Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ANTÓNIO BARROCA PENHA | ||
Descritores: | FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO DA DECISÃO FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO DA DECISÃO JUDICIAL DECISÃO OBSCURA ERRO DE JULGAMENTO OMISSÃO DE PRONÚNCIA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO CASOS DE DÚVIDA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/02/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I- Só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial. II- Só ocorre contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial quando aqueles conduzirem, de acordo com um raciocínio lógico, a resultado oposto ao que foi decidido, ou seja quando a decisão tomada justifica uma decisão precisamente oposta à tomada. III- A decisão judicial diz-se “obscura” quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível (não se sabe o que o juiz quis dizer) e será “ambígua” quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes (hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos). IV- A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas. Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento ou “error in iudicando”, mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia. V- Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo; VI- Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. VII- Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Recorrente: Junta de Freguesia A. Recorridos: J. G. e M. G. * Comarca de Vila Real – Juízo Central Cível de Vila Real – Juiz 1. * Relator: António José Saúde Barroca Penha. 1º Adjunto: Desembargadora Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha. 2º Adjunto: Desembargador José Manuel Alves Flores. * * I. RELATÓRIO A Junta de Freguesia A, com sede na Av. Dr. …, concelho de ..., intentou a presente ação popular contra J. G. e mulher M. G., com domicílio na Rua …, freguesia e concelho de ..., peticionando: a) Declarar-se que o caminho supra identificado em 5.º da petição inicial é um caminho público de ...; b) Condenar-se os RR. a reconhecer que o identificado caminho faz parte do domínio público municipal de ...; c) Condenar-se os RR. a desocuparem o referido caminho, restituindo-o ao domínio público no estado em que se encontrava antes de ter sido abusivamente ocupado pelos mesmos, nomeadamente, condenando-os a retirar as pedras que aí colocaram. d) Condenar-se os RR. a absterem-se de praticar quaisquer atos impeditivos ou perturbadores do uso e fruição do caminho em causa nestes autos em toda a sua plenitude. Para o efeito, alegou, em suma, que: i) Os RR. são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio: Urbano, constituído por casa de habitação de r/c e 1.º andar com a S.C de 100m2 e quintal com 500m2, sito no Lugar da …, freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 992/…; ii) A nascente do indicado prédio dos RR., e a confrontar com este em toda a sua extensão, situa-se um caminho público, com o comprimento de 15 metros e a largura de 3 metros; iii) Desde os antepassados, há mais de 50, 60, 100 e 200 anos, e desde tempos imemoriais, que o referido caminho é utilizado pelo público em geral e em particular pelos moradores do lugar da … para permitir o acesso entre as gentes do lugar ao cemitério da freguesia A, que se situa naquele lugar da …; iv) Sendo utilizado sem qualquer oposição fosse quem fosse, na convicção de estarem a servir-se de uma coisa (caminho) afeta ao uso de todas as pessoas; v) Acontece que, há cerca de um ano e meio, os RR. decidiram ocupar abusivamente o caminho em questão, esbulhando, assim, o domínio público; vi) Colocando pedras de média dimensão junto à entrada do referido caminho, na parte em que este confronta com a estrada municipal que dá acesso ao santuário e cemitério, impedindo assim a passagem de pessoas e veículos através do mesmo caminho. Os réus contestaram, impugnando os factos alegados pela autora, designadamente quanto à alegada existência de um caminho público a atravessar o prédio dos réus e em direção ao cemitério da freguesia de A, sendo certo que, a ter existido este alegado caminho público o mesmo já foi desafetado do domínio público há mais de 30 anos, com o alargamento de um caminho público que estabelece a ligação entre o lugar da … ao referido cemitério ou, eventualmente, poderá simplesmente considerar-se um “atravessadouro” sem qualquer utilidade pública legalmente permitida. Para além de concluir pela improcedência da ação, os réus vieram ainda deduzir pedido reconvencional, no qual peticionam que: a) Deve ser declarado o direito de propriedade dos RR. reconvintes sobre o prédio urbano identificado no artigo 60º deste articulado; b) Deve ser declarado e reconhecido o direito de propriedade dos RR. sobre a faixa de terreno que a A. qualifica de caminho público, referida no artigo 5º da petição inicial, como fazendo parte integrante do prédio urbano dos RR.; c) Mais deve a A. ser condenada a reconhecer tais direitos. A autora replicou, concluindo pela improcedência da reconvenção. Realizou-se audiência prévia, tendo-se proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo ainda sido identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. Após produção de prova pericial, procedeu-se à realização da audiência final. Na sequência, por sentença de 23.01.2017, veio a julgar-se totalmente improcedente a ação e, em consequência, os réus absolvidos do pedido contra si formulado. Mais se julgou a reconvenção totalmente procedente e, consequentemente, decidiu-se: A) Declarar que os réus/reconvintes titulam o direito de propriedade sobre o prédio urbano e a faixa de terreno indicados em 1) e 2) dos factos provados; B) Condenar a autora/reconvinda a reconhecer o referenciado em A). Inconformada com o assim decidido, veio a autora Junta de Freguesia A interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES A) A sentença padece de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do NCPC. B) Com efeito, a sentença padece de contradições, ambiguidades e obscuridades e não se encontra devidamente fundamentada, tendo ainda o Sr. Juiz deixado de se pronunciar sobre questões que devia apreciar. C) Nomeadamente, não fez o Sr. Juiz uma análise crítica de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento em cumprimento do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do NCPC, ignorando por completo o depoimento da testemunha A. S., proprietário do prédio sito junto à casa dos RR. D) Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultou que o caminho em litígio é um caminho público, embora em desuso como tal, não se apurando desde quando. E) De forma imparcial e isenta referiram as testemunhas da A. que, através do referido caminho, a população dos mais diversos lugares da freguesia de A acedia quer ao cemitério sito no Lugar da ..., quer a outros lugares da freguesia, utilização essa que tem vindo a ser feita desde tempos imemoriais, sem oposição de ninguém. F) Ademais, as testemunhas foram unânimes em afirmar que a passagem se verificava antes da construção da casa dos RR. Este facto foi confirmado por todas as testemunhas indicadas pela A. que prestaram um depoimento isento, imparcial e credível, testemunhas estas que não tinham qualquer interesse na causa, ao contrário das testemunhas dos RR., a maioria suas familiares e as que não eram demonstraram nitidamente a sua preocupação em defender a tese dos RR., de que nunca ninguém passou no caminho em litígio. O Sr. Juiz cometeu erro notório na apreciação da prova, pois que considera que as testemunhas da A. confirmaram que o caminho é público, que as pessoas por ali passavam, mas que o fizeram sem a exigível “explicitação fáctica e concreção contextual”, uma expressão obscura que a recorrente não consegue descortinar, e como tal decidiu julgar não provado que o caminho em causa nos autos é público. G) As testemunhas da A. foram ainda unânimes a referir que o caminho em causa nestes autos permite o acesso pedonal e também o acesso à propriedade da testemunha A. S. com veículos automóveis, o que, além do mais, resultou do relatório pericial. H) O Sr. Juiz formou a sua convicção quase que única e exclusivamente com base no relatório pericial junto aos autos, o qual salvo o devido respeito, por opinião contrária, não tem a virtualidade de provar que a parcela de terreno em litígio não é um caminho público pois os peritos fazem o seu relatório sobre o que viram e não sobre um passado que não viram. Como é mais que óbvio não é com base no relatório pericial que se pode fazer essa prova, mas sim com base em prova testemunhal, como fez a A. I) Acresce, ainda que, olvidou o Sr. Juiz que a casa dos RR. foi construída em terreno baldio e que a estes apenas foi cedida uma parcela de terreno com 600 m2. Ora, a área ocupada pelos RR. é manifestamente superior aos 600 m2 e foi, por essa razão, que a A. requereu ampliação da perícia no sentido de ver esclarecida a seguinte questão: “Devem os Srs. Peritos proceder à medição da totalidade da área do prédio dos RR. e do caminho em causa nestes autos, discriminado a área total, quer de um quer de outro”. Entendeu, no entanto, o Sr. Juiz que tal questão se afigura manifestamente colateral para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, pelo que indeferiu o requerido. J) Ora, acontece que, era e é pertinente e essencial para a descoberta da verdade saber qual a área efetivamente ocupada pelos RR., pois como é sabido os baldios, nem direitos sobre baldios são suscetíveis de apropriação privada, nem de aquisição por usucapião, pelo que jamais os RR. adquiriram área superior a 600 m2 e se ocupam área superior a essa fazem-no indevidamente, porquanto jamais podem adquirir o direito de propriedade de terrenos baldios por usucapião. K) Assim sendo, sempre se impõe a remessa dos autos à 1ª instância para que se esclareça a questão suscitada pela A., essencial para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa. L) As testemunhas dos RR. prestaram depoimentos vagos, comprometidos e pouco isentos, não tendo feito qualquer prova, nomeadamente referiram quaisquer atos de posse dos RR. no caminho em litígio, limitando-se a dizer que foi o pai do R. marido que abriu aquele acesso e que nunca ninguém passou por aquele caminho, o que foi contraditado pelas testemunhas da A. que referiram que o caminho é anterior à construção da casa dos RR. M) Sendo certo que, como todas as testemunhas referiram, todo aquele terreno era baldio. N) Por tudo o supra exposto, devem ser alterados os factos provados e não provados nos seguintes termos: - Ponto 2) dos factos provados deve ser alterado para não provado. - Ponto 3) dos factos provados deve ser alterado para provado nos seguintes termos: “Os Réus há mais de 15 e 20 anos, construíram e habitam a casa de habitação indicada em 1), com o conhecimento de todas as pessoas do lugar e freguesia da sua situação, sem oposição de ninguém, com ânimo de quem exerce o direito de propriedade”. - Pontos 5), 6) e 7) dos factos não provados devem ser alterados para provados, devendo a redação do ponto 7) passar a ser a seguinte “O caminho sempre esteve aberto à passagem de pessoas a pé, de veículos automóveis para acesso à propriedade da testemunha A. S., sendo utilizado sem qualquer oposição fosse de quem fosse, na convicção de estarem a servir-se de uma coisa afecta ao uso de todas as pessoas e de que se trata de caminho público de ...”. Finaliza, pedindo a revogação da douta decisão recorrida e substituir-se por outra que julgue totalmente procedente a ação, ou se assim se não entender, devem os autos ser remetidos à 1ª instância para aclaração, para apreciação do depoimento da testemunha ignorada na apreciação da prova, e para realização da prova pericial relativamente à área de terreno detida pelos RR., para confrontação com a que lhe foi cedida pela A. * Os réus não apresentaram alegações.Por despacho de 26.06.2017 (cfr. fls. 225 a 227), o Sr. Juiz a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade da sentença, concluindo pela sua inexistência, designadamente com fundamento em omissão de pronúncia, excesso de pronúncia, falta de fundamentação ou oposição entre os fundamentos e a decisão. Retificou, porém, erro de escrita existente na mesma sentença, incluindo, assim, o nome da testemunha em falta, A. S., no conjunto das testemunhas da autora elencadas no respetivo segmento decisório (cfr. 1º parágrafo de fls. 171). * Após os vistos legais, cumpre decidir.* II. DO OBJETO DO RECURSO: O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil). No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso. Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes: Ø Saber se sentença deverá ser considerada nula por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; por oposição entre os fundamentos com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; ou por omissão de pronúncia. Ø Saber se cumpre proceder a um renovação/alargamento da produção de prova quanto à perícia realizada na 1ª instância, nos moldes requeridos pela autora (cfr. als. I) a K) das conclusões de recurso). Ø Saber se cumpre proceder à alteração da factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal a quo nos moldes preconizados pela autora (cfr. al. N) das conclusões de recurso). Ø Na sequência, saber se deverá ser realizada outra nova interpretação e aplicação do Direito à nova factualidade apurada, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida. * III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO* A) Factos Provados O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1) Pela ap. 10 de 1995/10/24, afigura-se registada a aquisição por acessão industrial imobiliária a favor de J. G., casado com M. G. sob o regime de comunhão de adquiridos, do prédio urbano constituído por casa de habitação de r/c e 1º andar, com a superfície coberta de 100 m2 e quintal com 500 m2, a confrontar de norte com a estrada municipal, de sul e poente com baldio e a nascente com J. M., sito em …, freguesia de A, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 992/… e inscrito na matriz sob o artigo …. 2) No prédio referenciado em 1) existe um trato de terreno em terra batida, que se desenvolve desde a Rua …, numa extensão de cerca de 15 metros de comprimento e 3,9 metros de largura. 3) Os Réus, há mais de 15 e 20 anos, construíram e habitam a casa de habitação indicada em 1), assim como limpando o quintal e utilizando o trato de terreno referido em 2) para aceder ao quintal e porta traseira da sua habitação, com o conhecimento de todas as pessoas do lugar e freguesia da sua situação, sem oposição de ninguém, com ânimo de quem exerce o direito de propriedade. 4) Há cerca de um ano e meio, os Réus colocaram pedras de média dimensão junto à entrada do trato de terreno enunciado em 2), na parte em que este confronta com a estrada municipal. * B) Factos não provados 5) A nascente do prédio de propriedade dos Réus e a confrontar com este em toda a sua extensão situa-se um caminho com o comprimento de 15 (quinze) metros e a largura de 3 (três) metros, o qual tem o seu início junto à estrada municipal que liga o Lugar da ... ao cemitério e santuário com o mesmo nome e termina junto ao muro camarário existente na extrema sul da propriedade dos RR. e junto ao portão de acesso a uma propriedade rústica de titularidade de A. S., que dá acesso ao cemitério da freguesia de A, que se situa no Lugar da .... 6) O mencionado caminho é, há mais de 40, 50, 60, 100 e 200 anos, e desde tempos imemoriais, utilizado pelo público em geral e em particular pelos moradores do lugar da ..., para permitir o acesso entre as gentes do lugar e o acesso ao cemitério. 7) O caminho esteve sempre aberto à passagem de pessoas a pé, de veículos automóveis e de tração animal, sendo utilizado sem qualquer oposição fosse de quem fosse, na convicção de estarem a servir-se de uma coisa afecta ao uso de todas as pessoas e de que se trata de caminho público. 8) Os Réus têm procedido ao pagamento da Contribuição Autárquica/IMI com referência ao prédio citado em 1). * IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO* A) Da Nulidade da Sentença A.1) Da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito que a justificam. A primeira questão que importa dirimir, em função das conclusões do recurso, refere-se à alegada nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação de facto e de direito. Resulta do disposto no art. 607º, n.º 3, do C. P. Civil que, na elaboração da sentença, e após a identificação das partes e do tema do litígio, deve o juiz deduzir a fundamentação do julgado, explicitando “os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.” Por seu turno, sancionando o incumprimento desta injunção, prescreve o art. 615º, n.º 1, al. b), do C. P. Civil que é nula a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Na realidade, não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz.(1) Neste sentido, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objetivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto. (2) Todavia, ao nível da fundamentação de facto e de direito da sentença, como é lição da doutrina e da jurisprudência, para que ocorra esta nulidade “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito” (nosso sublinhado). (3) Neste sentido, que é o tradicionalmente perfilhado, referia J. Alberto dos Reis (4), a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.” (sublinhado nosso). (5) Todavia, a nosso ver, no atual quadro constitucional (art. 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas (cfr. art. 154º do C. P. Civil), parece que também a fundamentação de facto ou de direito gravemente insuficiente, isto é, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório. (6) Feitas estas considerações, de todo o modo, no caso em apreço, é nosso entendimento que não ocorre a invocada nulidade por falta de fundamentação de facto e/ou de direito. Com efeito, do teor da decisão recorrida é perfeitamente possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, nomeadamente é possível alcançar, sem particular esforço, que o Juiz a quo definiu concretamente a matéria de facto relevante para a decisão da causa, discriminando ainda a factualidade não considerada provada, apreciando ainda os meios probatórios produzidos, designadamente do ponto de vista documental, pericial e testemunhal. Subsequentemente, na mesma decisão, subsumiu a factualidade assente ao Direito, fundamentando juridicamente a decisão em causa, concluindo fundadamente pela improcedência da ação e procedência da reconvenção. Porque tal ocorre, e nesta perspetiva, a fundamentação constante da decisão recorrida é a bastante para a decisão que ali era suposto ser proferida, sendo certo que é perfeitamente claro o enquadramento factual tido por assente e considerado relevante pelo tribunal de 1ª instância, assim como o quadro normativo aplicável e subjacente à decisão, permitindo, pois, aos respetivos destinatários exercer, de forma efetiva e cabal, a sua análise e a sua crítica, suscitando a sua reapreciação, como ora sucede nesta instância. Não pode, pois, sustentar-se que a sentença em crise seja nula por falta de fundamentação de facto e de direito, pois que os pressupostos de facto e de direito que conduziram ao sentido decisório acolhido na mesma sentença se mostram nele evidenciados de forma objetiva, lógica e racional. A recorrente entende que o tribunal a quo limitou-se no que concerne ao depoimento das testemunhas da autora a tecer considerações abstratas e genéricas relativamente ao seu depoimento, defendendo o julgador que tais testemunhas “aduziram depoimentos excessivamente enquistados na versão pugnada pela Autora, emanando narrativas prenhes de enunciados genéricos, conclusivos e desprovidos da exigível consistências”. Mais refere nas suas alegações de recurso que, o mesmo tribunal a quo, para dar como não provados os factos 5 a 7, afirmou que “as testemunhas arroladas pela Autora afiguraram-se linearmente claudicantes nos termos sobreditos, sendo que o relatório pericial configurou-se claro em sede da enunciação da inexistência de vestígios de um caminho e tampouco de utilização pedonal, enfatizando, igualmente, a omissão de condições adequadas de acessibilidade à plataforma superior, as dificuldades inerentes ao muro e o declive acentuado do talude, coordenadas topográficas que não se coadunam com o caminho alardeado pela Autora, sendo que igualmente foram certificados os diversos acessos ao cemitério.” Deste modo, conclui a recorrente que tal fundamentação é deficiente. Não podemos, porém, confundir a ausência ou falta de fundamentação com a deficiência da mesma. A recorrente pode, naturalmente, discordar do sentido decisório acolhido na sentença em apreço ou até considerar a fundamentação do mesmo insuficiente ou errónea, designadamente no que se refere à fundamentação ou motivação da decisão da matéria de facto (o que contenderá com a decisão de mérito e que pode conduzir à sua revogação ou alteração), mas não pode sustentar, de forma procedente, que a decisão em crise é nula por falta de fundamentação, sendo que, conforme o exposto, apenas a absoluta ausência ou grave deficiência de fundamentação (de facto e/ou de direito) – de forma que impeça o destinatário de alcançar o quadro factual e jurídico subjacente à decisão em crise – pode levar ao decretamento da nulidade da decisão. Destarte, neste segmento, improcede a apelação. * A.2) Da nulidade da sentença por a sua fundamentação estar em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível De acordo com o disposto na al. c), do n.º 1, do citado art. 615º, do C. P. Civil, a sentença será nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Quanto à hipótese de contradição entre os fundamentos e a decisão, ela bem se compreende, pois que os fundamentos de facto e de direito, que fundamentam ou justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do denominado silogismo judiciário. Trata-se, pois, de a conclusão decisória decorrer logicamente das respetivas premissas argumentativas. Assim sendo, existirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença quando os seus fundamentos conduzam logicamente a conclusão oposta ou diferente da que no mesmo resulta enunciada. A propósito da nulidade de que ora curamos, de forma clara, refere Antunes Varela, em comentário ao preceituado no art. 668º, n.º 1, al. c), do pretérito CPC – correspondente ao atual art. 615º, n.º 1, al. c) do NCPC –, o que está em causa refere-se à “contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão.” (sublinhámos). No fundo, trata-se de “um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.” (7) Trata-se, pois, de um vício lógico, de uma contradição lógica entre a fundamentação convocada e o sentido decisório. A fundamentação aponta, de forma inequívoca, no sentido da procedência da causa e a decisão é a oposta – improcedência da causa –, a fundamentação aponta no sentido da improcedência da causa e a decisão é a oposta – procedência – ou, ainda, a fundamentação aponta num determinado sentido decisório e este último acaba por seguir direção oposta ou contraditória. Tratar-se-á de um vício ostensivo para um leitor minimamente diligente e sagaz em face do conteúdo do ato jurisdicional proferido (despacho/sentença/acórdão) e a respetiva parte decisória final. Em suma, colhendo a lição de J. Alberto dos Reis, “quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, a sentença enferma de vício lógico que a compromete. A lei quer que o juiz justifique a sua decisão. Como pode considerar-se justificada uma decisão que colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia?”. E acrescenta ainda o mesmo autor que há contradição entre os fundamentos e a decisão “quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”. (8) Por sua vez, a sentença será obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e será ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. “Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpetrações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.” (9) Feitas estas considerações e compulsada a sentença recorrida resulta, a nosso ver, evidente que não ocorre a alegada contradição, pois que a argumentação de facto e de direito nele convocada, sem prejuízo de a apelante discordar da sua interpretação ou da sua aplicação, só podia conduzir à decisão que foi proferida no sentido da improcedência da ação e da procedência da reconvenção. Por outro lado, também não vislumbramos em que medida é que a decisão recorrida enferma de ambiguidade ou obscuridade, que a torna ininteligível. De facto, na sentença recorrida, a valoração que foi dada ao depoimento das testemunhas indicadas pela autora mostra-se claramente percetível e num só sentido. Na mesma decisão, verifica-se que o Juiz a quo considerou que as testemunhas da autora (onde agora igualmente se inclui a testemunha A. S.) “aduziram depoimentos excessivamente enquistados na versão pugnada pela autora …”. As mesmas testemunhas “referiram-se predeterminadamente ao caminho público indicado na petição inicial e desprovidas de suficiente contextualização fáctico-descritiva …”. Mais esclarece-se na mesma decisão, que as “anteditas testemunhas referenciaram passagens pontuais no caminho e enxertaram proclamatoriamente a asserção de que antigamente todas as pessoas passavam para o cemitério sem a exigível explicação fáctica e concreção contextual, sendo que, ante a existência de outros caminhos de acesso ao cemitério, reconhecida genericamente por todos os depoentes, não foi aduzida qualquer justificação fundamentante para tal afectação.” Naturalmente, a recorrente pode discordar da factualidade que o tribunal a quo considerou relevante para a decisão tomada, como pode sustentar que o mesmo tribunal deveria ter considerado outra factualidade, ou, ainda, pode considerar que a factualidade revelada nos autos não resulta da prova produzida ou que houve erro na interpretação ou valoração da prova produzida. Todavia, uma tal argumentação não consubstancia uma qualquer contradição lógica entre os fundamentos de facto e de direito considerados pelo tribunal a quo e, igualmente, qualquer ambiguidade ou obscuridade da sentença recorrida, mas, quando muito, um erro de julgamento («error in iudicando»), que interfere, não com a conformidade lógico-formal da decisão em crise, mas com o seu mérito. Por conseguinte, a questão suscitada pela apelante não contende, pois, com a nulidade da sentença recorrida, enquanto vício ou erro formal ou de procedimento, mas com a sua fundamentação fáctico-jurídica. Improcede, pois, a apelação da recorrente neste particular. * A.3) Da nulidade da sentença por omissão de pronúnciaNas suas alegações de recurso, a apelante veio invocar a nulidade da sentença recorrida, porquanto o Tribunal a quo não analisou criticamente as provas, tanto mais que olvidou o depoimento de uma testemunha, A. S., que, no seu entendimento, é importante para a descoberta da verdade e para a decisão da causa. Segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Esta previsão legal está em consonância com o comando do art. 608º, n.º 2 do C. P. Civil, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” Importa, no entanto, não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido. De facto, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções deduzidas, desde que se apresentem, à luz das várias e plausíveis soluções de direito, como relevantes para a decisão do objeto do litígio e não se encontrem prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente das questões a decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem “questões” no sentido pressuposto pelo citado art. 608.º, n.º 2 do C. P. Civil. Assim, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui uma nulidade da decisão por falta de pronúncia. Neste sentido, colhendo a lição de J. Alberto dos Reis, refere este Ilustre Professor, que “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.” (…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”. (10) (nosso sublinhado). Este entendimento tem, como é consabido, sido corroborado, há muito, pela jurisprudência que sempre o acolheu defendendo que a não apreciação de um ou mais argumentos aduzidos pelas partes não constitui omissão de pronúncia, porquanto o Juiz não está obrigado a ponderar todas as razões ou argumentos invocados nos articulados para decidir certa questão de fundo, estando apenas obrigado a pronunciar-se “sobre as questões que devesse apreciar” ou sobre as “questões de que não podia deixar de tomar conhecimento”. (11) Quer isto dizer que ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objeto do processo, definido pelo pedido deduzido (à luz da respetiva causa de pedir – cfr. art. 581º, n.º 4, do C. P. Civil, que consagra o denominado princípio da substanciação) e das exceções deduzidas. Terá, pois, de apreciar e decidir as todas as questões trazidas aos autos pelas partes – pedidos formulados, exceções deduzidas, … – e todos os factos em que assentam, mas já não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos nos autos. A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas. Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento ou “error in iudicando”, mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia. Feitas estas considerações prévias, cremos que, in casu, não existe qualquer “omissão de pronúncia” na decisão recorrida. O tribunal de 1ª instância apreciou e decidiu todas as questões jurídicas em discussão, o que, aliás, não é também posto em causa pela própria recorrente. No que se refere ao depoimento da testemunha A. S., como já vimos, o Juiz a quo já se pronunciou sobre o depoimento da mesma testemunha, retificando o respetivo erro material de escrita e incluindo a mesma testemunha no respetivo segmento da motivação da decisão da matéria de facto, conforme melhor resulta do despacho de fls. 225 a 227. Termos em que se considera que não houve qualquer “omissão de pronúncia” na decisão recorrida, improcedendo assim, neste âmbito, a apelação apresentada. * B) Da renovação da prova pericialA apelante veio igualmente suscitar a necessidade de se proceder à medição da totalidade da área do prédio dos réus e do caminho em causa, conforme havia requerido, no decurso do processo, e que veio a ser indeferida pelo tribunal a quo, por considerar que tal questão se mostra essencial à descoberta da verdade e boa decisão da causa. De facto, compulsados os presentes autos, verifica-se que a apelante requereu tal diligência pericial (ampliação de prova pericial), pelo requerimento constante de fls. 73 (vide parte final da réplica apresentada pela autora), o que veio a ser indeferido, já no decurso da audiência de julgamento, tendo o Mm.º Juiz a quo concluído que “o peticionado pela Autora no sentido de medição da totalidade da área do prédio dos Réus e do caminho referenciado nos autos se afigura manifestamente colateral para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa.” (cfr. despacho constante de fls. 163). Importa, desde já, ter presente que, tal despacho não foi alvo de qualquer recurso. Do mesmo modo, o despacho que fixou objeto da perícia, datado de 04.03.2016 (cfr. fls. 90), não mereceu qualquer reclamação por parte da autora, designadamente no que se refere à omissão do pedido de ampliação de perícia referido. Não obstante, entende agora a recorrente que a requerida ampliação de prova pericial se mostra importante à descoberta da verdade e boa decisão da causa. Desde logo, cabe dizer que nos termos do disposto no art. 662º, n.º 2, al. a), do C. P. Civil, só deverá ocorrer a renovação da produção de prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento. Por sua vez, nos termos da al. b) do n.º 2 do art. 662º, do C. P. Civil, a Relação deverá ordenar a produção de novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada. Assim, no que se refere à primeira hipótese [al. a)], a renovação aí referida está limitada à prova que se tenha traduzido na prestação de depoimentos, maxime depoimentos testemunhais ou de depoimentos (ou declarações) de parte. No que se refere à segunda hipótese [al. b)], a renovação aí mencionada poderá incidir sobre quaisquer meios de prova, desde que se revele a existência de dúvida fundada sobre a prova realizada e que seja suscetível de sanação mediante a produção de novos meios de prova. De qualquer modo, como salienta Abrantes Geraldes (12), em qualquer dos casos, “não estamos perante um direito potestativo de natureza processual que seja conferido às partes e que a Relação apenas cumpra corresponder; antes deve ser encarado com critérios de objetividade, quando percepcione que determinadas dúvidas sobre a prova ou falta de prova de factos essenciais poderão ser superadas mediante a realização de diligências probatórias suplementares.” (nosso sublinhado). No que se refere à prova pericial ou relatórios periciais, salienta o mesmo Autor que, neste âmbito, “importará ainda que se pondere, em sede de avaliação objectiva, a necessidade ou pertinência de alguma diligência complementar sugeridas pelas partes e as iniciativas que foram ou deveriam ter sido adoptadas oportunamente, antes de esses meios de prova serem sujeitos à apreciação livre por parte do tribunal de 1ª instância.” Para de seguida, concluir que “mais do que atender mecanicamente aos apelos, por vezes a destempo (ou mesmo destemperados) das partes, parece mais conveniente que também a respeito da produção de novos meios de prova a Relação se confronte com a prova que foi ou deveria ter sido produzida, orientando-se por um critério objectivo que, atentas as circunstâncias, revele a imprescindibilidade ou não de realização de uma tal diligência complementar destinada a superar dúvidas fundadas sobre o alcance da prova realizada.” (sublinhámos). (13) No caso em apreço, a recorrente invoca, neste segmento, que se deverá proceder à medição da totalidade da área do prédio dos réus e do caminho em causa, porquanto nem os baldios, nem os direitos sobre baldios são suscetíveis de apropriação privada, nem de aquisição por usucapião, pelo que jamais os réus adquiriram área superior a 600 m2 e se ocupam área superior a essa fazem-no indevidamente, porquanto jamais podem adquirir direito de propriedade de terrenos baldios por usucapião. Para daí concluir que se impõe a remessa dos autos à 1ª instância para que se esclareça tal questão. Ora, como já vimos, a renovação da produção de meios de prova diz unicamente respeito à prova que se tenha traduzido na prestação de depoimentos, não se referindo, portanto, a outros meios de prova, como é o caso da prova pericial. Nesta medida, não poderá este Tribunal da Relação, nesta fase de recurso, operar a repetição/ampliação de uma prova pericial já produzida em sede de tribunal de 1ª instância, porque alegadamente a apelante a considera importante para a boa decisão da causa. De qualquer modo, fazendo uso dos apontados critérios objetivos, também não consideramos que a prova pericial produzida no tribunal recorrido padeça de fundadas dúvidas que importem superar, com especial relevo para a decisão da causa. Na realidade, constata-se que o resultado das respostas dadas pelo perito se apresenta perfeitamente objetivo e esclarecedor quanto ao objeto da prova pericial fixado judicialmente. Improcede, igualmente, neste segmento, a pretensão recursiva da apelante. * C) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.A questão que importa agora dirimir refere-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida. Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente. Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objeto da impugnação. Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o n.º 1 do art. 640º do C. P. Civil, que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “ (…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.” (sublinhado nosso). Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar ainda o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto. Os aspetos fundamentais que o recorrente deve assegurar neste particular prendem-se com a definição clara do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida). Porém, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador. Assim, como salienta Abrantes Geraldes (14) o Supremo Tribunal de Justiça “vem batalhando precisamente no sentido de evitar os efeitos de um excessivo formalismo que ainda marca alguns acórdãos das Relações, promovendo que o esforço que é aplicável na justificação de soluções que exponenciam aspectos de natureza meramente formal sem suficiente tradução na letra da lei, nem no espírito do sistema, seja canalizado para a efectiva apreciação das impugnações de matéria de facto”. (15) Por outro lado, na fase da admissão formal do recurso de apelação em que é impugnada a decisão da matéria de facto, importa que se estabeleça uma clara separação entre os requisitos formais e os ligados ao mérito ou demérito da pretensão que será avaliado em momento posterior. Deste modo, havendo “sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto, quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos. (16) Tendo, assim, presente este enquadramento legal, cumpre decidir. No caso em apreço, a recorrente cumprindo os apontados requisitos formais, pretende a alteração da factualidade dada como assente e não assente, de modo que a factualidade aludida no n.º 2) dos factos provados deve ser alterado para não provado, sendo que o n.º 3) dos factos provados deve ser alterado para provado nos seguintes termos: “Os Réus há mais de 15 e 20 anos, construíram e habitam a casa de habitação indicada em 1), com o conhecimento de todas as pessoas do lugar e freguesia da sua situação, sem oposição de ninguém, com ânimo de quem exerce o direito de propriedade”. Por sua vez, os nºs 5), 6) e 7) dos factos não provados devem ser alterados para provados, devendo a redação do ponto 7) passar a ser a seguinte “O caminho sempre esteve aberto à passagem de pessoas a pé, de veículos automóveis para acesso à propriedade da testemunha A. S., sendo utilizado sem qualquer oposição fosse de quem fosse, na convicção de estarem a servir-se de uma coisa afecta ao uso de todas as pessoas e de que se trata de caminho público”. A recorrente defende, no essencial, que deverá ser atribuído especial credibilidade ao depoimento, isento e imparcial, das testemunhas arroladas pela autora, narrando algumas passagens dos depoimentos das testemunhas M. R., A. M., M. P., Maria, J. C., José e A. S., para daí concluir que a parcela de terreno em litígio é, efetivamente, um “caminho público”. Refere ainda que o Juiz a quo formou a sua convicção única e exclusivamente com base no relatório pericial junto aos autos, o que não tem a virtualidade de provar que a parcela de terreno em litígio não é um “caminho público”. Mais refere que, atento as relações de familiaridade das testemunhas B. A. (cunhado dos réus), J. F. (irmão do réu) e R. F. (mãe do réu), o tribunal a quo não podia atribuir credibilidade a estas mesmas testemunhas, como o fez, sendo certo que, mesmo assim, por via do depoimento das mesmas testemunhas não se provou qualquer ato de posse no concreto caminho em causa nestes autos. Mais refere que não deve ser dada credibilidade às restantes testemunhas dos réus, M. M., J. J. e A. P., tanto mais que as mesmas testemunhas apresentaram depoimentos claramente comprometido com a tese dos réus. Tendo presente, assim, a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pela recorrente, importa saber se, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise. Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes (17), que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia. Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. De facto, o acesso direto do Tribunal da Relação à gravação integral do julgamento antes efetuado, terá de permitir-lhe, na formação da sua própria e autónoma convicção, sustentada numa análise crítica da prova, para além da apreciação dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente, a ponderação e a reanálise de todos os meios probatórios produzidos, sujeitos às mesmas regras de direito probatório material a que se encontra sujeito o tribunal de 1ª instância, enquanto forma, por um lado, de atenuar a inevitável quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, e, por outro, ainda, de evitar julgamentos descontextualizados ou parciais, submetidos apenas à leitura dos meios probatórios convocados pelo recorrente. Pretende-se, pois, uma visão global, integrada e contextualizada de todos os meios probatórios produzidos, como garantia de uma decisão de facto o mais próxima possível da realidade, sem que tal implique a procura de uma verdade ou de uma certeza naturalística ou absoluta, que é, por princípio, insuscetível de ser alcançada. Por outro lado, ainda, no que se refere à reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos/declarações prestados pelas partes ou por testemunhas ou, ainda, a reapreciação da prova pericial, é de recordar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova (18), princípio que expressamente se consagra no art. 607º, n.º 5, do C. P. Civil. (19) De facto, ao contrário do que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, sem pré-fixação legal do mérito de tal julgamento, mas sempre sendo de exigir que esse mérito decorra de uma apreciação crítica e integrada de todo o acervo probatório produzido, ou seja, de uma ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência humana, da lógica e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso, ponderação essa que deverá ficar plasmada na fundamentação do decidido (art. 607º, n.º 4, do C. P. Civil). Como refere Miguel Teixeira de Sousa (20), a propósito do sistema de prova livre, o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão.” Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. Todavia, face aos atuais poderes da Relação ao nível da reapreciação da decisão de facto, daí não decorre que não possa e não deva o tribunal ad quem analisar, também ele, criticamente, e sujeito às mesmas regras da experiência, da lógica e da ciência, a prova produzida, formando ele próprio, uma nova e autónoma convicção, caso em que, constatando, que ela não é coincidente com a convicção formada pelo Sr. Juiz de 1ª instância, deverá efetuar as correções na matéria de facto que aquela sua convicção lhe imponha. Quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição. Deste modo, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo. (21) Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”. (22) Feitas estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, conhecer da factualidade impugnada pela recorrente. O tribunal a quo considerou como provado a apontada factualidade ora impugnada [pontos 2) e 3)], salientando para, o efeito, designadamente o seguinte: “ (…) A formação da convicção do tribunal estribou-se na análise crítica e conjugada das declarações das testemunhas M. R., M. L., M. P., Maria, J. C., B. A., M. M., A. P., J. F., J. J. e R. F., em concatenação com valoração da certidão matricial de fls. 14, do levantamento topográfico de fls. 15, das fotografias de fls. 16-21, da missiva de fls. 23, das actas de fls. 24-27, da certidão registal de fls. 53, da certidão judicial de fls. 53-verso a 58, das informações de fls. 94-97 e 116-119 e do relatório pericial de fls. 137-147, sopesados à luz das regras probatórias legalmente tipificadas e do princípio da livre apreciação, em sede de um iter objectivamente cognoscitivo e dialecticamente valorativo. * No que se refere às testemunhas M. R., M. L., M. P., Maria, J. C. e José [agora também A. S.], aduziram depoimentos excessivamente enquistados na versão pugnada pela Autora, emanando narrativas prenhes de enunciado genéricos, conclusivos e desprovidos da exigível consistência. Na verdade, as testemunhas referiram-se predeterminadamente ao caminho público indicado na petição inicial e desprovidas de suficiente contextualização fáctico-descritiva, sendo que os depoentes M. R., M. P. e Maria mencionaram a existência de trilhos, matéria linearmente contraditada pelo relatório pericial, o qual enunciou claramente a inexistência de evidências de passagem pedonal frequente e certificou que a zona em análise não apresenta condições adequadas para garantir a acessibilidade à plataforma superior, correspondente ao parque superior do cemitério e sua entrada. Ademais, as anteditas testemunhas referenciaram passagens pontuais no caminho e enxertaram proclamatoriamente a asserção de que antigamente todas as pessoas passavam no mesmo para o cemitério sem a exigível explicitação fáctica e concreção contextual, sendo que, ante a existência de outros caminhos de acesso ao cemitério, reconhecida genericamente por todos os depoentes, não foi aduzida qualquer justificação fundamentante para tal afectação. Acresce que as testemunhas reiteraram a sobredita utilização do caminho mesmo após a construção do muro de suporte de terras nas imediações da casa dos Réus (vd. fotografia de fls. 140), o que não se configura plausível à luz do princípio da normalidade. Assinale-se, ainda, que José configurou-se cristalino quanto designou o caminho como atalho, enunciação da essência do mesmo e que se compagina com uma utilização casuística e alternativa insusceptível de induzir evidências de passagem pedonal frequente, nos termos citados pelo relatório pericial. * A testemunha B. A., num primeiro plano de análise, descreveu minimamente a casa dos Réus, estribado na razão de ciência inerente ao facto de trabalhado nas obras de construção da mesma, e indicou fundadamente que respectiva parcela se situava em terreno baldio, o que se coaduna com as peças constantes da certidão judicial de fls. 53-verso a 58. Noutra vertente, o depoente revelou-se facticamente estribado em sede da enunciação de que o acesso junta da casa foi feito pelo sogro, o que foi confirmado pela testemunha J. F. e não foi denegado pela testemunha J. J., antigo presidente da Junta de Freguesia. * Relativamente à testemunha M. M., positivou um depoimento medianamente natural e facticamente estribado, fundado na razão de ciência decorrente de limpar o acesso à casa dos Réus há cerca de 5 anos, revelando plausivelmente que a mesma tem um bocado de terreno em volta e assinalando a inexistência de sinais de passagem no alardeado caminho, asserção corroborada pelo relatório pericial. * A testemunha A. P. aduziu declarações eivadas minimamente de sustentação fáctica e contexto explicativo, mencionando a inexistência do caminho invocado pelo Autor, o que se prefigura verosímil em função do atestado pelo relatório pericial, e concretizando circunstâncias em que, na qualidade de trabalhador por conta do pai dos Réus, utilizavam a parcela dos mesmos, incluindo o acesso à casa descrito a fls. 138 do relatório pericial, o que se prefigurou verosímil sob o crivo das máximas da experiência. * A testemunha J. F., conquanto a qualidade de irmão do Réu, emanou uma narrativa com mediano enquadramento objectivo-explicativo, descrevendo as vicissitudes inerentes à construção da casa pelo irmão e rejeitando a existência do alardeado caminho público, o que foi matizadamente sublinhada pelo depoente J. J.. Ademais, a testemunha mencionou que o pai é que abriu o acesso à casa dos Réus, asserção que se compagina outrossim com o indicado pelo sobredito J. J. e se revela compatível com a área de terreno constante da transacção ínsita na certidão judicial de fls. 53-verso a 58, sendo, assim, plausível à luz do princípio da normalidade. * No que se atem à testemunha J. J., afigurou-se suficientemente descomprometido com referência ao objecto dos autos, porquanto foi presidente da Junta em período posterior à construção da casa dos Réus, especificando a topografia do local e a afectação pretérita a terreno baldio, descrevendo os diferentes acessos ao cemitérios existentes, em congruência com o certificado pelo relatório pericial, e afirmando peremptoriamente a inexistência do caminho invocado na petição inicial, sublinhando-se que, em sede da produção probatória, não foi aflorado pelos depoentes qualquer acto perpetrado pela Autora com referência ao predito caminho.” * (…) O relatório pericial de fls. 137-147 afigura-se objectivamente fundado, sendo que, em matéria de juízos de facto, sendo que, em matéria de juízos de facto, consagra uma posição cristalinamente sustentada em parâmetros claros, suficientemente fundamentados e congruentes com as máximas da experiência, configurando-se, assim, consistente e subjectivamente fiável, atestando, designadamente, a inexistência de evidências de passagem pedonal frequente na zona litigada e que a mesma não apresenta condições adequadas para garantir a acessibilidade à plataforma superior, correspondente ao parque superior do cemitério e sua entrada. * Em decorrência do supra acervo probatório, no que tange ao facto 1), valorou-se a certidão matricial de fls. 14 e a certidão registal de fls. 53, sendo que as áreas e confrontações compaginam quer com o relatório pericial, quer com o conteúdo da transacção judicial de fls. 53-verso a 58. * No que se refere aos factos 2) e 3), o Tribunal sopesou-se concatenadamente as declarações das testemunhas B. A., M. M., A. P., J. F. e J. J., sob o crivo do princípio da normalidade, sendo que a afectação do acesso descrito em 2) ao prédio dos Réus se compagina objectivamente com o relatório pericial de fls. 137-147.”Por outro lado, a recorrente pretende, em consequência da alteração da factualidade anterior, que os factos incluídos nos nºs 5., 6. e 7. dos factos não provados sejam alterados para provados, nos termos propostos. Neste âmbito, resulta ainda da decisão recorrida que: “ (…) No que concerne aos factos 5) a 7), as testemunhas arroladas pela Autora afiguraram-se linearmente claudicantes nos termos sobreditos, sendo que o relatório pericial configurou-se claro em sede da enunciação da inexistência de vestígios de um caminho e tampouco de utilização pedonal, enfatizando, igualmente, a omissão de condições adequadas de acessibilidade à plataforma superior, as dificuldades inerentes ao muro e o declive acentuado do talude, coordenadas topográficas que não se coadunam com o caminho alardeado pela Autora, sendo que igualmente foram certificados os diversos acessos ao cemitério. Ademais, não foi produzida qualquer prova que sustentasse a efectivação pela Autora de actos de conservação do caminho. Consequentemente, no que se refere aos factos 5) a 7), ante a lassidão dos sobreditos meios probatórios e à míngua de outras provas (documentais ou periciais), postulou-se a sucumbência dos mesmos.” Analisámos a prova produzida, em especial os depoimentos das apontadas testemunhas arroladas pela autora e pelos réus, assim como toda a prova documental junta, em especial o teor dos documentos de fls. 14 a 27 e 52 verso a 59 e relatório pericial de fls. 138 a 147, e da mesma não foi possível, de facto, concluir, com a necessária segurança, pela existência de um erro de apreciação relativamente aos pontos de facto impugnados. Como é fácil de ver, a exposição dos motivos que levaram o tribunal a quo a decidir pela verificação da factualidade incluída sob os nºs 2) e 3) e não demonstração dos factos incluídos sob os nºs 5) a 7) é bastante completa e exaustiva, seguindo sempre um raciocínio bastante consistente e estruturado. Segundo aqueles princípios de imediação, oralidade e livre apreciação da prova, o tribunal a quo retirou a conclusão que as indicadas testemunhas da autora apresentaram depoimentos demasiado comprometidos com versão defendida pela autora, sem a necessária objetividade e contextualização fáctica. Resulta ainda evidente que o tribunal recorrido cuidou de sopesar todos os elementos de prova trazidos aos autos, ou seja a prova documental, pericial e testemunhal, não se podendo concluir, tal como faz a recorrente, que o juiz a quo apenas se deteve na prova pericial produzida, para daí concluir que a parcela de terreno em questão não se trata de um “caminho público”. Na sequência, considerou logicamente como não provada a factualidade contida nos pontos 5) a 7) Neste âmbito, salienta-se ainda que, em resultado do conjunto dos depoimentos das testemunhas arroladas pela autora e da própria morfologia da parcela em questão, este tribunal ad quem ficou ainda com a clara ideia de que, mais de que a discussão sobre a existência no local de um “caminho público”, o que esteve particularmente em causa neste processo foi a possibilidade de se permitir o acesso da estrada municipal, por via da parcela em questão, ao terreno que atualmente pertence ao Sr. A. S.. Repare-se que, logo no início do depoimento da testemunha M. P., verifica-se que a mesma, por assim dizer, “deixou a boca fugir para verdade”, já que, confrontada com o que estaria em causa neste processo, descreveu que “pelo aquilo que eu sei, por causa de um caminho que vai dar acesso a uma propriedade …” – ao que tudo indica, pois, referindo-se à parcela em questão como de acesso à propriedade do Sr. A. S., não se referindo, como espontaneamente o devia fazer, a um caminho utilizado, pelas pessoas em geral, de forma permanente e visível, como acesso ao identificado cemitério. De facto, uma coisa é a utilização da referida parcela de terreno como forma de aceder, designadamente a título de servidão de passagem, ao terreno do Sr. A. S.; outra coisa é a sua utilização dessa parcela de terreno, desde tempos imemoriais, para afetação ao uso direto e imediato do público, da população em geral, satisfazendo relevantes interesses coletivos. Por seu turno, o Juiz a quo, também no âmbito daqueles princípios, levando em conta os depoimentos, que lhe mereceram credibilidade, das testemunhas dos réus, em especial das testemunhas B. A., A. P., J. F. e J. J., formou a convicção de que a parcela de terreno em litígio tem vindo a ser cuidada e usufruída pelos réus, sobretudo em termos de acesso ao quintal e porta traseira da sua habitação. Nesta medida, considerou como provada a factualidade contida sob os nºs 2) e 3). Por último, importará ainda salientar que do teor dos documentos de fls. 52 verso a 58, o prédio dos réus adveio à sua posse titulada, a título de aquisição por acessão industrial imobiliária, na sequência de Termo de Transação celebrado entre a autora (Junta de Freguesia A) e os réus, em Maio de 1995 (cfr. fls. 58), sendo certo que, da própria inscrição matricial e registo predial de tal prédio, não consta qualquer alusão à confrontação do mesmo prédio com “caminho público”, como logicamente deveria ocorrer, caso esse mesmo “caminho público” existisse, conforme o alegado pela recorrente, desde tempos imemoriais. Antes consta, que do lado nascente, o mesmo prédio dos réus confronta com “J. M.” (conforme aliás se nos afigura corresponder à realidade factual que se retira da fig. 2, do relatório pericial, a fls. 139), o que, ao que tudo indica, também não foi posto em causa pela própria autora Junta de Freguesia A, em particular aquando a celebração da dita transação, em Maio de 1995. Daqui resulta, em suma, que este tribunal ad quem não possui qualquer elemento idóneo que possa abalar a livre convicção do tribunal recorrido quanto aos fundamentos da decisão sobre a matéria de facto, que se mostra assim inalterável, face à prova produzida. Deverá pois, soçobrar integralmente a pretensão da recorrente, mantendo-se totalmente inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida. * B) Da nova fundamentação de direito (conhecimento prejudicado)Dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, na sua totalidade, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, a qual, porém, se mantém inalterada, fica necessariamente prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, n.º 2, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil. Termos em que, improcede na sua totalidade a apelação em presença. * V. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, pois, a sentença recorrida. Custas pela apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil). * * Guimarães, 02.11.2017 Relator António José Saúde Barroca Penha Des. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha Des. José Manuel Alves Flores
1. Vide, neste sentido, J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 139. |