Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1939/14.1T8BRG.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: COMPRA E VENDA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
DEFEITOS
GARANTIA DE BOM FUNCIONAMENTO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Nos termos do disposto nos art.os 651.º, n.º 1 e 425.º, ambos do C.P.C., só excepcionalmente é admissível a junção de documentos na fase processual de recurso, sendo duas as situações que a podem justificar: i) impossibilidade da sua apresentação em tempo oportuno, nos termos definidos pelo art.º 423.º, n.º 3, do C.P.C., a qual se reconduz à superveniência, objectiva ou subjectiva do documento; e ii) a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª Instância, face a uma decisão-surpresa (que não quanto ao resultado).

II – Como resulta da Directiva 1999/44/CE, de 25/05/1999, e do Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que a transpôs para o ordenamento jurídico interno, e da Directiva n.º 2011/83/EU, de 25/10/2011, e ainda da Lei n.º 47/2014, de 28 de Julho, que a transpôs parcialmente para o ordenamento jurídico interno, a protecção concedida aos consumidores, na aquisição de bens e serviços, pressupõe que o vendedor ou o fornecedor dos serviços exerça com carácter profissional uma actividade económica e tenha actuado, na venda ou no fornecimento, no âmbito dessa actividade.
III – No sistema jurídico português a distinção entre coisas novas e usadas, por não ter consagração legal, não pode servir de fundamento para efeitos de excluir a responsabilidade do vendedor, mas o regime do cumprimento defeituoso só encontra aplicação na medida em que essa falta de qualidade exceda o desgaste normal da coisa.

IV – Só os defeitos essenciais da coisa, ou porque a desvalorizam na sua afectação normal, ou porque a privam das qualidades asseguradas pelo vendedor, é que justificam a aplicação do regime estabelecido nos art.os 913.º e sgs. do C.C.

V - Mandando aquele art.º 913.º, n.º 1 aplicar à compra e venda de coisas defeituosas, o regime estabelecido nos art.os 905.º a 912.º, para a venda de bens onerados, o comprador de coisa defeituosa pode pedir:

a) a anulação do contrato, por erro ou dolo, se estiverem verificados os respectivos requisitos – art.os 251.º e 254.º;
b) a redução do preço, quando as circunstâncias do contrato mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por um preço inferior – art.º 911.º;
c) a indemnização do interesse contratual negativo, traduzido no prejuízo que o comprador sofreu pelo facto de ter celebrado o contrato, cumulável com a anulação do contrato e com a redução ou minoração do preço – art.os 908.º; 909.º e 911.º;
d) a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a sua substituição, independentemente da culpa do vendedor, se este estiver obrigado a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, quer por convenção das partes, quer por força dos usos.

VI – A obrigação do vendedor reparar os defeitos da coisa ou substitui-la, caso seja necessário e ela tiver natureza fungível, funda-se na garantia edilícia prestada pelo vendedor, no âmbito da qual resulta que ele garante tacitamente a inexistência de defeitos no bem vendido.

VII – Uma vez que a obrigação de reparação ou de substituição da coisa não existe se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece, é ele que está onerado com alegação e a prova do desconhecimento e da ausência de culpa sua. “
Decisão Texto Integral:
SUMÁRIO

I – Nos termos do disposto nos art.os 651.º, n.º 1 e 425.º, ambos do C.P.C., só excepcionalmente é admissível a junção de documentos na fase processual de recurso, sendo duas as situações que a podem justificar: i) impossibilidade da sua apresentação em tempo oportuno, nos termos definidos pelo art.º 423.º, n.º 3, do C.P.C., a qual se reconduz à superveniência, objectiva ou subjectiva do documento; e ii) a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª Instância, face a uma decisão-surpresa (que não quanto ao resultado).
II – Como resulta da Diectiva 1999/44/CE, de 25/05/1999, e do Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que a transpôs para o ordenamento jurídico interno, e da Directiva n.º 2011/83/EU, de 25/10/2011, e ainda da Lei n.º 47/2014, de 28 de Julho, que a transpôs parcialmente para o ordenamento jurídico interno, a protecção concedida aos consumidores, na aquisição de bens e serviços, pressupõe que o vendedor ou o fornecedor dos serviços exerça com carácter profissional uma actividade económica e tenha actuado, na venda ou no fornecimento, no âmbito dessa actividade. III – No sistema jurídico português a distinção entre coisas novas e usadas, por não ter consagração legal, não pode servir de fundamento para efeitos de excluir a responsabilidade do vendedor, mas o regime do cumprimento defeituoso só encontra aplicação na medida em que essa falta de qualidade exceda o desgaste normal da coisa.
IV – Só os defeitos essenciais da coisa, ou porque a desvalorizam na sua afectação normal, ou porque a privam das qualidades asseguradas pelo vendedor, é que justificam a aplicação do regime estabelecido nos art.os 913.º e sgs. do C.C.
V - Mandando aquele art.º 913.º, n.º 1 aplicar à compra e venda de coisas defeituosas, o regime estabelecido nos art.os 905.º a 912.º, para a venda de bens onerados, o comprador de coisa defeituosa pode pedir:

a) a anulação do contrato, por erro ou dolo, se estiverem verificados os respectivos requisitos – art.os 251.º e 254.º;
b) a redução do preço, quando as circunstâncias do contrato mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por um preço inferior – art.º 911.º;
c) a indemnização do interesse contratual negativo, traduzido no prejuízo que o comprador sofreu pelo facto de ter celebrado o contrato, cumulável com a anulação do contrato e com a redução ou minoração do preço – art.os 908.º; 909.º e 911.º;
d) a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a sua substituição, independentemente da culpa do vendedor, se este estiver obrigado a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, quer por convenção das partes, quer por força dos usos.
VI – A obrigação do vendedor reparar os defeitos da coisa ou substitui-la, caso seja necessário e ela tiver natureza fungível, funda-se na garantia edilícia prestada pelo vendedor, no âmbito da qual resulta que ele garante tacitamente a inexistência de defeitos no bem vendido.
VII – Uma vez que a obrigação de reparação ou de substituição da coisa não existe se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece, é ele que está onerado com alegação e a prova do desconhecimento e da ausência de culpa sua.
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ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- António intentou a presente acção, comum, contra AF e marido Manuel e ainda contra “HF, Unipessoal, Lda.”, pedindo que estes sejam condenados a:

- solidariamente, pagarem-lhe o montante necessário para reparação do veículo automóvel de matrícula ZX;
- solidariamente, indemniza-lo por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu.
Mais pede que seja decretada a redução do preço que pagou pelo referido veículo, em montante não inferior a € 2.000, decorrente da reparação efectuada, que lhe altera o valor do mercado.
Pede ainda que os Réus sejam condenados no pagamento solidário dos juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Fundamenta estes pedidos alegando que, em Fevereiro de 2014, adquiriu a viatura de matrícula ZX, marca “Audi A4”, pelo preço de 14.450 Km., a qual, na altura da compra, apresentava 264.263 Km percorridos, tendo-lhe sido comunicado que a mesma se encontrava em excelentes condições, nunca havia sofrido qualquer sinistro, sido alvo de qualquer reparação de grande monta ou alterada relativamente ao estado de “nova”, para além das normais revisões.
Todo o processo negocial decorreu nas instalações de oficina e stand de automóveis da 3.ª Ré, na presença de funcionários desta, decorrendo com a presença do 2.º Réu, servindo aquela como intermediária de todo o processo negocial.
Alega ainda que já no passado tinha adquirido várias viaturas ao 2.º Réu, tendo-se desenvolvido uma relação de amizade entre si e ele, o qual, à data, se encontrava à frente da “F. CAR”, ainda que com outra designação societária e NIPC diverso, mas localizada no mesmo edifício, dedicando-se às mesmas actividades, com os mesmos funcionários, pelo que sempre associou o Réu Manuel à “F. CAR” e não distinguindo entre a pessoa singular e a colectiva.
Aquele Réu continua a exercer as mesmas funções, ainda que as quotas e gerência da sociedade “HF Unipessoal, Lda.” pertençam ao seu filho.
Relativamente às viaturas anteriormente adquiridas nunca teve motivo de reclamação, apresentando-se as mesmas no exacto estado declarado no momento da aquisição.
Sucede que no dia 8 de Agosto do corrente ano, quando, ele, Autor, se deslocava de Vila Verde para Lisboa, na sua primeira viagem de maior dimensão, próximo de Pombal, verificou que saía fumo branco do motor da viatura e, momentos depois, esta desligou-se, pelo que teve necessidade de recorrer à assistência em viagem, que destacou um reboque ao local para transportar a viatura de volta a Vila Verde, registando a mesma, na altura, 264.672km;
De imediato contactou, telefonicamente, o 2.º Réu, comunicando-lhe o sucedido e solicitando explicações, solicitando-lhe ainda que indicasse uma oficina para a qual devia deslocar a viatura procurando resolver o problema amigavelmente e apurar verdadeiramente o que sucedeu. Aquele, porém, recusou qualquer responsabilidade.
Tendo levado a viatura a uma oficina, que teve de escolher sozinho, pelos mecânicos desta foi-lhe comunicado que o motor já havia sido alvo de uma reparação anterior e as peças originais tinham sido substituídas por outras sem ser da marca AUDI, designadamente a junta da colaça, entre outras, verificando-se ainda que a cabeça onde assenta a junta da colaça apresenta diversos sinais de abrasão, por lixa, lima ou por qualquer outro meio, estando aposta nesta peça a data em que foi fabricada - 22-11-2012 -, pelo que quando foi aplicada a viatura já era propriedade e estava na posse dos 1.º e 2.º Réus.
Mais lhe comunicaram os mecânicos que aqueles sinais e a aplicação da colaça da concorrência, indicam que o motor foi mexido e a reparação anterior não havia sido realizada de acordo com os ditames da arte, o que foi causa da avaria verificada. Os injectores da viatura apresentam-se danificados, situação que já provinha da anterior reparação mal efectuada e que não foi solucionada à data. O orçamento provisório de reparação, que apresentaram, foi do montante de € 2.716,85.
Daqui se depreende que a viatura que lhe foi vendida pelos Réus sofria de vício, à data da venda, que impede o seu uso para o fim a que é destinada, e não apresenta as qualidades asseguradas pelo vendedor e não realiza o fim para o qual foi vendida.
Se soubesse o Autor dos vícios que a viatura padecia, não a teria adquirido, nem qualquer homem dito médio, colocado na sua exacta situação e perante as mesmas condicionantes.
Apesar de ter feito uma nova tentativa junto dos Réus para que assumissem as suas responsabilidades, estes mantêm a recusa.
Encontra-se privado do uso da viatura desde 8 de Agosto até à presente data, e estará até que ela seja efectivamente reparada, não podendo realizar os habituais passeios em família, deslocações a passeios com amigos, bem assim como todas as deslocações que impliquem o transporte de mais de duas pessoas na mesma viatura automóvel, o que lhe causa enorme transtorno e angustia, bem assim como sentimento de inoperância e impotência, sentimentos exponenciados pelo facto de, pensava ele, Autor, ter adquirido um carro topo de gama que lhe iria oferecer conforto merecido como recompensa do seu trabalho e das economias realizadas, e lhe proporcionaria um nível de vida e conforto mais elevados, o que contribui para um grande sentimento de amargura e frustração, vendo gorados os seus intentos pelos quais arduamente trabalhou.
Tal como havia sucedido em todas as transacções anteriores com o Stand “F. CAR”, em que adquiriu as viaturas na posse deste – que não sua propriedade – mas que estavam a seu cargo para encontrar interessados e proceder à venda, esteve sempre ciente que a “F. CAR” agia como representante de terceiros e que na declaração de venda não constaria em nenhum lado o nome daquele Stand, mas este retira lucros de todas as vendas efectuadas de viaturas a seu cargo, agindo em interesse e nome próprio em cada venda.
A Ré “HF Unipessoal, Lda.” contestou, impugnando parcialmente os fundamentos invocados e excepcionou a sua ilegitimidade, alegando que não vendeu ao Autor, nem por si nem por intermédio de qualquer outra pessoa, qualquer veículo automóvel, nomeadamente o veículo que o autor alega ter-lhe comprado, alegando ainda que não tem um Stand e não foi na sua oficina de desmantelamento de carros que ocorreu o negócio.

Mais alega que, sendo ela, Ré, propriedade de um filho dos 1.º e 2.º Réus, tem as suas instalações no mesmo prédio da moradia dos pais, mas não se confunde com os mesmos, estando inclusive instalada num artigo totalmente autónomo e que em nada se confunde com os restantes. Não tem qualquer ligação comercial com a empresa “F. CAR”, comerciante de automóveis, de que o Autor fala, e pode afirmar que a mesma já encerrou actividade há vários anos, nunca o Autor tendo mantido com ela, Ré, ou com o seu gerente, qualquer conversa relativa ao negócio que alega ter efectuado com o 2.º Réu.
Pede ainda a condenação do Autor como litigante de má fé, em multa e indemnização a liquidar ulteriormente, alegando que ele, Autor, tem perfeito conhecimento de que não concluiu contrato de compra e venda de automóvel nenhum com a Ré, dando causa a despesas com honorários de advogado e outros prejuízos.
Os Réus AF e Manuel contestaram, reconhecendo que venderam ao Autor a viatura por este referida, mas pelo preço de € 12.000,00, tendo sido esta a quantia que o Réu recebeu dele. No entanto, eles, Réus, não são comerciantes de automóveis e a 3.ª Ré nada teve a ver com o negócio, sendo certo que o gerente da 3.ª Ré nem teve conhecimento do negócio até o mesmo estar terminado e só soube dele verbalmente.
Alega ainda o Réu ter dito, simplesmente, ao Autor que o veículo estava em boas condições de funcionamento, que desde que o tinha sempre havia funcionado bem, e vinha funcionando, mas avisou-o que já o havia adquirido usado cerca de um ano antes, e, como tal, nada podia dizer relativamente a funcionalidade futura, dizendo-lhe ainda que o vendia no estado em que se encontrava, sem qualquer garantia, tal como o havia comprado. Mais lhe disse que o veículo na sua mão nunca havia sofrido qualquer avaria e que circulava normalmente, o que o próprio Autor atestou quando efectuou o chamado test-drive, experimentando-o, e tendo, só depois, resolvido adquiri-lo.
Ser-lhes-ia impossível, a eles 1.º e 2.º Réus, tomar conhecimento da suposta reparação efectuada anteriormente no motor do veículo, assim como o seria a qualquer homem médio, uma vez que o próprio Autor reconhece que foi preciso proceder a uma elaborada desmontagem para tomar conhecimento de suposta substituição de peças. Quando comprou o veículo, o 2.º Réu experimentou-o e assegurou-se que, enquanto veículo usado, ele estava em condições normais e circulava com normalidade e, por tal, adquiriu-o e com ele circulou até o vender ao Autor sem qualquer problema mecânico.
Mais alegam que o tipo de condução aplicada num veículo automóvel também é factor a contabilizar, e a avaria que o Autor refere ter sucedido, vulgo aquecimento da junta da colaça, pode ocorrer de um momento para o outro, mesmo que o carro seja novo, se ele for sujeito a sobreaquecimento, o que pode sujeitar a danificação da cabeça de qualquer motor.
O Autor pugnou pela improcedência da excepção invocada pela Ré “HF Unipessoal, Lda.”, que, por decisão proferida nos autos, foi julgada parte legítima.
Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu:
a) Condenar os Réus AF e Manuel, solidariamente, a pagar ao Autor o montante necessário para a reparação do veículo automóvel de matrícula ZX, a liquidar oportunamente;
b) Condenar os Réus AF e Manuel, solidariamente, a pagar ao Autor a quantia de € 2.500,00, a título de indemnização, acrescida dos juros que se vençam desde a data da presente sentença e até integral pagamento, sobre o capital de € 2.500,00, à taxa de 4%;
c) Absolver os Réus AF e Manuel do restante conta si peticionado;
d) Absolver a Ré “HF Unipessoal, Lda.” dos pedidos formulados pelo Autor.

Os Réus, inconformados, trazem o presente recurso, propugnando pela revogação da decisão, e a sua substituição por outra que leve em consideração as questões que suscitam e os absolva dos pedidos contra si formulados.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
Colhidos que se mostram os vistos legais, cumpre decidir.
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II.- Convidados e sintetizar as conclusões, os Apelantes apresentaram as seguintes:

a) Os réus juntaram na contestação e nas presentes alegações documentos comprovativos de todos os factos impeditivos que alegou, e que com o devido respeito não foram devidamente apreciadas e valoradas pelo Tribunal A Quo, que face à mesma deveria ter respondido de forma diversa quanto à matéria de facto provada e não provada, pelo que deveria o tribunal a quo ter concluído em sentido diverso ao da decisão proferida.
b) Os recorrentes infirmam que os factos 2, 4 e 6 mereciam decisão diversa, devendo ser reapreciados ser dados como provados:
d) Deve ser dado como provado, porque não o foi e mal, que os réus venderam o veículo ZX ao autor na sua qualidade particular e por conseguinte não estavam perante este obrigados a responder nos termos do estatuído no DL 67/2003 de 8 de Abril, pelo que aplicou mal o tribunal a quo este diploma quando não estava em causa uma venda de automóvel por quem exercia comércio, mas sim 2 particulares, devendo ser alterada a resposta a essa matéria de facto.
e) Bem como deve ser alterada a resposta dada a matéria de facto do ponto n.º 2 dos factos provados, pois ficou provado que foram os agora recorrentes que venderam o veículo matrícula ZX ao autor e não qualquer outra terceira pessoa, não é verdade porém que o valor tenha sido 14.450,00€ como afirmava o autor, mas sim no valor de 12.819,66€ conforme documento n.º 2 junto pelo próprio autor, pelo que decidiu mal o tribunal a quo ao dar como provado o valor do negócio em 14.450,00€.
f) O ponto n.º 4 dos factos provados foi mal apreciado pelo tribunal a quo, pois não poderia ter sido dado como provado, uma vez que não se produziu em audiência de discussão e julgamento que o negócio tenha ocorrido nas instalações da segunda ré, mas sim no logradouro da casa dos primeiros réus.
g) O ponto n.º 5 dos factos provados também ele se encontra erradamente apreciado pelo tribunal a quo, pois na verdade a prova testemunhal refere veículos comprados à "F. CAR" e não ao réu na sua veste particular como é a situação em causa nos autos, pelo que quando muito deveria ter ficado como provado que o autor havia comprado mais carros anteriormente à sociedade da qual o réu marido era sócio, tal como depois vem explanar ao dar como provado no ponto 6, ao afirmar que o réu explorava tal estabelecimento (vide docs. já juntos).
h)Tal fica comprovado pela junção dos IRS dos últimos anos dos réus AF e Manuel, onde não se comprova o exercício comercial de venda de automóveis enquanto empresário em nome individual por qualquer um deles ou como sócio de qualquer sociedade ligada ao ramo, pelo que existiu má apreciação da prova produzida que acima de tudo não provou que o mesmo exercesse essa actividade quando adquiriu a viatura matrícula ZX, e que lha tenha vendido na qualidade de comerciante.
i) O autor não provou os factos enumerados nos pontos 7 e 8, nem por documentos nem por prova testemunhal, pelo que por maioria de razão não poderiam ter sido dados como provados.
j) Pelas razões já aduzidas supra o artigo 2.º da contestação deveria ter sido dado como provado e não o foi pelo que concluiu mal o tribunal a quo.
k) Deveria ter sido dado como provado que a referência do réu sobre o veículo ZX era sobre a boa funcionalidade actual, que era única que os réus estavam obrigados, pois não sendo comerciantes de automóveis (à data do negócio) não estão obrigados a prestar garantia.
I) Não poderiam ter sido dados como não provados os artigos 8° e 9° da contestação, pois a filha do autor confirmou que o pai experimentou o carro pelo que tinham que ser dados como provados pelo tribunal a quo (declarações já enumeradas supra).
m) Não restam dúvidas pelos documentos já juntos nos autos que o veículo ZX pertencia aos réus, nomeadamente à ré AF, que inclusive o registou a seu favor após a aquisição, constando o seu nome do registo na Conservatória de Registo Automóvel por duas vezes,
n) O que confirma as declarações da testemunha JF de que a ré havia comprado o veículo duas vezes.
o) Não foi provado pelo autor que ré AF ou o seu marido haviam adquirido o veículo ZX tendo em vista a sua comercialização futura e com intuito lucrativo.
p) O autor para além da sua afirmação de que não distinguia a F. CAR do réu Manuel, mas não provou de que forma e em que contexto ocorreu o negócio, nem os termos da negociação, pois ficou amplamente provado pelos depoimentos de todas as testemunhas que ninguém presenciou o negócio,
q) Pelo que o autor não logrou provar que tal negócio tenha acontecido da forma como o afirmou na petição, ou que alguma vez tenha existido a tal dúvida de com quem negociava e em que qualidade essa pessoa se apresentava.
r) Mas mais, o autor sabia que o carro pertencia à ré AF, e tal constava do registo,
s) Por outro lado, juntou-se agora como documento 12 uma factura emitida pelo autor a favor da segunda ré, que demonstra que o autor sabia que a F. CAR já não existia, e que nas instalações dessa existia à data um centro de abate pertencente ao filho dos réus e não de venda de carros, pois o mesmo prestou para o centro de abate os serviços referidos na dita factura.
t) Não juntou o autor qualquer documento relativo à compra do veículo que suportasse a sua teoria de que teria comprado a comerciante e portanto ao abrigo do Decreto Lei 67/2003 de 8 de Abril.
u) O que no caso em concreto o autor não pediu, pois sabia que o carro que comprava não era de comércio, uma vez que o réu à vários anos havia abandonado o comércio automóvel.
v) Os réus comprovam ser falsa a versão do autor juntando documentos que demonstram que a F. CAR — Comércio de automóveis Lda, cessou actividade em finais de 2008 (vide doc.s juntos)
w) E que não mais exerceu o réu Manuel a actividade de vendedor de automóveis (vide IRS dos réus juntos) e prova testemunhal.
x) Mas mais provaram os réus, que aquela loja, que o autor afirma ser o local de comércio da F. CAR e que sempre existiu, deixou de existir em Novembro de 2009 (vide doc. 6 agora junto) por um período de 5 anos e para além da data em que foi concluído o negócio do veículo ZX, tendo sido exercida actividade comercial totalmente distinta e por terceiro, pelo que apreciou mal o tribunal a quo o ponto 4 dos factos provados quando o deu como provado.
y) Por outro lado, conclui-se que os réus provaram que não se dedicam ao comércio de automóveis pelo que o DL 67/2003 de 8 de Abril nunca poderia ser aqui aplicado, pois os réus não são vendedores nos termos da alínea c) do artigo 1-B do referido diploma,
z) E por conseguinte não estavam obrigados a nenhum dos prazos de garantia previstos no artigo 5.º do mesmo diploma, pois não se aplica ao caso o DL 67/2003.
aa) Pelo que se conclui que deveria o tribunal a quo determinar provado que se estava perante um simples contrato de compra e venda entre duas partes nos termos do artigo 874 do Código Civil.
bb) Conclui-se que esteve assim errado o tribunal a quo quando na sua decisão afirma que decorre da matéria de facto que o réu vendeu o veículo automóvel em causa nos autos no âmbito da sua actividade profissional, já que todo o processo negocial se desenrolou no estabelecimento comercial de venda de automóveis que o mesmo explorava, pois o autor não logrou de modo algum provar que o negócio tenha sido realizado nas instalações da F. CAR, com a F. CAR e com o réu Manuel a representar a F. CAR, pois tal era física e legalmente impossível desde há muitos anos indo o tribunal longe demais quando afirma que se provou que tal negócio ocorreu no estabelecimento comercial dos réus, aplicando assim normativos legais que não se enquadravam no caso em apreço.
cc) Pelo que temos que concluir que errou na sua apreciação o tribunal a quo ao determinar o réu Manuel agiu enquanto comerciante só pelo facto de o autor afirmar que o mesmo o havia sido, pois não existem quaisquer outras provas de tal facto, o que nos parece uma violação clara do previsto no DL 67/2003, e no Código Civil no âmbito do ónus da prova (vide artigo 342°)
dd) Se conclui ainda que, assim, os réus mais não tinham que garantir a funcionalidade actual do veículo ZX ao autor, o que provou nos autos fizeram.
ee) Errou assim o tribunal a quo ao considerar que esta venda aconteceu no âmbito de uma venda a consumo e errou portanto ao condenar os réus a pagar ao autor o montante necessário para a reparação do veículo matricula ZX.
ff) Bem como o tribunal a quo ao condenar os réus solidariamente a pagar ao autor a quantia de 2.500,00€ a título de indemnização, uma vez que os réus não são responsáveis nos termos do DL 67/2003 de 8 de Abril.
gg) Deve ser dado como provado que o contrato celebrado entre o autor e os réus o foi nos termos do regime geral dos contratos de compra e venda nos termos do art.° 874 do Código Civil,
hh) E que a sentença violou tal normativo ao aplicar erradamente o DL 67/2003 de 8 de Abril à venda em causa nos presentes autos.
ii) Posto isto, devem os réus, e tendo em conta a prova produzida, ser absolvidos dos pedidos contra si formulados.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Como se extrai das conclusões acima transcritas, cumpre:

- reapreciar a decisão da matéria de facto, nos segmentos impugnados;
- reapreciar a decisão de mérito.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- Os Apelantes juntam, com as suas alegações de recurso, doze documentos, alegando que só nesta fase do recurso eles se tornaram necessários “em virtude do julgamento proferido pela 1.ª Instância”, visto que a acção foi intentada contra eles, Apelantes, e contra a “HF Unipessoal, Ld.ª” e não contra a sociedade “F. CAR, Lda”, e à data da contestação nenhum deles tinha na sua posse documentos referentes a esta sociedade comercial.
Nos termos do disposto nos art.os 651.º, n.º 1 e 425.º, ambos do C.P.C., só excepcionalmente é admissível a junção de documentos nesta fase processual de recurso, sendo duas as situações que a podem justificar: i) impossibilidade da sua apresentação em tempo oportuno, nos termos definidos pelo art.º 423.º, n.º 3, do C.P.C.; e ii) a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª Instância.
Na primeira situação a impossibilidade reconduz-se à superveniência do documento, tendo como referência o momento do julgamento em 1.ª Instância, superveniência que poderá ser objectiva se o documento foi feito em data posterior àquela em que ele devia ter sido apresentado, ou poderá ser subjectiva se o conhecimento da sua existência só foi adquirido por quem o apresenta posteriormente ao referido momento.
Quanto à necessidade motivada no julgamento da 1.ª Instância, no seguimento do que vinha sendo entendimento consolidado face ao artº. 706º., nº. 1 do C.P.C. velho, (na redacção anterior ao Dec.-Lei 303/2007, de 24 de Agosto), é pacífico que só uma decisão surpresa, imprevista, da 1ª. Instância justifica a junção de documentos nesta fase de recurso, não servindo de pretexto a surpresa quanto ao resultado” (cfr. ABRANTES GERALDES in “Recursos em Processo Civil” , 3ª. edição, pág. 254 e Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9ª. edição, pág.215/216).
Como referem ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA “É evidente que a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª. instância”, cabendo na intenção legislativa apenas os casos em que “pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida” (in “Manual de Processo Civil”, 1984, pág. 517).

A jurisprudência tem sido unânime neste sentido.
Com os documentos que ora apresentam, pretendem os Apelantes demonstrar que a sociedade comercial “F. CAR, Ld.ª” havia cessado a sua actividade mais de cinco anos antes da data da venda do veículo automóvel (Docs. de fls. 1 a 5, constantes de fls. 232v.º-236); depois de ela ter encerrado, as instalações onde funcionava foram arrendadas a uma outra empresa, de outro ramo de negócio (contrato de sublocação de fls. 236v.º-238 e recibo de renda de fls. 239); que eles, Apelantes, não são comerciantes, não auferindo rendimentos de actividade comercial (declarações de rendimentos relativos aos anos de 2012 a 2015, constantes de fls. 239v.º a 249); que o Autor sabia dessa situação porquanto prestou serviços da sua especialidade de electricista à Ré “HF Unipessoal, Ld.ª” em Março de 2014 (factura de fls. 249v.º, datada de 8/03/2014).
Os documentos primeiramente mencionados, de fls. 232v.º e 235v.º, demonstrativos da dissolução e encerramento da liquidação da “F. CAR – Comércio de Automóveis, Ld.ª” são públicos, constando do Portal da Justiça (como se constatou em http://publicacoes.mj.pt), e, por isso, o Tribunal podia conhecer deles oficiosamente.
No que concerne aos demais documentos justifica-se, em certa medida, a surpresa dos Apelantes dado que o Autor, identificando a 3.ª Ré, sociedade comercial, pela sua firma, acrescenta “que usa o nome comercial F. CAR” e alega que “todo o processo negocial decorreu nas instalações de oficina e stand de automóveis do 3.º R., na presença de funcionários deste, decorrendo com a presença do 2.º R., servindo aquele como intermediário de todo o processo negocial”, acrescentando que, “no passado”, já havia adquirido várias viaturas a este “2.º R.” (o Apelante marido), “Pessoa que à data se encontrava à frente da F. CAR ainda que com outra designação societária e NIPC mas localizada no mesmo edifício, dedicando-se às mesmas actividades, com os mesmos funcionários, etc.”, “Sempre associando o Sr. Manuel à F. CAR e não distinguindo entre pessoa singular e colectiva” (cfr. artigos 10, 11, 13 e 14 da petição inicial). Assenta, o Autor, a responsabilidade dos ora Apelantes no instituto da venda de coisas defeituosas – art.os 913.º e sgs., do Código Civil (C.C.).
O Tribunal a quo considerou que o contrato de compra e venda do veículo automóvel se subsume ao Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que consagra os princípios e normas a que fica sujeita a venda de bens de consumo, que pressupõe um contrato celebrado entre quem tem a qualidade de consumidor e quem é comerciante.
Considera-se, pois, justificada a junção dos supramencionados documentos.
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V.- Como se extrai das conclusões acima transcritas, os Apelantes impugnam a decisão de facto.
a) O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
Os Apelantes cumpriram com todos os ónus que aquele dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do n.º 1, quer o da alínea a) do n.º 2, na medida em que, de modo inequívoco, indicaram os pontos da decisão de facto que consideram incorrectamente julgados (n.os 2; 4; 7; e 8 da facticidade julgada provada) e os pontos de facto que pretendem ver incluídos na decisão (itens 2.º e 8.º e 9.º da contestação) e apresentaram o seu projecto de decisão, enunciando os meios de prova em que fundamentam o seu dissenso.
Indicam ainda com exactidão as passagens da gravação em que se fundam, e procedem à respectiva transcrição.
Não há, assim, obstáculo legal a que se reaprecie a decisão de facto, nos segmentos fácticos impugnados.
b) Na reapreciação da decisão da matéria de facto cumpre à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., sem excluir que, como consta da “Exposição de Motivos”, foi intenção do legislador reforçar os poderes da Relação, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal, apenas baseado no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
Não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, na reapreciação da matéria de facto a Relação avalia livremente todas as provas carreadas para os autos e valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua própria convicção.
Como refere o art.º 341.º do Código Civil (C.C.) as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Não se podendo exigir que esta demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que sempre seria impossível de atingir), quem tem o ónus da prova de um facto terá de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como referem ANTUNES VARELA et AL. (in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420).
Se, depois de reapreciadas as provas, subsistir a dúvida quanto à realidade de um facto ou sobre a repartição do ónus da prova, decide-se contra a parte a quem o facto aproveita, segundo o princípio consagrado no art.º 414.º do C.P.C..
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VIII.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

i) julgou provado que:

1- O Autor dedica-se à actividade de electricista, efectuando obras em Portugal.
2- Em Fevereiro de 2014, declarou comprar e os Réus AF e Manuel declararam vender-lhe a viatura matrícula ZX, marca Audi, modelo A4, registada em nome da primeira Ré, casada com o segundo Réu, pelo preço de € 14.450,00, no estado de usada.
3- Tendo o Autor solicitado financiamento junto do “Banco C., S.A.”, que o concedeu, por contrato assinado em 7 de Fevereiro de 2014.
4- Todo o processo negocial decorreu nas instalações do estabelecimento de venda de automóveis que girava com o nome “F. CAR”, com a presença do Réu Manuel.
5- O Autor já havia adquirido várias viaturas ao Réu Manuel no passado, tendo-se desenvolvido uma relação de amizade entre Autor e esse Réu.
6- Pessoa que à data explorava o estabelecimento referido em 4.
7- O Autor, em virtude da sua actividade comercial, desloca-se diariamente nas viaturas de trabalho, tendo adquirido a viatura referida em 1 somente para deslocações com a família ao fim de semana e outras esporádicas.
8- No dia 8 de Agosto de 2014, quando se deslocava de Vila Verde para Lisboa, próximo de Pombal, verificou que a viatura se desligou.
9- Em virtude do referido em 8, o Autor recorreu a um reboque ao local para transportar a viatura de volta a Vila Verde, registando a mesma com 264.672km.
10- O Autor comunicou o sucedido ao Réu Manuel.
11- O Autor deslocou a viatura para uma oficina para aferir da origem do problema e orçamentar a reparação.
12- Recaindo a escolha sobre a sociedade “SP, Unipessoal, Lda.”, sita na Rua …, Braga.
13- Local onde se encontra desde o dia da avaria, a aguardar solução e a ocupar local de aparcamento.
14- Apresentando orçamento de reparação, provisório, no montante de € 2.716,85.
15- O motor da viatura referida já havia sido alvo de uma reparação anterior sendo a junta da colaça original substituída por outra sem ser da marca AUDI.
16- Verificando-se, ainda, que a cabeça do motor encontra-se com detritos de dano causado pelo pistão se ter danificado e gripado a camisa.
17- Na própria junta da colaça está aposta a marca da mesma – RWZ – e a sua data de fabrico – 22-11-2012.
18- A avaria foi causada por injecção descontrolada.
19- O Autor enviou cartas registas com aviso de recepção aos Réus, nas quais declarou, entre o mais, que “De momento tenho em minha posse um orçamento de reparação orçado em 2716,85€, entendendo que o total deve ser suportado por V/Excia. / É minha intenção resolver o diferendo pela via do diálogo, evitando incómodos e despesas acrescidas com o recurso a meios judiciais, pelo que aguardo o vosso contacto por um período razoável, que estimo em oito dias”.
20- Os Réus AF e Manuel responderam, por intermédio do seu Advogado, por carta junta a fls. 48, na qual declaram que:

A viatura referida e que V.Ex.ª comprou aos meus clientes encontrava-se em perfeito estado de conservação e funcionamento tal qual V.Ex.ª atestou quando fez o chamado «test-drive»; por outro lado foi-lhe referido expressamente ser um carro usado de particular pelo que o que comprava era o que estava à vista, pelo que foi V.Ex.ª que decidiu e comprou a viatura que era propriedade dos meus clientes tal qual a mesma se encontrava.
Quanto à avaria indicada desconhecem os meus clientes a mesma nem podem conhecer pelo que impugnam qualquer responsabilidade sendo totalmente falso que o problema fosse pré existente à sua compra, pois o veículo nunca teve qualquer avaria.
Por outro lado desde o momento em que o carro saiu da propriedade dos meus clientes e da sua esfera de contacto desconhecem por onde andou e de que forma andou pelo que em circunstância alguma aceitam ou assumem qualquer reparação ou responsabilidade, uma vez que não a tem legalmente”.
21- A Ré “HF Unipessoal, Lda.” respondeu, por intermédio do seu Advogado, por carta junta a fls. 49 dos autos, na qual declarou, entre o mais, que “Relativamente à referida viatura importa informar V.Ex.ª que deve existir um lapso da sua parte pois a mesma nunca foi propriedade da minha cliente pelo que em momento algum pode a mesma ter procedido à sua venda, por conseguinte não existe qualquer responsabilidade da parte da minha cliente em relação a essa viatura”.
22- O Autor encontra-se privado da viatura desde 8 de Agosto até à presente data e estará até que esteja efectivamente reparada, estando privado do seu uso.
23- O Réu Manuel disse ao Autor que o veículo estava em boas condições de funcionamento, que desde que o tinha sempre havia funcionado bem e vinha funcionando.
24- O Réu Manuel disse ao Autor que o veículo, na sua mão, nunca havia sofrido qualquer avaria.
25- A Ré “HF Unipessoal, Lda.”, tem como sócio e gerente HF, filho do Réu Manuel.

i) julgou não provados os factos que constam:

Da alínea A) da Petição Inicial:
- Artigo 1.º, na parte em que se diz “e no estrangeiro”.
- Artigo 2.º, na parte em que se diz “com cerca de 264 mil quilómetros”.
- Artigo 3.º.
- Artigos 4.º a 7.º, salvo na parte que resulta dos pontos 23 e 24 dos Factos Provados.
- Artigo 9.º.
- Artigo 10.º, salvo na parte que resulta do ponto 4 dos Factos Provados.
- Artigo 13.º, salvo na parte que resulta do ponto 6 dos Factos Provados.
- Artigos 14.º a 16.º.
- Artigo 17.º, salvo na parte que resulta do ponto 7 dos Factos Provados.
- Artigo 18.º, na parte em que se refere “na sua primeira viagem de maior dimensão” e “saía fumo branco do motor da viatura e, momentos depois”.
- Artigo 19.º, salvo na parte que resulta do ponto 9 dos Factos Provados.
- Artigo 20.º.
- Artigo 21.º, salvo na parte que resulta do ponto 10 dos Factos Provados.
- Artigos 22.º a 24.º.
- Artigo 25.º, salvo na parte que resulta do ponto 11 dos Factos Provados.
- Artigo 27.º, salvo na parte que resulta do ponto 15 dos Factos Provados.
- Artigo 28.º, salvo na parte que resulta do ponto 16 dos Factos Provados.
- Artigo 30.º, na parte em que se diz “e já na posse dos 1.º e 2.º RR.”.
- Artigo 31.º, salvo na parte que resulta do ponto 18 dos Factos Provados.
- Artigo 32.º.
- Artigo 37.º.
- Artigos 42.º a 49.º.
Da alínea B) da Petição Inicial:
- Artigos 28.º a 31.º.
Da Contestação de fls. 70:
- Artigo 3.º.
- Artigos 5.º e 6.º.
- Artigos 8.º e 9.º.
- Artigo 13.º.
- Artigo 20.º
- Artigo 26.º.
- Artigo 30.º.
Da Contestação de fls. 93:
- Artigo 2.º, salvo na parte que resulta do ponto 2 dos Factos Provados.
- Artigo 3.º.
- Artigo 4.º, salvo na parte que resulta do ponto 23 dos Factos Provados.
- Artigos 5.º e 6.º, salvo na parte que resulta do ponto 24 dos Factos Provados.
- Artigos 8.º e 9.º.
- Artigos 13.º a 17.º.
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IX.- Relativamente aos factos julgados provados, pretendem os Apelantes que: i) se altere a redacção do ponto n.º 2 na parte concernente ao valor da venda do veículo; ii) se julgue não provado o facto constante do ponto n.º 4 já que “o negócio … ocorreu no logradouro” da sua casa; iii) se faça consignar no ponto n.º 5 que os veículos anteriormente adquiridos pelo Autor foram-no à sociedade comercial da qual era sócio o Apelante Manuel, e não a este, enquanto pessoa individual; iv) se julguem não provados os factos que constam nos pontos 7 e 8 por, alegadamente, o Autor não ter feito prova deles, nem testemunhal nem documental; v) se julguem provados os factos que constam dos artigos 2.º; 8.º e 9.º da contestação.
Na fundamentação da decisão de facto, o Tribunal a quo, depois de deixar referido que, para a formação da sua convicção, teve em consideração “os documentos juntos a fls. 31 a 49, 76, 77, 140 e 141, o relatório pericial de fls. 133 a 138 e os depoimentos das testemunhas JF, CC, HA, JM, LF e JG”, faz a súmula de cada um daqueles documentos e transcreve os depoimentos de cada uma das testemunhas, salientando os que foram relevantes para a decisão, relativamente a cada um dos factos que julgou provados.
Mau grado não dispormos da total imediação que nos permitiria avaliar, pelos gestos, um estado de espírito contraditório com as afirmações que estavam a ser proferidas, atentos às inflexões da voz, às hesitações percepcionáveis pela gravação, e à razão de ciência de cada um dos depoentes, foi possível formular um juízo sustentado sobre a credibilidade das testemunhas.
Cumpre, pois, passar à reapreciação da decisão da matéria de facto.
No que concerne ao preço da compra/venda do veículo, o Autor afirma que ele foi de € 14.450,00 (artigo 2 da petição inicial), e os ora Apelantes defendem que o preço estabelecido, e por eles recebido, foi de € 12.000,00 - artigo 2.º da contestação – e, fundando-se no documento relativo ao contrato de concessão do crédito, constante de fls. 32, mais precisamente no valor que consta como “montante total do crédito” - € 12.819,66 -, propugnam para que seja considerado este valor.
O Tribunal a quo fundou-se no mesmo documento, tendo como certo o preço que consta sob a rúbrica “Preço a Pronto/PVP” que é o valor afirmado pelo Autor.
Não há outros elementos probatórios nos autos (nem testemunhais nem documentais).
Isto considerado, e tendo em conta que, como é da experiência comum, numa situação como a dos autos, o valor do crédito concedido pelas entidades financeiras é sempre inferior ao valor real do bem, porque só assim conseguem salvaguardar o capital mutuado da depreciação normal do bem, entende-se ter julgado correctamente o Tribunal a quo ao tomar como preço da compra/venda o que está indicado no aludido documento da “C.”.
Também não deve ser dado provimento ao pedido de alteração do ponto n.º 4 já que, quer a casa dos Apelantes, quer o estabelecimento da 3.ª Ré, situam-se no mesmo edifício, sendo, por isso, o logradouro comum a ambos, e é aí que costumam estar estacionados os carros para venda, como o confirmou o próprio filho dos Apelantes, testemunha JM, ao afirmar que o seu pai “vendia veículos ali… no parque e dentro», sendo ainda certo que a testemunha HA, que foi o mediador da Financeira, afirmou que o contrato foi assinado «no piso do meio, numa sala ampla onde ele (referindo-se ao Apelante Manuel) tem o escritório».
No que se refere ao ponto n.º 5, pretendem os Apelantes que se faça constar que as compras de viaturas “no passado” foram feitas “à F. CAR” e não ao Apelante Manuel “na sua veste particular, como é a situação em causa nos autos” – cls. g).
Em primeiro lugar deve referir-se que, contrariamente ao que vem afirmado, o Apelante Manuel não era sócio da “F. CAR – Comércio de Automóveis, Ld.ª”, sendo (apenas) um dos gerentes, como se vê do documento de fls. 232v.º., e era sempre e só ele quem negociava a venda das viaturas, e daí que, na linguagem corrente, a quem o Autor comprou as viaturas foi ao Apelante, pois, como se sabe, nas microempresas, como aquela, a pessoa colectiva não é conhecida do público em geral. As pessoas negoceiam com quem “dá a cara” nos negócios. Aliás, o próprio filho dos Apelantes, acima referido JM, que era um dos sócios da “F. CAR – Comércio de Automóveis, Ld.ª”, afirmou «o meu pai vendia veículos ali».
Também não assiste razão aos Apelantes quanto aos pontos 7 e 8, já que a utilização que o Autor dava ao veículo (somente para deslocações com a família ao fim de semana e outras esporádicas) e o local da avaria, assim como o destino que ele levava (deslocava-se de Vila Verde para Lisboa e próximo de Pombal verificou que a viatura se desligou), como bem refere o Tribunal a quo, resultaram demonstrados do depoimento da testemunha CC (que, apesar de ser filha do Autor, foi credível), conjugado com o documento da empresa que rebocou o veículo, que escreveu como “local de carga” a localidade de Pombal – cfr. fls. 38 dos autos. De resto, a este mesmo documento se refere a facticidade constante do n.º 8, não impugnada.
Propugnam os Apelantes para que se julguem provados os factos que constam dos artigos 2.º; 8.º e 9.º da contestação.
No primeiro, aceitam que venderam ao Autor o veículo e impugnam o valor da venda, nos precisos termos que já acima se deixaram referidos.
Nos segundo e terceiro, alegam os Apelantes que: “… nunca foram mecânicos de profissão e a 1.ª ré além de conduzir pouco ou nada sabe de veículos automóveis que fará de mecânica; por outro lado o segundo réu quando comprou o carro experimentou e assegurou-se que enquanto veículo usado estava em condições normais e circulava com normalidade e por tal adquiriu, e com ele circulou até o vender ao autor sem qualquer problema mecânico” (artigo 8.º) “E assim circulou com toda a normalidade o veículo ZX durante o período de cerca de um ano que esteve na posse dos réus sem qualquer avaria ou percalço” (artigo 9.º).
A testemunha JM, como já referido, filho dos Apelantes, contou que o veículo em causa, «foi adquirido em Lisboa, através da internet, para a (sua) mãe», e contou ainda que «mais tarde, foi vendido a “um senhor” de Vila Verde», que, por sua vez, o vendeu «ao Sr. JF, e depois o meu pai comprou-o outra vez».
Foi inquirida a testemunha JF, vizinho dos Apelantes, que confirmou ter vendido o veículo ao Apelante, e que quando lho vendeu, este disse-lhe que o carro “já tinha sido da sua esposa”, dizendo ainda ter trocado “a correia de distribuição” e ter “metido uma junta da colaça”. A ser isto verdade, não deixa de se dever presumir, pelas regras da experiência comum, que ele tenha falado ao Apelante desta reparação e de quem a fez, atendendo às relações de vizinhança entre eles, e à informação acima referida, de que o veículo já tinha “sido” da Apelante/esposa.
A testemunha LF, nora dos Apelantes, acerca da compra do carro, disse apenas que ele tinha sido comprado para a sua “sogra” e que «foi um carro para a família», sendo certo que a propriedade do veículo está registada em nome da apelante AF.
Nenhuma das testemunhas se referiu à profissão da Apelante, e dos conhecimentos que tem sobre veículos automóveis, assim como ninguém se referiu ao que terá acontecido quando o Apelante adquiriu o veículo – se o experimentou e se assegurou que estava em condições normais, muito embora, pelas regras da experiência comum, seja de presumir que o tenha experimentado e se tenha assegurado disso mesmo, para mais se, como disse a testemunha JM, ele se destinava a sua mãe, a Apelante, esposa daquele.
No entanto, não pode deixar de causar alguma admiração que, tendo o veículo sido adquirido «para a família», tenha sido vendido e recomprado para voltar a ser vendido (refira-se que o certificado de matrícula tem a data de emissão de “2013-01-17”, desconhecendo-se se esta é a data da primeira aquisição ou se da subsequente) isto por quem, como o Apelante/marido é suposto conhecer e saber avaliar o estado dos veículos, atento o longo tempo de exercício da actividade de compra para revenda de veículos automóveis usados.
Dos depoimentos prestados nos autos, sobretudo pela testemunha HA, e mesmo pela testemunha JM resulta que o Apelante era “o rosto” da “F. CAR – Comércio de Automóveis, Ld.ª”, da qual era gerente (e não sócio. Sócios seriam os três filhos, como parece resultar dos apelidos – cfr. fls. 232v.º), a qual cessou a actividade, em 29/01/2009, conforme publicação no Portal da Justiça de 11/02/2009 - cfr. fls. 236vº. (data que igualmente se pode confirmar pelo doc. de fls. 233v.º que é um “recibo de entrega de documentos” na Segurança Social; e pelos docs. de fls. 234 e 235, “Comprovativo da Declaração de Cessação da Actividade”, entregue na então designada Direcção-Geral dos Impostos, e “Declaração de Cessação da Actividade”; e, finalmente, 236, que é a declaração apresentada na Conservatória do Registo Comercial de Vila Verde).
Como referiu o supramencionado JM, o seu pai, em determinada altura disse: «põe-se aqui uns carros e vendem-se carros também», não conseguindo saber ao certo se isso foi antes ou depois de o seu irmão HF “abrir” a empresa, sendo certo que o registo da constituição desta é dos inícios de 2013, ou seja, do ano anterior àquele em que o Autor comprou o veículo em causa.
Por outro lado, o titulado “Contrato de Sublocação” constante de fls. 236v.º a 238, que os Apelantes celebraram com a “empresa chinesa” “XX”, datado de 1/11/2009, e a cópia de um “Recibo de Renda”, relativo “ao mês de Outubro de 2014”, também não afastam o que acima ficou referido dado que, como afirmado, quando esta empresa ali laborou as instalações foram “divididas” entre ela e a Ré “HF Unipessoal, Ld.ª”, funcionando esta sobretudo “na cave”.
Das declarações de I.R.S. juntas aos autos o que de seguro se pode extrair é que os Apelantes não estão colectados como comerciantes, facto que se revela essencial e, por isso, deverá ser aditado à matéria de facto provada.
Quanto aos demais factos impugnados, não há fundamento consistente para alterar a decisão nos termos pretendidos pelos Apelantes.
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X.- Termos em que se adita aos “factos provados”, com esta redacção, o número:
26 – Nem a apelante AF, nem o apelante Manuel estão colectados como comerciantes.
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XI.- Como ficou provado, os ora Apelantes, em Fevereiro de 2014, venderam ao Autor um veículo automóvel usado. E em 08 de Agosto do mesmo ano, este veículo sofreu uma avaria, vindo a constatar-se que, em data posterior a 22/11/2012, já fora alvo de uma reparação anterior, na qual a junta da colaça original foi substituída por outra que não era da marca do veículo (“AUDI”). A avaria foi causada por injecção descontrolada.
Estamos, pois, perante um contrato de compra e venda de um bem móvel, e a questão que se suscita no presente recurso é a de saber se se pode considerar uma venda a consumidor, face à protecção especial de que este beneficia.
A Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999 (publicada no J.O. L 171/12, de 7/7/1999) consagrou normas e princípios com vista à uniformização das legislações dos Estados-Membros, relativos à “venda de bens de consumo (“qualquer bem móvel corpóreo”) e das garantias a ela relativas”, visando obter um nível mais elevado de defesa dos consumidores - cfr. no artº. 1º., nº. 2, alíneas a), b) e c), respectivamente, as noções dos conceitos de “consumidor”, “bem de consumo” e “vendedor”.
Com efeito, como resulta do disposto no artº. 153º., nº. 1 do Tratado (actual 169º. do TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), é dever da União Europeia (antes Comunidade) promover os interesses dos consumidores, e assegurar um elevado nível de defesa dos seus interesses.
Atento o princípio do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional (cfr. ALESSANDRA SILVEIRA, in Princípios do Direito da União Europeia, “Quid Juris”, págs. 95 e sgs., maxime 95 e 96, e o desenvolvimento do princípio do primado do Direito da União, à luz dos Acórdãos do TJUE a fls. 115 e sgs., maxime 120 e 121) e porque aquela Directiva contém normas de direito positivo, incondicionais e precisas, que impõem deveres e conferem direitos aos particulares, podem ser invocadas perante os tribunais nacionais, mesmo nas relações entre eles - aplicabilidade directa horizontal (cfr. JF MOTA DE CAMPOS, in “Manual de Direito Comunitário”, ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 200, págs. 357 a 365).
Esta Directiva veio a ser transposta para o ordenamento jurídico interno pelo Dec.-Lei nº. 67/2003, de 8 de Abril, que já sofreu diversas alterações.
A Directiva 2011/83/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011, veio alargar o âmbito da protecção da defesa do consumidor aos contratos de fornecimento de água, gás, e electricidade ou aquecimento urbano, incluindo por fornecedores públicos, “na medida em que estes produtos de base sejam fornecidos numa base contratual” – artigo 3º, n.º 1.
Esta Directiva foi parcialmente transposta para o ordenamento jurídico interno pela Lei n.º 47/2014, de 28 de Julho.
Quer as referidas Directivas, quer os Diplomas Internos submetem o domínio da sua aplicação ao pressuposto de o fornecimento de bens ou a prestação de serviços serem feitos “por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios” e, por suposto, que os referidos fornecimento e prestação ocorram no âmbito desta actividade comercial – cfr., na Directiva 1999/44/CE, a definição do conceito de vendedor: “qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional” - alínea c) do n.º 2 do art.º 1.º.
Na Directiva 2011/83/EU utiliza-se o conceito de profissional, que é “qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue, incluindo através de outra pessoa que actue em seu nome ou por sua conta, no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional” – art.º 2.º, n.º 2).
E é esta definição que o Dec.-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, introduz no Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril: vendedor é “qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional” – alínea c) do art.º 1.º-B.
Também da definição do conceito de consumidor, constante do art.º 2.º da Lei n.º 24/96, de 31/07 se extrai que a submissão dos contratos à disciplina aí consagrada tem como pressuposto que hajam sido celebrados “por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
Ora, não se provou que, quer a Apelante, titular do registo de propriedade do veículo, quer o Apelante, que foi quem, de facto, celebrou o contrato, actuaram no âmbito de uma actividade profissional, nem, ressalvado o devido respeito, tal se pode extrair dos factos constantes dos n.os 4 (que todo o processo negocial decorreu nas instalações do estabelecimento de venda de automóveis que girava com o nome “F. CAR”, com a presença do Réu Manuel); 5 (O Autor já havia adquirido várias viaturas ao Réu Manuel no passado …); 6 (Pessoa que à data explorava o estabelecimento referido em 4.).
Não tem, assim, aplicação ao presente contrato o regime de defesa do consumidor consagrado nos Diplomas Legais acima citados.
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XII.- Nos termos do disposto no art.º 913.º do Código Civil (C.C.) se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, ao comprador assistem os direitos estabelecidos nos art.os 914.º; e 905.º e sgs. daquele C.C.
O conceito de «coisa defeituosa» é mais amplo no regime de defesa do consumidor – cfr. art.º 2.º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 67/2003 -, que se baseia no n.º 2 do art.º 35.º da Convenção de Viena sobre os contratos de compra internacional de mercadorias.
O artº. 913º., do Cód. Civil (C.C.), consagrando como essencial o critério funcional da coisa, permite dizer que são coisas defeituosas as que sofram de: a) vício que as desvalorize; b) vício que impeça a realização do fim a que é destinada; c) em que faltem as qualidades asseguradas pelo vendedor; d) em que faltem as qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina (cfr. P. LIMA e A. VARELA, in “Código Civil Anotado”, vol. II, 2.ª ed., revista e actualizada, pág. 187).
Referindo-se às coisas usadas, escreve PEDRO ROMANO MARTINEZ, que “o defeito não se identifica com a deterioração motivada pelo uso ou pelo decurso do tempo. O bem usado pressupõe-se com um desgaste normal em função da utilização (p. ex. número de quilómetros percorridos) ou do tempo (p. ex. número de anos a contar da data do fabrico), mas não tem de ser defeituoso”, sendo certo que “no sistema jurídico português a distinção entre coisas novas e usadas não tem consagração legal e não pode ser fundamento para efeitos de excluir a responsabilidade”, ainda que “sendo vendida uma coisa usada, o acordo incide sobre um objecto com qualidade inferior a idêntico novo, razão pela qual o regime do cumprimento defeituoso só encontra aplicação, na medida em que essa falta de qualidade exceder o desgaste normal” (in “Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, cit., págs. 210/211).
Para LUIS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, “a expressão “vícios”, tendo um conteúdo pejorativo, abrangerá as características da coisa que levam a que esta seja valorada negativamente”, e a “falta de qualidades”, “embora não implicando a valoração negativa da coisa, a coloca em desconformidade com o contrato”. E prossegue: “para que os defeitos da coisa possam desencadear a aplicação do regime da venda de coisas defeituosas torna-se necessário que eles se repercutam no programa contratual, originando uma de três situações: a desvalorização da coisa; a não correspondência com o que foi assegurado pelo vendedor; e a sua inaptidão para o fim a que é destinada” (in “Direito das Obrigações”, vol. III, 2016-11ª ed., págs. 121).
Como é pacífico, só os defeitos essenciais da coisa, ou porque a desvalorizam na sua afectação normal, ou porque a privam das qualidades asseguradas pelo vendedor, é que justificam a aplicação do regime estabelecido nos referidos art.os 913.º e sgs.. (cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit., pág. 188).
Aludindo à não correspondência com o que foi assegurado pelo vendedor, refere LUIS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, que ela ocorre sempre que ele “tenha certificado ao comprador a existência de certas qualidades na coisa e esta certificação não corresponda à realidade, estando-se assim também perante uma concepção objectiva de defeito.” Defendendo que “A certificação pelo vendedor de que a coisa tem certas qualidades tanto pode ser efectuada expressa como tacitamente nos termos gerais (art. 217º), podendo essa certificação inclusivamente resultar da exibição de amostra ou modelo” (ob. cit., págs. 121/122).
Mandando aquele art.º 913.º, n.º 1 aplicar à compra e venda de coisas defeituosas, o regime estabelecido nos art.os 905.º a 912.º, para a venda de bens onerados, o comprador de coisa defeituosa pode optar:

a) pela anulação do contrato, por erro ou dolo, se estiverem verificados os respectivos requisitos – art.os 251.º e 254.º;
b) pela redução do preço, quando as circunstâncias do contrato mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por um preço inferior – art.º 911.º;
c) pela indemnização do interesse contratual negativo, traduzido no prejuízo que o comprador sofreu pelo facto de ter celebrado o contrato, cumulável com a anulação do contrato e com a redução ou minoração do preço – art.os 908.º; 909.º e 911.º;
d) pela reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a sua substituição, independentemente da culpa do vendedor, se este estiver obrigado a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, quer por convenção das partes, quer por força dos usos – art.os 914º., 1ª. parte e 921º., nº. 1. (cfr., dentre outros, os Acs. da Rel. do Porto, de 13/12/1999, in C. J., ano XXIV – 1999, tomo V, pág. 222 e do S.T.J. de 21/05/2002, in C. J., Acs. do S.T.J., ano X, tomo II – 2002, pág. 86/87 e, na doutrina, PEDRO ROMANO MARTINEZ, in “Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, Almedina, págs. 389 sgs.).

Ultimamente vem sendo defendido que o comprador poderá ainda reclamar uma indemnização com base na responsabilidade pré-contratual, desde que verificados os pressupostos respectivos - violação do princípio da boa fé consagrado no art.º 227.º do C.C..
Como se referiu, o vendedor está obrigado a reparar os defeitos da coisa ou a substitui-la, caso seja necessário e ela tiver natureza fungível, nos termos do art.º 914.º do C.C. – obrigação que, como refere LUIS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO se funda na “garantia edilícia prestada pelo vendedor, no âmbito da qual resulta que ele garante tacitamente a inexistência de defeitos no bem vendido” (in ob. cit., pág. 123).
Conforme refere o Ac. do S.T.J. de 02/03/2010, “O direito conferido ao comprador pela garantia edilícia é um direito fundado directamente no contrato, o que tem como natural consequência que não pode, de forma alguma, ser um direito fundado no erro, o que acarreta que os quadros da teoria do erro e os princípios específicos do regime de anulação por erro não podem ter aplicação aos problemas da venda de coisas defeituosas” (ut Proc.º 323/05.2TBTBU.C1.S1, in www.dgsi.pt).
Na verdade, e de acordo com LUIS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, “sendo a obrigação de reparação ou substituição uma obrigação como outra qualquer (art. 397º), naturalmente que o vendedor estará sujeito, nos termos gerais, à responsabilidade obrigacional, em caso de incumprimento (arts. 798º e ss.), impossibilidade culposa (arts. 801º e ss.) ou mora no cumprimento (arts. 804º e ss.) (in “Direito das Obrigações”, vol. III, referido, págs. 125).
Como escreve PEDRO ROMANO MARTINEZ “Desde que tenha sido violado o princípio da pontualidade, desconhecendo o credor a imperfeição ou, conhecendo-a, tendo aposto uma reserva, sendo o defeito relevante e tendo por força dele sobrevindo danos típicos, estar-se-á perante a figura do cumprimento defeituoso”, sendo que a responsabilidade que dele deriva encontra o seu fundamento na violação do contrato (in “Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, Almedina, Janeiro 2001, págs. 460/461).
Relativamente ao ónus da prova, refere o Ac. do S.T.J. de 02/03/2010 “Só respondendo quando haja culpa da sua parte (artigo 798º), é ao vendedor que compete provar a falta de culpa sua: não se podendo aplicar, nestes casos de impossibilidade originária, os princípios relativos ao não cumprimento, a regra mantém-se, dado que é ele (vendedor) que está obrigado, pelo contrato, a entregar ao comprador a coisa isenta de defeitos. E, nessa medida, a isenção que a lei confere ao vendedor de reparar a coisa, por atenção à desculpabilidade do seu erro (compartilhado com o comprador) e à limpidez da sua conduta, surge também como uma espécie de contradireito, como uma excepção destinada a paralisar o direito que em princípio compete ao comprador.” (referido Proc.º 323/05.2TBTBU.C1.S1, in www.dgsi.pt).
Se o ónus da prova sobre a existência do defeito, assim como da sua gravidade (em grau que afecte o uso ou provoque uma desvalorização da coisa) cabem, inequivocamente, ao comprador, por serem factos constitutivos dos direitos que são atribuídos, já no que se refere à anterioridade do defeito, como defende PEDRO ROMANO MARTINEZ, “tendo a lei estabelecido prazos curtos para o exercício dos direitos derivados do cumprimento defeituoso em matéria de compra e venda …, pressupõe-se que qualquer defeito detectado nesse período curto é ele próprio anterior ou advém de causa preexistente”. Além disso, prossegue, “a lei não faz qualquer referência à anterioridade, dando a entender uma presunção nesse sentido. Por outro lado, a referida anterioridade, na maioria dos casos, resulta de uma presunção de facto, tendo em conta a natureza da coisa e do defeito”, acrescentando ainda como argumento o de que, a prova, por parte do comprador da anterioridade do defeito “é, por via de regra, bastante difícil; diversamente, o vendedor – desde que não seja mero intermediário – pela estreita relação que manteve com a coisa tem mais facilidade de provar que o defeito é posterior à entrega. Deve, por conseguinte, considerar-se a posteridade do defeito como um facto extintivo do direito invocado” (in “Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, referido, págs. 321/322).
De acordo com a parte final do art.º 914.º do C.C., a obrigação de reparação ou de substituição da coisa “não existe, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece”.

Assim, decidiu o Ac. da Rel. de Coimbra, de 16/12/2009 que o direito “à reparação de uma máquina industrial portadora de defeito de funcionamento, comprada sem cobertura de garantia de bom funcionamento em estado de usada, só é excluído se o vendedor provar o desconhecimento sem culpa” (in C.J., ano XXXIV, tomo V/2009, págs. 32/34).
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XIII.- Retomando a situação sub judicio, ficou provado que no dia 8/08/2014, quando o Autor se deslocava em direcção a Lisboa, indo de Vila Verde, ao chegar a Pombal o veículo automóvel que, seis meses antes, comprara aos Apelantes, desligou-se devido a “injecção descontrolada”, tendo a cabeça do motor ficado com detritos do dano causado por um pistão que se danificou e gripou a camisa.
Mais se provou que o motor do referido veículo automóvel já anteriormente tinha sido alvo de uma reparação, na qual a junta da colaça original foi substituída por outra que não era da marca do veículo.
Destarte, provou o Autor a existência do defeito que, por respeitar ao “órgão vital” do veículo automóvel, é inequivocamente muito grave.
Aquando da venda, o Apelante Manuel disse ao Autor que o veículo estava em boas condições de funcionamento, e que “desde que o tinha sempre havia funcionado bem e vinha funcionando”, mais lhe havendo dito que “na sua mão” o veículo “nunca havia sofrido qualquer avaria”.
Contudo, não provou o Apelante que desconhecia a avaria que o veículo havia anteriormente sofrido e nem as condições em que havia sido reparado, sendo certo que atenta a sua larga experiência no ramo da compra e venda de veículos automóveis e o facto de já ser a segunda vez que aquele veículo vinha para a sua posse, é de presumir que não deixaria de o examinar cuidadosamente até para se inteirar completamente do seu estado.
Por outro lado, sendo o Apelante um vendedor de veículos automóveis usados, conhecido do Autor a quem já antes havia vendido dois veículos, a obrigação de actuação com boa fé ganha maior acuidade, admitindo-se, na situação sub judicio, abranger o dever de informação da anterior reparação.
Também não provaram os Apelantes que o descontrolo da injecção derivou de acto ou acção imputável ao Autor ou do desgaste normal do veículo.
O defeito verificado impede, de todo, a normal utilização do veículo.
Não elidiram, pois, os Apelantes a presunção de culpa que deriva do cumprimento defeituoso da sua obrigação contratual.
Tem, assim, o Autor o direito a exigir deles a reparação do veículo, tal como decidiu o Tribunal a quo, que, por não dispor de elementos para quantificar o custo da reparação, fez (acertado) uso do disposto no art.º 609.º, n.º 2, do C.P.C.
O cumprimento defeituoso da obrigação responsabiliza o devedor pelo prejuízo que causa ao credor, nos termos dos art.os 798.º e 799.º, n.º 1 (que coloca o cumprimento defeituoso a par do incumprimento culposo) do C.C..
São, assim, pressupostos da obrigação de indemnizar na responsabilidade contratual: a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso; a ilicitude, que se traduz na inexecução da obrigação contratual; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Quanto aos danos ficou provado que o Autor se encontra privado do veículo automóvel desde a data em que este avariou – 08/08/204.
Fundamentou, assim, o Tribunal a quo: “o Autor sofreu um inequívoco dano patrimonial, que consiste na ablação de uma parcela do gozo de um bem que lhe pertencia, o qual não pode deixar de ser indemnizado – Cfr., neste sentido, António S. A. Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, I Volume, 3.ª edição, Almedina, págs. 82 a 84, 90, 91 e 105 a 108.
Na quantificação deste dano, importa recorrer à equidade, ponderando em especial as características do veículo, o tempo de privação e a relevância das utilidades que o veículo visava satisfazer e a frequência com que era usado.
No caso, afigura-se que o montante de € 2.500,00, a que o Autor alude na Petição Inicial, é adequado, tendo em consideração o longo período de privação do veículo.”.
Não há razões para não aderir ao fundamento invocado, ao recurso à equidade, que o n.º 3 do art.º 566.º do C.C. permite, assim como ao valor obtido.
Impõe-se, deste modo, confirmar também este segmento da decisão.
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C) DECISÃO

Termos em que, considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas pelos Apelantes.
Guimarães, 08/03/2018
(escrito em computador e revisto)


(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria Purificação Carvalho)