dos autos, que a Ré EMP03..., Lda. seja notificada para juntar aos autos cópias de todas as facturas emitidas a clientes no período compreendido entre Janeiro de 2023 até ../../2023, com identificação dos respectivos clientes.
A 20 de outubro de 2023 foi proferido o seguinte despacho:
Conforme defendem J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 4.ª Edição, pág. 644, “não havendo audiência prévia, às partes deve ser consentida a alteração do requerimento probatório no prazo (geral) de 10 dias contados da notificação do despacho previsto no art. 596-1, ainda que tal conduza à retificação do despacho de programação da audiência final. Com efeito, não se justificaria que o direito das partes à alteração do requerimento probatório precludisse com a dispensa da audiência prévia”.
(…)
Notifique a Ré, “EMP03..., Lda.” para, no prazo de 10 dias juntar aos autos os documentos solicitados pelas Autoras no requerimento em epígrafe, uma vez que os mesmos são fundamentais para a descoberta da verdade, atentos os temas da prova selecionados – Cfr., art.º 429.º, do Código de Processo Civil.

Dos factos atrás referidos, resulta, sem mais que, perante o requerimento de alteração da prova apresentado pelas autoras, o mesmo veio a ser deferido sem que aos réus fosse dada a possibilidade de sobre o mesmo se pronunciarem e isto porque o despacho que sobre tal requerimento foi proferido antes mesmos de se esgotar o prazo de dez dias para que os réus/recorrentes se pronunciassem sobre o mesmo.
Ou seja, verificou-se a omissão do contraditório previsto no nº 1 e 2 do artº 415º do Código de Processo Civil que poderia acarretar a nulidade nos termos do disposto no nº 1 do artº 195º do referido diploma.
Diga-se porém, que no caso sub judice, apesar de não ter sido dada a possibilidade de, após a apresentação do requerimento de alteração da prova, os réus se pronunciarem sobre o mesmo, a verdade é que notificados do despacho proferido, os réus vieram invocar a sua nulidade pronunciando-se ainda sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade daquele requerimento.
 Tendo os réus exercido o contraditório em momento posterior e tendo o despacho recorrido apreciado os argumentos invocados por aqueles, tornando-se desnecessário, nesta fase, anular os atos posteriormente praticados, sob pena de se dar lugar à prática de atos inúteis.

Assim sendo, importa aos autos, aferir se, ao ordenar, como fez o Tribunal a quo, a notificação da ré, “EMP03..., Lda.” para, no prazo de 10 dias juntar aos autos os documentos solicitados pelas autoras no requerimento em epígrafe, porquanto entendeu serem os mesmos fundamentais para a descoberta da verdade, atentos os temas da prova selecionados, violados foram os princípios da igualdade das partes, da proporcionalidade, verificando-se uma colisão com princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes, excedendo-se ainda em completo o objecto do processo expresso no pedido apresentado e na causa de pedir da petição inicial.

Vejamos.

Como já atrás referimos, citando o Acordão da Porto, 25 de outubro de 2023, relatado pela Srª Desembargadora Ana Luísa Loureiro, in www.dgsi.pt “A instrução do processo reporta-se à atividade destinada à produção dos meios de prova dos factos controvertidos relevantes/abrangidos pelos temas da prova fixados (art. 410.º do Cód. Proc. Civil). Os meios de prova visam a demonstração dos factos oportunamente alegados pelas partes que estão controvertidos ou que carecem de determinado meio de prova para poderem ser considerados. Da produção dos meios de prova oportunamente indicados podem ainda resultar demonstrados os factos instrumentais e os que sejam complemento ou concretização dos que as partes alegaram (art. 5.º, n.º 2, als. a) e b), do Cód. proc. Civil, já referido)”.

Resulta do artº 341º do Código Civil que “as provas tem por função a demonstração da realidade dos factos”, ou seja, são os meios que servem para confirmar ou infirmar um enunciado fáctico relativo à causa, um elemento que pode ser usado para conhecer o facto (neste sentido Pires de Sousa, in Direito Probatório Material Comentado, 2ª edição, pág 7, Almedina).
Conforme refere o artº 362º do Código Civil, “a prova documental é a que resulta de documento: diz-se documento qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”, destinando-se os mesmos a servir como meio de prova real de determinados factos.
Ora, como resulta do nº 1 do artº 423º do Código de Processo Civil “os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes”.
Por seu lado, de acordo com o disposto no artº 429º do Código de Processo Civil “quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar”.
Destes preceitos resulta que os documentos, meios de prova, destinam-se exclusivamente a servir como meio de prova real de determinados factos, os alegados pelas partes e não factos pelas mesmas não alegados.
Assim sendo, e a fim de se aferir da bondade ou não do despacho em crise, importa verificar o que foi alegado pelas autoras e o que as mesmas pretendem provar com a junção pela ré EMP03..., Lda. das cópias de todas as facturas emitidas a clientes no período compreendido entre janeiro de 2023 até ../../2023, com identificação dos respectivos clientes.

A este propósito e exercendo o que resulta do principio do dispositivo vieram as autoras alegar que:
“(…)
30. Tendo, para o efeito, de forma concertada e intencional, instigado a saída abrupta de um conjunto de colaboradores das ora Autoras, que recrutou num curto espaço de tempo, todos com acesso a informação privilegiada do negócio das Autoras, tais como listas de candidatos e de clientes, métodos de trabalho, relação de preços praticados, remunerações e estratégias comerciais.
31. Causando uma repentina desorganização na actividade das Autoras e o consequente desvio de clientela, por via da utilização do conhecimento comercial e do negócio desta.
32. Desiderato que o 1.º Réu, intencionalmente, ocultou das Autoras quando anunciou pretender cessar a relação laboral, escudando-se exclusivamente em questões de saúde.
33. Omitindo as verdadeiras razões e desviando seguidamente vários colaboradores das Autoras para, por intermédio de nova empresa que fez constituir e que factura os serviços pelos mesmos prestados, exercer actividade concorrencial.
34. Salienta-se, por não despiciendo, que o primeiro registo de marca apresentado pelo 1.º Réu junto do INPI remonta a 28 de Novembro de 2022, referia-se à “...”, ou seja, no exacto mês em que cessou a relação laboral com a EMP01....
35. Esse registo foi recusado pelo INPI por oposição de terceiro – cfr. DOC. ...3 que ora se junta – não deixando, contudo, de ser evidente a semelhança com o nome da equipa que antes coordenava enquanto ao serviço das Autoras e sob o qual se apresentava junto dos clientes destas – Equipa “...”.
36. Tal denominação, aliás, não é casual, crendo-se que foi proposta já com o intuito de gerar confusão de identidades, por assemelhar-se anterior denominação da equipa em que todos haviam sido integrados ao serviço das Autoras e que AA antes coordenara.
37. A esse respeito, acrescenta-se que o site criado para marca registada ... é em tudo semelhante ao das ora Autoras, que tem o site da marca registada ..., quer na apresentação, quer nas menções nele indicadas
38. Para alcançar tal conclusão, bastará consultar ambos os sites, dos quais resultam quais as áreas de negócio (..., ... e ...), os processos de recrutamento e a forma de apresentação, incluindo as vagas para recrutar, que são idênticos em ambos os sites.
39. Até a expressão “next job without boundaries” traduz a mesma ideia global que “...”, havendo semelhanças evidentes entre ambos os sites, sendo o da ... cópia do da ....
40. Do antes exposto, resulta que a actuação do 1.º Réu revestiu uma forma ardilosa e dissimulada, tendo ocorrido num muito curto espaço de tempo.
41. Note-se que o 1º. Réu, face às funções exercidas nas sociedades Autoras, logrou aceder a toda a documentação e informação relativa ao negócio e estratégia comercial das mesmas, nomeadamente listas de candidatos e clientes, bem como preços praticados.
42. Tendo, assim, violado o dever de lealdade a que estava vinculado por virtude da relação laboral mantida com a EMP01..., quer enquanto tal relação perdurou, quer após a sua cessação, assim como o dever de confidencialidade, como se explicará adiante.
43. Já que, quando manifestou a sua pretensão de cessar o contrato de trabalho, já tinha clara intenção de desviar trabalhadores e exercer actividade concorrencial com utilização das técnicas e conhecimentos obtidos por via da relação laboral então ainda existente.
44. O que resulta da sucessão de colaboradores que saíram das Autoras em tão curto espaço de tempo, os quais foram instigados a sair para, depois, passar a trabalhar para uma sociedade que o 1.º Réu constituiu por intermédio de familiar seu e que se apresenta no mercado com a sua marca ...” (marca essa que, repete-se, o próprio pretendeu registar logo em Novembro de 2022 sob a denominação “...”) e que factura os serviços prestados pelos mesmos.
45. Pese embora seja discutível a eficácia pós-laboral do dever de lealdade, evidencia-se que, nos concretos casos em que colaboradores assinam um acordo de confidencialidade, como ocorreu com o 1.º Réu e com os demais que saíram - conforme DOCS. ...4 e ...5 que ora se juntam, com a respectiva tradução, a título de exemplo - mediante o qual se obrigaram a não divulgar informações reservadas do empregador, tal dever tem eficácia pós-laboral.
46. O certo é que o 1.º Réu, logo após ter saído da EMP01..., recrutou e incorporou ao serviço da EMP09... UNIPESSOAL, LDA. um conjunto de colaboradores da sua equipa “...” que, tal como o próprio, tinha acesso a dados e geria uma carteira de clientes importante nas sociedades Autoras - já que todos eles tinham acesso aos clientes de ambas as Autoras.
47. Colocando-se – a si e à sociedade 2ª. Ré - numa posição privilegiada, por ter tido acesso a informações reservadas e segredos do negócio das sociedades Autoras.
48. É consabido que pela concorrência desleal não se condena o desvio de clientela, mas sim o uso de meios ilícitos para tal fim.
49. No caso vertente não estamos perante um caso de mera contratação de trabalhadores/colaboradores por empresa concorrente.
50. Sendo a liberdade de iniciativa económica e do direito ao trabalho constitucionalmente garantida e não estando colocada em causa.
51. Trata-se, isso sim, de uma situação em que existiu claramente um “animus nocendi” por parte do 1.º Réu, uma apropriação ilícita de informações reservadas e de competências alheias.
52. Este instituto encontra-se previsto no art. 311.º do CPI, através de uma cláusula geral que estabelece o conceito jurídico de concorrência desleal e da enunciação exemplificativa (não taxativa) de situações típicas que integram esse normativo.
53. O conceito de concorrência desleal está delineado a partir dos dois pressupostos que o formam: 1) haver um acto de concorrência e 2) esse acto ser contrário às normas e usos honestos do respectivo ramo de actividade económica.
54. No presente pleito, não há dúvidas de que estamos perante actuação de sociedades que se dedicam ao mesmo ramo de actividade, que disputam entre si, em simultâneo, a mesma clientela e em que a obtenção de clientela por parte de uma se repercute directamente na clientela da outra, sendo manifestamente empresas concorrentes.
55. O outro pressuposto remete para as regras relativas à honestidade e rectidão de comportamentos que se foram cristalizando sobre o que se considera correcto do ponto de vista da ética comercial e deve servir de padrão de comportamento a todos os agentes do sector.
56. Evaristo Mendes (in Concorrência Desleal, Almedina, 1997, págs. 88 e seguintes) destaca a importância dos códigos deontológicos ou de conduta enquanto instrumentos de autonomia privada que visam disciplinar, completar ou reforçar a tutela dos interesses profissionais dos destinatários conferida pelo direito da concorrência desleal, definindo normas e padrões de comportamento conforme à ética social dominante ou que se pretende implantar.
57. A concorrência desleal visa, assim, obstar a actos contrários aos usos honestos do comércio, repudiados pela boa consciência dos agentes do mercado e susceptíveis de causar prejuízos a concorrentes que assomam como ilegítimos, injustificados, resultantes não das competências próprias, mas do aproveitamento ou usurpação de competências alheias (cfr., entre outros, Acórdãos do STJ de 26.02.2015 e da Relação do Porto de 13.06.2018 disponíveis em www.dgsi.pt).
58. O que se censura, assim, ao agente económico são os meios de que se serve para actuar no mercado, não os concretos resultados dessa actuação, ou seja, o que se pretende tutelar é a confiança legítima de todos os agentes do mercado de que as actuações concorrenciais se pautarão pela boa-fé.
59. Ora, resulta vítreo que a actuação do 1.º Réu – que, fruto de um plano concertado, exerce agora a sua actividade por intermédio da sociedade 2ª. Ré, que constituiu por via de pessoa familiar, com informações e trabalhadores desviados das Autoras – configura, inequivocamente, uma conduta concorrencial e contrária às normas e usos honestos do comércio, sendo ilícita, culposa e profundamente lesiva às Autoras.
60. Conduta lesiva essa consubstanciada na quebra de actividade e de facturação das Autoras ocorrida já nos primeiros meses de 2023.
61. Com efeito, como consequência directa da actuação dos dois Réus, as Autoras, no primeiro trimestre de 2023 e até final de Maio, baixou em quase 190.000,00€ a sua facturação.
62. O que resulta evidente da comparação dos primeiros meses do ano transacto por comparação com o período homólogo anterior, com a quebra de actividade das Autoras decorrente da actividade concorrencial exercida pela sociedade 2ª. Ré.
63. Veja-se que, de entre três principais clientes das Autoras – EMP05..., EMP07... e EMP06... – adstritos anteriormente à equipa “...”, verificou-se uma abrupta e inesperada quebra de facturação, resumida no seguinte quadro:
64. Com efeito, comparando a facturação dos meses de Janeiro a Maio de 2022 e de Janeiro a Maio de 2023, evidencia-se que a 1º. Autora (EMP01... S.A.) reduziu a sua facturação em 43.926,00€ e a 2ª. Autora (EMP02..., Lda.) reduziu em 145.605,00€.
65. Esta décalage – no valor total de 189.531,00€ para as duas Autoras – está sustentada em documentos contabilísticos (balancetes), que comprovam a existência dos lucros cessantes ora alegados – cfr. DOCS. ...6 e ...7 ora juntos.
66. Existindo manifesta relação de causalidade entre a quebra de facturação das Autoras e o desvio de clientela por parte da sociedade 2ª Ré, por via da actuação ilícita do 1.º Réu antes descrita.
(…)
76. Acresce que, tendo as Autoras contactado entretanto alguns clientes, foi-lhe pelos mesmos transmitido desconhecer que estavam, agora, a trabalhar com outra empresa, por desconhecerem que o 1.º Réu e a sua equipa haviam saído da EMP01..., pensando que continuavam a trabalhar com as sociedades Autoras – o que lhes foi deliberadamente omitido por aqueles.
77. Tendo, para além disso, sido agora detectado pelas Autoras que a cliente EMP08..., cuja gestão era da exclusiva responsabilidade do 1.º Réu, nunca chegou a assinar contrato com a sociedade 1ª Autora, não obstante ter sido, por inúmeras vezes, avisado para a necessidade de celebrar contrato com o referido cliente, demonstrando falta de diligência e omissão no exercício das suas anteriores funções.
78. Como consequência directa da não celebração do contrato, a referida cliente EMP08... está agora a exigir novas condições, distintas das antes negociadas, para continuar a cooperação com a 1ª. Autora.
79. Crêem as Autoras que tal actuação por parte do ex-trabalhador AA foi premeditada e deliberada - e, como tal, dolosa - porquanto a sua mulher (que é de nacionalidade ...) e o próprio trabalhavam bastante com o mercado ...”.

Da leitura da petição inicial apresentada pelas autoras/recorridas vem as mesmas, no âmbito da violação do dever de não concorrência, de lealdade e confidencialidade por parte do 1º réu, alegar que, em consequência daquele comportamento, as autoras perderam, entre outros, quatro dos seus clientes o que originou perdas de facturação.
Ora, no âmbito da alegação incumbe as partes, conforme já atrás referimos, alegar os factos essenciais e que servem de fundamento aos pedidos.
Pretendendo demonstrar a conduta ilícita das rés, designadamente, o facto de com base nas informações que obteve durante o período em que esteve ao serviço das autoras/recorridas, o 1º réu ter dado origem a uma perda de facturação em razão da perda de clientela, incumbia àquelas indicar o montante das perdas de facturação e identificar os clientes que transitaram para a 2ª ré.
Ora, da leitura da petição inicial resultam as perdas sofridas e são, concretamente identificados apenas quatro clientes, a saber, a EMP05..., EMP07..., EMP06... e a EMP08....
Assim, com base no alegado foram fixados, entre outros, como temas de prova:
“(…)
9) Saber se os Réus desviaram intencionalmente a clientela das Autoras, nos termos e pelos meios alegados nos artigos 31.º a 41.º, 43.º, 44.º, 46.º e 47.º da Petição Inicial;
10) Saber se, em consequência do referido em 7) a 9), as Autoras sofreram uma quebra de facturação nos termos alegados nos artigos 60.º a 66.º da Petição Inicial;
(…)”.
Diga-se que, apenas as autoras podiam ter conhecimento das perdas sofridas e dos clientes que tinham durante o período em que o 1º réu esteve ao seu serviço e destes os que o deixaram de ser, cabendo-lhes a sua identificação.
Ora, salvo o devido respeito por contrária opinião, identificando apenas quatro clientes que, deixando de o ser por atuação do 1º réu, originaram perdas de facturação, apenas relativamente àquelas pode ser feita prova, designadamente, prova documental.
Efetivamente, quaisquer outros clientes dos réus não são, porque as autoras não os identificaram como tal, clientes destas e, consequentemente, não podem ter sido perdidas por efeito da atuação dos réus/recorrentes. E, não sendo clientes das autoras (uma vez que aquelas apenas identificam, concretamente, quatro), não podem ter sido “desviadas” pelos réus e, consequentemente dado origem a perdas de facturação ou quaisquer outros danos.
Ao permitir, através do despacho recorrido, a notificação da ré para juntar, excedeu o despacho recorrido o âmbito da causa de pedir, dos pedidos e dos temas de prova atrás identificados, violando o mesmo o princípio da proporcionalidade que deve vigorar no âmbito da admissibilidade das provas que, como se referiu, se destinam exclusivamente a servir como meio de prova real de determinados factos, os alegados pelas partes e não factos pelas mesmas não alegados.
Acresce que, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de abril de 1997, processo nº 087158, in www.dgsi.pt, citado pelos réus/recorrentes, uniformizando jurisprudência, enunciou que “o artigo 43.º do Código Comercial não foi revogado pelo artigo 519.º, n.º 1, do Código de Processo Civil de 1961, na versão de 1967, de modo que só poderá proceder-se a exame dos livros e documentos dos comerciantes quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida” e vigorando, nesta matéria, o princípio do segredo da escrituração mercantil que procura proteger “a privacidade do comerciante, de afastar os seus bens da cobiça alheia e de evitar que a sua actividade seja afectada por informações sobre a sua situação e as perspectivas de negócio”, conforme L.Brito, in ‘Direito Comercial’, I, pg. 309, também citado pela ré/recorrente, qualquer um dos seus demais clientes e todo o seu demais negócio dentro do seu extenso objecto social não pode ser violado, não pode ser exposto ao conhecimento das autoras/recorrida sendo necessário evitar que a sua actividade seja afectada por informações sobre a sua situação e as perspectivas de negócio, uma vez que como já se disse tal matéria não integra a causa de pedir nem o pedido das mesmas e nenhuma responsabilidade é lhe é sindicada ou atribuída a esse título, conforme concluem os recorrentes.
Diga-se que ao permitir o mais, pretendido pelas autoras/recorridas, obtinha-se um conhecimento da atividade das rés – quais os seus clientes e qual a facturação obtida pelos réus, durante o período invocado, clientes que, porque nada foi quanto às mesmas alegado, não teriam qualquer ligação àquelas.
Nestes termos, entende-se que o ordenado extravasou o âmbito da causa de pedir e dos temas de prova, motivo porque se revoga a decisão proferida.
 
Ora, mas será, como pretendem os réus/recorrentes que também nesta matéria se estará a violar o segredo da escrituração mercantil porque o balancete identifica que negócios concretos que a ré EMP03... realizou com as 4 empresas permitindo às autoras aferir cabalmente que negócios forma realizados e respectivo valor global (única matéria relevante para os autos sub judice)?
Vejamos.
Por balancete entende-se o documento que mostra todas as movimentações e demonstrações financeiras em um determinado período de uma empresa. Além disso, também serve para identificar lucros e prejuízos. Conhecido também como balancete contábilistico, trata-se de uma importante ferramenta para acompanhar a gestão financeira de uma empresa, permitindo visualizar a situação atual da empresa quanto às questões financeiras.
Diga-se ainda que do balancete constam informações sobre os ativos, passivos, património líquido, receitas e despesas.
Ora, atento o atrás referido verifica-se que a análise do balancete, só por si, não permite concluir se os clientes das autoras/recorridas transitaram ou não para os réus, dando lugar a prejuízos de facturação. Acresce que a junção das facturas dessas 4 empresas permitirá às autoras/recorridas saberem quais os montantes percebidos pelos réus e, consequentemente, os que deixaram de receber.
Apesar de, através dessas mesmas faturas, poderem as autoras/recorridas ficar a conhecer os preços unitários, condições de pagamento, forma de pagamento, que são segredos comerciais da 2ª ré, a verdade é que, como atrás se referiu, a proteção daquele segredo será de afastar-se, procedendo-se a exame dos livros e documentos dos comerciantes quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.
Nestes termos, entende-se que, nesta parte, falece o recurso.

Assim sendo, entende-se verificada a omissão do principio do contraditório, mas, uma vez que, os réus/recorrentes se pronunciaram, aquando da reclamação do despacho, quanto à inadmissibilidade da alteração do requerimento de prova, entende-se que, a fim de evitar atos inúteis, se entende não se anularem os atos posteriormente praticados.
Acresce que, se entende que, face à causa de pedir, pedidos e temas de prova, o despacho recorrido ao ordenar a junção de todas as facturas emitidas pela 2ª ré, às suas clientes, extravasou, o âmbito da prova documental.
Assim sendo revoga-se o despacho recorrido que deve ser substituído por despacho que ordene à 2ª ré, a EMP03..., Lda. a junção aos autos das cópias de todas as facturas emitidas a EMP05..., EMP07..., EMP06... e a EMP08..., no período compreendido entre janeiro de 2023 até ../../2023.
*

V. Decisão:

Considerando quanto vem exposto acordam os Juízes desta Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, revogando a decisão recorrida e, consequentemente, ordenando-se a sua substituíção por despacho que ordene à 2ª ré, a EMP03..., Lda. a junção aos autos das cópias de todas as facturas emitidas a EMP05..., EMP07..., EMP06... e a EMP08..., no período compreendido entre janeiro de 2023 até ../../2023.

Sem custas.
Guimarães, 16 de maio de 2024

Relatora: Margarida Pinto Gomes
Adjuntas: Elisabete de Moura Alves
Paula Ribas