Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
413/18.1T9VVD-A.G1
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: PENA DE MULTA
PRAZO DE PAGAMENTO
AUSÊNCIA DE CULPA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PRISÃO SUBSIDIÁRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – O prazo de quinze dias previsto no artigo 489.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, para o pagamento da multa, tem natureza peremptória.
II – A lei atribui ao condenado o ónus de comprovar a ausência de culpa na falta do pagamento da multa por ser ele o principal interessado em evitar as consequências do não pagamento e quem se encontra em melhores condições para fazer a demonstração da ausência de culpa.
III – Para aferir da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos previstos no artigo 49.º, n.º 3 do Código Penal, ainda que o arguido não tenha indicado prova do alegado, deve o tribunal considerar os factos assentes, para o efeito relevantes, que constem da sentença condenatória.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

1. No processo comum singular n.º 413/18...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de BragaJuízo Local Criminal de Vila Verde, em que é arguido AA, com os demais sinais nos autos, foi proferido o despacho de 23.04.2024 que determinou o cumprimento de 140 dias de prisão subsidiária e que não suspendeu a execução da prisão subsidiária, bem como o despacho de 17.05.2024 que manteve a decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária e de não suspensão da execução da prisão subsidiária.
2. Inconformado, o arguido recorreu de ambos os despachos com a apresentação de dois recursos autónomos, formulando no termo das respectivas motivações as seguintes conclusões [as conclusões do segundo recurso repetem integralmente as conclusões do primeiro recurso] (transcrição):
«1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido nos autos, na firme convicção que o mesmo enferma de nulidade, atento o incumprimento de várias formalidades legalmente prescritas e que, em boa verdade, influenciam o exame e a decisão da causa bem como, de uma errada e insuficiente qualificação jurídica que serviu de base à decisão, a qual vai em sentido bem diferente daquele que, Vossas Excelências elegerão, certamente, como mais acertado, depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria de facto e de direito, e à luz dos meios probatórios disponíveis.
2. O objecto do presente recurso consubstancia-se na impugnação da decisão proferida pelo Tribunal a quo nos seguintes termos:
- Não concorda o ora arguido com a posição assumida pelo Tribunal a quo quanto à condenação de cumprimento de pena subsidiária de prisão devido a apresentação de prova de extrema insuficiência económica, prova bastante, que demonstra que a razão de não pagamento não lhe é imputável.
- O ora recorrente afirma não conformidade da decisão com o princípio da proporcionalidade, bem como com o do afastamento das penas detentivas. Baseia-se este pedido na não concordância com a decisão proferida pelo tribunal a quo de que o artigo 439.º n.º 2 do CPP se trata de um prazo peremptório, porquanto no entendimento da ora recorrente o prazo estabelecido trata-se de um prazo meramente ordenador. Por fim, não encontra fundamento para a interpretação do art. 49.º n.º 3, do Código Penal, efectuada pelo tribunal a quo e, também, com a discriminação, não constitucionalmente admissível, entre aquele que dispõe de meios económicos e aquele que dos mesmos não dispõe para cumprir a prestação de forma imediata.
3. Desde logo, salvo o devido respeito, jamais o ora recorrente poderá concordar com o entendimento do Tribunal recorrido. O arguido é pobre e não têm possibilidades económicas neste momento de pagar a totalidade ou parte da pena de multa a que foi condenado, apesar de todas as diligências nesse sentido, mas pode-se dizer em prol da verdade que sobrevivem devido às ajudas de familiares e amigos.
4. O arguido não liquidou a pena de multa a que foi condenado porque não pode, não porque não quis.
5. Neste momento, o arguido não tem mesmo possibilidades económicas de liquidar a multa em todo ou em parte, nem tem a quem recorrer de modo angariar o valor para liquidar o montante em dívida.
6. Face ao exposto, vem o arguido por este meio requerer a V.Ex.as mui respeitosamente a execução da prisão subsidiária seja suspensa pelo período a determinar oficiosamente mediante o cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.
7. Portanto, o arguido não pagou a multa aplicada em substituição da pena de prisão, pelo que inexistindo bens suscetíveis de execução para pagamento coercivo, vai ser determinado o cumprimento da pena de prisão.
8. Tal pode, no entanto, ser evitado, se for preenchida a hipótese prevista no n.º 3 do art.º 49.º, a que o arguido faz apelo. Dispõe essa norma que: “3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os poderes ou regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem é declarada extinta.”
9. Ora, face aos factos expostos ao longo do processo conclui-se que o arguido não possui meios para pagar a multa, pelo que se justifica que a pena seja suspensa, mediante a sujeição do arguido a regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.
10. O mais adequado à sua situação até pela sua idade será a de prestação de tarefas ou trabalhos, a favor da comunidade, pelo período correspondente ao tempo de prisão que falta cumprir.
11. O douto Tribunal a quo indeferiu, por extemporâneo, o requerimento de pedido de substituição de pena de multa por trabalho a favor da comunidade, concluindo que o prazo a que alude o art. 439º nº 2, do Código de Processo Penal é um prazo peremptório.
12. O ora recorrente não concorda com essa interpretação, entendendo que o prazo previsto no art. 439º nº 2 do Código de Processo Penal é um prazo meramente ordenador. Realça que os prazos peremptórios estabelecem o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado, enquanto que, por seu turno, os prazos meramente ordenadores estabelecem um limite de tempo para a prática dos actos, mas nem por isso se praticados após o decurso desse prazo perdem a validade.
Eis, pois, as questões que o Arguido, ora recorrente, colocam ao prudente arbítrio de V.Ex.as e que, melhor que ninguém, V. Ex.as Venerandos Desembargadores, melhor ajuizarão.
Pelo que, dando provimento ao presente recurso, V. Ex.as, fazendo como sempre a melhor inteira e sã JUSTIÇA.»

3. O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões (transcrição):
«1.ª O prazo processual previsto no artigo 489.º, n.º 2 do C.P.P. constitui um prazo peremptório e, como tal, não se tendo provado justo impedimento, a pretensão apresentada pelo recorrente, além do prazo de 15 dias contados das notificações para proceder ao pagamento voluntario da pena de multa, da sua substituição por trabalho a favor da comunidade, teria de ser indeferida, conforme sucedeu no despacho recorrido.
2.ª A opção politico-criminal pelas penas não detentivas da liberdade não representa, por certo, a possibilidade concedida ao condenado de cumprir a pena que lhe foi aplicada pela forma que mais lhe aprouver e a seu bel-prazer, como parece ser sua intenção.
3.ª Pois, as penas consubstanciam sacrifícios para que se sinta o efeito censurável da prática do crime, desmotivando a sua repetição futura, tratando-se, como a própria designação indica, de uma reacção criminal, a qual não está dependente de uma qualquer posição (ou predisposição) do condenado para o seu cumprimento. 4.ª É sobre o condenado que recai o ónus de comprovar que o não pagamento da multa lhe não é imputável, com vista a beneficiar da possibilidade de suspensão da execução da prisão subsidiária prevista no artigo 49.º, n.º 3 do C.P.
5.ª Perante a falta de qualquer iniciativa da parte do recorrente no sentido de comprovar a sua alegada impossibilidade em ter efectuado o pagamento da multa imposta, é legítima a inferência extraída no sentido em que o não fez culposamente e daí justificar-se e impor-se o cumprimento da prisão subsidiária tal como decretado.
6.ª Atento tudo o que se deixou exposto, é nosso entendimento que a decisão recorrida não violou qualquer disposição legal, mostrando-se devidamente fundamentada, justa e adequada.
Sendo assim, nenhum reparo merece a decisão recorrida.
Como tal, deve o presente recurso apresentado pelo condenado ser declarado improcedente por infundado, mantendo-se a decisão recorrida e, consequentemente, o cumprimento dos dias de prisão subsidiaria fixados, o que pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado (cfr. artigo 49.º, n.º 2 CP).

TERMOS EM QUE deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente e, em consequência, mantendo a decisão recorrida, farão V. Exas. JUSTIÇA.

4. Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na vista a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal([1]), emitiu parecer no sentido de que o recurso do arguido não deverá obter provimento.
5. Foi cumprindo o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP.
6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.
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II - FUNDAMENTAÇÃO

1. O despacho proferido em 23.04.2024 tem o seguinte teor (transcrição):
«I.
O arguido AA foi condenado, por sentença transitada em julgado a 01-09-2023, pela prática de um crime de abuso de confiança agravado, previsto nos artigos 205, nºs 1. e 4, al. a), e 202, al. a), do Código Penal, na pena de duzentos e dez dias de multa, à taxa diária de seis euros.
O arguido não efetuou o pagamento da pena de multa, da sua responsabiüdade.
Foram efetuadas diligências para aferir da possibilidade de cobrança coerciva das quantias em dívida, resultando as mesmas infrutíferas.
O Ministério Público, em consequência, promoveu a conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária.
Foi concedido o contraditório.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal, «se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntaria ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º».
Deste modo, são pressupostos da conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária: i) que a pena de multa não tenha sido substituída por trabalho; ii) que a multa não tenha sido paga voluntaria ou coercivamente.
Caso se prove que a razão de não pagamento da multa não é imputável ao arguido, a execução da prisão subsidiária pode ainda ser suspensa - n.º 3 do artigo 49.º, do Código Penal.
No caso em apreço, o arguido não procedeu ao pagamento voluntario da pena de multa, não requereu a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, e efetuadas diligências por forma a apurar pela cobrança coerciva desta, as mesmas revelaram-se infrutíferas.
O período da prisão subsidiária a cumprir corresponderá aos dias de multa não paga, reduzido a dois terços, sendo inaplicável o limite mínimo de um mês da pena de prisão, previsto no n.º 1, do artigo 41.º (artigo 49.º, n.º 1 do Código Penal). Nos termos do mesmo artigo, a conversão terá lugar mesmo que o crime não seja punível com pena de prisão.
Por conseguinte, atenta a factualidade acima expressa, não restam dúvidas de que se encontram preenchidos os pressupostos supra referidos, pelo que se converte a pena de 210 dias de multa não paga em 140 dias de prisão subsidiária (artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal).
Não obstante, ressalva-se que o arguido pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, mediante o pagamento, no todo ou em parte, da pena de multa em que foi condenado (artigo 49.º, n.º 2, do Código penal).
II
Em sede de contraditório face à promoção do Ministério Público de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, o arguido veio requerer a suspensão da execução da prisão subsidiária, subordinada ao cumprimento “de prestação de serviço a favor da comunidade”, nos termos do n.º 3 do artigo 49.º do Código Penal, invocando que a razão do não pagamento da multa nunca pode ser imputada ao arguido.
O arguido foi notificado para vir demonstrar nos autos o que alegou no requerimento de 08-11-2023.
O arguido, depois de notificado por mais do que uma vez, veio juntar aos autos com o requerimento de 08-02-2024 uma declaração emitida pelo IEFP, datada de 14~12-2023, de que se encontra desempregado desde 14-12-2013. Mais nada juntou.
Face ao invocado pelo arguido, cumpre chamar à colação o disposto no artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal, que determina o seguinte: «Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.»
Assim, é pressuposto da suspensão da execução da pena subsidiária que o verificado não pagamento da multa aconteça por motivo não imputável ao arguido. É esta circunstância - a não imputabilidade do não pagamento ao devedor, que constitui a condição real da verificação da dita suspensão.
O termo «imputável», usado na norma do citado artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal, aponta para a formulação de um juízo sobre a «culpa» do condenado no não pagamento da multa.
A «culpa» consiste no juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter actuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso (cf. Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. I, pág. 316). Quando se ajuíza a «culpa», mais do que a correcta formulação de bons princípios, importa a ponderação do caso concreto, com todas as variáveis conhecidas do julgador - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-05-2014, processo n.º 355/72.4GCBRG-A.G1, disponível em www.dgsi.pt.
Como decidiu o citado acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-05-2014:
«De salientar, desde já que, ope legis, o dever de provar que o não pagamento da multa aconteceu por motivo não querido do arguido sobre este recai. Não é ao Tribunal que incumbe, em primeira linha, tal prova, mas sim ao arguido. A expressão legal “Se o condenado provar…”, não deixa qualquer dúvida interpretativa. E assim é, porque estando o arguido obrigado ao cumprimento do sentenciado, está ele em condições, em melhores condições de não só alegar porque não satisfaz o quantitativo da multa, como de oferecer provas justificativas dessa alegação. Não significa isto afirmar-se a existência de uma distribuição do ónus da prova, mas sim a constatação de um dever de colaboração do arguido no sentido do apuramento de uma situação que o afecta».
Ou seja, pressuposto da suspensão da execução da prisão subsidiária, é que o arguido prove que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável.
Volvendo ao caso dos autos, desde logo, tenha-se por presente que o arguido não indicou qualquer fundamento plausível ou atendível para, em tempo, não ter requerido o pagamento faseado da multa ou a sua substituição por trabalho a favor da comunidade.
O arguido foi notificado para proceder ao pagamento da pena de multa e nada pagou, nem requereu sequer o pagamento da multa em prestações ou a substituição por trabalho a favor da comunidade.
De salientar que face à irregularidade da anterior notificação e em benefício do arguido, foi este novamente notificado para proceder ao pagamento da pena de multa, com a informação expressa de que poderia requerer o pagamento da multa em prestações ou a substituição por trabalho a favor da comunidade, e com a advertência de que caso não procedesse ao pagamento ou nada requeresse o Tribunal poderia converter a pena em prisão subsidiária. Contudo, nada requereu.
A sentença já transitou em julgado em 01-09-2023. A situação de desemprego data apenas de 14-12-2023, sendo que ademais desconhece o Tribunal a situação atual do arguido.
O arguido apenas juntou uma declaração de que se encontra desempregado desde 14-12-2023, sendo que, salvo prova em contrário, presume-se que a situação de desemprego é uma situação temporária e provisória. Não juntou prova das suas despesas, nem juntou prova de que suporte encargos elevados, ou que se encontre impossibilitado de trabalhar.
O arguido apenas após a promoção do Ministério Público para conversão da pena de multa em prisão subsidiária é que veio alegar dificuldades económicas para não ter procedido ao pagamento da pena de multa. Contudo, quando lhe foi dada uma nova oportunidade para proceder ao pagamento da pena de multa ou requerer o pagamento em prestações ou a substituição por trabalho a favor da comunidade, o arguido nada requereu, nem nada disse.
Acresce que a mera alegação de dificuldades económicas não constitui fundamento bastante para, sem mais, desonerar qualquer condenado da pena (sendo certo que a lei prevê institutos susceptíveis de viabilizar o cumprimento neste casos, que permitem compatibilizar, na justa medida, o direito a uma existência condigna com a garantia da efetividade do sistema judicial e das penas, como sejam o pagamento da multa em prestações ou a substituição da mesma por trabalho comunitário) - neste sentido cf. decisão de 1.ª Instância, cujo excerto se encontra transcrito no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-10-2017, processo n.º 537 /73.7GBMTJ-A.L1-5, disponível em www.dgsi.pt.
Não fez prova da manifesta impossibilidade de pagamento da pena de multa, pelo menos em prestações.
Entende o Tribunal que o arguido não apresentou prova de que o pagamento da pena de multa não lhe é imputável.
Apenas alegou uma situação de desemprego, em dezembro de 2023, mas não alegou estar incapacitado de trabalhar, sendo que após essa data já decorreram mais de 04 meses.
Caso o arguido não conseguisse efetuar o pagamento da pena de multa de uma só vez, deveria então, no devido prazo, ter requerido ao Tribunal o pagamento em prestações ou a substituição por trabalho a favor da comunidade.
Contudo, o arguido, nos prazos devidos, nada disse, optando por se remeter ao silêncio
Apesar de convidado para o efeito, não foi junta prova efetiva pelo arguido quanto à sua atual condição socioeconómica e da sua impossibilidade total de pagamento da pena de multa.
Há que ter por presente que competia ao arguido a prova de que o não pagamento não ocorreu por facto a si não imputável, nos exatos termos consagrados no artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal, o que in casu não ocorreu.
Assim, não se suspende a execução da prisão subsidiária.
*
III
Pelo exposto e com os fundamentos legais invocados, determina-se que o arguido AA cumpra 140 (cento e quarenta) dias de prisão subsidiária.
Notifique, quer o arguido, quer a sua Ilustre Defensora.
Após trânsito:
a) Remetam-se boletins nos termos legais;
b) Nada sendo requerido, emitam-se os competentes mandados de detenção para cumprimento da prisão subsidiária;
c) Os mandados devem conter a indicação do montante da multa, bem como de que a importância a descontar por cada dia ou fração em que o arguido esteja detido é de 9,00 € (nove euros) - cf. n.º 3 do artigo 491.º-A do Código de Processo Penal.
*
Notifique.»
2. O despacho proferido em 17.05.2024 tem o seguinte teor (transcrição):
«Requerimento de 03-05-2024:
O arguido vem novamente requerer a suspensão da execução da prisão subsidiária.
O Ministério Público promoveu o indeferimento.
Ora, cumpre salientar, desde logo, que o Tribunal já tomou posição quanto à requerida suspensão da execução da prisão subsidiária por despacho de 23-04-2024, pelos fundamentos que ali constam, e de que foi o arguido já foi notificado.
Ou seja, já tomou o Tribunal posição no sentido de não suspender a execução da prisão subsidiária.
Ademais, com o novo requerimento não vem o arguido alterar a posição do Tribunal, nem vem carrear elementos ou argumentos passíveis de afetar o já decidido (isto salvo melhor opinião em contrário).
No fundo vem o arguido requerer aquilo que já tinha requerido, sendo que o Tribunal já tomou posição quanto ao requerido.
Dá-se aqui por integralmente reproduzido o despacho de 23-04-2024, cujos fundamentos e posição o Tribunal mantém.
Aliás, até vem o arguido dizer que se encontra a trabalhar, há alguns meses, o que é mais um fundamento precisamente para poder cumprir com o pagamento da pena de multa, pelo menos parcialmente (evitando assim a execução da prisão subsidiária, total ou parcialmente).
Acresce que a afirmação de que se encontra a trabalhar atualmente, prova precisamente aquilo que o Tribunal escreveu no despacho anterior, isto é, de que «O arguido apenas juntou uma declaração de que se encontra desempregado desde 14-12-2023, sendo que, salvo prova em contrário, presume-se que a situação de desemprego é uma situação temporária e provisória»
Continua o arguido sem justificar a razão pela qual, no prazo legal, não requereu a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade ou o pagamento em prestações.
E continua o arguido sem juntar prova do que alega.
Por conseguinte, nada mais cumpre dizer, além do já determinado no despacho de 23-04-2024, mantendo o Tribunal a posição já fundamentada de conversão da pena de multa em prisão subsidiária e de não suspensão da execução da prisão subsidiária.
Notifique.»
*
2. Apreciando

Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim, atenta a conformação das conclusões formuladas em ambos os recursos, importa conhecer das seguintes questões, organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência:
- natureza do prazo previsto no artigo 489.º, n.º 2 do CPP;
- suspensão da execução da prisão subsidiária.

2.1. Da natureza do prazo previsto no artigo 489.º, n.º 2 do CPP
Na perspectiva do recorrente o normativo previsto no n.º 2 do artigo 489.º do Código de Processo Penal deve ser interpretado como estabelecendo um prazo meramente ordenador para a prática do acto.
Como é sabido a execução/cumprimento da pena de multa pode revestir duas modalidades distintas: o pagamento [do quantitativo correspondente ao número de dias fixado], voluntário e coercivo, e a prestação de dias de trabalho.
O pagamento encontra-se regulado nos artigos 489,º, 491.º e 491.º-A do Código de Processo Penal.

Sob a epígrafe «Prazo de pagamento», dispõe o artigo 489.º:

1 – A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impõe e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais.
2 – O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.
3 – O disposto no número anterior não se aplica no caso de pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.

Não tendo sido substituída por trabalho, a multa não paga, voluntária ou coercivamente, determina que o condenado cumpra prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (artigo 49.º, n.º 1 do Código Penal).
Porém, o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, procedendo ao pagamento, total ou parcial, da multa (artigo 49.º, n.º 2 do Código Penal).
Em todo o caso, não sendo imputável ao condenado o não pagamento da multa, a execução da prisão subsidiária pode ser suspensa, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro (artigo 49.º, n.º 3 do Código Penal).
O prazo fixado para o pagamento é o de quinze dias a contar da notificação feita para o efeito ao condenado, salvo no caso de ter sido admitido o seu pagamento diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.
Não existe jurisprudência uniforme quanto à natureza deste prazo que para uns tem natureza peremptória e para outros assume natureza meramente ordenadora.
Salvo o respeito devido por opinião contrária, temos para nós que estamos perante um prazo peremptório para o exercício de um direito pelo condenado, o que significa que, não o actuando no seu decurso, fica precludido o posterior exercício de tal direito (cfr. artigos 104.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 139.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).
Apesar de o n.º 2 do artigo 49.º do Código Penal permitir que o condenado, a todo o tempo, evite, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando a multa em dívida, importa, no entanto, salientar que a prisão subsidiária sempre teve a natureza de sanção de constrangimento, visando, de facto, em último termo, constranger o condenado a pagar a multa, assegurando, por esta via, a sua eficácia enquanto pena criminal([2]).
Por outro lado, como se disse, a prisão subsidiária não será executada feita a prova de que o não pagamento da multa não decorre de culpa do condenado, assegurando-se, desta forma, o respeito pelo princípio de que a prisão constituirá sempre a ultima ratio.
No sentido de que tal prazo tem natureza peremptória já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no AUJ n.º 7/2016 [a respeito do cumprimento da pena de multa de substituição em dias de trabalho] ao afirmar: «(…) Admitindo, pois, o pagamento da multa de substituição em dias de trabalho, esta modalidade de pagamento apenas pode ocorrer quando haja requerimento do condenado (cf. artigo 48.º, do CP). Deve, então, o condenado requerer, no prazo de 15 dias após a notificação para o pagamento, aquela específica modalidade de execução antes de entrar em incumprimento (cf. artigo 490.º, do CPP e artigo 489.º, n.ºs 2, do CPP; caso tenha sido autorizado anteriormente o pagamento em prestações poderá requerer o pagamento em dias de trabalho antes de expirar o prazo para o pagamento da prestação, ou enquanto não ocorrer uma situação de mora).» ([3]).
Improcede, portanto, esta questão.

2.2. Da suspensão da execução da pena de prisão subsidiária
Alega o arguido que, face aos factos expostos ao longo do processo, conclui-se que não possui meios para pagar a multa pelo que se justifica que a pena seja suspensa mediante a sujeição a regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.
Dispõe o n.º 3 do artigo 49.º do Código Penal:
Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, Se os deveres ou regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.    
Assim, desde que o condenado prove que o não pagamento da multa não se deve a culpa sua, deve ser suspensa a execução da pena de prisão decretada na sentença, subordinada ao cumprimento de deveres.
Aqui, como nota Maria João Antunes, quer a impossibilidade de pagamento contemporânea da condenação quer a superveniente levam à suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do n.º 3 do artigo 49.º do CP (artigo 43.º, n.º 2 do CP), quando a razão não seja imputável ao condenado, em observância do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 2, da CRP)([4]).
Compreende-se que a lei atribua ao condenado o ónus de comprovar a ausência de culpa na falta do pagamento da multa, pois, por um lado, é ele o principal interessado em evitar as consequências do não pagamento, e por outro será ele quem em melhores condições se encontrará para fazer a demonstração da ausência de culpa.
O que sucedeu no caso concreto?
O arguido AA foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelos artigos 205.º, nºs 1 e 4, al. a) e 202, al. a) do Código Penal, na pena de duzentos e dez dias de multa, à taxa diária de seis euros.
A sentença transitou em julgado em 01.09.2023.
O arguido, depois de notificado para demonstrar nos autos a insuficiência económica alegada no requerimento de 08.11.2023, procedeu à junção, em 08.02.2024, de declaração emitida pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP, em que se atestava que estava aí inscrito, como candidato a emprego, desde 14.12.2023, isto é, em data posterior à alegada insuficiência, sendo certo que, como refere o tribunal a quo, através do requerimento de 03.05.2024 o arguido veio dizer que se encontra a trabalhar, há alguns meses, o que comprova que a situação de desemprego foi uma situação temporária e provisória e afasta o argumento de não poder proceder ao pagamento da pena de multa, ainda que parcialmente.
E se para aferir da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos previstos no artigo 49.º, n.º 3 do Código Penal, ainda que o arguido não tenha indicado prova do alegado, deve o tribunal considerar os factos assentes, para o efeito relevantes, que constem da sentença condenatória([5]), não menos certo é que da sentença condenatória nada consta acerca da concreta situação social, económica e financeira do arguido e obviamente que não cabe ao tribunal cumprir o ónus imposto no n.º 3 do artigo 49.º do Código Penal, isto é, substituir-se ao arguido na alegação e comprovação de ausência de culpa quanto ao não pagamento da multa.
Improcede, portanto, também esta questão.
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III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar improcedentes os recursos interpostos pelo arguido dos despachos proferidos em 23.04.2024 e 17.05.2024 e, consequentemente, confirmar os despachos recorridos.
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As custas do recurso interposto do despacho de 23.04.2024 serão suportadas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (arts. 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III, anexa a este último diploma).
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As custas do recurso interposto do despacho de 17.05.2024 serão também suportadas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (arts. 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III, anexa a este último diploma).
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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)
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Guimarães, 05.11.2024

Os Juízes Desembargadores
Fernando Chaves (Relator)
Bráulio Martins (1º Adjunto)
António Teixeira (2º Adjunto)
                                                                             


[1] - Diploma a que se referem os demais preceitos legais citados sem menção de origem.
[2] - Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 182, pág. 147; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª edição, 2022, pág. 131.
[3] - AUJ n.º 7/2016, de 16.02.2016, publicado no DR, I Série, de 21.03.2016.
[4] - Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 96. 
[5] - Neste sentido, Acórdão da Relação de Coimbra de 18.03.2015, Proc. 189/11/3PAPBL-B.C1, em que o ora relator interveio como adjunto.