Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2984/22.9T8GMR.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser concretizado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente.

II. Sendo a prova pericial livremente apreciada pelo tribunal (este não está obrigado a acatar as suas conclusões), não poderá, porém, um juízo divergente do resultado daquela deixar de ser fundamentado (rebatendo os argumentos nela expostos); e quando esteja em causa uma perícia destinada a exprimir um juízo técnico, científico ou artístico, este (pela sua própria natureza) só poderá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza (ou seja, de ordem técnica, científica ou artística) e com sujeição aos mesmos métodos.

III. O dano biológico (toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal) é indemnizável, quer autonomamente, quer no âmbito dos danos patrimoniais ou dos danos não patrimoniais (consoante determine, ou não, perda ou diminuição dos proventos profissionais), sendo porém impedida a sua dupla valoração.

IV. Na indemnização de danos não patrimoniais, deverá privilegiar-se a gravidade dos mesmos e o recurso à equidade, ponderando-se ainda o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso, sem esquecer os critérios jurisprudenciais vigentes, bem como a nossa inserção no espaço da União Europeia.

V. A equidade impõe que o julgador pondere criteriosamente as realidades da vida, tendo em conta as regras da prudência, do bom senso prático e da justa medida das coisas, por forma a atingir a flexível e humana justiça do caso concreto, independente de critérios normativos fixados na lei; mas este maior empirismo e intuição não se confundem com arbitrariedade ou puro subjectivismo do julgador, impondo-lhe igualmente a observância do princípio da igualdade (no caso, a procura de uma uniformização de critérios, face nomeadamente a prévias decisões jurisprudenciais).

VI. Considera-se excessiva a quantia de € 30.000,00, para indemnizar lesada de 26 anos, enfermeira (em que a condição física é relevante para o exercício da profissão), vítima de embate de um automóvel naquele que conduzia, de que resultaram sequelas (membro inferior direito com dor à apalpação da região trocantérica e da região glútea, e persistência de dores ao nível da anca), determinando consequências definitivas para a sua vida diária (necessidade de realizar esforços suplementares no exercício da sua profissão habitual, e impossibilidade de realizar parte das suas anteriores actividades domésticas, desportivas e de lazer - como ciclismo, idas ao ginásio e caminhadas -, sendo esta repercussão permanente nas actividades de afirmação pessoal e de lazer valorizável em 2 pontos, numa escala de 7 de gravidade crescente), tudo a traduzir-se num défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 4,00 pontos; e, por isso, deverá a dita indemnização ser reduzida à quantia de € 22.500,00, que se tem por adequada a reparar o dano biológico em causa.

VII. Considera-se adequada a quantia de € 20.000,00, para indemnizar a mesma lesada, no que tange ao número e à gravidade das lesões físicas registadas (traumatismo da região lombar e anca direita), ao número e à gravidade das lesões psíquicas imediatamente registadas (dores intensas, resultantes do impacto causado pela colisão dos veículos automóveis), ao número e à gravidade das lesões psíquicas que persistiram após o momento inicial do embate de veículos (dores e incómodos inerentes à deslocação do local do acidente até ao Hospital ..., onde foi prestada assistência à Autora; dores e incómodos inerentes às consultas e tratamentos a que teve de se submeter; e enorme desgosto pelas limitações físicas com que ficou), às sequelas advindas (dores à apalpação da região trocantérica e da região glútea, e persistência de dores ao nível da anca), ao nível global de dor sentida (fixável no grau 3, numa escala de 1 a 7), e ao período de afectação das suas actividades, nomeadamente profissional, uma vez que só obteve a consolidação médico-legal definitiva no dia 06 de Abril de 2020, tendo o acidente ocorrido em .../.../2020 (tendo implicado período de défice funcional temporário total fixável em 4 dias, um período de défice funcional temporário parcial fixável em 90 dias, e um período de repercussão temporária na actividade profissional total fixável em 94 dias).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Carlos Pereira Duarte;
2.ª Adjunta – Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade.
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ACÓRDÃO
I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ..., em ..., ... (aqui Recorrida), propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., S.A., com sede na Rua ..., ..., em Lisboa (aqui Recorrente) - sendo depois citado o Instituto da Segurança Social, I.P. - Centro Distrital do ..., com sede na Rua ..., no ... -, pedindo que

· se condenasse a Ré a pagar-lhe a quantia de € 98.526,74, a título de indemnização de danos, patrimoniais e não patrimoniais (sendo € 18.526,74 por danos patrimoniais, € 55.000,00 por dano biológico e € 25.000,00 por danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação ate integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, que, no dia .../.../2020, pelas 17.10 horas, na Estrada Nacional n.º ...01, quando conduzia o seu veículo automóvel, foi o mesmo embatido por um outro, que circulava em sentido contrário, por a respectiva condutora circular desatenta; e, por isso, ter transposto a linha longitudinal contínua que separava as duas hemi-faixas de rodagem, invadindo aquela em que ela própria circulava.
Mais alegou que, tendo sofrido diversas lesões físicas, intensas dores e pânico, de que derivaram sequelas definitivas (nomeadamente, dores residuais - na anca direita e na região lombar -, claudicação da marcha, dificuldade em carregar cargas superiores a 5 kg, cicatrizes e alterações de personalidade), ficou com um défice funcional permanente da integridade física e psíquica de 5 pontos, o que muito a desgosta, quando à data tinha 26 anos e era saudável.
Alegou ainda que, não só registou perdas salariais no período de inactividade que sucedeu ao acidente (discriminando umas e outro), como suportou despesas com deslocações, tratamentos médicos e aquisição de medicamentos, indo prolongar-se a necessidade de toma destes últimos ao longo de toda a sua vida (discriminando as ditas despesas).
Por fim, alegou demandar a Ré (EMP01..., S.A.) como seguradora do veículo automóvel colidente com aquele que ela própria conduzia.

1.1.2. Regularmente citada, a (EMP01..., S.A.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada de acordo com a prova produzida.
Alegou para o efeito, em síntese, que, não obstante assumir a responsabilidade pela produção do acidente de viação em causa nos autos, outro tanto não fazer em relação à indemnização dos danos invocados, cuja verificação impugnou, nomeadamente defendendo serem alguns deles pré-existentes (v.g. alterações degenerativas importantes na coluna vertebral e espondilotistese istémica).
Impugnou ainda especificadamente os rendimentos laborais alegados pela Autora (AA); e o ter a mesma ficado com algum défice funcional que fosse superior a 2 pontos.

1.1.3. Oficiosamente citado, o Instituto da Segurança Social, I.P. - Centro Distrital do ... contestou, pedindo que a Ré (EMP01..., S.A.) fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 15.811,22 (a título de concessão provisória de subsídio de doença e de prestação compensatória de subsídio de Natal, ambas previamente pagas por si à Autora).
Alegou para o efeito, em síntese, que tendo estado a Autora (AA) temporariamente incapacitada para o trabalho, em virtude do acidente de viação sofrido, lhe pagou ele próprio, por força da lei, as quantias que aqui reclama.
Mais alegou ter direito ao seu reembolso por parte da Ré (EMP01..., S.A.), como seguradora do veículo automóvel responsável pela produção do acidente de viação.

1.1.4. Quer a Autora (AA), quer a (EMP01..., S.A.), responderam à pretensão do Instituto da Segurança Social, I.P. - Centro Distrital do ....

1.1.4.1. A Autora (AA) defendeu assistir ao Instituto da Segurança Social, I.P. - Centro Distrital do ... o direito às quantias reclamadas; e manteve, sem qualquer alteração, o já por si alegado na petição inicial.

1.1.4.2. A (EMP01..., S.A.) defendeu já ter reembolsado o Instituto da Segurança Social, I.P. - Centro Distrital do ... de tudo a que o mesmo teria direito, isto é, o período de incapacidade registado pela Autora (AA) até 06 de Abril de 2020, por tudo o demais se dever aos prévios problemas de saúde que a mesma já registava antes do acidente (inexistindo, por isso, nexo de causalidade entre o período de incapacidade temporária para o trabalho reconhecido pelo Reclamante e as lesões resultantes do acidente em causa).

1.1.5. Foi proferido despacho: fixando o valor da causa em € 98.526,74; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); definindo o objecto do litígio e enunciando os temas da prova; e apreciando os requerimentos probatórios das partes (nomeadamente, deferindo a realização de uma perícia médico-legal na pessoa da Autora).

1.1.6. No decurso da audiência final, a Autora (AA) reduziu o seu pedido de condenação da Ré (EMP01..., S.A.) ao pagamento da indemnização global de € 65.000,00, o que foi aceite pela mesma e deferido depois pelo Tribunal a quo.

1.1.7. Concluída a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
V. Dispositivo:
Por tudo o exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré N. Seguros, S.A, no pagamento à Autora AA da quantia global de € 52 012,01 Euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, contados desde a data da presente sentença e até integral pagamento, absolvendo a Ré do demais contra ele peticionado.
Absolvo a Ré do pedido de reembolso deduzido pelo Instituto da Segurança Social.
*
Custas a cargo da Autora e da Ré, na proporção do respetivo decaimento.
Registe, notifique e dê baixa.
(…)»
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1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta decisão, a (EMP01..., S.A.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a sentença recorrida.
 
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1.ª - A ora Recorrente não se pode conformar com a douta sentença recorrida, uma vez que, esta, em primeiro lugar, não teve na devida conta a matéria de facto provada e posta à discussão.

2.ª - Em segundo lugar, os valores fixados como indemnização, a título de danos não patrimoniais e de dano biológico pelo défice funcional de 4 pontos, deveriam necessariamente ser inferiores aos que foram arbitrados pelo tribunal a quo.

3.ª - Quanto à matéria de facto provada, impõe-se a sua reapreciação, tendo em conta o exame pericial efetuado, a prova documental e prova testemunhal produzida.

4.ª - Assim, devem ser dados como não provados os factos n.ºs 28, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º e 52.º da matéria de facto provada e alterados os factos n.ºs 54.º, 55.º e 56.º dos factos provados com a seguinte redação:
“54º - A Autora, em tratamentos ocasionados por via do descrito acidente despendeu o montante de 252,00€, ou seja:
- em taxas moderadoras o montante de €20,50;
- em fisioterapia: €25,00;
- no Hospital EMP02..., em consultas de ortopedia e exames: €206,50.
55º - A Autora, por causa do acidente descrito nos autos, teve de se deslocar em viatura própria, a um custo médio por Km de 0,30€/Km, por não ter acessibilidade e ligações com os transportes públicos, às seguintes localidades:
- Por 2 vezes, para consultas e cirurgia ao Centro Hospitalar ..., encontrando-se este hospital distanciado da sua residência 65Km, percorrendo cerca de 130 Km, ida e volta, elevando-se o seu custo a 78,00€, ou seja, 65Km x 2 (ida e volta) x 2 vezes x 0,30€/Km.
- Por 1 vez, para tratamentos à EMP03..., em ..., encontrando-se esta Clinica distanciada da sua residência 3km, percorrendo 6Km, ida e volta, elevando-se o seu custo a 1,80€, ou seja, 3 Km x 2 (ida e volta) x 0,30€/Km.
- Por 4 vezes ao Centro de Saúde (USF), em ..., encontrando-se este serviço distanciado da sua residência 3 Km, percorrendo 6 Kms, ida e volta, elevando-se o seu custo a 7,20€, ou seja, 3 Km x 2 (ida e volta) x 4 vezes x0,30€/Km.
- Por 3 vezes ao Hospital EMP02..., encontrando-se estes Serviços distanciados da sua residência 47Km, percorrendo 94Km, ida e volta, elevando-se o seu custo a € 84,60€, ou seja, 47Km x 2 (ida e volta) x 3 vezes x 0,30€/Km.
- Por 1 vez, tratamentos na EMP04..., em ..., que se encontra distanciada da sua residência 3Km, pelo que percorreu 6km, ida e volta, elevando-se o seu custo a 1,80€, ou seja, 3 Km x 2 ida e volta x 0,30€/Km.
56º - Assim, nestas viagens, a Autora despendeu o montante de 84,60€, correspondente aos alegados 2.226Kms percorridos ao custo de 0,30€/ Km.”.

5.ª - O tribunal ignorou e não fez uma correta distinção relativamente aos danos decorrentes do acidente ocorrido em 04.01.2020 e aos danos que são decorrentes da patologia pré-existente da coluna, apresentando a Autora alterações degenerativas importantes, tendo, por essa razão sido submetida a intervenção cirúrgica, por artrodese, após o acidente, apesar de em nada estar relacionada com este.

6.ª - E, embora a sentença faça referência ao relatório pericial respeitante à perícia médico legal a que a Autora foi sujeita, fez constar como factos provados, facto oriundos da petição inicial, que estão em manifesta contradição com o relatório pericial e com a restante matéria de facto provada.

7.ª - Não obstante o valor probatório do relatório pericial seja da livre apreciação do tribunal, o julgador, por via de regra, não terá conhecimentos específicos de todas as matérias que se lhe deparam, e, neste caso, de medicina, pelo que o resultado da perícia médica terá sempre um carácter científico, devendo sobrepor-se à prova testemunhal, sendo certo, por outro lado, que o tribunal recorrido incorreu em alguma incongruência ou incorreção relativa à perícia realizada à pessoa da Autora, quando refere que o constante do relatório pericial é prova vinculada.

8.ª - Pelo que se impõe a alteração da matéria de facto provada.

9.ª - A ora Recorrente também discorda do montante indemnizatório atribuído a título de danos não patrimoniais e a título de dano biológico, por excessivos e desajustados à situação concreta.

10.ª - A Autora que, em consequência do acidente, ficou portadora de um défice funcional de 4 pontos, compatível com a profissão habitual, embora implique esforços acrescidos, não era saudável, e padecia de uma patologia grave da coluna lombar, tendo sido submetida a uma intervenção cirúrgica que em nada está relacionada com o acidente.

11.ª - Salvo o devido respeito, a sentença recorrida confunde o que são as sequelas e as limitações decorrentes do acidente e o que são as sequelas e as limitações que a Autora já tinha e tem decorrentes da patologia degenerativa importante da coluna.

12.ª - Sendo certo que as sequelas do acidente circunscrevem-se ao membro inferior direito, por dor à apalpação, sendo feita referência a agravamento da patologia lombar degenerativa, por dor residual lombar.

13.ª - Assim, no que respeita à indemnização atribuída pelos danos não patrimoniais, tendo em conta o período em que a Autora esteve com incapacidade, de cerca de 94 dias, o quantum doloris de 3/7, tendo a Autora tido alta no dia seguinte ao acidente, com indicação de repouso, a afetação das atividades física e de lazer de 2/7, e sem pretender ignorar as dores e incómodos sofridos pela Autora, e que se lamenta, a indemnização a título de danos não patrimoniais, nunca deveria ser superior ao montante de € 15.000,00.

14.ª - No que respeita ao valor indemnizatório atribuído a título de dano biológico, a indemnização fixada pelo tribunal recorrido é exagerada e não se coaduna com o que vem sendo fixado pelos tribunais superiores.

15.ª - O défice funcional de 4 pontos com que a Autora ficou afetada é compatível com a sua profissão habitual, embora implique esforços acrescidos, não se verificando qualquer perda do seu rendimento.

16.ª - Assim, tendo em conta as sequelas com que a Autora ficou afetada, que se circunscrevem ao membro inferior direito, com referência a dor residual lombar pelo agravamento da patologia degenerativa de que a Autora era portadora, e ao Défice Funcional Permanente de que ficou a padecer, nunca a compensação pelo dano biológico, seja qual for a sua vertente, possa ascender a um montante superior a € 20.000,00.
17.ª - Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida não fez uma apreciação criteriosa da prova produzida, ao dar como provados factos sem a devida sustentação probatória, tendo violado o disposto nos art.ºs 334.º, 503.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil.

18.ª - Deste modo, deve ser revogada a douta sentença recorrida, e proferido acórdão nos termos atrás expostos.
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1.2.2. Contra-alegações
O Autora (AA) contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso e se mantivesse integralmente a sentença recorrida.

Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

 I - A prova não deverá ser apreciada de forma isolada, como o faz a Recorrente, mas devidamente conjugada entre si, como o fez o Tribunal recorrido.

II - A douta sentença recorrida analisou criteriosamente os factos provados e decidiu de conformidade com os mesmos.

III - Deve por isso, ser negado provimento ao recurso e confirmar-se, na sua totalidade, a douta sentença recorrida, com as I:egafs consequências daí decorrentes,
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, do recurso de apelação interposto pela Ré (EMP01..., S.A.), 02 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque  

. a mesma não permitia que se dessem como demonstrados os factos provados enunciados na sentença recorrida sob o número 28 («À data do acidente, a Autora era saudável e de bom porte físico»), sob o número 46 («Por via do acidente a Autora sofreu intensas dores, quer as resultantes do impacto causado pelo acidente, quer as originadas pela intervenção cirúrgica hospitalar, quer pelos tratamentos a que foi sujeita por um período contínuo de 15 meses»), sob o número 47 («A Autora entrou em pânico pela clausura hospitalar, que teve de suportar, e por recear o seu não ? integral restabelecimento, como efectivamente veio a acontecer»), sob o número 48 («A Autora sente enorme desgosto por sentir que deixou, por força das enunciadas sequelas, de não poder realizar parte das suas atividades desportivas e de lazer»), sob o número 49 («A Autora sente enorme desgosto por, com 26 anos de idade, ter ficado portadora de dores, períodos de abatimento anímico, baixa autoestima, irritabilidade, impaciência, alterações do sono, quebras de humor e dependência da toma de medicamentos») e sob o número 52 («A Autora deixou de se poder dedicar às suas actividades domésticas e desportivas, como caminhadas, ciclismo e ginásio, o que representava um amplo e manifesto espaço de realização e gratificação pessoal»);

. e impunha uma outra redacção para os factos provados enunciados na sentença recorrida sob o número 54 (em vez de «A Autora, em tratamentos ocasionados por via do descrito acidente despendeu o montante de € 1.344,21», agora «A Autora, em tratamentos ocasionados por via do descrito acidente despendeu o montante de € 252,00», em ambos os casos com a discriminação concreta das despesas respectivas), sob o número 55 («A Autora, durante o período em que esteve doente, teve de se deslocar em viatura própria, a um custo médio por Km de 0,30€/Km, por não ter acessibilidade e ligações com os transportes públicos, às seguintes localidades», com a discriminação de um número menor delas) e sob o número 56 (em vez de «Nestas viagens, a BB despendeu o montante de € 667,80, correspondente aos alegados 2.226Kms percorridos ao custo de 0,30€/ Km», agora «Nestas viagens, a Autora despendeu o montante de € 84,60, correspondente aos alegados 2.226Kms percorridos ao custo de 0,30€/ Km)»?

2.ª -  Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, face ao prévio sucesso da impugnação de facto feita, mas também de forma independente dela), reduzindo-se os montantes indemnizatórios arbitrados a título de danos não patrimoniais (nomeadamente, dos € 20.000,00 concedidos para quantia não superior a € 15.000,00) e a título de dano biológico (nomeadamente, dos € 30.000,00 concedidos para quantia não superior a € 20.000,00)?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1.ª Instância
3.1.1. Factos Provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos (aqui apenas reordenados - lógica e cronologicamente, conforme a realidade histórica que é suposto retratarem [3] -, já que o Tribunal a quo os enumerou singelamente de acordo com a ordem dos articulados onde foram alegados, sem quaisquer expressões interlocutórias ou narrativas próprias apenas dos articulados [4] e/ou conclusivas [5], completado nos termos do art.º 607.º, n.º 4, II parte, aplicável, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC, e reidentificados):

1 - AA (aqui Autora) nasceu a .../.../1993, tendo, em .../.../2020, 26 anos de idade.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 27)

2 - A Autora (AA), antes de .../.../2020, sofria de patologia da coluna, apresentando alterações degenerativas importantes da mesma, entre outras patologias.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 58)

3 - Antes de .../.../2020, foi diagnosticada à Autora (AA) uma espondilolistese ístmica.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 59)

4 - No dia 4 de Janeiro de 2020, pelas 17.10 horas, na Estrada Nacional n.º ...01, no local em que constitui a Rua ..., na proximidade do número de polícia ...20, da freguesia ..., Concelho ..., circulavam:
o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca ..., com a matrícula ..-QG-.., propriedade da Autora (AA) e por ela conduzido;
e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-AE-.., propriedade de CC e por ela conduzido.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 1)

5 - A Rua ... estabelece a ligação entre Guimarães e ..., e vice-versa, por nela se operar o tráfego em ambos os sentidos.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 3)

6 - Na Rua ..., na proximidade do número de polícia ...20, a faixa de rodagem tem a largura de 7,30 metros.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 4)

7 - O seu eixo encontra-se definido por uma linha longitudinal contínua.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 5)

8 - A faixa de rodagem é ladeada por bermas.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 6)

9 - As bermas da Rua ... estão ladeadas por diversos tipos de edificações.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 7)

10 - A velocidade máxima permitida para o local era, como é, de 50 Km/hora.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 8)

11 - Na ocasião, o piso da Rua ..., em alcatrão, encontrava-se em bom estado de conservação e seco.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 9)

12 - A Rua ..., na proximidade do número de polícia ...20, desenvolve-se numa ligeira curva de boa visibilidade para a direita, atento o sentido ....
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 10)

13 - No dia 4 de Janeiro de 2020, o veículo automóvel de marca ..., com a matrícula ..-QG-.., circulava sobre a Rua ..., no sentido ..., a uma velocidade de cerca de 40/50 km/hora.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 11)

14 - O veículo automóvel de marca ..., com a matrícula ..-QG-.., circulava pela hemifaixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha, a cerca de meio metro de distância da correspondente berma.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 12)

15 - O veículo automóvel de marca ..., com a matrícula ..-QG-.., circulava sobre a mencionada curva que, atento o seu sentido de marcha, se desenvolvia para a sua direita.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 13)

16 - Em sentido contrário, e sobre a mesma Rua ..., circulava o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-AE-.., no sentido ....
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 14)

17 - A condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-AE-.., conduzia-o desatenta.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 25, expurgado de menções conclusivas)

18 - O veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-AE-.., descrevia a referida curva que, atento o seu sentido de marcha, se desenhava para a respectiva esquerda.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 15)

19 - A condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-AE-.., enquanto descrevia esta curva, perdeu o controle do mesmo.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 16)

20 - De forma repentina e inesperada, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-AE-.., alterou a sua trajetória da direita para a esquerda.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 17)

21 - O veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-AE-.., avançou sobre o eixo da via, definido pela linha longitudinal contínua.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 18)

22 - O veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-AE-.., invadiu a hemifaixa de rodagem esquerda.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 19)

23 - O veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-AE-.., prosseguiu a sua marcha por esta hemifaixa, em movimento da direita para a esquerda, atento o seu sentido de marcha.
 (facto enunciado na sentença recorrida sob o número 20)

24 - No sentido de marcha referido no facto anterior, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-AE-.., foi embater na frente do veículo automóvel de marca ..., com a matrícula ..-QG-.., que circulava nas preditas condições.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 21)

25 - O embate ocorreu sobre a hemifaixa de rodagem direita da referida Rua ..., atento o sentido ....
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 22)

26 - O embate ocorreu sensivelmente a meio desta hemifaixa de rodagem, por onde circulava o veículo automóvel de marca ..., com a matrícula ..-QG-.. e na proximidade do número de polícia ...20.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 23)

27 - A GNR do Posto Territorial de ... tomou conta da ocorrência e lavrou o correspondente auto.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 2)

28 - Em consequência do embate de veículos, a Autora (AA) sofreu traumatismo da região lombar e da anca direita.
(factos enunciados na sentença recorrida sob os números 24 e 33)

29 - A Autora (AA) foi prontamente assistida no serviço de urgência do Hospital ..., Guimarães, onde recebeu tratamento; e regressou a casa.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 34)

30 - Posteriormente, por sentir dores, a Autora (AA) deslocou-se ao serviço de Ortopedia do Hospital Geral de ..., no ...; e, depois de receber tratamento, foi encaminhada para a consulta externa do mesmo Hospital.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 35)

31 - Mais tarde, a Autora (AA) foi seguida pelos serviços Clínicos de EMP01..., S.A. (aqui Ré), onde permaneceu em tratamentos até 06 de Abril de 2020, data em que teve alta destes serviços.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 36)

32 - Por persistência de dores ao nível da anca e por lhe surgirem parestesias no membro inferior direito e dores lombares, a Autora (AA) efetuou vários exames à coluna lombar, tendo sido identificado espondilolisteris istímica L5-S1 com compressão das raízes L5.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 37)

33 - Em consequência da persistência das dores e por via dos exames efetuados, a Autora (AA) foi orientada para cirurgia; e, em 25 de Agosto de 2020, foi submetida a artrodese, no Centro Hospitalar ..., Hospital Geral de ..., ....
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 38)

34 - A Autora (AA) teve alta hospitalar em 28 de Janeiro de 2021; e continuou de baixa médica até 8 de Abril de 2021.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 39)

35 - A Autora (AA) apresenta as seguintes sequelas relacionáveis com o evento, no membro inferior direito: anca sem dismorfias; dor à apalpação da região trocantérica e da região glútea; sem amiotrofias da coxa, força muscular dos diferentes segmentos preservada; mobilidade passiva da anca sem limitação para a flexão, extensão, abdução, adução, rotação interna e externa; ROTs presentes e simétricos, sensibilidades preservadas.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 41)

36 - Por via destas sequelas, a Autora (AA) ficou com um Défice Funcional Permanente de integridade físico-psíquica de 4 pontos.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 41)

37 - Estas sequelas são compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, de enfermeira, mas implicam esforços suplementares.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 42)

38 - Em .../.../2020, a Autora (AA) era saudável e de bom porte físico.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 28)

39 - Em .../.../2020, a Autora (AA) praticava actividades de ginásio, caminhadas e ciclismo.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 29)

40 - Por via do acidente, a Autora (AA) sofreu intensas dores, quer as resultantes do impacto causado pelo embate de veículos, quer as originadas pela intervenção cirúrgica hospitalar, quer pelos tratamentos a que foi sujeita por um período contínuo de 15 meses.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 46)

41 - A Autora entrou em pânico pela clausura hospitalar, que teve de suportar e por recear o seu não integral restabelecimento, como efectivamente veio a acontecer.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 47)

42 -  A Autora (AA) sente enorme desgosto por sentir que deixou, por força das enunciadas sequelas, de não poder realizar parte das suas actividades desportivas e de lazer.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 48)

43 - A Autora (AA) sente enorme desgosto por, com 26 anos de idade, ter ficado portadora de dores, de períodos de abatimento anímico, de baixa autoestima, de irritabilidade, de impaciência, de alterações do sono, de quebras de humor e de dependência da toma de medicamentos.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 49)

44 - O seu quantum doloris é de 3 pontos, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 51)

45 - A Autora (AA) deixou de se poder dedicar às suas actividades domésticas e desportivas, como caminhadas, ciclismo e ginásio, o que representava um amplo e manifesto espaço de realização e gratificação pessoal.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 52)

46 - A repercussão permanente na actividades de afirmação pessoal e de lazer da Autora (AA) é valorizável em 2 pontos, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 53)

47 - A Autora (AA), à data do acidente, exercia a actividade de enfermeira no Hospital Geral de ..., no ..., com sede no Largo ..., da qual auferia:
• o vencimento mensal de € 1.201,48, a que acresciam os subsídios de Natal e férias, de igual montante; e, ainda,
• o subsídio de alimentação mensal de € 109,71;
o trabalho suplementar (diurno e noturno) em média mensal de € 387,00.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 30)

48 - A Autora (AA), à data do acidente, prestava serviços de enfermagem no Hospital EMP05..., S.A., da qual extraía, em média mensal, o valor líquido de € 250,00.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 31)

49 - A Autora (AA), até à data do acidente, auferia, do exercício da sua atividade de enfermagem, o rendimento global anual no montante de € 25.351,22 (conforme demonstração de liquidação pela Autoridade Tributária, relativa ao ano de 2019).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 32)

50 - O período de Repercussão Temporária na actividade profissional Total foi de 94 dias, desde a data do acidente (.../.../2020) até 06 de Abril de 2020.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 43)

51 - Neste período de tempo (.../.../2020 até 06 de Abril de 2020), a Autora (AA) não recebeu qualquer salário ou subsídio das suas identificadas Entidades Patronais.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 44)

52 - Neste referido período (.../.../2020 até 06 de Abril de 2020) a Autora (AA) recebeu da Segurança Social a quantia € 18.991,55.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 45)

53 - O Instituto da Segurança Social, I.P. pagou à Autora (AA) as seguintes quantias:
• € 15.104,22, a título de subsídio de doença nos períodos de 04 de Abril de 2020 a 08 de Abril de 2021;
• € 707,00, a título de prestação compensatória de subsídio de natal de 2020.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 61)

54 - A Autora (AA), em tratamentos ocasionados por via do descrito acidente, despendeu o montante de € 1.344,21, ou seja:
• em medicamentos, o montante de € 46,21;
• em taxas moderadoras, o montante de € 20,50.
• na EMP03... - em fisioterapia, o montante de € 445,00, e em consultas de psicologia, o montante de € 140,00;
• no Hospital EMP02..., SA, em consultas de ortopedia e exames o montante de € 157,50.
• na EMP04..., em consultas de medicina física e de reabilitação, exames e tratamento cinesiterapia, hidrocinesiterapia, cinisiterapia vertebral e massagens, o montante de € 535,00.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 54)

55 - A Autora (AA), durante o período em que esteve doente, teve de se deslocar em viatura própria, a um custo médio por Km de 0,30€/Km, por não ter acessibilidade e ligações com os transportes públicos, às seguintes localidades:
• por 10 vezes, para consultas e cirurgia ao Centro Hospitalar ..., encontrando-se este hospital distanciado da sua residência 65Km, percorrendo cerca de 130 Km, ida e volta, elevando-se o seu custo a € 390,00 (ou seja, 65Km x 2 - ida e volta - x 10 vezes x 0,30€/Km);
• por 22 vezes, para tratamentos e consultas à EMP03..., em ..., encontrando-se esta clínica distanciada da sua residência 3km, percorrendo 6Km, ida e volta, elevando-se o seu custo a € 39,60 (ou seja, 3 Km x 2 - ida e volta - x 22 vezes x 0,30€/Km);
• por 4 vezes ao Centro de Saúde (USF), em ..., encontrando-se este serviço distanciado da sua residência 3 Km, percorrendo 6 Kms, ida e volta, elevando-se o seu custo a € 7,20 (ou seja, 3 Km x 2 - ida e volta - x 4 vezes x 0,30€/Km);
• por 5 vezes ao Hospital EMP02..., encontrando-se estes Serviços distanciados da sua residência 47Km, percorrendo 94Km, ida e volta, elevando-se o seu custo a € 141,00 (ou seja, 47Km x 2 - ida e volta - x 5 vezes x 0,30€/Km);
• por 50 vezes, para consultas e tratamentos na EMP04..., em ..., que se encontra distanciada da sua residência 3Km, pelo que percorreu 6km, ida e volta, elevando-se o seu custo a € 90,00 (ou seja, 3 Km x 2 ida e volta x 50 vezes x 0,30€/Km).
(factos enunciados na sentença recorrida sob os números 55 e 56)

56 - Nas viagens referidas no facto anterior, a Autora (AA) despendeu o montante global de € 667,80, correspondente a 2.226Kms percorridos, ao custo de 0,30€/ Km.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 56)

57 - Em .../.../2020, a proprietária do veículo automóvel ligeiro e passageiros, com a matrícula ..-AE-.., tinha transferida para a Ré (EMP01..., S.A.) a responsabilidade civil emergente da circulação do mesmo, através do contrato de seguro titulado pela Apólice nº. ...02.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 57)

58 - A Ré (EMP01..., S.A.) já assumiu a responsabilidade na produção do acidente.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 26)

59 - A Ré (EMP01..., S.A.) já reembolsou a importância de € 3.180,33 ao Instituto da Segurança Social, I.P., do valor por ele pago à Autora (AA).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 60)
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3.1.2. Factos não provados
Na mesma decisão, o Tribunal de 1.ª Instância não considerou quaisquer factos como não provados.
*
3.2. Modificabilidade da decisão de facto
3.2.1. Incorrecta apreciação da prova legal - Poder (oficioso) do Tribunal da Relação
Lê-se no art.º 607.º, n.º 5, do CPC, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no CC, nos seus art.º 389.º (para a prova pericial), art.º 391.º (para a prova por inspecção) e art.º 396.º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do n.º 5, do art.º 607.º, do CPC citado).

Mais se lê, no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (art.ºs 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CC), ou quando exista acordo das partes (art.º 574.º, n.º 2, do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art.º 358.º, do CC, e art.ºs 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos art.ºs 351.º e 393.º, ambos do CC).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
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3.2.2. Incorrecta livre apreciação da prova
3.2.2.1. Âmbito da sindicância (provocada) do Tribunal da Relação
Lê-se no n.º 2, als. a) e b), do art.º 662.º, do CPC, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art.º 662.º representa uma clara evolução [face ao art.º 712.º do anterior CPC] no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413.º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, págs. 29 e segs.).
*
3.2.2.2. Modo de operar o duplo grau de jurisdição - Ónus de impugnação
Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art.º 640.º, n.º 1, do CPC, que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a), do n.º 2, do art.º 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c), do n.º 1, do art.º 640.º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor [6] enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional (art.º 205.º, n.º 1, da CRP) e processual civil (art.ºs 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1).
Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655).
«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325).
 «Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).
É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 595, com bold apócrifo).
Compreende-se que assim seja, isto é, que a «censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não» possa «assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão» (Ac. do TC n.º 198/2004, de 24 de Março de 2004, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, reproduzindo Ac. da RC, sem outra identificação).

De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Contudo (e tal como se referiu supra), mantendo-se em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, precisa-se ainda que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. 
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 609).
*
3.2.2.3. Caso concreto (cumprimento do ónus de impugnação)
Concretizando, considera-se que a Ré (EMP01..., S.A.) cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, do CPC (conclusão distinta de saber se existe fundamento para a pretendida alteração dos factos julgados como provados).

Com efeito, indicou, no corpo das alegações e nas conclusões do seu recurso: os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados (os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 28.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º, 52.º, 54.º, 55.º e 56.º); os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente (uma diferente ponderação da prova pericial e da prova testemunhal produzidas os autos); as exactas passagens das gravações dos depoimentos seleccionados para fundar a sua sindicância; e a decisão que, no seu entender, se impunha (o darem-se como não provados os factos sindicados, na sua totalidade os enunciados na sentença sob os números 28.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º e 52.º, e parcialmente os aí enunciados sob os números 54.º, 55.º e 56.º).

Já relativamente ao juízo crítico próprio, a (EMP01..., S.A.) assentou o mesmo na reclamação de uma diferente valoração a fazer da prova pericial e, sobretudo, do depoimento prestado pela testemunha DD (médico, trabalhador de empresa prestador de serviços para a Ré).
Recorda-se, a propósito, que os art.ºs 640.º, n.º 1, al. b), e 662.º, n.º 1, do CPC afirmam inequivocamente que a matéria de facto previamente julgada deverá ser alterada quando a prova produzida imponha decisão diversa da recorrida, e não apenas quando a admita, permita ou consinta. Ora, para esse efeito, o recorrente terá que contrariar a apreciação crítica da prova realizada pelo Tribunal a quo, demonstrando e justificando por que razão as regras da lógica e da experiência por ele seguidas não se mostrariam razoáveis no caso concreto, conduzindo a um resultado inadmissível, por não sufragado por elas.
Por outras palavras, admitindo-se necessariamente que o Tribunal a quo ouviu integralmente os depoimentos, e consultou criteriosamente o relatório pericial e os esclarecimentos depois prestados pelo respectivo autor, certo é que fez dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face à demais prova produzida e às regras da experiência. Assim, pretendendo o recorrente sindicar este juízo, importará que indique as razões objectivas pelas quais entende que à prova que seleccionou (já antes vista e apreciada pelo Tribunal a quo) deveria ter sido dada outra relevância, o que a simples reiteração do seu conteúdo, e a reclamação conclusiva da respectiva suficiência, é claramente inidónea para este efeito.
Ora, no caso dos autos, a Ré (EMP01..., S.A.) recorrente fê-lo de forma correcta.
Assim, está este Tribunal da Relação em condições de poder proceder, nos termos autorizados pelo art.º 640.º do CPC, à reapreciação da matéria de facto sindicada pela Ré (EMP06... - Companhia de Seguros, S.A.).
*
3.3. Modificabilidade da decisão de facto - Caso concreto
3.2.1. Consequências físicas e psíquicas resultantes do acidente de viação para a Autora
Veio a Ré (EMP01..., S.A.) defender que a prova produzida não permitia que se dessem como provadas todas as consequências para a integridade física e psíquica da Autora (AA) que o Tribunal a quo considerou, nomeadamente atenta a sua prévia condição de portadora de doença degenerativa da coluna vertebral.
Esta matéria encontra-se vertida nos factos provados enunciados na sentença, recorrida sob o número 28 («À data do acidente, a Autora era saudável e de bom porte físico»), sob o número 46 («Por via do acidente a Autora sofreu intensas dores, quer as resultantes do impacto causado pelo acidente, quer as originadas pela intervenção cirúrgica hospitalar, quer pelos tratamentos a que foi sujeita por um período contínuo de 15 meses»), sob o número 47 («A Autora entrou em pânico pela clausura hospitalar, que teve de suportar, e por recear o seu não ? integral restabelecimento, como efectivamente veio a acontecer»), sob o número 48 («A Autora sente enorme desgosto por sentir que deixou, por força das enunciadas sequelas, de não poder realizar parte das suas actividades desportivas e de lazer»), sob o número 49 («A Autora sente enorme desgosto por, com 26 anos de idade, ter ficado portadora de dores, períodos de abatimento anímico, baixa autoestima, irritabilidade, impaciência, alterações do sono, quebras de humor e dependência da toma de medicamentos») e sob o número 52 («A Autora deixou de se poder dedicar às suas actividades domésticas e desportivas, como caminhadas, ciclismo e ginásio, o que representava um amplo e manifesto espaço de realização e gratificação pessoal»).
Invocou para o efeito uma outra valoração da prova pericial, do depoimento prestado pela testemunha EE (médico, trabalhador de empresa que lhe presta serviços) e de demais factos provados.

Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pela Recorrente (Ré).
Assim, ponderou a mesma para este efeito (com bold apócrifo, aposto nos segmentos que se consideraram mais relevantes):
«(…)
Em sede de prova testemunhal, na parte dos danos que não demanda um juízo cientifico, louvou-se o tribunal no depoimento da testemunha FF, marido da autora, que descreveu que esta era bastante ativa, que ambos gostam do desporto, aliás, ele é professor de educação física, faziam caminhadas, iam habitualmente ao ginásio, andavam de bicicleta, corriam, atividades que a mesma tem muito mais dificuldade em concretizar, só faz hidroginástica e pilates clínico.
(…)
Na mesma linha, a testemunha GG, enfermeira, foi colega de trabalho da autora e amiga, que explicou que antes do acidente, a autora era independente, saiam, jantavam, passeavam, a autora fazia ginásio, atividades que foram afetadas com o acidente. Explicou que a autora deixou de fazer algumas atividades, pois até a tipologia de férias passou a estar condicionada, reportando que numa ida a ..., a autora não pode ir ao deserto nem subir as dunas para ver o nascer do sol. A autora agora tem limitações, não pode fazer caminhadas, não pode carregar pesos, mobilizar doentes.
(…)
Foi absolutamente decisiva a perícia realizada nos autos, materializada no relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito civil, o qual concluiu que a autora apresenta as seguintes sequelas relacionáveis com o evento: Membro inferior direito: anca sem dismorfias; dor à apalpação da região trocantérica e da região glútea; sem amiotrofias da coxa, força muscular dos diferentes segmentos preservada; mobilidade passiva da anca sem limitação para a flexão, extensão, abdução, adução, rotação interna e externa; ROTs presentes e simétricos, sensibilidades preservadas.
Tal relatório concluiu ainda que, por via destas sequelas a A. ficou com um Défice Funcional Permanente de integridade físico-psíquica de 4 pontos, sequelas essas que, em termos de rebate na atividade profissional da autora, são compatíveis com o exercício da sua atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
Também se considerou nesse relatório que a data da consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 06/04/2020, que o período de Repercussão Temporária na Atividade profissional Total foi de 94 dias, desde a data do acidente (4-01-2020) até 6/04/2020.
Foi atribuído à autora um quantum doloris de 3 pontos, numa escala de 7 graus de gravidade crescente e uma repercussão permanente nas atividades de afirmação pessoal e de lazer valorizável em 2 pontos, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, afirmando-se claramente não existir dano estético, não existir repercussão permanente na atividade sexual e não haver necessidade de ajudas medicamentosas permanentes.
O relatório pericial é ainda bem claro quando afirma que, apesar do diagnostico de retrolistese e anterolistese lombar, que configuram patologias de natureza degenerativa, considerou-se que o traumatismo terá agravado a patologia pré-existente, na medida da incapacidade que foi atribuída à autora.
Em sede de esclarecimentos escritos, o Exmo. Perito acrescenta: “considerando a dinâmica do acidente (choque frontal), e apresentando a examinada na data da realização da perícia queixas a nível lombar, sendo estas queixas passiveis de se terem agravado na sequencia do traumatismo, foi atribuída a respetiva valorização de acordo com o constante no relatório pericial. Tendo o parâmetro da atribuição na repercussão das atividades desportivas e de lazer em consideração as sequelas de que a examinada é portadora na sequencia do traumatismo e as queixas que apresenta (diminuição da frequência das idas ao ginásio), considera o perito que, considerando os elementos do nexo de causalidade, é de admitir que essas sequelas limitem numa escala de 2 em 7 graus de gravidade crescente a frequência do ginásio por parte da examinada, visto que a dor a impossibilita de realizar os exercícios da mesma forma que realizava antes. Neste parâmetro foi avaliado apenas a repercussão das sequelas, e não a contribuição da patologia degenerativa para o desempenho dessas tarefas”.
Após insistência da Ré, o Exmo. perito prestou novos esclarecimentos onde consignou: “Tal como referido anteriormente, o perito apenas se pronunciou sobre a repercussão das sequelas resultantes do acidente nas atividades desportivas e de lazer que a examinada desempenharia previamente ao acidente, não fazendo parte da avaliação pericial pronunciar-se sobre tal repercussão antes do acidente. Deste modo, mesmo considerando as limitações degenerativas presentes a nível da coluna lombar previamente ao acidente, tal não interfere com a avaliação e pontuação atribuída pelo perito relativamente a este paragrafo de dano permanente, mantendo o perito, tal como já referido, a avaliação antes proposta”.
Ora, a questão de saber se existe ou não nexo de causalidade entre o acidente e o agravamento da patologia-pré-existente da coluna lombar, é matéria sujeita a prova vinculada, só pode ser provada por perícia, razão pela qual nenhum relevo probatório foi atribuído à testemunha indicada pela ré, DD, Médico, prestador de serviços da EMP07... que, por sua vez, presta serviços à N Seguros, que avaliou a autora numa consulta de dano corporal, na parte em que pretendeu infirmar as conclusões da perícia.
(…)»

Ora, ouvida integralmente toda a prova pessoal produzida em sede de audiência de julgamento, e consultado o resultado da prova pericial produzida (relatório inicial e sucessivos esclarecimentos prestados sobre ele), afirma-se desde já que apenas se sufraga parcialmente o juízo de prova do Tribunal a quo.
*
Com efeito, e quanto ao facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 28 («À data do acidente, a Autora era saudável e de bom porte físico»), tendo ficado igualmente aí provado, nos factos enunciados sob os números 58 e 59, que a Autora, (AA) antes do acidente, já sofria de patologia da coluna, apresentando nomeadamente alterações degenerativas da mesma, tendo-lhe ainda sido diagnosticada uma espondilolistese ístmica [7], não poderá aquele primeiro manter-se com a sua redacção actual.
Assim, e sem necessidade de outras considerações, o facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 28 passará a constar do mesmo elenco com a seguinte redacção:

«28 - À data do acidente, e excluindo as patologias da coluna vertebral de que já sofria, a Autora era saudável e de bom porte físico».
*
Prosseguindo, e considerando agora os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 46, 47, 48, 49 e 52, verifica-se que nos mesmos se imputa indiferenciadamente ao acidente de viação em causa nos autos todas as alterações físicas e psíquicas que a Autora (AA)  registou desde .../.../2020 (dia da sua verificação) até 08 de Abril de 2021 (data em que definitivamente regressou ao trabalho, após a intervenção cirúrgica à coluna vertebral a que foi sujeita e a recuperação que se lhe seguiu).
Contudo, e como correctamente o apontou a Recorrente (EMP01..., S.A.), essa conclusão mostra-se desconforme com demais factos provados, nomeadamente na sequência da valorização do relatório pericial junto aos autos, o qual, não consubstanciando qualquer prova vinculada - mas sim sujeita à apreciação do julgador - não deixa neste domínio de ser considerado de forma especial.
*
Com efeito, e em breve parêntesis, recorda-se que a «força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal» (art.º 389.º, do CC); e que a «segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal» (art.º 489.º, do CPC).
Parte-se, assim, «do princípio de que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso frequente de divergência entre os peritos» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 583).
Pondera-se, a propósito, que «o juiz, colocado, como está, num posto superior de observação, tendo em volta de si todo o material de instrução, todas as prova produzida, pode e deve exercer sobre elas as suas faculdades de análise crítica; e bem pode suceder que as razões invocada pelos peritos para justificar o seu laudo não sejam convincentes ou sejam até contrariadas e desmentidas por outras provas constantes dos autos ou adquiridas pelo tribunal» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, Coimbra Editora, págs. 183 e 184).
Precisa-se, porém, que, se por força desse princípio da livre convicção, o juiz não está obrigado a acatar as conclusões retiradas da perícia, também não pode deixar de entender-se que terá de justificar tal entendimento, rebatendo os argumentos nela expostos.
Com efeito, uma coisa será uma perícia para constatação de factos, os quais podem eventualmente ser confirmados e/ou refutados por outros elementos de prova; outra, bem diferente, será o caso de uma perícia destinada a exprimir um juízo técnico, científico ou artístico, o qual, pela sua própria natureza, só poderá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza, ou seja, de ordem técnica, científica ou artística; e com sujeição aos mesmos métodos (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 262-263, com bold apócrifo).
Logo, o «juiz, querendo responder, num certo sentido, a determinados pontos de facto controvertidos, relativamente aos quais o relatório pericial inculca uma resposta diferente, deverá naturalmente analisar criticamente as restantes provas (…) e mostrar, até certo ponto, que as razões invocadas pelos peritos para lograr determinadas respostas não são convincentes à luz do quadro mais geral de certas provas, que terão inculcado na mente do julgador uma diferente convicção» (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 560) [8].
Deverá, assim, reconhecer-se à prova pericial um significado probatório diferente do de outros meios de prova (maxime, da prova testemunhal); mas, se em abstracto, se concede que nem sempre a razão estará do lado do maior número, há que igualmente admitir a possibilidade de um perito ser induzido em erro [9].
*
Dito, e regressando ao caso concreto, verifica-se que no relatório pericial junto aos autos, de que nesta parte a Ré não diverge, se fixou o dia 06 de Abril de 2020 como data da consolidação médico-legal das lesões [10] sofridas pela Autora (AA) em consequência do acidente de viação por ela registado em .../.../2020; e isto sem prejuízo do conhecimento e ponderação que ali se fez das prévias patologias degenerativas da sua coluna vertebral, bem como das sequelas que, não obstante aquela consolidação médico-legal das lesões, ficou a sofrer [11].
A referida data marca, assim, o momento a partir do qual se considerou que as lesões sofridas pela Autora (AA) em consequência do dito acidente de viação atingiram o grau máximo de recuperabilidade; e, assim, se compreende que, não tendo as ditas lesões obtido reparabilidade total, se definissem então as respectivas sequelas (isto é, as consequências anatómicas e/ou funcionais que permaneceram depois de completada a evolução clínica daquele acidente traumático).
Ora, tendo este juízo pericial sido inclusivamente vertido nos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 36 e 43 [12], tendo o Tribunal a quo valorizado indiscutivelmente a prova pericial (chegando, incorrectamente, a apelidá-la de «vinculada»), tendo inclusivamente justificado assim a improcedência do pedido  formulado pelo Instituto de Segurança Social, I.P. - Centro Distrital do ... [13], não deveria depois ter-se afastado da mesma, considerando como consequências do acidente lesões, intervenções/tratamentos ou sequelas que extravasam aquele juízo.
Estão, necessariamente, neste âmbito:

. as intensas dores «originadas pela intervenção cirúrgica hospitalar» a que foi sujeita em 25 de Agosto de 2020 à coluna vertebral, e pelos «tratamentos por um período contínuo de 15 meses a que foi sujeita», já que a dita intervenção e os subsequentes tratamentos foram exigidos pelas patologias degenerativas e fractura que previamente aí registava, assim se compreendendo que não influenciassem a prévia data de consolidação médico-legal referida antes, nem surgissem identificadas no mesmo relatório pericial - elaborado depois, em 08 de Novembro de 2022 - como sequelas do acidente, mas antes como estando excluídas do seu âmbito [14] (facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 46); 

. o «pânico» em que a Autora (AA) entrou «pela clausura hospitalar, que teve de suportar, e por recear o seu não integral restabelecimento, como efectivamente veio a acontecer», uma vez que, de .../.../2020 (data do acidente) até 06 de Abril de 2020 (data de consolidação médico-legal das lesões), a Autora não foi sujeita a qualquer internamento hospitalar (facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 47); 

. e os «períodos de abatimento anímico, baixa autoestima, irritabilidade, impaciência, alterações do sono, quebras de humor e dependência da toma de medicamentos» registados pela Autora (AA), no final dos quinze meses exigidos pelo seu definitivo regresso ao trabalho, uma vez que nada se refere no relatório pericial (de 08 de Novembro de 2022), sobre tais queixas (que seria expectável que a Autora, como enfermeira, melhor identificasse e seguramente referisse), e/ou sobre a imputação das mesmas ao acidente de viação em causa (facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 49). 

Assim, e sem necessidade de outras considerações, os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 46, 47 e 49 passarão a constar do mesmo elenco e do elenco dos factos não provados (aqui, identificados por letras do alfabeto), com a seguinte redacção:

«46 - Por via do acidente, a Autora sofreu intensas dores, resultantes do impacto causado pelo acidente».
«al. a) Por via do acidente, a Autora sofreu intensas dores, originadas pela intervenção cirúrgica hospitalar e pelos tratamentos a que foi sujeita por um período contínuo de 15 meses».

«al. b) Por via do acidente, a Autora entrou em pânico pela clausura hospitalar, que teve de suportar, e por recear o seu não integral restabelecimento, como efectivamente veio a acontecer».


«49 - A Autora sente enorme desgosto por, com 26 anos de idade, ter ficado portadora de dores».
«al. c) A Autora sente enorme desgosto por, com 26 anos de idade, ter períodos de abatimento anímico, baixa autoestima, irritabilidade, impaciência, alterações do sono, quebras de humor e dependência da toma de medicamentos».
*
De outro modo, porém, se terá que decidir (e aqui de forma conforme com o Tribunal a quo, porque este último de forma conforme com o relatório pericial citado) quanto às demais dores sofridas pela Autora (AA) e àquelas outras que a acompanharão em termos de sequelas, e que determinaram uma alteração das suas actividades domésticas e desportivas (como caminhadas, ciclismo e ginásio).
Com efeito, lê-se, expressa e assertivamente, no dito relatório pericial:
«(…)

B. EXAME OBJETIVO
(…)
2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento
- Membro inferior direito: anca sem dismorfias; dor à palpação da região troncantérica e da região glútea; sem amiotrofias da coxa; força muscular dos diferentes segmentos preservados; mobilidade passiva da anca sem limitações para a flexão, extensão, abdução, adução, rotação interna e externa; ROTs presentes e simétricos; sensibilidades preservadas.
(…)
DISCUSSÃO
2. Considerando o diagnóstico de retrolistese e anterolistese lombar (que se tratam de patologias de natureza degenerativa), considerou-se que o traumatismo terá agravado esta patologia, na medida da incapacidade descrita adiante.
(…)
5. No âmbito do período de danos permanentes são valorizáveis, entre os diversos parâmetros de danos, os seguintes:
(…)
- Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer (corresponde à impossibilidade estrita e específica para a vítima de se dedicar a certas actividades lúdicas, de lazer e de convívio social, que exercia de forma regular e que para ela representavam um amplo e manifesto espaço de realização e gratificação social). É fixável no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta os seguintes aspetos: a diminuição da frequência de idas ao ginásio. 
(…)»
Logo, tendo previamente excluído do âmbito das lesões provocadas pelo acidente de viação as patologias degenerativas da coluna vertebral de que a Autora (AA) já sofria antes, bem como a intervenção cirúrgica depois exigida pelo seu tratamento (e todos os subsequentes, de recuperação), não deixou o Perito Médico-Legal de afirmar inequivocamente que o «traumatismo da região lombar e da anca direita» - em «consequência do embate» (conforme facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 33, não sindicado)  - agravaram a pré-existente patologia; e, por isso, dever esse agravamento (e não aquela pré-existente patologia) ser valorizado em termos de sequelas, nomeadamente ao nível de acrescida dor que importou para a Autora (AA).

Este mesmo entendimento seria depois reafirmado e explicitado nos esclarecimentos complementares do Perito Médico-Legal (prestados sempre a pedido da Ré (EMP01..., S.A.), numa defesa reiterada de que aquelas alterações - de práticas domésticas e desportivas - se deveriam às pré-existentes patologias de coluna vertebral, e não às lesões resultantes do acidente).
Com efeito, lê-se, expressa e assertivamente, nos ditos esclarecimentos:
«(…)
3. a 8. Considerando a dinâmica do acidente (choque frontal), e apresentando a examinada na data da realização da perícia queixas a nível lombar, sendo estas queixas passíveis de se terem agravado na sequência do traumatismo, foi atribuída a respetiva valorização de acordo com o constante no relatório pericial.

9. a 13. Tendo o parâmetro da atribuição na repercussão das atividades desportivas e de lazer em consideração as sequelas que a examinada é portadora na sequência do traumatismo e as queixas que apresenta (diminuição da frequência das idas ao ginásio), é de admitir que essas sequelas limitem numa escala de 2 em 7 graus de gravidade crescente a frequência do ginásio por parte da examinada, visto que a dor a impossibilita de realizar os exercícios da mesma forma que realizava antes. Neste parâmetro foi avaliado apenas a repercussão das sequelas, e não a contribuição da patologia degenerativa para o desempenho dessas tarefas…
(…)
10. e 11. Tal como referido anteriormente, o perito apenas se pronunciou sobre a repercussão das sequelas resultantes do acidente nas atividades desportivas e de lazer que a examinada desempenharia previamente ao acidente, não fazendo parte da avaliação pericial pronunciar-se sobre tal repercussão antes do acidente. Deste modo, mesmo considerando as limitações degenerativas presentes a nível da coluna lombar, previamente ao acidente, tal não interfere que a avaliação e a pontuação atribuída pelo perito relativamente a este parâmetro de dano permanente, mantendo o perito , tal como já referido, a avaliação anteriormente proposta.
(…)»

Ora, a testemunha EE - médico, e que apenas contactou com a Autora (AA) numa única consulta de dano corporal -, discordando do entendimento exposto, radica o seu contrário entendimento sobretudo na natureza de doenças degenerativas das prévias retrolistese e anterolistese de que a Autora padecia (o que, recorda-se, o relatório pericial igualmente faz); e, por isso, recusa que pudessem impactar ou contribuir, por qualquer modo, para as sequelas registadas depois dele.
Não chega, porém, e salvo o devido respeito por opinião contrária, a contrariar de forma fundada a diferente conclusão do Perito Médico-Legal, isto é, que o trauma da região lombar (verificado no acidente de viação em causa) agravou aquela prévia patologia, nomeadamente em termos de produção de dor, dor esta incapacitante para a prática de certas actividades, o que antes não se verificava.
Face ao exposto, considerando ainda a especialização médica de um e outro (beneficiando o autor do relatório pericial de uma formação acrescida em avaliação de dano corporal, como é próprio da medicina legal de que é perito) e a presunção de maior isenção (que, novamente, beneficia autor do relatório pericial), não se vê razão para se divergir aqui do juízo do Tribunal a quo.

Assim, e sem necessidade de outras considerações, os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 48 e 52 permanecerão inalterados, isto é, continuam no elenco dos factos provados, com a seguinte redacção:

«48 - A Autora sente enorme desgosto por sentir que deixou, por força das enunciadas sequelas, de não poder realizar parte das suas actividades desportivas e de lazer».

«52 - A Autora deixou desse poder dedicar às suas actividades domésticas e desportivas, como caminhadas, ciclismo e ginásio, o que representava um amplo e manifesto espaço de realização e gratificação pessoal».
*
3.2.2. Despesas com tratamentos e deslocações ocasionadas pelo acidente de viação
Veio, ainda, a Ré (EMP01..., S.A.) defender que a prova produzida não permitia que se desse como provada a realização de todas as despesas de tratamento e de deslocação invocadas pela Autora (AA) como tendo sido originadas pelo acidente de viação que sofreu; e, por isso, defendeu que se teria que excluir desse juízo todas as despesas reportadas a momento posterior à consolidação médico-legal das respectivas lesões (isto é, 06 de Abril de 2020).
Propôs, assim, uma nova redacção para os factos provados enunciados na sentença, recorrida sob o número 54 (em vez de «A Autora, em tratamentos ocasionados por via do descrito acidente despendeu o montante de € 1.344,21», agora «A Autora, em tratamentos ocasionados por via do descrito acidente despendeu o montante de € 252,00», em ambos os casos com a discriminação concreta das despesas respectivas), sob o número 55 («A Autora, durante o período em que esteve doente, teve de se deslocar em viatura própria, a um custo médio por Km de 0,30€/Km, por não ter acessibilidade e ligações com os transportes públicos, às seguintes localidades», com a discriminação de um número menor delas) e sob o número 56 (em vez de «Nestas viagens, a BB despendeu o montante de € 667,80, correspondente aos alegados 2.226Kms percorridos ao custo de 0,30€/ Km», agora «Nestas viagens, a Autora despendeu o montante de € 84,60, correspondente aos alegados 2.226Kms percorridos ao custo de 0,30€/ Km)».
Reiterou para o efeito todas as considerações já antes expendidas quanto ao nexo de causalidade entre o acidente de viação, as lesões verificadas após o mesmo e as sequelas registadas; e, por isso, uma diferente consideração dos documentos juntos aos autos, relativos quer aos tratamentos médicos que beneficiaram a Autora, quer às deslocações por esta efectuadas.

No juízo de prova vertido na sentença recorrida, verifica-se, a este propósito, que na mesma se ponderou (com bold apócrifo, aposto nos segmentos que se consideraram mais relevantes):
«(…)
Os documentos ...0 a ...6, documentam os tratamentos médicos que a autora suportou desde a data do acidente até 08/04/2021, tendo-se ainda em conta a documentação clínica de fls. 87 a 93 e 102 a 135; (…).
Os documentos ...9 a ...1 consubstanciam comprovativos de despesas suportadas pela autora conexionadas com o acidente.
(…)»

Ora, compulsados os documentos referidos, afirma-se desde já que apenas se sufraga parcialmente o juízo de prova do Tribunal a quo.
*
Com efeito, e apelando a quanto se deixou já dito antes, tendo a Autora (AA) obtido alta clínica das lesões originadas pelo acidente de viação em causa em 06 de Abril de 2020, não ficando certificada (nomeadamente, no relatório pericial) a necessidade de quaisquer tratamentos médicos ou medicamentosos em data posterior, só poderão ser consideradas as despesas tidas com os ditos tratamentos até então.
A estas se reportam os documentos juntos com a petição inicial sob os n.ºs 33, 34, 35, 36, 37, 47, 52, 53, 54, 63 e 69, no valor global de € 252,00 (e não também os documentos igualmente aí juntos sob os n.ºs 29, 30, 31, 32, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 48, 49, 50, 51, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 64, 65, 67 e 68).

Assim, e sem necessidade de outras considerações, o facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 54 passará a constar do mesmo elenco com a seguinte redacção:

«54 - A Autora (AA), em tratamentos ocasionados por via do descrito acidente, despendeu o montante de € 252,00, ou seja:
• em taxas moderadoras, o montante de € 20,50;
• na EMP03... - em fisioterapia, o montante de € 25,00;
• no Hospital EMP02..., SA, em consultas de ortopedia e exames, o montante de € 206,50».
*
Relativamente às despesas exigidas por deslocações a estabelecimentos de saúde, reitera-se naturalmente o mesmo juízo: só poderão ser consideradas as realizadas até 06 de Abril de 2020.
Logo, apenas se poderão considerar as deslocações que a Autora (AA) efetuou: em 12 de Janeiro e em 10 de Fevereiro, ao Centro Hospitalar ...; em 17 de Fevereiro, à ...; em 06 de Janeiro, em 11 e 18 de Fevereiro, e em 09 de Março, à Unidade de Saúde Familiar ...; em 19 de Fevereiro, e em 05 e 12 de Março, ao Hospital EMP02...; e em 13 de Março, a EMP04.... As mesmas perfazem um valor global de € 84,60.

Assim, e sem necessidade de outras considerações, os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 55 e 56 passarão a constar do mesmo elenco com a seguinte redacção:

«55 - A Autora (AA), por causa do acidente descrito nos autos, teve de se deslocar em viatura própria, a um custo médio por Km de 0,30€/Km, por não ter acessibilidade e ligações com os transportes públicos, às seguintes localidades:
• por 2 vezes, para consultas ao Centro Hospitalar ..., encontrando-se este hospital distanciado da sua residência 65Km, percorrendo cerca de 130 Km, ida e volta, elevando-se o seu custo a € 78,00 (ou seja, 65Km x 2 - ida e volta - x 2 vezes x 0,30€/Km);
• por 1 vez, para tratamento e/ou consulta à EMP03..., em ..., encontrando-se esta clínica distanciada da sua residência 3km, percorrendo 6Km, ida e volta, elevando-se o seu custo a € 1,80 (ou seja, 3 Km x 2 - ida e volta - x 1 vez x 0,30€/Km);
• por 4 vezes ao Centro de Saúde (USF), em ..., encontrando-se este serviço distanciado da sua residência 3 Km, percorrendo 6 Kms, ida e volta, elevando-se o seu custo a € 7,20 (ou seja, 3 Km x 2 - ida e volta - x 4 vezes x 0,30€/Km);
• por 3 vezes ao Hospital EMP02..., encontrando-se este Serviço distanciado da sua residência 47Km, percorrendo 94Km, ida e volta, elevando-se o seu custo a € 141,00 (ou seja, 47Km x 2 - ida e volta - x 3 vezes x 0,30€/Km);
• por 1 vez, para consulta e/ou tratamento na EMP04..., em ..., que se encontra distanciada da sua residência 3Km, pelo que percorreu 6km, ida e volta, elevando-se o seu custo a € 1,80 (ou seja, 3 Km x 2 ida e volta x 1 vez x 0,30€/Km)».
(factos enunciados na sentença recorrida sob os números 55 e 56)

«56 - Nas viagens referidas no facto anterior, a Autora (AA) despendeu o montante global de € 84,60, correspondente a 242Kms percorridos, ao custo de 0,30€/ Km».
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 56)
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Mostra-se, assim, parcialmente procedente, e parcialmente improcedente, o recurso sobre a matéria de facto interposto pela Ré (EMP01..., S.A.).
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO  

4.1. Danos - Natureza
4.1.1.1. Danos patrimoniais
O dano é a perda in natura que o lesado sofre, em consequência de um certo facto, nos interesses - materiais, espirituais ou morais - que o direito violado ou a norma jurídica infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea (v.g. é a morte ou são os ferimentos causados à vítima; é a perda ou a afectação do seu bom nome ou reputação; são os estragos causados no veículo; as fendas abertas num edifício por uma explosão; a destruição de coisa alheia).
Logo, ao lado do dano real, existe o seu reflexo na situação patrimonial do lesado, falando-se por isso em danos patrimoniais e danos não patrimoniais.

Lê-se no art.º 564.º, n.º 1 do CC que o «dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão».
Logo, nos danos patrimoniais a lei contempla quer os danos emergentes, isto é, a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado, quer os lucros cessantes, isto é, os benefícios que este deixou de obter em consequência da lesão, o acréscimo patrimonial frustrado.
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4.1.1.2. Danos patrimoniais futuros
Lê-se no art. 564.º, n.º 2 do CC que, na «fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis».
Precisa-se, antes de mais, que nestes «danos futuros» tanto se contêm os danos emergentes como os lucros cessantes. 
Precisa-se ainda que, tal como resulta expressamente da letra da lei, a indemnização respectiva depende de duas condições cumulativas: a respectiva previsibilidade e determinabilidade [15].
Como exemplo frequente de dano patrimonial futuro encontramos a perda da capacidade de ganho, resultante de dano biológico, entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, aqui por dele decorrer precisamente perda ou diminuição de proventos laborais [16].
Contudo, a jurisprudência vem entendendo que esta perda da capacidade de ganho que se pretende valorar, nem mesmo depende da efectiva perda ou diminuição de remuneração por parte do lesado (v.g. por ser menor, ou se encontrar desempregado, ou não exercer qualquer profissão remunerada), compreendendo antes este dano patrimonial uma ideia de frustração de utilidades futuras e de frustração de expectativas de aquisição de bens [17].
Daí que mesmo que não haja retracção salarial, a incapacidade permanente parcial dá lugar a indemnização pelos danos sofridos, pois o dano físico determinante da incapacidade exige do lesado um esforço suplementar (físico e psíquico) para obter o mesmo resultado do trabalho. Ora, é precisamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de quaisquer funções que impliquem a utilização do corpo, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros.
Estes lucros cessantes - correspondendo à perda da capacidade aquisitiva de ganho -, é um dano do lesado directo, que reverterá para o próprio, em caso de sobrevivência por mera incapacidade para o trabalho.
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4.1.1.3. Danos não patrimoniais
Já os danos não patrimoniais são os não susceptíveis de avaliação pecuniária (numa definição negativa), porque se reportam a valores ou interesses da personalidade física, moral, espiritual ou ideal.
Por outras palavras, danos não patrimoniais «são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente» (Ac. do STJ de 25.11.2009, Raúl Borges, Processo n.º 397/03.0GEBNV.S1, reiterado depois no Ac. da RC, de 03.02.2010, Brízida Martins, Processo n.º 276/03.1GBOBR.C1).
Logo, o dano não patrimonial assume vários modos de expressão: o chamado quantum doloris, que se reporta às dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos (nele se considerando a extensão e a gravidade das lesões, e a complexidade do seu tratamento clínico); o dano estético, prejuízo anátomo-funcional e que se refere às deformidades e aleijões que perduraram para além do processo de tratamento e recuperação da vítima; o prejuízo de distracção ou passatempo, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, como a renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; o prejuízo de afirmação social, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra da «alegria de viver»; o prejuízo da saúde geral e da longevidade, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o prejuízo juvenil, que afecta os sinistrados muito jovens que ficam privados das alegrias próprias da sua idade; o prejuízo sexual, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; e o prejuízo da auto-suficiência, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária (tudo conforme Ac. do STJ, de 25.11.2009, Raúl Borges, Processo n.º 397/03.0GEBNV.S1, reiterado depois no Ac. da RG, de 10.10.2013, Helena Melo, Processo n.º 5981/12.0TBVCT.G1).
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4.1.1.4. Dano biológico
Conforme já aflorado, o dano corporal «constitui um “tertium genus”, ao lado do dano patrimonial e do dano moral, distinguindo-se o dano biológico e o dano moral subjetivo, assentes na estrutura do facto gerador da diminuição da integridade bio-psíquica, constituindo o dano biológico o evento do facto lesivo da saúde, e o dano moral subjetivo, tal como o dano patrimonial, o dano consequência, em sentido estrito» (Ac. do STJ, de 12.1.2017, Hélder Roque, Processo n.º 1292/15.6T8GMR.S1).
Compreende-se, por isso, que se afirme que o «dano biológico, sendo um dano real ou dano-evento, não deve, em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso, em nosso entender, o dano biológico não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/ danos não patrimoniais» (Maria da Graça Trigo, «Adoção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Volume VI, Coimbra Editora, 2012, pág. 653).
Logo, o «dano biológico, tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral, devendo a situação ser apreciada, casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade» (Ac. do STJ, de 12.01.2017, Hélder Roque, Processo n.º 1292/15.6T8GMR.S1). 

Quando o dano biológico não determine perda ou diminuição dos proventos profissionais (isto é, a lesão traduz apenas uma afectação da potencialidade física, psíquica ou intelectual da vítima, para além do agravamento natural resultante da idade, mas que não originará no futuro - durante o período activo do lesado ou da sua vida -, e só por si, uma perda da capacidade de ganho), o mesmo será indemnizável autonomamente em sede de danos não patrimoniais.
 Quando, pelo contrário, o dano corporal se repercuta na capacidade de produzir rendimentos (existindo um nexo de causalidade entre a afectação da integridade físico-psíquica e a redução da capacidade laboral), a indemnização a arbitrar deverá ter «como base e fundamento»: «quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego do lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem uma sequela irreversível das lesões sofridas» (Ac. do STJ, de 10.12.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 632/2001.G1.S1, com bold apócrifo).
Ora, nesta segunda perspectiva (de repercussão do dano corporal na capacidade de produzir rendimentos), «deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela “capitis deminutio” de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal».
Contudo, esta «outra vertente do dano biológico, enquanto privação de outras oportunidades pessoais ou profissionais decorrentes do défice físico-psíquico, não pode deixar de ser considerado no âmbito do ressarcimento a título de danos patrimoniais futuros, influenciando e majorando, portanto, no cálculo equitativo do seu “quantum”, mas não constituindo, um dano a valorar em uma outra quantia, autónoma ou separada do quantum indemnizatório a fixar em sede de danos patrimoniais futuros, sob pena de constituir uma duplicação indemnizatória, violadora da lei e dos princípios da equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa» (Ac. da RG, de 02.11.2017, António Barroca Penha, Processo n.º 1315/14.6TJVNF.G1).

No cálculo da respectiva indemnização podem (outros dirão, devem) ter-se em conta, como instrumentos auxiliares para este efeito, as tabelas financeiras ou as fórmulas matemáticas que veem sendo consideradas na jurisprudência [18].
Contudo, também aqui se entende que esta indemnização não se destina a repor o «status quo ante» (inviável, em casos de danos que atingem a saúde e a integridade física do lesado), mas antes a consubstanciar uma compensação susceptível de minorar ou atenuar os efeitos da lesão sofrida [19].
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4.1.2. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, atenta a matéria definitivamente assente nos autos, está agora submetido à apreciação deste Tribunal da Relação o concreto montante da indemnização a arbitrar à Autora (AA), pelas diversas despesas suportadas, pelo défice físico, pelo sofrimento físico e psicológico e pela repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer das lesões sofridas.

Precisa-se, ainda, que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica atribuído à Autora (AA), de 4 pontos, é compatível com o exercício da sua profissão habitual de enfermeira, e sem que se tenha provado uma qualquer incapacidade parcial permanente para o trabalho.
Logo, o défice funcional permanente que a Autora (AA) regista não se reflecte numa efectiva perda ou diminuição dos seus rendimentos laborais (na mesma, ou noutra proporção), sem prejuízo da mesma ter direito a ser ressarcida pela maior penosidade e esforço acrescido que terá de desenvolver para exercer a sua profissão, e na sua vida em geral.
Do mesmo modo se pronunciou já o STJ, quando defendeu que, tendo «resultado provado que a IPP de 12 pontos que o autor ficou a padecer é compatível com o exercício da sua actividade profissional habitual, e não estando provado que esse défice tenha reduzido a sua capacidade de ganho em 12%, nenhuma relevância tem, para a fixação da indemnização, o montante da sua retribuição profissional, posto que o que está em causa não é essa específica actividade, mas antes a sua actividade em geral» (Ac. de 19.02.2015, Oliveira Vasconcelos, Processo n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1) [20].
Ora, não sendo o prejuízo que se visa ressarcir o da perda da capacidade do lesado para produzir rendimentos, a sua reparação não deverá ser feita com recurso a clássicas fórmulas matemáticas, próprias e aplicáveis ao ressarcimento dos lucros cessantes futuros, e não à afectação em geral.
Será, então, em sede de danos não patrimoniais que esse dano biológico terá de ser indemnizado.
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4.2. Critérios de determinação da indemnização por danos patrimoniais
4.2.1. Enunciação dos critérios (de determinação)
Lê-se no art.º 562.º, do CC, que «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação». Logo, haverá que indemnizar o lesado dos danos experimentados e advindos do evento que obriga à reparação, de forma a reconstituir-lhe a situação que existiria se não houvesse ocorrido o facto lesivo.

Assim, e quanto aos danos patrimoniais (susceptíveis de avaliação pecuniária, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectindo-se no património do lesado), sendo possível a reposição natural, será por ela que se deverá optar, uma vez que mais cabalmente assegura a reparação devida.
«O fim precípuo da lei nesta matéria é, por conseguinte, o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes.
Se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóia, etc.) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação ou substituição da coisa por conta do agente. (…)
Note-se que a lei (art. 562º) manda reconstituir, não a situação anterior à lesão, mas a situação (hipotética) que existiria, se não fora o facto determinante da responsabilidade. Aplicando este pensamento à solução da reconstituição natural, dir-se-á, consistindo a lesão na destruição de certos animais (…) ou de certas plantas em viveiro, que a reconstituição se há-de operar tendo em conta a idade (o desenvolvimento e, por consequência, o valor) que os animais ou as plantas teriam, se não tivessem sido destruídos, à data em que a substituição é efectuada» (João de Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações, Volume I, 7.ª edição, Livraria Almedina, 1991, págs. 903 e 904).

 Mas, sendo a reconstituição natural impossível de efectivar, há que lançar mão do que promana da teoria da diferença, contida nos art.ºs 562.º e 566.º, n.º 2, do CC, segundo a qual a indemnização deve concretizar-se pela diferença entre a situação actual hipotética do património do lesado (no momento em que se efectiva a operação diferencial e a situação real), e a situação em que o seu património se encontraria se a conduta que obriga à reparação não tivesse sido praticada.
Assim, a indemnização operar-se-á mediante a entrega duma quantia em dinheiro, equivalente ao valor em que o património atingido diminuiu em consequência do dano sofrido, sem culpa do demandante.
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4.2.2. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)
Concretizando, e em sede de danos patrimoniais, estava apenas em causa no presente recurso o montante arbitrado pelo Tribunal a quo a título de despesas de tratamentos, de € 1.344,21, e a título de despesas de deslocações, de € 667,80, num montante global final de € 2.012,01.
Ora, tendo a Ré (EMP01..., S.A.) logrado demonstrar a inexistência de nexo e causalidade entre o acidente em causa e parte daquelas despesas, apenas são imputáveis ao dito acidente despesas de tratamento de € 252,00 e despesas de deslocações de € 84,60, num montante global final de € 336,60.
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Mostra-se, assim e nesta parte, procedente o recurso interposto pela Ré (EMP01..., S.A.), devendo a indemnização arbitrada a título de danos patrimoniais ser reduzida de € 2.012,01 para € 336,60.
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4.3. Critérios de determinação da indemnização por danos não patrimoniais
4.3.1. Enunciação dos critérios (de determinação)
Lê-se no art.º 496.º, n.º 1, do CC, que, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», aqui se incluindo aqueles que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral.
Compreende-se esta exigência de «gravidade», já que a reparação aqui em causa pretende «dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que, sendo esta uma ofensa moral, não é susceptível de equivalente» (Vaz Serra, BMJ, n.º 83, pág. 83).
Contudo, essa exigível gravidade do dano não patrimonial indemnizável deverá ser aferida por um padrão objectivo (embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto), e não por um padrão subjectivo, derivado de uma sensibilidade especialmente requintada ou exacerbada ou, pelo contrário, particularmente embotada (João de Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações, Volume I, 7.ª edição, Livraria Almedina, pág. 576).

Lê-se ainda, no n.º 4, do art. 496.º citado, que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º», isto é, o «grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso» (mormente, o tipo de lesões registadas e o sofrimento daí resultante), sem esquecer os padrões adoptados pela jurisprudência e a flutuação da moeda.
Logo, o critério fundamental de fixação desta indemnização por danos não patrimoniais é a equidade.

Quanto à situação económica do autor do facto lesivo e da vítima, terão que ser ponderados «no contexto da situação económica do cidadão médio e do significado do bem jurídico afectado para a vida em sociedade» (Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, Volume II, Indemnização dos Danos Reflexos em Geral, 2.ª edição, Almedina, pág. 24).

Relativamente às demais circunstâncias do caso, atende-se aqui nomeadamente às lesões registadas e aos sofrimentos que provocaram, tendo necessariamente em conta a idade do lesado.

Por fim, ter-se-ão ainda «em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art. 8.º, n.º 3, do CC, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito» (Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo n.º 08P3704, com bold apócrifo).
Com efeito, «não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, impondo-se que o julgador tenha em conta as regras da prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida» (Ac. do STJ, Álvaro Rodrigues, Processo n.º 2025/04.8, com bold apócrifo).
O recurso à equidade, imposto pelo art.º 496.º, n.º 4, do CC, «não afasta», assim, «a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso» (Ac. do STJ, de 22.01.2009, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 07B4242, com bold apócrifo). Com efeito, os «Tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição» (Ac. do STJ, de 31.01.2012, Nuno Cameira, Processo n.º 875/05.7TBILH.CV1.S1).
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Dir-se-á, por tudo, que não se trata aqui de uma verdadeira indemnização, mas sim da atribuição de certa soma pecuniária, que se julga adequada a compensar e a minorar dores e sofrimentos, mercê das alegrias e satisfações que a mesma pode proporcionar.
Por outras palavras, os «interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas do dinheiro. Não se trata, portando, de atribuir ao lesado “um preço de dor” ou “um preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir interesses de ordem refinadamente ideal» (Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1991, pág. 115).
Tal reparação reveste mesmo uma natureza mista, visando, por um lado, compensar (mais até do que indemnizar) os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado; e, por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico, com os meios adequados do direito civil, a conduta do agente (assim também se compreendendo o apelo, feito no art.º 496.º, n.º 4 do CC, ao «grau de culpabilidade do agente»).

Reconhece-se, porém, que: da «conjugação do art. 496.º com o 494.º para que remete, verifica-se que a indemnização deve antes de mais ser ajustada à gravidade da ofensa (dentro do critério geral da restauração, quanto possível, da situação que existiria se não fosse a ofensa) e ao grau de culpa do agente», e «só depois a situação económica e outras circunstâncias do caso» (Ac. da RC, de 16.01.2008, Belmiro Andrade, Processo n.º 555/04.0GTAVR.C1); todos estes elementos de ponderação implicam uma certa dificuldade de cálculo, com o inerente risco de nunca se estabelecer uma indemnização rigorosa e precisa (Ac. do STJ, de 16.04.1991, Cura Mariano, BMJ, n.º 406, pág. 618).
No entanto, há muito que se defende que deve ter um alcance real e não meramente simbólico, por forma a que se atinja um justo grau de “compensação”, sendo «mais que tempo, conforme jurisprudência que, hoje, vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios. A indemnização por danos patrimoniais deve ser correcta, e a compensação por danos não patrimoniais deve tender, efectivamente, a viabilizar um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isto, neste âmbito, já ninguém nem nada consegue ! Mas - et pour cause - a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo, e não meramente simbólico. Aliás, é nesta linha que se encontra, como é do conhecimento geral, o contínuo aumento dos seguros obrigatórios estradais e dos respectivos prémios» (Ac. do STJ, de 16.12.1993, Cardona Ferreira, CJ, 1993, Tomo III, pág. 182, com bold apócrifo) [21].
Este juízo sai reforçado se, conforme o «considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012», destacarmos «a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar» (Ac do STJ, de 18.06.2015, Fernanda Isabel Pereira, Processo n.º 2567/09.9TBABF.E1.S1) [22].
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4.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.3.2.1. Défice funcional físico-psíquico (dano biológico)
Concretizando, verifica-se que, tendo a Autora (AA) ficado a padecer de um dano biológico (défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, fixado em 4 pontos), objecto de uma indemnização autónoma (assim considerada quer pelo Tribunal a quo, quer pela Ré, no recurso que depois interpôs), veio a mesma a corresponder a € 30.000,00; e que a Ré (EMP01..., S.A.) defende que a mesma deverá ser reduzida a quantia nunca superior a € 20.000,00.
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Dir-se-á ser de indesmentível gravidade o dano biológico em causa, nesta exclusiva vertente de dano não patrimonial, sofrido pela Autora (AA), permitindo (impondo) a respectiva ressarcibilidade.
           
Atendendo, então, aos critérios legais de fixação da indemnização em causa, e quanto ao grau de culpabilidade do agente, verifica-se que tal dano adveio de um embate de veículos; e que se deixou provado nos autos (sem sindicância em sede de recurso) que o dito embate se deveu exclusivamente à conduta culposamente violadora do direito estradal da condutora do veículo automóvel que embateu naquele que a Autora (AA) conduzia.
Logo, a culpa do agente foi reduzida, já que não dolosa e sim negligente.

Quanto à situação económica da Ré (EMP01..., S.A.), nada foi alegado oportunamente pela Autora (AA); e, por isso, nada se provou a propósito.
Sabe-se, porém, ser uma sociedade comercial, que se acredita de larga capacidade económico-financeira (a mesma que lhe permite e justifica que continue a operar no mercado, onde as sociedades comerciais só se deverão manter se tiverem os lucros que determinaram o propósito da sua constituição e que determinam a sua operação).
           
Relativamente à situação económica da Autora (AA), apurou-se que a mesma é enfermeira, auferindo à data do acidente um rendimento médio mensal líquido de € 2.085,19 (€ 1.201,48 de vencimento mensal + € 109,71 de subsídio de refeição + € 387,00 de trabalho suplementar + € 250,00 de prestação de serviços); e que no ano anterior (em 2019) auferiu um rendimento global anual de € 25.351,22.

 Quanto às demais circunstâncias do caso, não se pode deixar de atender: à idade da Autora (AA) à data do sinistro, de 26 anos; às sequelas advindas das lesões físicas registadas (membro inferior direito com dor à apalpação da região trocantérica e da região glútea, e persistência de dores ao nível da anca), e às consequências definitivas que estas determinaram para a sua vida diária (necessidade de realizar esforços suplementares no exercício da sua profissão habitual, e impossibilidade de realizar parte das suas anteriores actividades domésticas, desportivas e de lazer - como ciclismo, idas ao ginásio e caminhadas -, sendo esta repercussão permanente nas actividades de afirmação pessoal e de lazer valorizável em 2 pontos, numa escala de 7 de gravidade crescente), tudo a traduzir-se num défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 4,00 pontos; e ainda à sua condição de enfermeira (em que a condição física é relevante para o exercício da profissão, admitindo-se, porém, que, com a progressão na carreira, a mesma seja progressivamente subalternizada, face a outro tipo de competências).

Quanto aos critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, dir-se-á que, não obstante se reconheça que a indemnização pela perda do maior bem, a vida, vem sendo fixada entre € 50.000,00 e € 120.000,00 [23],   estes valores, serão apenas mais um dos factores de ponderação em causa.
Com efeito, o «montante pecuniário compensatório, a arbitrar genericamente a título de danos de carácter não patrimonial, não tem que obedecer a qualquer critério (obrigatório) de proporcionalidade relativamente ao específico dano morte (compensação pela perda do direito à vida)», «face à natureza, autonomia e especificidade inerentes às duas espécies de danosidade em equação» (Ac. do STJ, de 14.09.2010, Ferreira de Almeida, Processo n.º 797/05.1TBSTS.P1).
Não raro, em quadros de maior gravidade, poder-se-á mesmo admitir que o decurso do tempo, em vez do funcionar como factor de atenuação do dano (ou da forma como ele é percepcionado pelo lesado), actua reiterando e agravando o sofrimento (físico e/ou psíquico) dele resultante, quer para a própria vítima, quer para os seus cuidadores informais e/ou familiares próximos (como os termos do recente processo legislativo sobre a morte medicamente assistida parece confirmar) [24].
Ponderam-se, com interesse, os seguintes precedentes jurisprudenciais (relativos a danos biológicos quantitativamente idênticos ao aqui em causa):

. Ac. do STJ, de 31.05.2012, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 1145/07.1TVLSB.L1.S1 - que atribuiu uma indemnização de € 10.000,00 a uma sinistrada que ficou a padecer de uma incapacidade permanente geral de 8%;

. Ac. da RP, de 22.01.2013, Vieira e Cunha, Processo n.º 13492/05.2TBMAI.P1 - que atribuiu uma indemnização de € 12.500,00 a uma sinistrada que ficou a padecer de uma incapacidade permanente geral de 10 (dez) pontos, a que acrescem mais 2 (dois) pontos a título de dano futuro;

. Ac. do STJ, de 19.02.2015, Oliveira Vasconcelos, Processo n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1 - que atribuiu uma indemnização de € 25.000,00 a um lesado com 43 anos à data do acidente, e que ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente de 12 pontos;

. Ac. do STJ, de 21.01.2016, Lopes do Rego, Processo n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1 - que atribuiu uma indemnização de € 32.500,00 a um lesado de 27 anos, que ficou afectado de uma IPG de 16 pontos, implicando claudicação da marcha e rigidez da anca direita, com limitações da marcha, corrida e todas as actividades físicas que envolvessem os membros inferiores;

. Ac. da RL, de 22.11.2016, Luís Filipe Pires de Sousa, Processo n.º 1550/13.4TBOER.L1-7- que atribuiu uma indemnização de € 15.000,00, para ressarcir uma incapacidade de 10 pontos;

. Ac. da RP, de 26.09.2016, Ana Paula Amorim, Processo n.º 595/14.1TBAMT.P1 - que atribuiu uma indemnização de € 6.000,00, para ressarcir um défice de 2 pontos (compatível com o exercício da sua actividade habitual, mas implicando esforços suplementares);

. Ac. do STJ, de 12.01.2017, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 3323/13.5TJVNF.G1.S1 - que atribuiu uma indemnização de € 20.000,00 a uma sinistrada que à data do acidente tinha 60 anos, ficou a padecer de uma IPP de 10 pontos, e que passou a estar reformada, não podendo vir a aceitar um trabalho correspondente à profissão que antes exercera;

. Ac. do STJ, de 05.12.2017, Ana Paula Boularot, Processo n.º 505/15.9T8AVR.P1.S1 - que atribuiu uma indemnização de € 30.000,00 a uma sinistrada que à data do acidente tinha 35 anos, e ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, e que implica esforços acrescidos no exercício da sua actividade profissional;

. Ac. da RG, de 15.02.2018, João Peres Coelho, Processo n.º 652/16.0T8GMR.G1 - que atribuiu uma indemnização de € 60.000,00 a um sinistrado operário de construção civil (pedreiro), de 41 anos, que ficou com um défice funcional de integridade físico-psíquica de 10 pontos, susceptível de agravamento com o decurso do tempo, e que lhe exigia esforços acrescidos para o exercício da sua profissão;

. Ac. da RG, de 30.05.2019, Margaria Sousa, Processo n.º 1760/16.2T8VCT.G1 - que atribuiu uma indemnização de € 15.000,00 a um sinistrado que à data da cura clínica tinha 48 anos, e que ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicando esforços suplementares.

. Ac. do STJ, de 14.01.2021, Rosa Tching, Processo n.º 2545/18.7T8VNG.P1.S1 - que confirmou uma indemnização de € 20.000,00 a um sinistrado que, à data do acidente tinha 32 anos, e ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, compatível com o exercício da sua actividade habitual, mas implicando ligeiros esforços suplementares (nomeadamente, nas tarefas que obrigassem à permanência em pé durante períodos prolongados, quer parado quer em marcha, ou a subir e descer muitas escadas);

. Ac. da RC, de 22.06.2021, Carlos Moreira, Processo n.º 244/15.0JAGRD-E.C1 - que atribuiu uma indemnização de € 20.000,00 a uma sinistrada com 52 anos, e que ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 15,29272 pontos, com admissão de dano futuro;

. Ac. da RG, de 30.09.2021, Joaquim Boavida, Processo n.º 4460/19.8T8BRG.G1 - que confirmou uma indemnização de € 15.000,00 a uma sinistrada de 26 anos, costureira, e que ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sem repercussão permanente na actividade profissional, mas que sempre necessitará de recorrer regularmente a medicação analgésica e anti-inflamatória;

. Ac. do STJ, de 24.02.2022, Maria da Graça Trigo, Processo n.º 1082/19.7T8SNT.L1.S1 -  que atribuiu uma indemnização de  € 50.000,00 a um lesado que, à data do sinistro, tinha  34 anos, e ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos, com elevada probabilidade das suas lesões virem a ter significativa repercussão negativa sobre o desempenho da profissão de serralheiro;

. Ac. do STJ, de 21.04.2022, Fernando Baptista, Processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1 - que atribuiu uma indemnização de € 22.000,00, a uma lesada com 51 anos, à data do acidente, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, compatível com o exercício da actividade profissional habitual de enfermeira instrumentista, mas a exigir esforços suplementares e trabalhos moderados;

. Ac. da RC, de 14.03.2023, Paulo Correia, Processo n.º 3970/19.1T8LRA.C1 - que atribuiu uma indemnização de € 5.000,00 a uma sinistrada prestes a completar 63 anos, reformada, e com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 8 pontos, sem demonstração que o mesmo tenha implicado uma efetiva redução dos rendimentos.

Tem-se, porém, presente que cada caso tem as suas particularidades; e que, desde a prolação de tais arestos, ou de forma contemporânea aos mesmos, outros foram proferidos com valores mais elevados, embora, e naturalmente, em hipóteses não exactamente iguais às dos autos, mas ainda assim reflectindo de forma indubitável a cada vez maior valorização social dos danos infligidos à integridade física e psíquica [25]

Tudo ponderado, tem-se por excessiva a quantia de € 30.000,00, arbitrada pelo Tribunal a quo, para indemnizar o défice funcional físico-psíquico (dano biológico), sofrido pelo Autora (que, reitera-se, tem de ser considerado de forma independente das patologias generativas da coluna de que já padecia antes); e, por isso, se reduz para € 22.500,00.
*
Mostra-se, assim e nesta parte, parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré (EMP01..., S.A.), devendo a indemnização arbitrada a título de dano biológico ser reduzida de € 30.000,00 para € 22.500,00.
*
4.3.2.2. Danos não patrimoniais em geral 
Concretizando novamente, e agora em sede de danos não patrimoniais em geral (isto é, não considerando o dano biológico, já objecto de ponderação própria), verifica-se que o Tribunal a quo arbitrou à Autora (AA), para os indemnizar, a quantia de € 20.000,00; e que a Ré (EMP01..., S.A.) a considera excessiva, pedindo a sua redução para quantia nunca superior a € 15.000,00.

Dir-se-á serem, também aqui, de indesmentível gravidade os danos não patrimoniais sofridos pela Autora (AA), permitindo (impondo) a respectiva ressarcibilidade.
           
Atendendo, então, aos critérios legais de fixação da indemnização em causa (e apenas concretizando os não ponderados no ponto anterior), dir-se-á, a propósito das demais circunstâncias do caso, que não se pode deixar de atender: ao número e gravidade das lesões físicas registadas (traumatismo da região lombar e anca direita); ao número e gravidade das lesões psíquicas imediatamente registadas (dores intensas, resultantes do impacto causado pela colisão dos veículos automóveis); ao número e gravidade das lesões psíquicas que persistiram após o momento inicial do embate de veículos (dores e incómodos inerentes à deslocação do local do acidente até ao Hospital ..., onde foi prestada assistência à Autora; dores e incómodos inerentes às consultas e tratamentos a que teve de se submeter; e enorme desgosto pelas limitações físicas com que ficou); às sequelas advindas (dores à apalpação da região trocantérica e da região glútea, e persistência de dores  ao nível da anca); ao nível global de dor sentida (fixável no grau 3, numa escala de 1 a 7); e ao período de afectação das suas actividades, nomeadamente profissional, uma vez que obteve a consolidação médico-legal definitiva no dia 06 de Abril de 2020, tendo o acidente ocorrido em .../.../2020 (tendo implicado período de défice funcional temporário total fixável em 4 dias, um período de défice funcional temporário parcial fixável em 90 dias, e um período de repercussão temporária na actividade profissional total fixável em 94 dias).

Considerando tudo o que antes de deixou já dito (no ponto anterior, 4.3.2.1.), dir-se-á que se crê ajustada à indemnização destes outros danos não patrimoniais sofridos pela Autora (AA) a quantia de € 20.000,00 que lhe foi arbitrada pelo Tribunal a quo, por isso se mantendo a mesma.
*
Mostra-se, assim e nesta parte, improcedente o recurso interposto pela Ré (EMP01..., S.A.), mantendo-se a indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais (excluindo o dano biológico) nos € 20.000,00 antes arbitrados pelo Tribunal a quo.
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela improcedência parcial e pela procedência parcial do recurso de apelação da Ré (EMP01..., S.A.).
*
V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente improcedente, e parcialmente procedente, o recurso de apelação interposto pela Ré (EMP01..., S.A.), e, em consequência, em

· Revogar parcialmente a sentença recorrida, condenando agora a Ré (EMP01..., S.A.) a pagar à Autora (AA) a quantia global líquida de € 42.836,60 (sendo € 336,60 a título de indemnização por despesas suportadas, € 22.500,00 a título de indemnização de dano biológico e € 20.000,00 a título de indemnização por demais danos não patrimoniais);

· Confirmar o remanescente da sentença recorrida.
*
Custas da apelação pela Autora (AA) e pela Ré (EMP01..., S.A.), na proporção dos respectivos decaimentos (art.º 527.º, n.º 1, do CPC).
*
Guimarães, 09 de Novembro de 2023.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Carlos Pereira Duarte;
2.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade.
 


[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] Neste sentido, de que os factos constantes da fundamentação de facto da decisão judicial deverão ser apresentados segundo uma ordenação sequencial, lógica e cronológica (e não de forma desordenada, consoante os articulados de onde tenham sido extraídos e reproduzindo ipsis verbis a sua redacção, incluindo interjeições coloquiais), na doutrina:
. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, I Volume, 2013, Almedina, Outubro de 2013, pág. 543 - onde se lê que os «factos que constituem fundamentação de facto devem ser integralmente descritos. O juiz deve aqui relatar a realidade histórica tal como ela resultou demonstrada da produção de prova. (…)
Não há aqui qualquer fundamento para o juiz se cingir aos enunciados verbais adotados pelas partes. O que importa é o facto, e este pode ser descrito de diversas formas. Ele é aqui o cronista, o tecelão da narrativa fiel à prova produzida, não devendo compô-la com fragmentos literais de frases articuladas, fabricando uma desconexa manta e retalhos».
. Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, página 22 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença, os «enunciados de facto devem também ser expostos numa ordenação sequencial lógica e cronológica que facilite a conjugação dos seus diversos segmentos e a compreensão do conjunto factual pertinente, na perspetiva das questões jurídicas a apreciar. Com efeito, a ordenação sequencial das proposições de facto, bem como a ligação entre elas, é um fator de inteligibilidade da trama factual, na medida em que favorece uma interpretação contextual e sinótica, em detrimento de uma interpretação meramente analítica, de enfoque atomizado ou fragmentário. Por isso mesmo, na sentença, cumpre ao juiz ordenar a matéria de facto - que se encontra, de algum modo parcelada, em virtude dos factos assentes por decorrência da falta de impugnação - na perspetiva do quadro normativo das questões a resolver».
. António Santos Abrantes Geraldes, «Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 10 e 11 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6425) - onde se lê que, na sentença, «na enunciação dos factos apurados o juiz deve usar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção. Por isso é inadmissível (tal como já o era anteriormente) que se opte pela enunciação desordenada de factos, uns extraídos da petição, outros da contestação ou da réplica, sem qualquer coerência interna.
Este objectivo - que o bom senso já anteriormente deveria ter imposto como regra absoluta - encontra agora na formulação legal um apoio suplementar, já que o art. 607º, nº 4, 2ª parte, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma sequência desordenada de factos atomísticos».
. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, Junho de 2014, pág. 322 - onde se lê que, «depois de concluída a produção de prova e quando elaborar a sentença, é função do juiz relatar - e relatar de forma expressa, precisa e completa - os factos essenciais que se provaram em juízo. Tal relato haverá de constituir uma narração arrumada, coerente e sequencial (lógica e cronologicamente), na certeza de que isso deve ser feito “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida”, como prescreve a parte final do nº 4 do art. 607º».
Na jurisprudência mais recente: Ac. da RL, de 24.04.2019, Laurinda Gemas, Processo n.º 5585/15.4T8FNC-A.L1-2; ou Ac. da RL, de 02.07.2019, José Capacete, Processo n.º 1777/16.7T8LRA.L1-7.
[4] Neste sentido, Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 20 e 21 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença,  os «enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica».
Ora, tendendo as partes «a adestrar a factualidade pertinente no sentido estrategicamente favorável à posição que sustentam no seu confronto conflitual, daí resultando enunciados, por vezes, deformados, contorcidos ou de pendor mais subjetivo ou até emotivo», caberá «ao juiz, na formulação dos juízos de prova, expurgar tais deformações, sendo que, como é entendimento jurisprudencial corrente, não se encontra adstrito à forma vocabular e sintática da narrativa das partes, mas sim ao seu alcance semântico. Deve, pois, adotar enunciados que, refletindo os resultados probatórios, sejam portadores de um sentido semântico, o mais consensual possível, de forma a garantir que a controvérsia se desenvolva em sede da sua substância factual e não no plano meramente epidérmico dos seus modos de expressão linguística».
[5] Apesar de não existir no actual CPC, de 2013, uma disposição idêntica ao art.º 646.º, n.º 4, do anterior CPC, de 1961 (onde se afirmava que se tinham como «não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito»), entende-se hoje, tal como então, que há que distinguir na decisão de facto entre facto, direito e conclusão: pretende-se que a decisão de facto contenha apenas o facto simples, assertivamente afirmado e demonstrado; e dela sejam excluídos, quer meras realidades hipotéticas, quer conceitos de direito (salvo os que transitaram para a linguagem corrente, por assimilação pelo cidadão comum, uma vez que correspondem a um facto concreto, e desde que não constituem eles próprios o thema decidendu), quer conclusões, que mais não são do que a lógica ilação de premissas.
Logo, quando na fundamentação de facto de uma decisão judicial se contenham, como pretensos factos, realidades hipotéticas, conceitos de direito e/ou conclusões, deverão os mesmos ter-se por não escritos (isto é, necessariamente como inexistentes, enquanto factos), o que é hoje corroborado pelo art.º 607.º, n.º 4, do CPC (onde se lê que, na «fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados», tomando «ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência»).
Neste sentido:
. na doutrina -  António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, Almedina, 1999, págs. 147-148, onde se lê que terão de ser erradicadas da decisão sobre a matéria de facto «as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem (v.g. renda, contrato, proprietário, residência permanente, etc.)».
Ainda Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 312, onde se lê que a matéria de facto «não pode conter qualquer apreciação de direito», ou seja, «qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica».
. na jurisprudência, entre muitos - Ac. da RG, de 20.09.2018, Vera Sottomayor, Processo n.º 778/16.0T8BCL.G1, onde se lê que, não tendo o «Código do Processo Civil de 2013» reproduzido o art.º 646.º, n.º 4, do CPC de 1961, «no entanto é de considerar que se mantém tal entendimento, interpretando a contrario sensu o n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados. Ou seja, o tribunal só pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida “os factos” e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, o que é uma operação intelectual bem distinta».
«Importa ainda salientar que apesar de só os factos concretos poderem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão são ainda de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, desde que não integrem o conceito do próprio objeto do processo ou seja não constitua a sua verificação o conteúdo do objeto de disputa das partes.
Por outro lado, são também de afastar as expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio».
Ainda Ac. da RE, de 28.06.2018, Florbela Moreira Lança, Processo n.º 170/16.6T8MMN.E1, onde se lê que, «sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado».
[6] A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art.º 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09, onde expressamente se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso».
[7] Segundo o sítio saudebemestar.pt, a espondilolistese ístmica «resulta de uma fratura numa região da vértebra denominada pars interarticular. Esta fratura ocorre tipicamente durante a infância ou a adolescência e é frequentemente consequência de traumatismos repetitivos da coluna lombar, nomeadamente em desportos que exigem a extensão da coluna lombar, como a ginástica, atletismo, o futebol, o mergulho, musculação, etc. A espondilolistese ístmica é mais frequente no segmento L5-S1. Estima-se que cerca de 5-7% da população tenha uma fratura da pars interarticular ou uma epondilolistese ístmica, mas na maioria dos casos estas não provocam quaisquer sintomas. No entanto, devido à sua elevada frequência, estima-se que a espondilolistese ístmica seja uma das principais causas de dor lombar em adolescentes» (in https://www.saudebemestar.pt/pt/clinica/ortopedia/espondilolistese/).
[8] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 01.10.2015, Maria Purificação Carvalho, Processo n.º 40/12.7TBSBR.G1, onde se lê que «sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva».
Ainda Ac. da RE, de 03.11.2016, José Manuel Galo Tomé de Carvalho, Processo n.º 232/10.3T2GDL.E1, onde se lê que as «conclusões apresentadas pelos peritos – unanimemente ou por maioria, preferindo-se as que provêm dos peritos nomeados pelo tribunal, pela maior equidistância relativamente às partes – só devem ser afastadas se o julgador, nos seus poderes de livre apreciação da prova, decorrentes dos artigos 655º e 591º do Código de Processo Civil, quando se constata que foram elaboradas com base em critérios legalmente inadmissíveis ou desadequados, ou quando se lhe deparam erros ou lapsos evidentes, que importem correcção».
Reiterando-o, Ac. da RE, de 09.03.2017, Albertina Pedroso, Processo n.º 81/14.0T8FAR.E1.
[9] No mesmo sentido, Ac. da RL, de 08.10.2015, Maria de Deus Correia, Processo n.º 8264/09.8T2SNT.L2-6, onde se lê que, «se, por definição, o que está em causa [na prova pericial] é a apreciação de factos para a qual são necessários conhecimentos especiais que o juiz não possui, impõe-se concluir que para apreciar esses factos, o juiz irá fundamentar-se principal ou mesmo exclusivamente, nessa mesma prova, por ser a mais idónea para o efeito»; e se «tiver sido feita a peritagem por três peritos e vier a ocorrer divergência entre os mesmos, havendo o acordo de dois peritos sobre determinada matéria e estando o outro perito em desacordo, na normalidade das situações, é razoável que o juiz opte pelo parecer técnico que obteve maioria», já que «há maior probabilidade de acerto no caso de serem dois peritos a afirmar determinado facto, em relação à afirmação defendida apenas por um perito».
[10] Precisa-se que o conceito organicista de «data da consolidação médico-legal das lesões» se reporta ao momento a partir do qual não é de esperar uma evolução positiva importante das lesões em termos sequelares, correspondendo ao fim do período de incapacidade temporária.
[11] Lê-se expressamente no relatório pericial:
 «(…)
2. Considerando o diagnóstico de retolistese e anterolistese lombar (que se tratam de patologia de natureza degenerativa), considerou-se que o traumatismo terá agravado esta patologia, na medida da incapacidade descrita adiante.
3. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 06-04-2020, tendo em conta os seguintes aspetos: a data da alta clínica e o tipo de lesões resultantes.
(…)»
[12] Recorda-se que se lê, respectivamente, nos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 36 e 43 que a Autora «foi seguida pelos serviços Clínicos da Ré, onde permaneceu em tratamentos até 6 de Abril de 2020, data em que teve alta destes serviços», e que o «período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total foi de 94 dias, desde a data do acidente (.../.../2020) até 6 de Abril de 2020».
[13] Lê-se, a propósito, na sentença recorrida:
 «(…)
Na vertente do prejuízo patrimonial, temos que a autora reclama:
- a quantia de 14 014, 73 euros, a titulo de diferenças salariais;
(…)
Neste particular, atendendo ao período de deficit temporário parcial fixado na perícia (08/01/2020 a 06/04/2020), impõe-se concluir que a autora já recebeu da segurança social o que tinha direito a receber, não havendo lugar às diferenças salariais que contabiliza tendo por base outro período. Improcede, por isso, esta pretensão da autora.
(…)
Absolvo a Ré do pedido de reembolso deduzido pelo Instituto da Segurança Social, pelas mesmas razões que foi julgado improcedente o pedido relativo às diferenças salariais.
(…)»
[14] Lê-se expressamente no relatório pericial:
«(…)
3. Lesões e/ou sequelas sem relação com o evento
A examinanda apresenta as seguintes sequelas:
 - Ráquis: cicatriz cirúrgica na linha média da região lombar (resultante de cirurgia a retrolistese e anterolistese).
(…)»
[15] Neste mesmo, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 8.ª edição, Almedina, Abril de 2009, pág. 336.
[16] Neste sentido, Ac. do STJ, de 20.05.2010, Lopes do Rego, Processo n.º 103/2002.L1.S1, e Ac. do STJ, de 26.01.2012, João Bernardo, Processo n.º 220/2001.L1.S1, onde se faz uma resenha histórica do surgimento do conceito dano biológico e da sua construção.
[17] Neste sentido, Ac. do STJ, de 10.10.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 632/2001.G1.S1, Ac. do STJ, de 16.06.2016, Tomé Gomes, Processo n.º 1364/06.8TBBCL.G1.S2, ou Ac. do STJ, de 08.01.2019, Catarina Serra, Processo n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1.
[18] Neste sentido, Ac. da RP, de 20.03.2012, M. Pinto dos Santos, Processo n.º 571/10.3TBLSD.P1.
[19] Confirmando a ressarcibilidade do dano biológico, grosso modo nos termos expostos, e para além dos já citados, Ac. do STJ, de 19.05.2009, Fonseca Ramos, Processo n.º 298/06.0TBSJM.S1, Ac. do STJ, de 23.11.2010, Hélder Roque, Processo n.º 456/06.8TBVGS.C1.S1, Ac. do STJ, de 21.03.2013, Salazar Casanova, Processo n.º 565/10.9TBPVL.S1, Ac. do STJ, de 02.12.2013, Garcia Calejo, Processo n.º 1110/07.9TVLSB.L1.S1, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Oliveira Vasconcelos, Processo n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1, e Ac. do STJ, de 04.06.2015, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1.
[20] No mesmo sentido, Ac. da RP, de 04.04.2022, Manuel Domingos Fernandes, Processo n.º 1822/18.1T8PRT.P1, onde se lê que, nos «casos em que não há (imediata) perda de capacidade de ganho, não existindo, como não existe, qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, deverá usar-se, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum sob pena de violação do princípio da igualdade, já que, só se justificará atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efetiva por causa da incapacidade, por só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento».
[21] No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo n.º 08P3704, com extensa indicação de outros arrestos.
[22] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 30.05.2019, Margarida Sousa, Processo n.º 1760/16.2T8VCT.G1, onde expressamente se lê que, numa «interpretação atualista da lei, para efeito da fixação da compensação com recurso à equidade, merecem ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações».
[23] Documentando a evolução de valores indemnizatórios por dano morte: Ac. do STJ, de 10.07.2008, Fonseca Ramos, Processo n.º 08P1853; Ac. do STJ, de 13.09.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 1026/07.9TBVFX.L1.S1; Ac. do STJ, de 31.01.2012, Nuno Cameira, Processo n.º 875/05.7TBILH.C1.S1; Ac. do STJ, de 30.04.2015, Salazar Casanova, Processo n.º 1380/13.3T2AVR.C1.S1; Ac. do STJ, de 18.06.2015, Fernanda Isabel Pereira, Processo nº 2567/09.9TBABF.E1.S1; e, mais recentemente, Ac. do STJ, de 08.06.2021, Maria João Vaz Tomé, Processo n.º 2261/17.7T8PNF.P1.S1.
Particularizando as indemnização por dano morte mais elevadas e actuais: de € 80.000,00, ATCAS, de 24.09.2020, Ana Celeste Carvalho, Processo n.º 38/10.0BEBJA; de € 85.000,00, Ac. da RP, de 17.06.2021, Filipe Caroço, Processo n.º 137/19.2T8VFR.P1 e Ac. da RP, de 24.02.2022, Judite Pires, Processo n.º 2374/20.8T8PNF.P1; de € 90.000,00, Ac. da RE, de, 24.09.2020, Albertina Pedroso, Processo n.º 3710/18.2T8FAR.E1 e Ac. da RP, de 27.04.2021, Rodrigues Pires, Processo n.º 1123/19.8T8PVZ.P1; de € 100.000,00, Ac. do STJ, de 21.03.2019, Maria da Graça Trigo, Processo n.º 20121/16.7T8PRT.P1.S1 e Ac. do STJ, de 11.02.2021, Abrantes Geraldes, Processo n.º 625/18.8T8AGH.L1.S1; e de € 120.000,00, Ac. do STJ, de 22.02.2018, Manuel Braz, Processo n.º 33/12.4GTSTB.E1.S1 e Ac. da RL, de 16.11.2021, Agostinho Torres, Processo n.º 48/18.9PHSXL.L1-5.
[24] Neste sentido, Ac. do STJ, de 20.01.2010, Mário Cruz, Processo n.º 60/2002.L1.S1 (com bold apócrifo), onde se lê que, na «a realidade, embora se reconhecendo que o direito à vida é o valor supremo em si mesmo, há situações em que a sobrevivência a um acidente ou desastre corresponde a uma forma insidiosa de opressão contínua e de desfalecimento, cuja dor, pela sua persistência e gravidade se instala na vítima a tal ponto e por tanto tempo que a faz crer que a vida deixa de valer ou de fazer sentido, porque a depressão ataca profundamente e a vítima se sente morrer a cada dia que passa». Foi considerando-o que a jurisprudência tem vindo «a atribuir indemnizações compensatórias por danos não patrimoniais a vítimas com graves sequelas ou incapacidades, consideravelmente superiores às compensações geralmente atribuídas pela perda do direito à vida».
[25] No sentido da elevação progressiva dos montantes indemnizatórios do dano biológico, Ac. do STJ, de 21.03.2013, Salazar Casanova, Processo n.º 565/10.9TBPVL.S1, Ac. do STJ, de 24.04.2013, Pereira da Silva, Processo n.º 198/06TBPMS.C1.S1, Ac, da RL, de 16.01.2014, Ana de Azeredo Coelho, Processo n.º 9347/11.0 T2SNT.L1-6, Ac. da RG, de 10.04.2014, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 320/12.1TBVCT.G1, Ac. do STJ, de 24.11.2014, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 5572/05.0TVLSB.L1.S1, Ac. da RC, de 10.11.2015, Fonte Ramos, Processo n.º 55/12.5TBOFR.C1, Ac. da RP., de 11.10.2016, Rui Moreira, Processo n.º 805/15.8T8PNF.P1, Ac. do STJ, de 03.11.2016, Lopes do Rego, Processo n.º 1971/12.0TBLLE.E1.S1, Ac. da RL, de 22.11.2016, Luís Filipe Pires de Sousa, Processo n.º 1550/13.4TBOER.L1-7, ou Ac. da RC, de 14.03.2017, Vítor Amaral, Processo n.º 595/14.1TBCBR.C1.