Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7605/08.0TBBRG-AE.G1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: PROTESTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/01/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário:
1. Instaurada a acção nos termos do art. 146º do CIRE – na redacção anterior ao Dec. Lei 185/2009 de 12/08 –, se o demandante solicita na petição inicial que seja lavrado termo de protesto, deve o tribunal fixar prazo para esse efeito, podendo a secção de processos convocar directamente o autor com vista à comparência para assinar o termo respectivo;
2. Não é exigível que o demandante compareça no tribunal para a prática desse acto, independentemente de despacho ou convocação, embora o possa fazer.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2ª secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A massa insolvente [A] Lda, apresentou o requerimento de fls. 1136 a a 1146, pedindo que se “conheça a caducidade dos protestos assinados a fls. 1129 e 1128, com referência aos processos AP. “M” e “N” aos autos principais, para todas as ínsitas e legais consequências”.

Para fundamentar a sua pretensão invoca, em síntese, que o termo de protesto assinado pelos mandatários respectivos, em 30/10/2009, alusivos às acções instauradas por apenso ao processo de insolvência (apensos M e N), foram-no fora do prazo legal pelo que caducaram os efeitos dos protestos.

Notificados os autores dessas acções, estes nada disseram.

Sobre esse requerimento recaiu o despacho recorrido, proferido em 12/01/2010, com o seguinte teor:

“A questão suscitada a fls. 1136 e seguintes foi já apreciada por despacho de fls. 37 do apenso de liquidação do activo, tendo sido determinado nesse despacho que a secretaria lavrasse termo de protesto, pelo que atenta a data dessa determinação e a data da assinatura dos termos de protesto em causa, julga-se não verificada a invocada caducidade.

Custas do incidente pela massa insolvente.

Notifique”.        

Não se conformando, o administrador de insolvência apresentou recurso, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:

“A. Debruça-se o presente recurso sob o douto Despacho concluso em 12/01/2010, transcrito anteriormente na alegação e que aqui se dá por integramente reproduzido, visto que, pese embora o respeito, que é muito, que lhe merece a Meritíssima Juiz do Tribunal aguo que proferiu a decisão aqui em crise, é outro o entendimento da Recorrente;

B. Compulsado o mesmo, verifica-se que não foram conhecidas qualquer umas das questões suscitadas no requerimento de 2 de Novembro de 2009, nomeadamente(…)

Acresce ainda que,

C. Compulsada da douta decisão, não consta qualquer razão ou fundamento quer de facto quer de direito na formulação da decisão recorrida; verificando-se, mesmo, uma falta absoluta de fundamentos e motivação.

D. E ASSIM, FACE AO EXPOSTO, É NULO O DOUTO DESPACHO RECORRIDO, DEVENDO SER SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE, CONHECENDO OS FUNDAMENTOS ARGUIDOS, DETERMINE A CADUCIDADE DOS TERMOS DE PROTESTOS ASSINADOS.

SEM PRESCINDIR, POR MERA CAUTELA, A NÃO SER CONSIDERADO NULO O DOUTO DESPACHO RECORRIDO.

E. Atente-se que o decidido a fls 37, no Ap. de liquidação do activo (L), com o teor anteriormente transcrito e que aqui se dá por integralmente reproduzido, ainda que não pareça, na realidade, não versa sobre a mesma questão; na verdade, encontrando-nos face a mais e novos factos distintos.

F. Resumidamente, neste despacho estava em causa um único apenso (M) e a venda ou não, desses mesmos bens móveis, ainda que, no início deste douto Despacho, quanto ao termo de protesto, ordenou o Tribunal a quo que a secretaria "lavre termo de protesto".

G. Mas não foi isto que aconteceu.  Se fosse apenas isto que estivesse em causa já tinha a massa, na verdade, recorrido. O que na realidade veio a acontecer foi que os respectivos mandatários (Ap. N e M) e não a secretaria, requereram no processo principal que se lavrasse termos de protesto. Sendo que, a douto cunho, os assinaram respectivamente.

H. É sobre esta factualidade que se não pode conformar a massa, situação que, salvo o devido respeito por opinião contrária, a decisão no Ap. L não previu, nem decidiu.

I. NÃO PODIA, ASSIM, NO PRAZO LEGAL, DEIXAR A MASSA DE ARGUIR A CADUCIDADE DOS TERMOS DOS PROTESTOS ASSINADOS PELAS SEGUINTES RAZÕES E FUNDAMENTOS:

a. Foi assinado, a fls. 1129 dos autos, pelo ilustre mandatário judicial da Autora - [B] — Máquinas Industriais, Lda - (Ap. M) e lavrado o termo de protesto, no dia 30/10/2009, pelas 15:44h;

b. Foi assinado, a fls. 1128 dos autos, pelo ilustre mandatário judicial da Autora - [C] — Imobiliária, SA - (Ap. N) e lavrado o termo de protesto, no dia 30/10/2009, pelas 15:32h;

c. As acções em causa foram interpostas, respectivamente, em 24/05/2009 e 22/05/2009, e de acordo com os artigos 146.° e 148.° do CIRE com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 53.°/2004 de 18 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.° 282/2007 de 7 de Agosto;

d. Segundo a lei então em vigor, "Proposta a acção, há-de o autor assinar termo de protesto no processo principal de insolvência", nos termos do n.° 3 do artigo 146.° do GIRE (itálico e negrito nosso);

J. Tinha que o fazer no prazo de 30 dias, visto que, mesmo "Os efeitos do protesto caducam, porém, se o autor deixar de promover os termos da causa durante 30 dias" nos termos do n.° 4 do artigo 146.° do CIRE (itálico e negrito nosso);

K. E, diga-se que, a lei em vigor aquando da data da propositura da acção, em momento algum, obrigava a secretaria do Tribunal a notificar o Autor para este assinar o termo de protesto no processo principal..(…)

N. Na verdade, cabia às partes deslocarem-se à secretaria e assinarem o respectivo protesto; e foi, por sua única e exclusiva responsabilidade que chegamos até esta data sem que tivessem assinado o respectivo protesto e o mesmo não se encontrava lavrado. Sendo que, apenas na tarde de 30/10/2009 o fizeram, em comunhão, note-se.

O. Ora, como supra exposto, o que requereram as partes, nas doutas Petições Iniciais, não faz sustar por si só o decurso do prazo de caducidade, os termos do processo, nem a liquidação por falta de assinatura dos mesmos na secretaria do tribunal, facto que apenas, repita-se, aos mesmos é imputável. E a mais ninguém. (…)

Q. Situação que não se altera, nem podia alterar, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 185/2009 de 12 de Agosto, publicado no Diário da República, 1.a série —N.° 155 — 12 de Agosto de 2009 e que, segundo o seu artigo 9.°, que altera o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, passa o n.° 3 do artigo 146.° a ter a seguinte redacção: Proposta a acção, a secretaria, oficiosamente, lavra termo no processo principal da insolvência no qual identifica a acção apensa e o reclamante e reproduz o pedido, o que equivale a termo de protesto. 4 — A instância extingue-se e os efeitos do protesto caducam se o autor, negligentemente, deixar de promover os termos da causa durante três meses."

R. Ora, "A lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial". "Entre a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na falta de fixação, o que for determinado em legislação especial' conforme o disposto no artigo 5.° do Código Civil.

S. Sendo que, face ao disposto no art. 2.° da Lei n.° 74/98, de 11 de Novembro, com a redacção da Lei n.° 2/2005, de 24 de Janeiro, ... "Na falta de fixação do dia, os diplomas referidos (...) entram em vigor no 5.° dia após a publicação" e estes prazos "contam-se a partir do dia imediato ao da publicação do diploma, ou da sua efectiva distribuição, se esta tiver sido posterior",

T. Ao que acresce o facto de este Decreto-Lei não ter efeitos retroactivos, de acordo com o disposto no n.° 1 do artigo 12.° do Código Civil.

U. Assim, visto que a nova lei apenas entra em vigor cerca de 2 meses após a caducidade do direito das Autoras assinarem o termo de protesto, não faz, nem poderia fazer, a nova Lei renascer um direito já caducado, nos termos do disposto no artigo 298.° do Código Civil.

V. Sendo que, quando o fizeram já o não podiam fazer pois caducado estava o direito das respectivas Autoras.(…)

X. Nesta conformidade, reitera-se que, neste momento já não poderiam ter sido assinados e lavrados os protestos, face à caducidade supra verificada e invocada. Caducidade que, salvo o devido respeito por opinião contrária, nos termos do disposto no artigo 333.° do Cód. Civil, 496.° do Cód. Proc. Civil, aplicável por remissão do disposto no artigo 17.° do CIRE, é de conhecimento oficioso;

Y. Pelo que, não são devidas quaisquer custas da massa pelo alegado incidente.(…)

Não foram apresentadas contra alegações.

Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

Releva para a decisão o seguinte circunstancialismo, que se dá por assente tendo em conta os elementos constantes do processo (de natureza documental):

1. Por sentença proferida em 28/01/2009, cuja cópia consta de fls. 211 a 214, foi declarada a insolvência de [A] Lda.

2. Tal decisão foi publicada no D.R., 2ª série, nº31 de 13/02/2009.

3. Em 25/05/2009 [B]-Máquinas Imobiliária SA instaurou uma acção contra a massa insolvente e outros, que corre termos sob o apenso M, peticionando que:

a) se declare a autora como legítima proprietária dos bens aludidos no art. 5º da petição inicial e se condenem os réus a reconhecer esse direito;

b) se condenem os réus na entrega dos bens aprendidos à autora, declarando-se a sua imediata separação da massa insolvente.

4. Mais se indicando, no fim da petição inicial, que “deverá ser lavrado o termo de protesto no processo principal, para ser assinado pelo A”.

5. Em 25/05/2009 [C] Imobiliária SA instaurou uma acção contra a massa insolvente e outros, que corre termos sob o apenso N, peticionando que:

a) se condenem os réus a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre o imóvel identificado nessa petição inicial e se condenem os réus a entregar imediatamente as chaves do imóvel à autora, repondo-se as fechaduras e portas do mesmo nos exactos termos em que se encontravam;

b) se condenem os réus a remover os equipamentos (maquinaria) existentes no interior do imóvel, dos quais não é proprietária.

6. Mais se indicando, no fim da petição inicial, que “deverá ser lavrado o termo de protesto no processo principal, conforme dispõe o artigo 146º, nº3 do CIRE”.

7. Em 29/10/2009 a massa insolvente apresentou o requerimento junto a fls. 241 a 244 – fls. 30 a 34 do processo respectivo –, peticionando que “se renove o douto despacho ora notificado, no sentido de se proceder amanhã à venda dos bens em questão, conforme acordado pela comissão de credores e pelos termos e fundamentos superiormente expostos”.

8. Para fundamentar esse pedido invocou o seguinte:

“(…)1- Pese embora a Requerente — [B] , ter interposto uma acção judicial nos termos do disposto nos Arts 141° e 146° do CIRE, tinha, conforme refere o n°.3 do citado artigo que lavrar termo de protesto,

2- e assinar o mesmo no processo principal de insolvência.

3- Contudo, até à presente data ainda não foi lavrado qualquer termo de protesto, com respectiva assinatura, no processo principal.

4- Sendo que os «efeitos do protesto caducam, nos termos do nº 4 do Art° 146° CIRE.

Ora,

5- se a Autora não assinar o termo de protesto ou se os efeitos deste caducarem e se se tratar de urna acção para verificação do direito à restituição ou separação de bens, nos termos do disposto na al. b) do Art° 147° GIRE, a Autora só pode tornar efectivos os direitos que lhe forem reconhecidos na respectiva sentença passada em julgado, relativamente aos bens que a esse tempo ainda não tenham sido liquidados, caso contrário, a venda é eficaz e a Autora é apenas em                bolsada do respectivo produto.

Acresce que, por outro lado,

7- O douto Despacho ara notificado é, salvo o devido respeito por opinião contrária, contraditória com decisão anterior - (cfr. douto Despacho concluso em 7/10/2009 no apenso B, quanto a fls. 154 e 155);

Acresce ainda que, por outro lado,

8- No inominado articulado veio a Requerente solicitar que "com base nas factos e com os fundamentos invocados se digne ordenar a sustação da venda em apreço, com as legais consequências" (itálico nosso)_

Com efeito,

9- fundamenta esta sua pretensão com base no n° 1 do Art° 160° do CLRE, ou seja, pelo simples fio de não haver ainda uma decisão transitada em julgado,

10- pondo, desde logo, de parte as excepções que o referido Artigo menciona, por estas não se encontrarem preenchidas.

Ora,

11- salvo o devido respeito pela opinião contrária, que é muito, estamos perante uma Situação que se enquadra no disposto do n.° 2 do Artigo 158.°, por remissão da al. b) do n° 1 do referido Artigo 160.° do C1RE,

Visto que,

12-É lícita a venda, quando se trate das chamadas "vendas urgentes", relativamente a bens que não possam ou não se devam conservar por estarem  sujeitos a deterioração ou depreciação.

(…)

16- Quanto a esta Matéria, conforme consta do processo principal, após notificação da Comissão de Credores, obteve a requerida Massa Insolvente o acordo para a venda dos bens, dando-se assim cumprimento ao preceituado na Lei.

Por outro lado, em jeito de conclusão,

17- Registe-se, que decisão ora notificada, foi doutamente tomada sem que tenham os credores e a Administradora de Insolvência exercido a respectiva defesa ou contraditório

18- Sendo uma verdadeira decisão surpresa. 19-Pelo que, além do mais é nula.

20-Nulidadeque, por estar em tempo e ter legitimidade se invoca para todos os devidos e legais efeitos”.

9. O processo foi concluso ao Sr. Juiz, com a seguinte informação, a que se seguiu o despacho que se transcreve:

“CONCLUSÃO - 30-10-2009 com a informação de que compulsados os autos verifica-se que não foi lavrado termo de protesto referente ao apenso 7605/08.0TBBRG-M, em que é Autor [B]- Máquinas Industriais, Lda.

(Termo electrónico elaborado por Escrivão de Direito ........)

=CLS=

Lavre termo de protesto.

Requerimentos de fls. 31 e seguintes:

A A. da acção que deu origem ao apenso M) não assinou o termo de protesto.

Mas a verdade é que este não foi lavrado pela secretaria, pelo que não pode a interessada ser prejudicada por uma falta do Tribunal.

Não pode a Sra. administradora tirar, então as consequências legais da falta de assinatura do termo de protesto neste caso.

Não há qualquer contradição entre o despacho de fls. 22 e o despacho que informou a Srª administradora que a autorização para a venda dos bens, nos termos do art. 158°, n.° 2, do CIRE, deve ser dada pela comissão de credores e não pelo juiz do processo, uma vez que aquela existe.

Acresce que, transitada a sentença de insolvência e realizada a assembleia de apreciação de relatório, não tendo havido qualquer deliberação em contrário pela assembleia de credores, a Srª administradora da insolvência deverá iniciar a liquidação do activo, com as limitações legais (art. 158°, n.° 1, do CIRE).

A venda urgente a que alude o art. 158°, n.° 2, do CIRE, pressupõe a venda anterior ao momento definido no n.° 1 da mesma disposição legal de bens que não se devam conservar por estarem sujeitos a deterioração (por exemplo, bens consumíveis, que, pela sua natureza, não podem aguardar o tempo normal da liquidação) ou depreciação (bens que atentas as suas características perdem rapidamente valor, e que, por isso, não podem aguardar também o tempo normal da liquidação).

No caso dos autos, a Srª administradora fundamenta a deterioração e a depreciação nos actos de furto e vandalismo que têm vindo a ser praticados.

Com o devido respeito não lhe assiste razão.

O que a Srª administradora deve é providenciar pela segurança de tais bens, no âmbito dos seus poderes de administração da massa insolvente.

Tanto mais que a propriedade dos bens apreendidos nas instalações da freguesia de Lomar, Braga, é controvertida.

Finalmente, importa esclarecer a Srª administradora da insolvência que apesar de não ser preciso a autorização do juiz para a venda antecipada dos bens, o controle da legalidade dos actos praticados pela administradora da massa insolvente é um poder/dever do juiz, principalmente no caso em apreço em que está em discussão a propriedade dos bens que pretende vender e atenta a posição já manifestada no processo pelo A. da acção de restituição de bens.

Quanto à questão da nulidade, por o despacho anterior constituir uma decisão surpresa, cumpre apenas esclarecer que para salvaguardar o efeito útil da decisão, não foi possível aguardar o decurso do prazo para todos os interessados se pronunciarem acerca do requerimento apresentado e que deu causa ao despacho, pelo que não existe qualquer nulidade.

Notifique.”

10. O termo de protesto nas aludidas acções foi elaborado e assinado em 30/10/2009, conforme fls. 40 e 41 dos autos.   

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do C.P.C.  – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 664 do C.P.C.

Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, assentamos que, no caso dos autos, está em causa apreciar, fundamentalmente:

- da nulidade do despacho recorrido (art. 668º, nº1, alíneas b) e d) do C.P.C.);  

- do formalismo adequado à prestação do termo de protesto a que alude o art. 146º, nº 4 do CIRE.

2. Sustenta a apelante que a decisão recorrida incorre em nulidade por duas ordens de razões, a saber, porque a Srª Juiz não conheceu qualquer das questões suscitadas no seu requerimento e, depois, porque se verifica uma “falta absoluta de fundamentos e motivação”.

Vamos então apreciar das nulidades invocadas, invertendo a ordem pela qual foram suscitadas, tendo em conta o disposto no art. 668º, nº1, alíneas b) e d) do C.P.C.

O juiz deve “indicar os factos que considera provados e interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes – art. 659º, nº2 do C.P.C. –, bem como, no que concerne à fixação da factualidade assente, “analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador” – art. 653º, nº2 e 659, nº3 do mesmo diploma –, sob pena de nulidade da sentença –art. 668.º, nº 1, a) b do C.P.C.

Está em causa, fundamentalmente, salvaguardar o dever de fundamentar as decisões, não bastando a simples adesão aos fundamentos alegados pelas partes – art. 158º do C.P.C.–, em consonância com o que dispõe o art. 205.º, n.º 1, da CRP e em ordem a que a decisão seja perceptível aos interessados  a quem a mesma é dirigida e aos cidadãos em geral, permitindo também, de forma mais eficiente, o controlo da sua legalidade.

No entanto, como é pacificamente entendido, apenas a falta absoluta de fundamentação integra o referido vício, e não já a fundamentação deficiente, medíocre ou não convincente.

No caso em apreço, a Srª juiz fundamentou juridicamente a sua decisão e fê-lo de forma suficiente, tanto assim que a apelante alcançou perfeitamente o sentido da decisão, compreendendo-a, como resulta das alegações de recurso.

É certo que o fez incorporando no despacho as razões/fundamentos já explanados em decisão anterior – supra referida sob o nº 9 –, parecendo-nos aceitável tal procedimento, considerando que se trata de decisões proferidas no âmbito do mesmo processo de insolvência e relativas a requerimentos apresentados pelo mesmo sujeito processual, a massa insolvente, representada pela respectiva administradora.

                                                       *

Nos termos do art. 668º nº1, al) d do C.P.C. é nula a sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

A primeira parte do preceito (omissão de conhecimento) tem directa correspondência com o dever imposto ao juiz, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, salvo relação de prejudicialidade (art. 660º, nº2); A segunda (conhecimento indevido) com a proibição do tribunal conhecer outras questões para além daquelas que as partes formularam, justificando-se no entanto a apreciação daquelas que “a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento” (2ª parte do mesmo preceito) [ [i] ].

Delimitando o campo de actuação do tribunal, é pacífico o entendimento que o conhecimento das questões suscitadas pelas partes não se confunde nem se subsume à apreciação de todas as razões ou argumentos expendidos no processo. Como esclarece Alberto dos Reis “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” [ [ii] ].

À luz do que se deixou exposto, parece-nos que o tribunal decidiu da questão suscitada pela requerente sem prejuízo de não se deter em todos os argumentos apresentados pela mesma, o que, como vimos, não releva nos moldes pretendidos pela apelante.

Improcedem, pois, as nulidades invocadas, sem prejuízo de se reconhecer que a fundamentação exposta pela 1ª instância se reconduz ao mínimo processualmente exigível – a que, porventura, não será alheia a circunstância dos Srs. juízes de 1ª instância se verem cada vez mais confrontados com a necessidade de proferir despachos em tempo oportuno, num universo de processos cujo volume excede claramente a medida do razoável.

3. Os artigos 146º a 148º do CIRE – diploma a que aludiremos sempre que não se fizer menção de origem –, com a redacção que decorre do Dec. Lei 282/2007 de 7 de Agosto e que é a aplicável aos autos, considerando a data de instauração do processo de insolvência – saliente-se que aquando da declaração de insolvência e como decorre da mesma, referiu-se expressamente ser essa a redacção aplicável ao processo –,  regulam a verificação ulterior de créditos ou outros direitos, por acção instaurada contra a massa insolvente, os credores e o devedor. No processo está em causa aferir do direito à separação ou restituição de bens, correndo as acções respectivas sob os apensos M) e N).

Nos termos do nº3 do art. 146º, “proposta a acção, há-de o autor assinar termo de protesto no processo principal da insolvência”. A ratio do preceito prende-se com a necessidade de mais facilmente dar a conhecer aos demais intervenientes no processo de insolvência, a pendência da acção respectiva, que corre por apenso. Efectivamente, o processo de insolvência é um processo de execução universal, que tem como finalidade a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, pela forma mais eficiente possível [ [iii] ], pelo que pode assumir dimensão considerável, facilmente se compreendendo que a pendência de acção instaurada em fase posterior e por apenso aos autos de insolvência, escape à percepção da generalidade dos credores reclamantes.

A questão que se coloca prende-se com o formalismo específico para alcançar tal desiderato.

A apelante entende que, instaurada a acção, o demandante tem o prazo de 30 dias para assinar o termo de protesto, sob pena de caducidade dos respectivos efeitos. Mais precisamente, refere a apelante, aludindo aos autores, que estes «tinham que o fazer no prazo de 30 dias, visto que, mesmo “os efeitos do protesto caducam, porém, se o autor deixar de promover os termos da causa durante 30 dias”, nos termos do nº4 do artigo 146 do CIRE».

Salvo o devido respeito, discordamos desta análise.

Em primeiro lugar, não há qualquer preceito indicativo sobre o prazo em que o autor deve lavrar termo de protesto, como linearmente decorre, a contrario sensu, dos arts. 146º a 148º.

Depois, o nº4 do art. 146º – nos termos do qual “os efeitos do protesto caducam, porém, se o autor deixar de promover os termos da causa durante 30 dias” – tem um alcance muito mais vasto. O que daí se retira é, apenas, o seguinte: sempre que o processo estiver parado por inércia do autor, por um período de trinta dias, deixa de haver motivo para este beneficiar dos efeitos do protesto [ [iv] ], parecendo-nos que o juízo valorativo sobre o comportamento do demandante tem de ser similar àquele que é feito a propósito do que dispõe o art. 285º do C.P.C. [ [v] ].

Ora, no caso, não se vislumbra qualquer falta por parte dos demandantes. Efectivamente, estes requereram, expressamente, na petição inicial a prática do acto em causa – elaboração de termo de protesto –, como decorre do circunstancialismo supra exposto, pelo que se impunha que o Sr. Juiz lavrasse despacho nesse sentido, mormente fixando prazo para o efeito, devendo a secção notificar o autor com vista à comparência para a prática do acto [ [vi] ]. Admite-se, até pela simplicidade do acto em causa, que nem sequer seja necessário prévio despacho do juiz, podendo a secção convocar a parte para a elaboração desse acto. Também se aceita que o autor instaure a acção e, sem aguardar qualquer convocação, compareça em tribunal, apresentando-se à secção e dando conhecimento da sua vontade em assinar o termo de protesto [  [vii] ].     

O que já não parece curial é considerar que lhe incumbe essa comparência como mero corolário da instauração da acção, isto é, que sobre ele recaí esse ónus, independentemente de qualquer despacho ou convocação. Uma vez que o acto em causa exige a intervenção do Sr. Funcionário, a quem compete elaborar o termo de protesto, permitindo depois que o demandante coloque a sua assinatura, trata-se de acto processual que não depende exclusivamente do demandante, antes exigindo interacção com a secção de processos [ [viii] ].

No caso, ponderando o circunstancialismo aludido, não se regista qualquer falta na actuação processual dos demandantes, tendo o termo de protesto sido elaborado pela secção na sequência de despacho judicial e tendo os autores assinado o termo respectivo, cuja prestação, saliente-se, requereram ab inicio, aquando da instauração da acção.

Neste contexto, compreende-se o despacho da Srª juiz quando refere, por remessa para um outro que já havia proferido – vide o nº 9 dos factos assentes –, que o termo de protesto “ não foi lavrado pela secretaria, pelo que não pode a interessada ser prejudicada por uma falta do Tribunal. Não pode a Sra. administradora tirar, então, as consequências legais da falta de assinatura do termo de protesto neste caso”.

Noutra ordem de considerações, dir-se-á que o entendimento sufragado pela apelante assacando ao autor o ónus de praticar o acto em causa, de moto próprio, independentemente da actuação do tribunal, conduz a um resultado notoriamente desproporcionado tendo em conta os interesses em jogo – em bom rigor, o termo de protesto, elaborado nos autos de falência, não prossegue qualquer interesse do demandante mas dos demais credores …. Considerando a finalidade do termo de protesto, estando já instaurada a acção, facilmente se conclui que o termo podia até ser elaborado pela secção sem qualquer intervenção do demandante, não se vislumbrando sequer qualquer utilidade na exigência de que este aponha a sua assinatura no termo, isto é, não há qualquer mais valia na intervenção da parte.

Terá sido essa constatação que levou o legislador a alterar o art. 146º, nº3. Assim, o Dec. Lei nº 185/2009 de 12/08 – que a apelante entende, e bem, não se aplicar aos autos –, veio dar nova redacção ao preceito, estipulando-se agora, apenas, o seguinte:

“Proposta a acção, a secretaria, oficiosamente, lavra termo no processo principal da insolvência no qual identifica a acção apensa e o reclamante e reproduz o pedido, o que equivale a termo de protesto”.

Em suma, entendemos que não se verifica a caducidade invocada pela apelante, mantendo-se a eficácia dos termos de protesto lavrados nas acções em causa.

Improcedem, pois, as conclusões da apelante.

                                                            *

Conclusões:

1. Instaurada a acção nos termos do art. 146º do CIRE – na redacção anterior ao Dec. Lei 185/2009 de 12/08 –, se o demandante solicita na petição inicial que seja lavrado termo de protesto, deve o tribunal fixar prazo para esse efeito, podendo a secção de processos convocar directamente o autor com vista à comparência para assinar o termo respectivo;

2. Não é exigível que o demandante compareça no tribunal para a prática desse acto, independentemente de despacho ou convocação, embora o possa fazer.

                                                           *

Pelo exposto, julgando improcedente a apelação, mantém-se o despacho recorrido.

Custas pela apelante/massa insolvente. 

Notifique.

                                           Guimarães,

(Isabel Fonseca)

(Maria Luísa Ramos)

(Eva Almeida)

[i] Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, p.690; aludindo aos vícios formais e, nestes, aos casos de invalidade da sentença, abrangendo as nulidades, vide Fernando Luso Soares, Processo Civil de Declaração, Almedina, 1985, p. 850-852.      

[ii] Código de Processo Civil Anotado, vol. v, Reimpressão, Coimbra Editora, p. 143.

[iii] Daí a afirmação de que a insolvência é um processo colectivo.
[iv] Quanto às consequências negativas da falta de protesto ou da sua caducidade cfr. os arts. 147º, 160º e 180º, nº1.
[v] Como referem Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p.552), “a interrupção da instância pressupõe que, por imposição de lei especial, as partes, maxime o autor , tenham o ónus de impulso subsequente, em derrogação da regra segundo a qual ao juiz cabe providenciar pelo andamento do processo (art. 265-1). Se, tendo-o, mantiverem o processo parado durante mais de um ano, negligenciando a prática do acto de que depende o seu prosseguimento, a instância interrompe-se”.

[vi] Esse parece ser o entendimento de Carvalho Fernandes e João Labareda, expresso in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Lisboa, 2008, p. 486, nota 8: “O termo de protesto deve ser assinado no prazo fixado pelo tribunal, na sequência do requerimento do reclamante. O decurso do prazo não obsta à assinatura, mas, neste caso, os efeitos do protesto só se produzem a partir da sua efectivação”.
[vii] Arriscando-se a que o serviço do tribunal não se compagine com a prática do acto nesse preciso instante, com os inconvenientes daí decorrentes para o autor.
[viii] Discordamos, pois, do entendimento sufragado no Ac. RL de 18/10/2007, proferido no processo 6657/2007-2 (Relatora: Lúcia de Sousa), acessível in www.dgsi.pt, em que se refere, nomeadamente, o seguinte: “Daí que incumba à reclamante assumir toda a iniciativa dos termos do protesto, pelo que além de o assinar, cabe-lhe promover a sua prévia redacção no processo de falência, e não ficar à espera que os serviços do Tribunal se lhe substituam e, inclusive, a alertem para o ónus que só a ela cabe. Não é, efectivamente, dever do Tribunal adoptar oficiosamente procedimento que a lei prevê para a parte, que só ao seu interesse diz respeito e, que, além do mais, não se confunde com o dos outros interessados, nomeadamente os restantes credores”.