Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
76/15.6GAMSF-D.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: DIREITO DE REMIÇÃO
CONHECIMENTO
PRAZO PARA O SEU EXERCÍCIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Não se encontra prevista na lei a necessidade de notificação dos familiares a que possa assistir o direito de remição, ao contrário do que sucede em relação ao direito de preferência, em que se prevê a notificação nos arts. 800.º, n.º 2, e 819.º, ambos do CPC.
II - Presume a lei que o executado – notificado nos termos gerais – dará conhecimento atempado ao titular da remição (seu familiar) das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito.
III - Cabe, assim, ao executado e respectivos familiares (potenciais remidores) um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem, tempestivamente, o direito de remição.
IV - Na situação de adjudicação de bens ao exequente, que se inclui na previsão da alínea b) do n.º 1 do art. 843º do CPC, o direito de remição deverá ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

A interessada AA, com os fundamentos expostos no requerimento apresentado a 16/10/2023 (ref.ª ...52), reclamou da decisão da Sr.ª Agente de Execução, de 03.10.2023, que recusou, por extemporâneo, o direito de remição por si exercido relativamente ao prédio urbano, sito no ..., freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito no artigo ...27 da matriz predial urbana e descrito sob o artigo ...02.º da Conservatória do Registo Predial ... (ref.ª ...52).
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Por despacho de 26/10/2023, a Mm.ª Juíza “a quo” proferiu a seguinte decisão:
Em face do exposto, sem necessidade de mais considerandos, indefere-se a reclamação apresentada por AA à decisão proferida pela Sr. Agente de Execução em 03.10.2023 (ref.ª ...25).
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Inconformada com essa decisão, dela interpôs recurso a interessada AA e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, salvo devido respeito, não decidiu bem no processo em epígrafe, proferindo uma decisão nula e legal e assim merecedora de reparo por parte deste Tribunal.
2. No âmbito dos autos acima referidos foi proferida a seguinte decisão: “Em face do exposto, sem necessidade de mais considerandos, indefere-se a reclamação apresentada por AA à decisão proferida pela Sr. Agente de Execução em 03.10.2023.”
3. Tal decisão foi proferida na sequência da reclamação apresentada pela interessada da decisão da senhora agente de execução que decidiu indeferir o pedido de remição apresentado considerando-o extemporâneo, por já ter aceite o pedido de adjudicação formulado pelo exequente.
4. Entende desde logo a recorrente que o despacho recorrido enferma de nulidade processual pela inobservância do dever de julgar e decidir nos termos do disposto no artº 615º nº 1 al. d) do CPC.
5. Na reclamação apresentada pela aqui recorrente além de outros fundamentos alegou esta em suma que se verificava a decisão de adjudicação da senhora agente de execução enfermou de ilegalidade na medida em que foi emitido o título antes que fossem esgotados os prazos processuais para reclamação/recurso.
6. Como consta das peças processuais juntas a este recurso, o pedido de adjudicação, efetuado pelo exequente, teve decisão de aceitação por parte da senhora agente de execução, datada de 15.06.2023, presumindo-se todas as partes nomeadamente o exequente, executados e reclamante notificadas eletronicamente a 19.06.2023.
7. Tratando-se de uma decisão do Agente de Execução, as partes poderiam dela reclamar/recorrer, sendo que, o prazo de tal reclamação, terminava apenas a 29.06.2023, com o acréscimo dos 3 dias úteis seguintes com multa, o que significa que as partes dispunham até ao dia 4.07.2023 para reagir juridicamente.
8. Tendo a senhora Agente de execução emitido o título de transmissão no dia 28.06.2023 fácil é de concluir que o mesmo foi emitido antes do decurso do prazo para reclamação, já que este como se disse só findava a 4.07.2023.
9. Logo, a emissão do título de transmissão – que as partes representadas processualmente apenas tiveram conhecimento com o requerimento apresentado pelo exequente – é ineficaz, porquanto, ocorreu antes do decurso do prazo que as partes tinham à disposição para poderem reclamar da decisão da senhora agente de execução.
10. E sendo ineficaz não pode o exequente valer-se dele como pretende e isso levou a interessada ao conhecimento do senhor juiz do Tribunal a quo peticionando em suma que fosse declarada a ineficácia do ato e consequentemente se determinasse a sua invalidade já que tal consubstancia uma irregularidade processual que cabe ao Tribunal conhecer.
11. Sucede que o Senhor juiz de direito do Tribunal a quo nada disse neste sentido omitindo o dever de se pronunciar acerca desta questão concreta colocada pela interessada.
12. Tal omissão do dever de julgar/decidir uma questão concreta colocada pelas partes consubstancia uma nulidade processual ao abrigo do disposto no artº 615º nº 1 a. d) do CPC cujo conhecimento este Tribunal deve conhecer.
13. Caso assim não se entenda, a decisão recorrida enferma de nulidade e ineficácia do acto impugnado de emissão do título de transmissão antes do decurso dos prazos processuais para reclamação/recurso da decisão subjacente.
14. A recorrente foi notificada, através de comunicação eletrónica dirigida ao seu mandatário, datada de 3.10.2023, da decisão da senhora agente de execução, nomeada nos presentes autos, que decidiu indeferir o direito de remição apresentado pela aqui interessada.
15. Considerou assim a senhora agente de execução, mal diga-se, que o direito de remição exercido pela aqui recorrente, foi extemporâneo e, nessa sequência, recusou o mesmo e fê-lo, porque como acima já dito já havia aceite o pedido de adjudicação formulado pelo exequente e realizado as demais démarches processuais sem que fossem esgotados os prazos processuais em curso.
16. Desde logo, importa reter que a senhora agente de execução deixou expressamente consignado na sua decisão que na presente data, ainda “não procedeu à entrega do bem ao exequente” – Vide último parágrafo da decisão reclamada, o que por si só é relevante para também se verificar a ilegalidade assacada ao acto impugnado e confirmado por decisão judicial.
17. Como consta dos autos, no dia 19 de julho de 2023, a aqui recorrente enquanto mulher/cônjuge do co-executado, BB, apresentou nos autos o pedido de exercício do direito de remição na aquisição do prédio urbano da freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...27.
18. No dia 25 de julho, veio o exequente opor-se ao exercício de tal direito, alegando que o direito de remição era extemporâneo, pelo facto de já ter sido emitido o título de transmissão.
19. A este requerimento, veio a interessada responder, por requerimento datado de 1de agosto de 2023, assacando várias ilegalidades à referida adjudicação, peticionando à senhora agente de execução que considerasse válido o direito de remição exercido. A este requerimento, veio a senhora agente de execução responder, com a decisão que acima se transcreveu.
20. Decisão esta, com a qual não se concordou, como se disse, e por isso se apresentou a reclamação em apreço alegando em suma que o pedido de remição foi apresentado de forma tempestiva, não havendo assim fundamento legal para que a senhora agente de execução o recusasse, como fez.
21. A adjudicação a favor do exequente não ocorreu no âmbito da venda em leilão eletrónico, mas sim, em momento posterior, uma vez que aquele leilão já havia terminado.
22. Como referido o pedido de adjudicação, efetuado pelo exequente, teve decisão de aceitação por parte da senhora agente de execução, datada de 15.06.2023, presumindo-se as partes – exequente, executados e reclamante – notificadas eletronicamente a 19.06.2023.
23. Tendo em conta que se trata de uma decisão do Agente de Execução, as partes poderiam dela reclamar/recorrer, sendo que, o prazo de tal reclamação, terminava apenas a 29.06.2023 com o acréscimo dos 3 dias úteis seguintes com multa, o que significa que as partes poderiam reclamar/recorrer até 4.07.2023.
24. Como a interessada fez constar em sede de reclamação a senhora agende de execução andou com “demasiada pressa” ao emitir um título antes do decurso dos prazos legais de reclamação da decisão que deferiu a adjudicação, já que a senhora agente de execução emitiu esse título de transmissão, no dia 28.06.2023 quando, como se disse, o prazo para reclamação da decisão, apenas findava no dia 4.07.2023.
25. Tal questão, já invocada supra nestas alegações como nulidade processual – já que o senhor juiz de direito dela não conheceu – sempre se teria de considerar uma irregularidade processual que afeta a validade do acto praticado já que não poderia a senhora agente de execução emitir o título antes que se considerasse precludido, pelo decurso do prazo, o direito de reclamar/recorrer.
26. A emissão do título a favor do exequente é ineficaz, porquanto, ocorreu antes do decurso do prazo que as partes tinham à disposição para poderem reclamar da decisão da senhora agente de execução.
27. E sendo ineficaz tal deveria ter sido decidido pelo Tribunal a quo, o que não foi, pelo que, não sendo de proceder a arguida nulidade sempre se requer a Vªs Exªs que tomem posição e nessa medida declarem reconhecida a referida ineficácia, porquanto como se disse, a senhora agente de execução emitiu o título de transmissão antes de o poder fazer.
28. A senhora agente de execução não poderia ter em 28.06.2023 emitir o título de transmissão uma vez que a decisão que lho permitia só se consolidava juridicamente a 4.7.2023.
29. Ao praticar o referido acto a senhora agente de execução agiu em sentido contrário à Lei proferindo assim uma decisão nula e ineficaz na esfera jurídica dos demais interessados, nomeadamente da aqui recorrente.
30. A consequência jurídica da prática do acto por parte da senhora agente de execução, sem que o pudesse fazer, ou seja, a prática de um acto ineficaz e nulo, é declaração de nulidade do mesmo com todas as consequências legais, nomeadamente de ser anulado o registo de aquisição a favor do exequente.
31. Devendo assim Vªs Exªs como de direito se afigura devido revogarem a decisão inserta no despacho recorrido e nessa sequência julgarem procedente a reclamação apresentada pela recorrente considerando-se nulo e ineficaz o acto de emissão do título de transmissão a favor do exequente e consequentemente válido e tempestivo o exercício do direito de remição por parte da ora recorrente.
32. Ademais, pugna a recorrente, pela ilegalidade da decisão recorrida na medida em que decidiu o senhor juiz do tribunal a quo, mal entende-se, que sob a senhora agente de execução não impendia o dever legal de notificar os preferentes sobre a publicitação da oferta da adjudicação, entendendo a recorrente não ser correcto e legal tal entendimento.
33. Tal entendimento da recorrente encontra escora a além de outros por exemplo no Acórdão proferido no processo 830/15.9T8ACB-D.C1 que refere que depois do termo do prazo da reclamação, deveria a AE notificar os preferentes, o que não fez.
34. Há até quem defenda, que é obrigatória a publicitação da oferta da adjudicação, em termos semelhantes à venda e, só após e nos termos do disposto no artigo 800º do CPC, é que se podem seguir os demais termos processuais.
35. Nos autos em apreço, também não ocorreu essa publicitação, pois que, apenas foram notificados os executados e o credor reclamante e não todos os demais interessados na aquisição do bem e eventuais preferentes e/ou remidores.
36. Pelo que, também por este segundo fundamento, a decisão da senhora agente de execução se encontra errada e merecia reparo por parte do Tribunal a quo, reparo este que deveria passar pela necessária decisão que considerasse inválida, ilegal e ineficaz a adjudicação levada a efeito pelo exequente e, consequentemente, considerasse válido, legal e tempestivo o direito de remição exercido pela aqui recorrente.
37. Ao assim não ter decidido o Tribunal a quo, e caso o demais não proceda, espera a recorrente que Vªs exºs reponham a legalidade neste processo assim considerando por ser consequência de facto, de direito e de justiça.
38. Entende ainda a recorrente que caso o demais não procedesse sempre teria o senhor juiz de considerar nos termos do disposto no artigo 843º  nº 1 al. d) do CPC, que o direito de remissão poderia ser exercido até ao momento da entrega dos bens.
39. Veja-se a este propósito o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo 306/05.2TBPCV-F.C1: “1 O direito de remição encontra a sua origem na ideia de protecção do património familiar, sendo um direito com origem processual, que se constitui no momento da venda ou da adjudicação dos bens e que no seu exercício tem os mesmos efeitos do direito real de preferência. 2. Quando tem lugar a venda por negociação particular, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do artº 843 nº 1 al. b) do C.P.C. e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito. 3. Estando ainda o remidor dentro do prazo estabelecido na lei para o exercício do seu direito, não pode ter-se o mesmo por precludido antes de decorrido tal prazo, ainda que em momento anterior o remidor tenha pretendido exercer o seu direito, sem observância dos requisitos necessários à sua validade.
40. Como a senhora agente de execução deixou expresso na decisão proferida – vide último parágrafo – a mesma ainda não promoveu, nem na presente data, como também não tinha feito na altura em que a interessada exerceu o direito de remição, à entrega do bem ao exequente/proponente adjudicante.
41. Também por esta razão, o direito de remição exercido pela reclamante teria de ser considerado válido pelo Tribunal a quo, já que, o mesmo poderia ter sido exercido até à entrega do bem; entrega esta que ainda não sucedeu e assim é o pedido de remição válido e atempado.
42. Já que como a senhora agente deixa consignado expressamente ainda não procedeu à entrega do bem – e, sabemo-lo que é verdade, já que na casa ainda se encontra a viver a viúva executada e outros seus filhos igualmente executados, que não foram notificados sequer para entregar o imóvel. De facto, a viúva e outros filhos, co-executados mantêm-se na posse do imóvel, não tendo sido notificados fosse para o que quer que fosse, em termos de entrega do imóvel.
43. Aliás, nem sequer foram as partes notificadas do eventual pagamento dos impostos por parte do exequente, nem do agendamento da assinatura do título de transmissão e, portanto, desconheciam, sem culpa, da emissão do título.
44. É que, inexistindo tais notificações, não tinham as partes como saber das démarches que o exequente estava a realizar no sentido de ocultar a sua pretensão, de fazer seu o imóvel em causa e, assim, impossibilitar os preferentes e os remidores de exercerem o seu direito.
45. O que por si só também é fundamento para a alegação da tempestividade do direito de remição exercido pela aqui interessada/recorrente, sendo que o Tribunal recorrido não decidiu convenientemente esta questão não apreciando a questão como de direito era devido.
46. Pelo que e em suma, pelos fundamentos acima vertidos, bem como, pelos demais de direito que se aplicam, a decisão recorrida é errada e merece ser reparada nesta sede; entende a recorrente que o despacho recorrido não pode manter-se devendo assim ser revogado e substituído por outro que julgando nulo e ineficaz o acto de adjudicação a favor do exequente e consequentemente válido, legal e tempestivo o pedido de remição exercido pela interessada aqui recorrente, fará a devida justiça.
47. A decisão aqui colocada em crise é errada, nula e ilegal por violação entre outros do disposto nos artigos 615º nº 1 al. d), 800º e 843º nº 1 al. d) todos do CPC, bem como uma decisão inconstitucional por violação do disposto no artº 202º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito e de Justiça e com o sempre Mui Douto Suprimento de Vªs Exªs, deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido, e substituindo-o por outro que substituído por outro que julgando nulo e ineficaz o acto de adjudicação a favor do exequente e consequentemente válido, legal e tempestivo o pedido de remição exercido pela interessada aqui recorrente, fará a devida justiça.
Assim se fazendo a habitual e necessária JUSTIÇA!».
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Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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Distribuídos à Secção Criminal, a Exma Juíza Desembargadora relatora excecionou a incompetência em razão da matéria dessa Secção para julgar o recurso, tendo os autos sido redistribuídos à Secção Cível.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Delimitação do objeto do recurso.    
        
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem em saber:
1. Nulidade da decisão;
2. Da nulidade e ineficácia do acto impugnado de emissão do título de transmissão antes do decurso dos prazos processuais para reclamação/recurso da decisão subjacente.
3. Da ilegalidade e ineficácia do acto impugnado pela não notificação dos preferentes e/ou remidores.
4. Da tempestividade do exercício do direito de remição.
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V. Fundamentos

VI. Fundamentação de facto.

As incidências fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos), a que acrescem os seguintes factos/incidências processuais [(resultantes da pesquisa, através do Citius (processo Viewer), dos autos de execução principais n.º 76/15....)]:
1 - A acção executiva (da qual emerge o presente recurso), para pagamento de quantia certa, foi apresentada em 10/07/2018.
2 - O título executivo dado à execução é uma decisão judicial condenatória.
3 - Foi penhorado o prédio urbano destinado a habitação, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., correspondente a uma casa de ... e andar, com o ... destinado a arrumos e o andar destinado a habitação, inscrito na matriz predial urbana com o artigo ...27 da freguesia ... (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...02 da freguesia ....
4 - Por decisão de 5/08/2021, a Sr.ª Agente de Execução decidiu a venda do bem penhorado através de leilão eletrónico na plataforma www.e-leiloes.pt, com o valor base de 9.480,10€ e o valor mínimo de 8.058,09€, sendo aceites propostas de valor igual ou superior a 85% do valor base.
5 - No dia 02/05/2023, foi encerrado o leilão eletrónico do imóvel penhorado, tendo sido apresentadas quatro propostas, todas de valor inferior ao mínimo de venda.
6 – Notificadas as partes da certidão do encerramento do leilão, em 17/05/2023 o Exequente apresentou requerimento de adjudicação do imóvel penhorado nos autos, pelo valor de 8.060,00 euros (ref.ª ...39).
7 - Da referida proposta de adjudicação foram notificadas as partes.
8 - Somente a credora reclamante, EMP01..., S.A., se pronunciou sobre a mesma, tendo-a aceite (ref.ª ...98).
9 - Por decisão de 15/06/2023, e por o valor da adjudicação apresentada ser superior ao valor mínimo de venda, a Sr.ª Agente de Execução decidiu adjudicar o bem imóvel ao Exequente.
10 - Desta decisão de adjudicação, foram as partes notificadas, mediante notificação (eletrónica e postal) expedida em 15/06/2023, não tendo recebido qualquer pronúncia sobre a mesma.
11 - Após o pagamento do preço e cumpridas as obrigações fiscais por parte do Exequente, a Agente de Execução, em 28/06/2023, elaborou o competente título de transmissão e apresentou-o a registo.
12 - O imóvel encontra-se registado a favor do exequente desde ../../2023.
13 - A requerente AA, através do requerimento de 19.07.2023, invocando a qualidade de cônjuge do executado BB, veio, ao abrigo do disposto no art. 942.º do Código de Processo Civil, exercer o direito de remição relativamente ao prédio urbano sito no ..., freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito no artigo ...27 da matriz predial urbana e descrito sob o artigo ...02.º da Conservatória do Registo Predial ....
14 - O exequente, através do requerimento de 25.07.2023, opôs-se a essa pretensão.
15 - A requerente AA, através do requerimento de 01.08.2023, exerceu o contraditório, pugnando pela ineficácia do título de transmissão, uma vez que ocorreu «sem que se tivessem esgotado os prazos processuais para a impugnação da decisão que o subjaz, devendo nessa medida ser proferida decisão nesse sentido repetindo-se as notificações necessárias e em falta, sob pena de se terem de apresentar os competentes recursos para obstar ao cumprimento da referida decisão sem exequibilidade jurídica, por violação e ofensa das regras processuais».
Ou então e, desde já, em alternativa, deve decidir-se ser válido e atempado o pedido de remição exercido pela aqui exponente, seguindo-se os termos processuais subsequentes e já pedidos».
16 - Por despacho proferido em 22.09.2023 foi decidido que a decisão relativa ao exercício do direito de remição incumbe ao Agente de Execução.
17 - Por decisão de 03.10.2023, a Sr.ª Agente de Execução recusou o direito de remição exercido pela interessada AA, dada a sua extemporaneidade.
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VII. Fundamentação de direito.

1. Nulidade da decisão recorrida com fundamento na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
Como é consabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto (arts. 152º, n.º 2 e 607º, ambos do CPC).
Pode, porém, a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito.
Assim, por um lado, nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC[1].
As nulidades de decisão são, pois, vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando), seja em matéria de facto, seja em matéria de direito[2].
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3, do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC. 
Nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula, entre o mais, quando:
- “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Como vício de limites, a nulidade da sentença/decisão enunciada no citado normativo divide-se em dois segmentos, sendo o primeiro atinente à omissão de pronúncia e o segundo relativo ao excesso de pronúncia ou de pronúncia indevida. O juiz conhece de menos na primeira hipótese e conhece de mais do que lhe era permitido na segunda.
Na primeira vertente, a única que ora releva, a nulidade decorre da exigência prescrita no n.º 2 do art. 608.º do CPC, nos termos do qual o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Verifica-se a omissão de pronúncia quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada[3]
Questões, para o efeito do disposto na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, são, “em primeiro lugar, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, qualquer que seja a forma como são deduzidas (pedidos, excepções, reconvenção)”, podendo ser ainda considerados para esse efeito “os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos (controvertidos ou questionados) entre as partes[4].
Doutrinária[5] e jurisprudencialmente[6] tem sido entendido de que só há nulidade quando o juiz não se pronuncia sobre verdadeiras questões não prejudicadas invocadas pelas partes, e não perante a argumentação invocada pelas partes. Por questões não se devem considerar as razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas sim as pretensões (pedidos), causa de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. O que “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido (…)[7].
O juiz não tem, por isso, que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente[8]. De igual modo, o juiz não deverá conhecer questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução já dada a outras.
No caso em apreço a recorrente erige a nulidade da decisão com o fundamento de na mesma nada se dizer sobre a apontada ilegalidade da decisão de adjudicação da senhora agente de execução na medida em que emitiu o título antes que fossem esgotados os prazos processuais para reclamação/recurso.
Ao nada dizer sobre a ineficácia do título de transmissão, advoga que a Mm.ª Juíza “a quo” omitiu o dever de se pronunciar acerca desta questão concreta colocada pela interessada, o que, no seu entender, consubstancia a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC.
Com o devido respeito, afigura-se-nos não se verificar a apontada causa de nulidade da decisão impugnada.
Com efeito, cotejando a decisão recorrida – que consubstancia uma decisão que versa sobre a reclamação duma decisão da Sr.ª Agente de Execução (AE) – nela foram apreciadas e indeferidas as invalidades do título de transmissão invocadas pela reclamante, bem como se concluiu pela extemporaneidade do exercício do direito de remição.
É certo que a decisão em apreço não se pronunciou expressamente sobre aquele concreto argumento – prematuridade da emissão do título de transmissão, por ter ocorrido em momento prévio ao terminus do prazo para as partes e a remidora, querendo, reclamar do título.
Mas, verdadeiramente, do que se trata não é de uma questão carecida de resolução, mas antes de um dos argumentos aventados pela reclamante para sustentar a pretendida revogação da decisão da Sr.ª Agente de Execução.
Todavia, ao decidir não haver qualquer obrigatoriedade da Sr.ª Agente de Execução notificar as partes do processo quer da emissão do título de transmissão – existindo, sim, a obrigatoriedade de comunicar àquelas e aos credores reclamantes a decisão quanto ao destino do bem, o que foi levado a efeito –, quer do eventual pagamento por parte do exequente dos impostos ou do agendamento da assinatura do título de transmissão, a decisão recorrida acabou por concluir pela inverificação das invalidades do título de transmissão invocadas pela reclamante.
Relembre-se que o Tribunal não é obrigado a apreciar todos os argumentos, mas sim as questões controvertidas.
Bem ou mal, com acerto ou não, fundadamente ou não, a verdade é que a Mm.ª Juíza “a quo” pronunciou-se sobre todas as questões a decidir objeto da reclamação apresentada, inexistindo qualquer omissão de pronúncia.
O que verdadeiramente está em causa não é a nulidade da decisão impugnada, mas antes o eventual erro de julgamento da matéria de direito.
Nesta conformidade, a aludida objeção, não consubstanciando uma nulidade da decisão, será, sim, ulteriormente analisada quando se apreciar a bondade do mérito da decisão recorrida
Em suma, não se verificando omissão de pronúncia sobre questão(ões) de que o Tribunal tivesse de apreciar, resta concluir pela improcedência da invocada nulidade da decisão com fundamento na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC).
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2. Da nulidade e ineficácia do acto impugnado de emissão do título de transmissão antes do decurso dos prazos processuais para reclamação/recurso da decisão subjacente.
Reproduzindo os argumentos aduzidos a respeito da inovação da nulidade da decisão recorrida, reitera a recorrente que a emissão do título de transmissão a favor do exequente é ineficaz, porquanto ocorreu antes do decurso do prazo que as partes tinham à disposição para poderem reclamar da decisão de adjudicação da senhora agente de execução.
Concretiza, afirmando que a senhora agente de execução não poderia ter emitido o título de transmissão em 28.06.2023, uma vez que a decisão que lho permitia só se consolidava juridicamente a 4.7.2023.
Conclui que, ao praticar o referido acto, a senhora agente de execução agiu em violação da lei, proferindo, assim, uma decisão nula e ineficaz na esfera jurídica dos demais interessados, nomeadamente da recorrente.
Vejamos.
Em causa está a pretensão do exercício do direito de remição por parte da requerente AA, cônjuge do executado BB, relativamente ao prédio urbano identificado nos autos, advogando para o efeito que o exercício daquele direito não só é tempestivo, como lhe deve ser judicialmente reconhecido.
No quadro da venda executiva, a lei, tendo em vista a proteção do património familiar do executado, dá ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes e ascendentes daquele, o direito de haverem para si os bens alienados na ação executiva, mediante o pagamento do maior preço que tenha sido oferecido, quer por terceiros, quer pelo exequente ou credores reclamantes[9].
A esse respeito o art. 842.º do CPC dispõe:
Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda”.
O cônjuge (independentemente do regime de bens do casamento), o descendente ou o ascendente do executado tem, sem dependência de qualquer notificação[10], o direito a adquirir os bens adjudicados (art. 799º) ou vendidos (art. 811º), pelo preço oferecido pelo adjudicatário ou pelo comprador aceite[11].
E, só é deferido ao cônjuge e aos familiares referidos no art. 842º do CPC, pela hierarquia estabelecida no art. 845º do mesmo código.
O direito de remição consiste num meio de protecção do património do executado, na medida em que permite que o mesmo se conserve na esfera patrimonial dos seus familiares diretos em caso de adjudicação ou venda, sem prejudicar a satisfação do crédito exequendo[12].
A protecção da família, através da preservação do património familiar, evitando a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado, é, deste modo, o objectivo da consagração legal do direito de remição[13].
Como refere José Alberto dos Reis[14]:
 “Com a atribuição deste direito não se prejudicam os credores, pois que a estes pouco importa que o adquirente seja uma pessoa da família do devedor, ou uma pessoa estranha. O que aos credores interessa é o preço por que os bens são vendidos; ora os remidores hãode pagar, pelo menos, o preço que pagaria um comprador alheio à família do devedor.
Desta maneira, o direito de remição representa uma homenagem prestada à família do devedor. Homenagem justa, porque evita a desagregação do património familiar; homenagem inocente, porque nenhum prejuízo causa aos credores”.
Embora na sua actuação prática o direito de remição funcione como um direito de preferência dos titulares desse direito relativamente aos compradores ou adjudicatários, “os dois direitos têm natureza diversa, já pela base em que assentam, já pelo fim a que visam”. Quanto à diversidade de fundamento, “ao passo que o direito de preferência tem por base uma relação de carácter patrimonial”, sendo a razão da titularidade o condomínio ou o desdobramento da propriedade, já “o direito de remição tem por base uma relação de carácter familiar, sendo a razão da titularidade o vínculo familiar criado pelo casamento ou pelo parentesco (a qualidade de cônjuge, de descendente ou de ascendente)”. Quanto à diversidade de fim, enquanto “o direito de preferência obedece ao pensamento de transformar a propriedade comum em propriedade singular, ou de reduzir a compropriedade, ou de favore­cer a passagem da propriedade imperfeita para a propriedade perfeita”, “o direito de remição inspirase no propósito de defender o património familiar, de obstar a que os bens saiam da família do executado para as mãos de pessoas estranhas[15]. Depois, enquanto o direito de preferência é exercitável sempre que ocorra uma venda ou dação em cumprimento, o direito de remição só cabe na adjudicação ou na venda em processo executivo[16] [17].
Ao direito de remição sempre foi atribuída prevalência sobre o direito de preferência (art. 844º, n.º 1, do CPC) –  embora, naturalmente, se houver vários preferentes e se abrir licitação entre eles, a remição tenha de ser feita pelo preço correspondente ao lanço mais elevado (n.º 2 do mesmo artigo) –, o que leva a doutrina a qualificar o direito de remição como um “direito de preferência qualificado[18] ou um “direito de preferência reforçado[19].
Tendo em conta a concreta questão decidenda importa ter também presente o quadro legal atinente à adjudicação de bens.
Prevendo sobre a adjudicação, o n.º 1 do art. 799º do CPC estipula que o “exequente pode pretender que lhe sejam adjudicados bens penhorados, não compreendidos nos artigos 830.º e 831.º, para pagamento, total ou parcial, do crédito”.
Nas palavras de Rui Pinto[20], “[n]a adjudicação o direito ao pagamento forçado é realizado, na totalidade ou em parte, mediante a transferência da titularidade dos bens penhorados, sem entrega de um preço”.
Consiste a adjudicação em atribuir ao exequente ou a qualquer credor reclamante a propriedade dos bens penhorados suficientes para o seu pagamento. Não se visa obter dinheiro para com ele pagar o credor, mas satisfazê-lo, no todo ou em parte, mediante a entrega de determinados bens do executado, anteriormente penhorados.
Por levar à exoneração do devedor mediante a prestação de coisa diversa da devida, a adjudicação de bens reconduz-se a uma dação em cumprimento ((datio in solutum – art. 837º do Cód. Civil)[21]. Mas, se o valor dos bens adjudicados ultrapassar o montante do crédito, teremos um negócio misto de dação em cumprimento e compra[22].
Enquanto forma de pagamento do exequente e dos credores reclamantes, a adjudicação de bens é uma modalidade especial de venda executiva. E é uma venda executiva, visto que o requerimento de adjudicação pode dar origem a um específico tipo de venda judicial mediante propostas em carta fechada de preço superior ao oferecido pelo requerente[23].
Pretendendo o exequente obter a satisfação, total ou parcial, do seu crédito mediante a adjudicação a seu favor dos bens penhorados, deve o mesmo apresentar um requerimento nesse sentido junto do agente de execução, indicando expressamente o preço que oferece, o qual não pode ser inferior a 85% do respetivo valor base (art. 799º, n.ºs 1 e 3 do CPC).
O requerimento de adjudicação pode ser apresentado em qualquer altura do processo executivo, enquanto os bens penhorados não forem vendidos em sede executiva[24].
Uma vez apresentado o requerimento de adjudicação de bens penhorados, cabe ao agente de execução fazer a adjudicação; mas, se à data do requerimento já estiver anunciada a venda por propostas em carta fechada, esta não é sustada e a pretensão só é considerada se não houver pretendentes que ofereçam um preço superior pelo bem penhorado (n.º 4 do art. 799º).

Segundo o disposto no art. 800.º (“Publicidade do requerimento”) do CPC:
«1 - Requerida a adjudicação, é esta publicitada nos termos do artigo 817.º, com a menção do preço oferecido.
2 - O dia, a hora e o local para a abertura das propostas são notificados ao executado, àqueles que podiam requerer a adjudicação e bem assim aos titulares de direito de preferência, legal ou convencional com eficácia real, na alienação dos bens.
3 - A abertura das propostas tem lugar perante o juiz, se se tratar de bem imóvel, ou, tratando-se de estabelecimento comercial, se o juiz o determinar, nos termos do artigo 829.º; nos restantes casos, o agente de execução desempenha as funções reservadas ao juiz na venda de imóvel, aplicando-se, devidamente adaptadas, as normas da venda por propostas em carta fechada».

Na adjudicação, o procedimento a observar reconduz-se ao da própria venda em execução por proposta em carta fechada com a seguinte diferença essencial: na venda, inexistindo propostas, o bem não será vendido; na adjudicação, como o respetivo requerimento implica a indicação de um preço, se inexistirem propostas que cubram o preço indicado, o bem penhorado será atribuído ao requerente, por via da aceitação do preço proposto (art. 801º, n.º 1, do CPC); sendo apresentada proposta de maior preço, observa-se, com as devidas adaptações, o disposto nos arts. 820.º e 821.º (n.º 2); se o requerimento de adjudicação tiver sido feito depois de anunciada a venda por propostas em carta fechada e a esta não se apresentar qualquer proponente, logo se adjudicam os bens ao requerente (n.º 3).
No caso sub júdice, trata-se de um bem imóvel penhorado que, por decisão de 5/08/2021, foi colocado à venda através de leilão eletrónico, com o valor base de 9.480,10€ e o valor mínimo de 8.058,09€, sendo aceites propostas de valor igual ou superior a 85% do valor base.
O leilão eletrónico do imóvel penhorado foi encerrado no dia 02/05/2023, tendo sido apresentadas quatro propostas, todas de valor inferior ao mínimo de venda.
Notificadas as partes da certidão do encerramento do leilão, o exequente em 17/05/2023 apresentou requerimento de adjudicação do imóvel penhorado nos autos, pelo valor de 8.060,00€; dessa proposta de adjudicação foram notificadas as partes, sendo que somente a credora reclamante, EMP01..., S.A., se pronunciou sobre a mesma, tendo-a expressamente aceite.
Uma vez quer o valor da adjudicação apresentada era superior ao valor mínimo de venda, a Sr.ª Agente de Execução, por decisão de 15/06/2023, decidiu adjudicar o bem imóvel ao Exequente.
Dessa decisão de adjudicação, foram as partes notificadas, mediante notificação (eletrónica e postal) expedida em 15/06/2023, não tendo recebido qualquer pronúncia sobre a mesma.
Após o pagamento do preço e cumpridas as obrigações fiscais por parte do exequente, a Agente de Execução, em 28/06/2023, elaborou o competente título de transmissão e apresentou-o a registo, estando o imóvel registado a favor do exequente desde ../../2023.
Objeta a recorrente aduzindo para o efeito que uma vez que o pedido de adjudicação, efetuado pelo exequente teve decisão de aceitação por parte da senhora agente de execução, datada de 15.06.2023, presumindo-se as partes – exequente, executados e credora reclamante – notificadas eletronicamente a 19.06.2023 e uma vez que o prazo para dedução de reclamação de tal acto terminava apenas a 29.06.2023 ou, mediante o pagamento de multa a que alude o art. 139º, n.ºs 5 e 6, do CPC, a 4.07.2023, a emissão do título de transmissão a favor do exequente, no dia 28.06.2023, quando o prazo para reclamação da decisão ainda estava em curso, é ineficaz, porquanto foi emitido antes de o poder fazer.
Dando como válida tal premissa – ou seja, tendo como adquirido que o título de transmissão foi emitido antes do termo para dedução de reclamação do acto da senhora agente de execução –, importa determinar as consequências decorrentes dessa irregularidade.
Como é sabido, a lei prevê as nulidades processuais que “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa dos actos processuais[25], na medida em que os atos processuais são atos instrumentais que se inserem na complexa unidade de um processo, de tal sorte que cada ato é, em certo sentido, condicionado pelo precedente e condicionante do subsequente, repercutindo-se mais ou menos acentuadamente no ato terminal do processo, pondo em risco a justiça da decisão[26].
Porém, como refere Alberto dos Reis[27], há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades“, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos.
As nulidades principais (tipificadas ou nominadas) estão previstas, taxativamente, nos arts. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e, por sua vez, as irregularidades (nulidades secundárias, atípicas ou inominadas) estão incluídas na previsão geral do art. 195º do CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art. 199º do mesmo diploma.
Atento o disposto no art. 195º e segs. do CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem a observância do formalismo requerido.
Não se trata de vícios que respeitem ao conteúdo do ato, mas tão só de vícios atinentes à sua existência ou formalidades[28].
Tais irregularidades só determinam a nulidade do processado a) quando a lei assim expressamente o declare ou b) quando o vício cometido possa influir no exame ou na decisão da causa (ou seja, quando se repercutem na sua instrução, discussão ou julgamento ou, no processo executivo, na realização da penhora, venda ou pagamento)[29].
E se o primeiro caso não levanta dúvidas, no segundo caso é ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entenda que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa[30].
Este sistema remete o juiz para uma análise casuística, suscetível de só invalidar o ato que não possa, de todo, ser aproveitado, sendo certo que a nulidade de um ato acarreta a invalidação dos atos da sequência processual que daquele dependam absolutamente[31].
A verificação dos pressupostos da nulidade processual não se basta com uma apreciação em abstrato, carecendo, sim, de ser aferida em função das circunstâncias do caso concreto, de modo a poder concluir-se que a irregularidade verificada era suscetível de influir no exame ou na decisão da causa.
Como anteriormente se explicitou, está em causa a alegada ineficácia do título de transmissão, uma vez que o mesmo foi emitido em momento prévio ao terminus do prazo para as partes e a própria remidora, querendo, reclamarem da decisão de adjudicação.
Sucede que, tendo as partes (exequente, executados e credora reclamante) sido notificadas dessa decisão – e, como adiante veremos, a remidora não foi nem tinha de ser notificada –, mediante notificação (eletrónica e postal) expedida em 15/06/2023, nenhuma delas deduziu reclamação ao referido acto, no prazo em curso [que, como vimos, no limite findava a 4.07.2023].
Somente a 16/10/2023, a ora recorrente interessada, na qualidade de remidora, apresentou reclamação daquele acto.
Ora, a emissão prematura do título de transmissão, podendo traduzir uma situação em que o acto foi praticado num momento da tramitação em que tal não era ainda permitido, não consta no rol das nulidades previstas nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.
Representa, pois, a prática de um acto que a lei não admite, que é suscetível de ser integrada na previsão do art. 195º do CPC, configurando irregularidade ou nulidade secundária, que só determina a nulidade do processado subsequente àquele acto se influir no exame e decisão da causa.
No que especificamente respeita ao processo ajuizado, importa ter presente que nos movemos no âmbito de uma ação executiva para pagamento de quantia certa, e, quanto ao bem penhorado, o processo encontra-se na fase de venda desde 5/08/2021, sendo que no dia 02/05/2023 foi encerrado o leilão eletrónico do imóvel penhorado, tendo sido apresentadas quatro propostas, todas de valor inferior ao mínimo de venda.
Subsequentemente, o Exequente apresentou requerimento de adjudicação do imóvel penhorado nos autos, pelo valor de 8.060,00 euros (superior ao valor mínimo de venda), que não mereceu qualquer oposição das partes, pelo que foi objeto de decisão de adjudicação, a qual também não recebeu qualquer pronúncia pelas partes.
Mais resulta dos autos que, após o pagamento do preço e cumpridas as obrigações fiscais por parte do Exequente, a Agente de Execução, em 28/06/2023, elaborou o competente título de transmissão e apresentou-o a registo, estando o imóvel registado a favor do Exequente desde ../../2023.
Ora, não tendo sido atempadamente deduzida reclamação da decisão de adjudicação, nem tão pouco tendo a recorrente exercitado o seu direito de remição naquele prazo de reclamação do acto do AE – que, como se disse, findava a 4/07/2023 –, não poderá concluir-se que a alegada prematura emissão do título de transmissão fosse suscetível de influir na decisão da venda (ou mesmo no exercício do direito de remição).
A prática prematura daquele ato apenas seria relevante se tivesse sido atempadamente deduzida alguma reclamação (pelo exequente, pelo credor reclamante e/ou pelos executados) ou se nesse período temporal o direito de remição tivesse sido exercido, o que não é o caso.
A prematuridade da emissão do título de transmissão não afetou a adjudicação do bem em causa, nem coartou (indevidamente) o direito de remição de que a recorrente se arroga, posto que só ulteriormente esta se apresentou a pretender exercer esse direito.
Donde se conclui que a prática do acto em causa antes do tempo é inócua e irrelevante, não influindo no ato da venda, nem da remição.
Termos em que improcede o referido fundamento da apelação.
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3. Da ilegalidade do acto impugnado pela não notificação dos preferentes e/ou remidores.
Pugna a recorrente pela ilegalidade da decisão recorrida na medida em que entende que impendia sobre a senhora agente de execução o dever legal de notificar os preferentes sobre a publicitação da oferta da adjudicação.
Em bom rigor, defende a obrigatoriedade de notificação da proposta de adjudicação aos remidores.
Mais refere que há até quem defenda – embora não identifique a quem se pretende reportar – que é obrigatória a publicitação da oferta da adjudicação, em termos semelhantes à venda e, só após e nos termos do disposto no art. 800º do CPC, é que se podem seguir os demais termos processuais.
No tocante à primeira questão, já antes enunciámos que não se encontra prevista na lei a necessidade de notificação dos familiares a que possa assistir o direito de remição, ao contrário do que sucede em relação ao direito de preferência, em que se prevê a notificação nos arts. 800.º, n.º 2, e 819.º, ambos do CPC.
Com efeito, “sendo o interesse tutelado com o instituto da remição o interesse do círculo familiar do executado, por ele, desde logo, encabeçado, – e não propriamente qualquer interesse endógeno e típico da acção executiva – considerou justificadamente o legislador que se não impunha complicar e embaraçar a normal tramitação da execução com a averiguação da possível existência de familiares próximos do executado e as diligências tendentes a permitirem a sua localização, com vista a notificá-los pessoalmente para o eventual exercício da remição: cabe, deste modo, ao executado e respectivos familiares um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem tempestivamente o direito de remição, sem, com isso, porem em causa a legítima confiança que o adquirente dos bens em processo executivo legitimamente depositou na estabilidade da aquisição patrimonial que realizou[32].
Em igual sentido entendem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[33]: “Sendo o interesse tutelado pelo instituto da remição o círculo familiar do executado, não existe qualquer dever de proceder a averiguações no sentido de identificar familiares próximos do executado ou a sua localização e notificação pessoal para efeitos de exercício de tal direito, não sendo aplicável ao instituto do direito de remição o regime previsto no atual artigo 819.º (STJ 13-09-12, 4595/10).
A lei presume que o executado (ou o insolvente) dará conhecimento atempado ao titular da remição das vicissitudes relevantes para o eventual exercício de tal direito (STJ 14-12-16, 577/10, STJ 10-12-09, 321-B/1997, RC 21-02-2010, 494/2018 e RG 19-06-2019, 1169/14). Recai, assim, sobre o potencial remidor um ónus de acompanhar os termos da execução para exercer, tempestivamente, o seu direito”.
Donde, tal como se concluiu na decisão recorrida, e ao contrário do propugnado pela recorrente, não há qualquer obrigação de a Exma. Sr.ª Agente de Execução notificá-la para, querendo, exercer o direito de remição, nem tão pouco – acrescentaríamos – sobre a proposta de adjudicação.
Quanto à segunda questão dir-se-á tão somente que a publicitação da adjudicação a que alude o n.º 1 do art. 800º do CPC não tem lugar autonomamente quando o requerimento de adjudicação for apresentado após o anúncio da venda por propostas em carta fechada[34]. Sendo o pedido de adjudicação apresentado depois de frustrada a venda por meio de propostas em carta fechada, não haverá necessidade de nova publicitação, desde que o proponente ofereça montante igual ou superior ao fixado no n.º 2 do art. 816, devendo apenas observar-se o respetivo contraditório[35].
Na situação dos autos a proposta de adjudicação do bem penhorado foi notificada às partes (credor reclamante e executados), sendo que somente a Credora Reclamante, EMP01..., S.A., quanto a ela se pronunciou, tendo-a aceite.
Também a decisão de adjudicação do bem penhorado da Exma. Sr.ª Agente de Execução foi notificada às partes, não tendo recebido qualquer pronúncia sobre a mesma.
Ora, como já antes dissemos, os eventuais remidores não tinham de ser (pessoalmente) notificados de tais actos processuais.
E, tendo-se frustrado a venda através de leilão eletrónico não se impunha nova publicitação da oferta da adjudicação nos termos do n.º 1 do art. 800º do CPC, havendo tão só de observar o respetivo contraditório, o que foi feito.
Assim, inexistindo qualquer irregularidade na publicitação da proposta de adjudicação, igualmente improcede o fundamento em apreço.
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4. Da tempestividade do exercício do direito de remição.
Sustenta a recorrente que o direito de remição poderia ser exercido até ao momento da entrega dos bens nos termos do disposto no art. 843º, n.º 1, al. d) do CPC, entrega esta que ainda não sucedeu e, assim, seria o pedido de remição válido e atempado.
Com vista a garantir a estabilidade da venda judicial ou extrajudicial realizada, tutelando os direitos do comprador de boa fé, a lei estabelece limites temporais até ao qual pode ser exercido o direito de remição e que varia consoante a modalidade da venda e a formalização (ou não) desta por escrito.
Assim, nos termos do disposto no art. 843º do CPC, o direito de remição pode ser exercido:
“a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º;
b) Nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta”.
Do citado normativo resulta que o termo final do exercício do direito de remição difere consoante a modalidade de venda: no caso da venda mediante propostas em carta fechada, será até à emissão do título de transmissão dos bens ou no prazo de cinco dias, contados do termo do prazo que é concedido ao proponente ou preferente para depositar a totalidade ou parte do preço em falta (cf. art.º 824º, n.º 2 do CPC); nas demais modalidades de venda, pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
Em qualquer situação, a remição tem de ser exercida antes de a venda se encontrar completa[36].
No que respeita à tempestividade do exercício do direito de remição, defrontamo-nos com dois valores ou interesses antagónicos, ambos susceptíveis de tutela constitucional: por um lado, o direito do remidor em não ser arbitrariamente privado da possibilidade de salvaguarda e manutenção do património familiar, através da criação de regimes procedimentais desproporcionadamente preclusivos ou limitativos – e como tal violadores do art. 20º da Constituição; por outro lado, a expectativa legítima do adquirente dos bens em não ver a estabilidade e a eficácia da venda executiva abalada, através de um exercício inadmissivelmente tardio e abusivo do direito do remidor, susceptível de ofender o princípio da confiança, ínsito no do Estado de direito democrático[37].
No caso sub júdice, trata-se de bem imóvel que, na sequência do encerramento de leilão eletrónico, foi objeto de requerimento de adjudicação pelo exequente, que foi aceite, tendo este procedido ao pagamento do preço e cumprido as obrigações fiscais.
Estando integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão – no caso tratou-se de uma adjudicação in solutum imprópria, visto que o adjudicatário tinha um credor graduado antes dele – o bem é adjudicado e entregue ao requerente da adjudicação, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, comunicando de seguida a venda ao serviço de registo competente, que procede ao registo do facto e, oficiosamente, ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado, nos termos do n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil (art. 827º do CPC).
Com efeito, a regra é, de acordo com o disposto no art. 827º, n.º 1, “ex vi” do art. 802º, ambos do CPC, que, adjudicado o bem, este é entregue.
A adjudicação formaliza-se pela emissão do título de transmissão a favor do adquirente, não existindo um qualquer outro momento próprio para o efeito distinto desse. O título certifica apenas a venda executiva, não sendo um elemento constitutivo dessa venda[38].
Não existe uma previsão legal expressa no sentido da necessidade da comunicação da data em que será lavrado o título de transmissão, impondo apenas a lei que o preço se mostre depositado antes disso.
Estando em causa uma adjudicação de bens ao exequente, que, efectivamente, se inclui na previsão da alínea b) do n.º 1 do art. 843º do CPC, o direito de remição deveria ter sido exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
Invoca a recorrente/remidora que poderia exercer o direito de remição até à entrega do bem, o que, ao momento do seu requerimento, ainda não ocorrera.
Como se explanou na decisão recorrida, decorre do referido normativo que não se torna necessário a efetivação da entrega do imóvel para que o eventual detentor do direito de remição já não o possa exercer, bastando, para tanto, que não o exerça até à data da entrega e assinatura do título de transmissão.
Na verdade, a tramitação processual legal não prevê outro momento depois da assinatura do título para que o remidor possa exercer o seu direito, pois que a entrega do bem apenas originará outra tramitação se aquela não tiver lugar de forma voluntária (cf. art. 828º do CPC).
Donde se conclui que o direito de remição há-de ser exercido até ao momento da adjudicação, ali não incluindo a opção pelo momento da entrega do bem[39].
No caso, como vimos, a adjudicação do imóvel ao exequente ocorreu a 15/06/2023, o título de transmissão que documenta tal facto data de 28.06.2023, encontrando-se o imóvel registado a favor do exequente desde ../../2023
Sendo assim, constata-se que o título que documenta a venda, no caso o título de transmissão, foi assinado a 28.06.2023.
Tendo, pois, presente que o título de transmissão foi assinado em 28.06.2023, após o pagamento do preço e do cumprimento das obrigações fiscais por parte do Exequente – por se tratar de uma adjudicação in solutum imprópria –, é de concluir que o direito de remição exercido por AA, através do requerimento de 19.07.2023, é extemporâneo.
Na verdade, estando completa a venda ao momento em que a recorrente pretendeu exercer o seu direito de remição é de concluir que o seu exercício revela-se extemporâneo, mostrando-se o mesmo precludido.
Sendo a remição um mecanismo de protecção do património do executado, sem prejudicar a satisfação do crédito exequendo, nem as legítimas expetativas dos credores, funcionando como um direito de preferência a favor da família no confronto com estranhos, tal não significa que possa ser exercido a todo o tempo, antes fixando a lei um termo final que no caso vertente não foi observado[40].
Importa, por fim, reiterar o já afirmado na decisão recorrida, no sentido de que as partes não tinham de ser notificadas do eventual pagamento por parte do exequente dos impostos, nem do agendamento da assinatura do título de transmissão.
Tendo o executado sido notificado da proposta de adjudicação de bens apresentada pelo exequente, com a indicação do respetivo preço, bem como da ulterior decisão de adjudicação, estava ele, desde logo, em condições de advertir o seu familiar directo para se apresentar a exercer o direito a remir.
Como vimos, presume a lei que o executado – notificado nos termos gerais – dará conhecimento atempado ao titular da remição (seu familiar) das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito; cabe, assim, ao executado e respectivos familiares (potenciais remidores) um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem, tempestivamente, o direito de remição.
Deste modo, tendo sido observadas as regras da publicitação da adjudicação de bens, não se antevê em que medida o exequente poderia estar a ocultar a sua pretensão de fazer seu o imóvel e, assim, impossibilitar os remidores de exercerem o seu direito.
Bem andou, por isso, a decisão recorrida ao julgar extemporâneo o exercício do direito de remição, pelo que tal decisão tem de se manter, com a consequente improcedência da apelação.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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VI. DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da apelante (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 24 de outubro de 2024

Alcides Rodrigues (relator)
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira (1ª adjunta)
António Figueiredo (2º adjunto)



[1] Cfr. Ac. da RP de 24/01/2018 (relator Nélson Fernandes), in www.dgsi.pt. e Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, pp. 598/601.
[2] Cfr. Ac. do STJ de 17/10/2017 (relator Alexandre Reis), Acs. da RG de 4/10/2018 (relatora Eugénia Cunha) e de 5/04/2018 (relatora Eugénia Cunha), todos disponíveis in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 1/4/2014 (relator Alves Velho), Processo 360/09, Sumários, Abril/2014, p. 215, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2014.pdf.
[3] Cfr. Ac. do STJ de 28/02/2013 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Antunes Varela, R.L.J., Ano 122, p. 112.
[5] Cfr., entre outros, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 371 e António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 364.
[6] Cfr. Ac. do STJ de 8/11/2016 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt.
[7] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 713.
[8] Cfr. Ac. do STJ de 30/04/2014 (relator Mário Belo Morgado), in www.dgsi.pt. e Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil Atualizado à Luz do CPC de 2013, 6ª ed., Coimbra Editora, 2014, pp. 69/70.
[9] Cfr. J.P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum À Face do Código Revisto, Almedina, 2000, p. 401.
[10] Como adiante melhor explicitaremos.
[11] Cfr. José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º (artigos 627º a 877º), 3ª ed., 2022, Almedina, p. 834.
[12] Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almeida, pp. 392/393.
[13] Cfr. entre outros, João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II – AAFDL Editora, 2022, p. 936, Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, p. 381; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 1999, Almedina, p. 238; José Lebre de Freitas, A acção executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., Gestlegal, p. 388; José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º (artigos 627º a 877º), 3ª Ed., 2022, Almedina, p. 834; J. P. Remédio Marques, obra citada, p. 401; António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II - Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, Almedina, 2020, p. 263; Marco Carvalho Gonçalves, Lições (…), pp. 392/393; Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, 2018, p. 886.
[14] Cfr. José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2.º, reimpressão, Coimbra Editora, 1985, pp. 488‑489.
[15] Cfr. José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2.º, …, pp. 477‑478; Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 277/07, de 2/05/2007 (relator Mário José de Araújo Torres), in www.dgsi.pt.  
[16] Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, obra citada, p. 238.
[17] Ressalve-se, no entanto, que o direito de remição deve ser admitido sempre que a venda de bens tenha o carácter coactivo, de que se reveste no processo de execução e, portanto, também no processo de insolvência (cfr. decisão singular da RC de 14-07-2014 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt.).
[18] Cfr. José Lebre de Freitas, A acção executiva …, p. 388.
[19] Cfr. J. P. Remédio Marques, obra citada, p. 401.
[20] Cfr. A Acção Executiva, AAFDL Editora, 2018, p. 943.
[21] Segundo João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, na tipologia da adjudicação in solutum há que distinguir entre a adjudicação própria e a própria:
- Na adjudicação in solutum própria, o adjudicatário não tem credores graduados antes dele; neste caso, o adjudicatário pode receber os bens ou os créditos em pagamento do seu crédito e não tem de pagar à execução o preço oferecido, dado que nenhum credor tem de ser pago pelo produto dessa aquisição.
O preço representa, assim, o montante da dívida do executado que o adjudicatário aceita que se extinga com a adjudicação.
- Na adjudicação in solutum imprópria, o adjudicatário tem credores graduados antes dele; nesta hipótese, só pode receber os bens se pagar o seu preço, dado que esta quantia é necessária para proceder ao pagamento daqueles credores.
O preço é o montante que o adjudicatário aceita pagar à execução pela aquisição dos bens (cfr. Manual de Processo Civil, Volume II – AAFDL Editora, 2022, p. 930/931).
[22] Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, obra citada, p. 213.
[23] Cfr. J. P. Remédio Marques, obra citada, p. 395.
[24] Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Lições (…), pp. 363, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo (…), Vol. II (…), p. 215 e João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II – AAFDL Editora, 2022, p. 931.
[25] Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, 1993, p. 176.
[26]  Cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, p. 103.
[27]  Cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra Editora, 1945, p. 357.
[28]  Cfr. Lebre de Freitas, Introdução Ao Processo Civil - Conceitos e Princípios Gerais À luz do Novo Código, 4ª ed., Gestlegal, 2017, p. 24.
[29] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, 2017, p. 401.
[30] Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pp. 484/485.
[31] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, Almedina, p. 235.
[32] Cfr. Ac. do STJ de 10/12/2009 (relator Lopes do Rego), de 13/09/2012 (relator Abílio Vasconcelos), processo n.º 4595/10.2TBBRG.G1.S1, e Ac. da RP de 17/03/2016 (relator Filipe Caroço), in www.dgsi.pt.
[33] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, (…), pp. 264/265 (anotação ao art. 843.º do CPC).
[34] Cfr. Ac. da RC de 18/12/2013 (relator Barateiro Martins), in www.dgsi.pt. e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, (…), p. 217 (anotação ao art. 800.º do CPC).
[35] Cfr. Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, 2ª ed., Almedina, 2017, p. 481.
[36] Cfr. João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II - 2022, p. 937.
[37] Cfr. Ac. do STJ de 10/12/2009 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt.
[38] Cfr. João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, op. cit., p. 924; Ac. da RL de 13/09/2022 (relatora Micaela Marisa da Silva Sousa), in www.dgsi.pt.
[39] Cfr. Ac. da RL de 13/09/2022 (relatora Micaela Marisa da Silva Sousa), in www.dgsi.pt.
[40] Cfr. Ac. da RL de 13/09/2022 (relatora Micaela Marisa da Silva Sousa), in www.dgsi.pt.