Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | SÓNIA MOURA | ||
Descritores: | CONTRATO DE COMPRA E VENDA COMPROPRIEDADE MÚTUO PAGAMENTO | ||
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Data do Acordão: | 11/07/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1. A qualidade de proprietário de um imóvel decorre da outorga do respetivo contrato de compra e venda, resultando da subsequente inscrição de aquisição no registo a presunção de que o comprador é o proprietário, nos termos em que o registo se mostra efetuado, atento o disposto no artigo 7.º do Código de Registo Predial. 2. Se constarem no contrato dois outorgantes como compradores, tal determina que sejam considerados comproprietários do imóvel, e não resultando da escritura, de forma expressa ou tácita, a fixação de diferentes quotas, conclui-se que são iguais as quotas dos comproprietários. 3. O pagamento da totalidade ou da maior parte das prestações dos mútuos hipotecários contraídos para compra do terreno e construção da moradia, ou o pagamento de despesas relativas à construção, por parte de um dos comproprietários, não constituem fundamento para o reconhecimento da propriedade exclusiva ou de uma quota superior do imóvel, se nada tiver sido consignado na escritura a respeito da satisfação dos encargos, porquanto a existência de diferentes quotas deve resultar do título constitutivo da aquisição. 4. Acresce que o pagamento é um mero ato jurídico, podendo ser efetuado por qualquer pessoa, interessada ou não no cumprimento, constituindo um mero efeito do contrato de compra e venda. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 4038/21.6T8STB.E1 (1ª Secção)
Relatora: Sónia Moura 1º Adjunto: José António Moita 2ª Adjunta: Maria Adelaide Domingos *** Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1. AA intentou a presente ação especial de divisão de coisa comum contra BB e Novo Banco, S.A., concluindo na petição inicial nos seguintes termos: “deve a presente acção ser julgada procedente por provada, decidindo-se pela indivisibilidade da coisa comum, procedendo-se à sua adjudicação a um dos comproprietários, ou, na falta de acordo, procedendo-se à venda da coisa comum pelo seu valor comercial determinado por avaliação, com pagamento ao 2.º Réu do valor ainda em dívida dos empréstimos a que correspondem as hipotecas constituídas sobre o prédio e subsequente repartição do valor que remanescer, na proporção de metade para cada um dos comproprietários, ora Autora e 1.º Réu.”
2. Citado o R. BB, veio o mesmo contestar, referindo, em síntese, que: - Foi o mesmo que suportou todas as prestações do contrato de mútuo para aquisição da moradia; - O R. BB construiu uma moradia com capitais próprios e sem qualquer contribuição da A.; - A A. e o R. BB não viviam em economia comum; - A A. nunca teve rendimentos. Com base nos fundamentos referidos, o R. BB apresentou reconvenção, pedindo, a título principal, que seja a A. condenada a reconhecer que o imóvel constituído por lote de terreno e moradia, em causa nos autos, é propriedade exclusiva do R., ou, em alternativa, na proporção de ¾ para o R. e ¼ para a A. (ou noutra proporção que o Tribunal determinar), condenando-se a A. a reconhecer o direito de propriedade exclusivo do R. sobre o referido prédio e ordenar-se, em conformidade, a retificação do registo efetuado na Conservatória do Registo Predial. Subsidiariamente, o R. peticionou que a A. seja condenada a pagar ao R. a quantia de € 350.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento.
3. Citado o R. Novo Banco, S.A., veio apresentar contestação, onde indicou os créditos em dívida pela A. e pelo R..
4. O pedido reconvencional principal do R. foi admitido e o pedido reconvencional subsidiário não foi admitido, tendo sido proferido despacho saneador.
5. Foi realizada a audiência de julgamento e proferida sentença, cujo dispositivo reza assim: “Face ao exposto, o Tribunal decide: A) Fixar que a Autora AA e o Réu BB são comproprietários, em partes iguais, na proporção de metade para cada um, do prédio urbano correspondente a lote de terreno para construção urbana, com a área total de 492,40 m 2, designado “lote ...30”, sito em Brejos ..., Rua 1, freguesia Local 1, concelho Local 2, descrito na ... Conservatória do Registo Predial Local 2 sob o número ...95 e atualmente inscrito na matriz sob o artigo ...81 da União de Freguesias Local 7 (Local 3 e Local 4) e da moradia construída no lote de terreno correspondente a um prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, destinada a habitação, composta de 3 pisos e 4 divisões, sendo a área de implantação do edifício de 100 m 2, a área bruta de construção de 264 m 2, a área bruta dependente de 98,80 m 2 e a área bruta privativa de 165,20 m 2; B) Declarar que o imóvel, referido no número anterior, constituído por lote de terreno de moradia, é indivisível. C) Absolver a Autora do pedido reconvencional, formulado pelo Réu BB, para que a Autora seja condenada a reconhecer que o imóvel referido em A. é propriedade exclusiva do Réu reconvinte BB, ou, em alternativa na proporção de ¾ para o réu reconvinte e ¼ para a Autora ou noutra proporção; D) Absolver a Autora do pedido reconvencional formulado pelo Réu BB para que seja ordenada a retificação do registo efetuado na Conservatória do Registo Predial; E) Absolver o Réu BB do pedido de condenação como litigante de má-fé; F) Condenar o Réu BB a suportar as custas. Registe e notifique. Promova o registo da presente decisão, nos termos do Código do Registo Predial.”
6. Inconformado com a sentença, dela veio apelar o R., o qual concluiu as suas alegações nos seguintes termos: “1. - ª Nos presentes autos, a douta sentença recorrida decidindo: A) Fixar que a Autora AA e o Réu BB são comproprietários, em partes iguais, na proporção de metade para cada um, do prédio urbano correspondente a lote de terreno para construção urbana, com a área total de 492,40 m 2, designado “lote ...30”, sito em Brejos ..., Rua 1, freguesia Local 1, concelho Local 2, descrito na ... Conservatória do Registo Predial Local 2 sob o número ...95 e atualmente inscrito na matriz sob o artigo ...81 da União de Freguesias Local 7 (Local 3 e Local 4) e da moradia construída no lote de terreno correspondente a um prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, destinada a habitação, composta de 3 pisos e 4 divisões, sendo a área de implantação do edifício de 100 m 2, a área bruta de construção de 264 m 2, a área bruta dependente de 98,80 m 2 e a área bruta privativa de 165,20 m 2; B) Declarar que o imóvel, referido no número anterior, constituído por lote de terreno de moradia, é indivisível. C) Absolver a Autora do pedido reconvencional, formulado pelo Réu BB, para que a Autora seja condenada a reconhecer que o imóvel referido em A. é propriedade exclusiva do Réu reconvinte BB, ou, em alternativa na proporção de ¾ para o réu reconvinte e ¼ para a Autora ou noutra proporção; D) Absolver a Autora do pedido reconvencional formulado pelo Réu BB para que seja ordenada a retificação do registo efetuado na Conservatória do Registo Predial; 2. ª – Entende o ora Apelante que a douta sentença recorrida padece desde logo dos seguintes vícios: são inúmeros os pontos da matéria de facto que encerram em si matéria de direito (com conteúdo jurídico-conclusivo) que não poderia fazer parte dos Factos Provados, um desses pontos incluindo dois conceitos jurídicos contraditórios entre si, omitindo também pronúncia sobre questão fundamental colocada pelo aqui Apelante, fazendo inquinar a douta sentença recorrida de tal enfermidade, impondo a sua eliminação da decisão de facto; 3. ª - Entende ainda o ora apelante que a presente acção foi julgada incorrectamente quanto a determinada matéria de facto, pois a realidade plasmada na douta sentença recorrida está em oposição com a que resulta dos depoimentos das testemunhas, das declarações de parte prestadas pelo ora Apelante, e pela Apelada, quando conjugadas com toda a prova documental e junta aos autos. 4. ª - Pretende também a reapreciação da questão de direito, na medida em que a sentença não condenou a Apelada, conforme peticionado no pedido reconvencional, a reconhecer que o prédio identificado nos artºs 1º e 5º da p.i. é propriedade exclusiva do Apelante, ou, em alternativa na proporção de ¾ para o Apelante e ¼ para a Apelada (ou noutra proporção que o tribunal determinar), condenando-se a Apelada a reconhecer o direito de propriedade exclusivo do Apelante sobre o referido prédio e ordenar-se, em conformidade, a rectificação do registo efectuado na Conservatória do Registo Predial, como deveria ter feito, pois assim o impunham os factos provados (o que ainda mais se justifica à luz da alteração da matéria de facto suscitada no presente recurso). 5. ª - Começando por fundamentar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o Apelante refere que a mesma padece dos seguintes vícios: são inúmeros os pontos da matéria de facto que encerram em si matéria de direito (com conteúdo jurídicoconclusivo) que não poderia fazer parte dos Factos Provados, fazendo inquinar a douta sentença recorrida de enfermidade decorrente da violação do disposto nos artºs 5º, 410’, 596º, nº1 e 607º, nºs 3 e 4 do CPC e artº 341º do CC, devendo a mesma ser eliminada da decisão de facto. 6. ª - Logo no ponto 1 dos Factos Provados consta a proposição “começaram a viver juntos, como casal” que deve ser considerada in casu como uma mera questão de direito, que não poderia constar dos Factos Provados, fazendo inquinar a douta sentença recorrida de tal enfermidade (inadmissibilidade de fazer constar matéria de direito dos Factos Provados, por violação do disposto nos artºs 5º, 410’, 596º, nº1 e 607º, nºs 3 e 4 do CPC e artº 341º do CC), devendo a mesma ser eliminada da decisão de facto. 7. ª - Também nos ponto 2 e 3 dos Factos Provados consta a expressão “Autora e Réu detêm, em conjunto, uma conta bancária” e, não havendo dúvidas que a “detenção” é um conceito jurídico que “engloba as situações em que embora haja exercício de facto não se constitui a relação jurídica de posse” (Oliveira Ascenção, Direiros Reais, 1971, pp.254) e “existe nos casos em que o exercício é desacompanhado da intenção de agir como beneficiário do direito, a posse é em nome de outrem, e quando alguém exerce indevidamente poderes sobre coisa do domínio público” (idem, p. 255), que não poderia constar dos Factos Provados, fazendo inquinar a douta sentença recorrida de tal enfermidade (inadmissibilidade de fazer constar matéria de direito dos Factos Provados, por violação do disposto nos artºs 5º, 410’, 596º, nº1 e 607º, nºs 3 e 4 do CPC e artº 341º do CC), devendo a mesma ser eliminada da decisão de facto. 8. ª - Também no ponto 6 dos Factos Provados consta a proposição “A Autora foi proprietária de uma boutique de vestuário, na qual prestava o seu trabalho”, a qual contém dois conceitos jurídicos, para mais contraditórios entre si, o que significa que a douta sentença recorrida viola o disposto nos artºs 5º, 410’, 596º, nº1 e 607º, nºs 3 e 4 do CPC e artº 341º do CC (vício de inadmissibilidade de fazer constar matéria de direito dos Factos Provados), devendo a mesma ser eliminada da decisão de facto. 9. ª - Tendo presente que entre as várias questões fundamentais que cumpre decidir, enunciadas na douta sentença recorrida, consta “saber se a Autora e o Réu CC são comproprietários do imóvel constituído por lote de terreno e moradia e qual a proporção das suas quotas”, verifica-se que no ponto 8 dos “Factos Provados” se encontra a resposta a tal questão, a sua solução jurídica, o que significa que a douta sentença recorrida viola o disposto nos artºs 5º, 410’, 596º, nº1 e 607º, nºs 3 e 4 do CPC e artº 341º do CC, devendo a mesma ser eliminada da decisão de facto. 10. ª- Tendo presente que entre as várias questões fundamentais que cumpre decidir, enunciadas na douta sentença recorrida, consta “saber se a Autora e o Réu CC são comproprietários do imóvel constituído por lote de terreno e moradia e qual a proporção das suas quotas”, verifica-se que no ponto 11 dos “Factos Provados” se encontra a resposta a tal questão, a sua solução jurídica, o que significa que a douta sentença recorrida viola o disposto nos artºs 5º, 410’, 596º, nº1 e 607º, nºs 3 e 4 do CPC e artº 341º do CC, devendo a mesma ser eliminada da decisão de facto. 11. ª - Tendo presente que entre as várias questões fundamentais que cumpre decidir, enunciadas na douta sentença recorrida, consta “saber se a Autora e o Réu CC são comproprietários do imóvel constituído por lote de terreno e moradia e qual a proporção das suas quotas”, verifica-se que no ponto 22 dos “Factos Provados” se encontra a resposta a tal questão, a sua solução jurídica, o que significa que a douta sentença recorrida viola o disposto nos artºs 5º, 410’, 596º, nº1 e 607º, nºs 3 e 4 do CPC e artº 341º do CC, devendo a mesma ser eliminada da decisão de facto. 12. ª - No caso vertente não poderá ser admitido o teor do ponto 22 nos Factos Provados, visto que o cerne da questão consiste justamente em determinar qual ou quais dos dois – Apelante e Apelada – são (com)proprietários do imóvel e qual a proporção das suas quotas, independentemente do que consta no Registo Predial e do negócio jurídico celebrado por ambos. 13. ª - Admitir a inclusão do ponto 22 nos Factos Provados arruma definitivamente a questão de direito a decidir pelo tribunal, cuja sede própria de conhecimento, no entanto, não é a decisão da matéria de factos, mas a decisão de direito . 14. ª – Tendo presente que entre as várias questões fundamentais que cumpre decidir, enunciadas na douta sentença recorrida, consta “saber se a Autora e o Réu CC são comproprietários do imóvel constituído por lote de terreno e moradia e qual a proporção das suas quotas”, verifica-se que no ponto 23 dos “Factos Provados” se encontra a resposta a tal questão, a sua solução jurídica, o que significa que a douta sentença recorrida viola o disposto nos artºs 5º, 410’, 596º, nº1 e 607º, nºs 3 e 4 do CPC e artº 341º do CC, devendo a mesma ser eliminada da decisão de facto. 15. ª – ª - No caso vertente não poderá ser admitido o teor do ponto 23 nos Factos Provados, visto que o cerne da questão consiste justamente em determinar qual ou quais dos dois – Apelante e Apelada – são (com)proprietários do imóvel e qual a proporção das suas quotas, independentemente do que consta no Registo Predial e do negócio jurídico celebrado por ambos. 16. ª - Admitir a inclusão do ponto 23 nos Factos Provados arruma definitivamente a questão de direito a decidir pelo tribunal, cuja sede própria de conhecimento, no entanto, não é a decisão da matéria de factos, mas a decisão de direito. 17. ª - Pelas mesmas razões atrás explanadas, também as proposições constantes nos pontos 9, 10, 15, 16, 17 e 20 não podem integrar a matéria de facto provada, por constituírem matéria de direito (com conteúdo jurídico-conclusivo) que não poderia fazer parte dos Factos Provados, pois, quer o Apelante, quer a Apelada, disputam pela sua demonstração em seu favor, fazendo inquinar a douta sentença recorrida de tal enfermidade (inadmissibilidade de fazer constar matéria de direito dos Factos Provados, por violação do disposto nos artºs 5º, 410’, 596º, nº1 e 607º, nºs 3 e 4 do CPC e artº 341º do CC), devendo a mesma ser eliminada (considerando-a como não escrita) da decisão de facto. 18. ª O Apelante pretende a alteração da matéria de facto nos seguintes termos: devido a um erro na apreciação da prova, ao invés do que decorre das declarações de parte do ora Apelante e das declarações de parte da Apelada (cuja transcrição é feita no corpo das presentes alegações), quando conjugados com as declarações de parte da Apelante e com a prova documental produzida, constam na douta decisão recorrida como não provados os factos constantes nos pontos b., c., d., e. e f. da douta sentença, os quais, ao invés, deveriam ter sido considerados como provados. CONCRETAMENTE, 19. ª – Deverá ser alterada a douta decisão recorrida na parte em que considerou como não provado que – b. O Réu BB suportou com verbas próprias suas uma empreitada parcial, no valor de € 92.250,00, em 28-06-2004 -- e substituída por outra que considere como provada tal factualidade, mais deverá tal alteração da matéria de facto repercutir-se na decisão a proferir relativamente aos pedidos formulados na reconvenção, devendo tais pedidos ser julgados procedentes por provados. 20. ª - Para uma completa análise desta questão de facto deverá terse em conta o teor das Declarações de parte do Apelante BB [Diligencia_4038-21.6T8STB_2023-12-21_10-06-07] cujo depoimento foi gravado no Sistema Habilus Media Studio. (10:06:09 às 11:41:10) (cfr. Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 21-12-2023), de 00:03:45 a 00:15:00, de 00:17:14 a 00:19:00, de 00:21:19 a 00:22:00, de 00:26:16 a 00:39:00, de 00:40:00 a 00:52:00, de 00:57:16 a 00:59:00, bem como as Declarações de Parte da Apelada AA [Diligencia_4038-21.6T8STB_2023-12-21_11-46-57] cujo depoimento foi gravado no Sistema Habilus Media Studio. (11:46:58 às 11:31:47) (cfr. Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 21-12-2023) de 00:31:16 a 00:37:21, confrontadas com a demais prova discriminada no corpo das presentes alegações. 21. ª – Deverá ser alterada a douta decisão recorrida na parte em que considerou como não provado que - c. O Réu BB construiu a moradia no lote de terreno com capitais próprios e sem qualquer contribuição por parte da Autora – e substituída por outra que considere como provada tal factualidade. 22. ª - Mais deverá tal alteração da matéria de facto repercutir-se na decisão a proferir relativamente aos pedidos formulados na reconvenção, devendo tais pedidos ser julgados procedentes por provados. 23. ª - Para uma completa análise desta questão de facto deverá terse em conta o teor das Declarações de parte do Apelante BB [Diligencia_4038-21.6T8STB_2023-12-21_10-06-07] cujo depoimento foi gravado no Sistema Habilus Media Studio. (10:06:09 às 11:41:10) (cfr. Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 21-12-2023), de 00:03:45 a 00:15:00, de 00:17:14 a 00:19:00, de 00:21:19 a 00:22:00, de 00:26:16 a 00:39:00, de 00:40:00 a 00:52:00, de 00:57:16 a 00:59:00, bem como as Declarações de Parte da Apelada AA [Diligencia_4038-21.6T8STB_2023-12-21_11-46-57] cujo depoimento foi gravado no Sistema Habilus Media Studio. (11:46:58 às 11:31:47) (cfr. Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 21-12-2023) de 00:31:16 a 00:37:21, confrontadas com a demais prova discriminada no corpo das presentes alegações. 24. ª - Deverá, assim, ser alterada a douta decisão recorrida na parte em que considerou como não provado que - d. O Réu BB liquidou sozinho todas as prestações do contrato de mútuo para aquisição do terreno - e. O Réu BB liquidou sozinho todas as prestações do contrato de mútuo para construção da moradia - e substituída por outra que considere como provada tal factualidade, mais devendo tal alteração da matéria de facto repercutir-se na decisão a proferir relativamente aos pedidos formulados na reconvenção, devendo tais pedidos ser julgados procedentes por provados. 25. ª - Para uma completa análise desta questão de facto deverá terse em conta o teor das Declarações de parte do Apelante BB [Diligencia_4038-21.6T8STB_2023-12-21_10-06-07] cujo depoimento foi gravado no Sistema Habilus Media Studio. (10:06:09 às 11:41:10) (cfr. Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 21-12-2023), de 00:03:45 a 00:15:00, de 00:17:14 a 00:19:00, de 00:21:19 a 00:22:00, de 00:26:16 a 00:39:00, de 00:40:00 a 00:52:00, de 00:57:16 a 00:59:00, bem como as Declarações de Parte da Apelada AA [Diligencia_4038-21.6T8STB_2023-12-21_11-46-57] cujo depoimento foi gravado no Sistema Habilus Media Studio. (11:46:58 às 11:31:47) (cfr. Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 21-12-2023) de 00:31:16 a 00:37:21, confrontadas com a demais prova discriminada no corpo das presentes alegações. 26. ª - Deverá ser alterada a douta decisão recorrida na parte em que considerou como não provado que - e. O Réu BB liquidou sozinho todas as prestações do contrato de mútuo para construção da moradia - e substituída por outra que considere como provada tal factualidade, mais devendo tal alteração da matéria de facto repercutir-se na decisão a proferir relativamente aos pedidos formulados na reconvenção, devendo tais pedidos ser julgados procedentes por provados. 27. ª - Para uma completa análise desta questão de facto deverá terse em conta o teor das Declarações de parte do Apelante BB [Diligencia_4038-21.6T8STB_2023-12-21_10-06-07] cujo depoimento foi gravado no Sistema Habilus Media Studio. (10:06:09 às 11:41:10) (cfr. Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 21-12-2023), de 00:03:45 a 00:15:00, de 00:17:14 a 00:19:00, de 00:21:19 a 00:22:00, de 00:26:16 a 00:39:00, de 00:40:00 a 00:52:00, de 00:57:16 a 00:59:00, bem como as Declarações de Parte da Apelada AA [Diligencia_4038-21.6T8STB_2023-12-21_11-46-57] cujo depoimento foi gravado no Sistema Habilus Media Studio. (11:46:58 às 11:31:47) (cfr. Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 21-12-2023) de 00:31:16 a 00:37:21, confrontadas com a demais prova discriminada no corpo das presentes alegações. 28. ª Deverá, assim, ser alterada a douta decisão recorrida na parte em que considerou como não provado que - f. O Réu BB suportou as seguintes despesas, com verbas próprias suas: - Trabalhos de canalizador: - Ligação à rede, no valor de € 150,00, durante o ano de 2005; - Cave, lava loiça, termoacumulador, no valor de €450,00, durante o ano de 2005; - Alteração da banheira e base de duche, no valor de € 100,00, durante o ano de 2005; - Campanula e betume, no valor de €115,00, durante o ano de 2005; - Trabalho de ladrilhador no valor de € 350,00, durante o ano de 2005; - Cofragem, no valor de €750,00, durante o ano de 2005; - Reboco interior no valor de €900,00, durante o ano de 2005; - Certificado de exploração da instalação elétrica (Certiel), no valor de €44,49, durante o ano de 2005; - Carpinteiro de cofragem, no valor de € 10.000,00, durante o ano de 2005; - Pedreiro no valor de € 2.000,00, durante o ano de 2005; - Canalizador no valor de € 1.712,00, durante o ano de 2005; - Estucador no valor de € 550,00, durante o ano de 2005; - Eletricista no valor de €500,00, durante o ano de 2005; - Pintor no valor de €740,00, durante o ano de 2005; E substituída por outra que considere como provada tal factualidade. 29. ª - Mais deverá tal alteração da matéria de facto repercutir-se na decisão a proferir relativamente aos pedidos formulados na reconvenção, devendo tais pedidos ser julgados procedentes por provados. 30. ª - Para uma completa análise desta questão de facto deverá terse em conta o teor das Declarações de parte do Apelante BB [Diligencia_4038-21.6T8STB_2023-12-21_10-06-07] cujo depoimento foi gravado no Sistema Habilus Media Studio. (10:06:09 às 11:41:10) (cfr. Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 21-12-2023), de 00:03:45 a 00:15:00, de 00:17:14 a 00:19:00, de 00:21:19 a 00:22:00, de 00:26:16 a 00:39:00, de 00:40:00 a 00:52:00, de 00:57:16 a 00:59:00, bem como as Declarações de Parte da Apelada AA [Diligencia_4038-21.6T8STB_2023-12-21_11-46-57] cujo depoimento foi gravado no Sistema Habilus Media Studio. (11:46:58 às 11:31:47) (cfr. Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 21-12-2023) de 00:31:16 a 00:37:21, confrontadas com a demais prova discriminada no corpo das presentes alegações. Por outro lado, 31. ª - Considerando os factos provados pelo MMº Juíz a quo no ponto 21 da douta sentença recorrida, impunha-se a condenação da Apelada no pedido reconvencional, concretamente a reconhecer que o prédio identificado nos artºs 1º e 5º da p.i. é propriedade exclusiva do Apelante, ou, em alternativa na proporção de ¾ para o Apelante e ¼ para a Apelada (ou noutra proporção que o tribunal determinar), condenando-se a Apelada a reconhecer o direito de propriedade exclusivo do Apelante sobre o referido prédio e ordenar-se, em conformidade, a rectificação do registo efectuado na Conservatória do Registo Predial, como deveria ter feito, pois assim o impunham os factos provados (o que ainda mais se justifica à luz da alteração da matéria de facto suscitada no presente recurso). 32. ª – Os custos da construção da moradia, suportados exclusivamente pelo aqui Apelante, totalizam o valor de € 14’112,32, valor este para o qual, na óptica do MMº Juíz a quo, e bem, a Apelada não contribuiu. 33. ª - Aquele valor foi despendido pelo aqui Apelante, na sua quase totalidade, para aquisição de partes componentes do imóvel, mas também de na aquisição de partes integrantes desse mesmo prédio (cfr. artº 204º do CC). 34. É hoje objectivamente impossível destacar do imóvel tais partes componentes.Com efeito, estes bens e equipamentos foram incorporados na moradia descrita nos art.ºs 1º a 5º da petição, sendo parte integrante da mesma e, por conseguinte, insusceptíveis de utilização autónoma ou de serem destacados do terreno, sem prejuízo, quer das benfeitorias, quer da coisa benfeitorizada. Sem as entregas em dinheiro efectuadas pelo Apelante, acima discriminadas, para efeitos de edificação e construção de imóvel (terreno, moradia e outros bens e equipamentos, tal como supra discriminado) tal bem imóvel não existiria em termos físicos, tal como hoje ocorre. 35. ª - Todavia, ao incorporarem-se no imóvel em causa, os bens pagos pelo Réu reconvinte adquiriram um valor efectivo e real superior ao que decorre do seu custo e respectiva actualização e correcção monetária – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.05.1997, na Col. Jur./STJ, 1997, 2º, p. 81. 36. ª - Para além disso, na análise de tal questão, deverá ter-se em conta a necessária correcção monetária, fundada na desvalorização da moeda, atendendo ao decurso do tempo, com a devida e justa ponderação, nomeadamente os efeitos da inflação ocorrida desde então até hoje, quer sobre o referido valor -- -- quer sobre a sua repercussão no valor actual do imóvel (cfr. Portaria 340/2023, de 08-11). 37. ª- No fundo, o MMº Juiz a quo não retirou, como se impunha, qualquer efeito jurídico da aludida factualidade. 38. ª - Em suma, decidindo de modo contrário a todo o exposto, a douta decisão recorrida, ao incorrer nos vícios apontados, ao não julgar a matéria de facto nos moldes supra indicados e ao não condenar a Apelada no pedido reconvencional - a reconhecer que o prédio identificado nos artºs 1º e 5º desta p.i. é propriedade exclusiva do Apelante, ou, em alternativa na proporção de ¾ para o Apelante e ¼ para a Apelada (ou noutra proporção que o tribunal determinar), condenando-se a Apelada a reconhecer o direito de propriedade exclusivo do Apelante sobre o referido prédio e ordenar-se, em conformidade, a rectificação do registo efectuado na Conservatória do Registo Predial, erra por violação de lei, ao não ter considerado a legislação vigente, entre o plano das normas e princípios constitucionais e o da aplicação concreta, violando, entre outras do douto suprimento desse Tribunal da Relação, as normas contidas nos artºs artºs 5º, 410’, 596º, nº1, 607º, nºs 3 e 4, 925º, 926º, 929º, do CPC e artºs 204º, 209º, 341º do CC. TERMOS EM QUE, e demais de Direito, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, concomitantemente, ser a douta decisão recorrida substituída por outra que: a) Julgue verificados os apontados vícios da sentença constantes nos pontos 1, 2, 3, 6, 8, 9, 10, 11, 15, 16, 17, 10, 22 e 23 dos Factos Provados e eliminados da decisão de facto; b) Julgue provados os factos constantes nos pontos b, c., d. , e. e f. dos Factos não provados da douta sentença; e c) Julgue totalmente procedente o pedido reconvencional deduzido pelo ora Apelante contra a Apelada, assim se fazendo JUSTIÇA.
7. A A. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Questões a Decidir O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil). Assim, cumpre apreciar: a) se deve ser modificada a decisão de facto; b) se deve ser alterada a decisão de direito.
III – Fundamentação A) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto 1. O Tribunal a quo julgou provados e não provados os seguintes factos: “(…) Factos Provados: 1. No ano de 1994, a Autora e o Réu BB começaram a viver juntos, como casal, numa casa na Zona Envolvente à Praça ..., na Local 5, onde permaneceram até estar integralmente construída a moradia em Brejos .... 2. Desde 30-09-1998, a Autora e o Réu detêm, em conjunto, a conta bancária no Banco Internacional de Crédito (BIC) – atual Novo Banco. 3. Desde data não concretamente apurada, a Autora e o Réu detêm, em conjunto, uma conta bancária no Banco Santander. 4. Em 19/01/2003, a Autora e o Réu BB tiveram uma filha. 5. Os cheques juntos como documentos nº 4 a 10 à contestação do Réu BB foram deduzidos à conta do Banco Internacional de Crédito. 6. Em datas não concretamente apuradas, a Autora foi proprietária de uma boutique de vestuário, na qual prestava o seu trabalho. 7. Entre datas não com concretamente apuradas, o Réu BB exerceu funções para o Banco Internacional de Crédito (BIC), atual Novo Banco S.A. 8. Em 08 de março de 2005, a Autora e o Réu BB adquiriram por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, em compropriedade, o prédio urbano correspondente a lote de terreno para construção urbana, com a área total de 492,40 m 2, designado “lote ...30”, sito em Brejos ..., Rua 1, freguesia Local 1, concelho Local 2, descrito na ... Conservatória do Registo Predial Local 2 sob o número ...95 e atualmente inscrito na matriz sob o artigo ...81 da União de Freguesias Local 7 (Local 3 e Local 4), o qual teve origem no artigo ...64 da extinta freguesia Local 1. 9. No âmbito do contrato de compra e venda e mútuo oneroso com hipoteca, celebrado no dia 08 de março de 2005, referido no número anterior, o Banco Internacional de Crédito (atual Novo Banco S.A.) emprestou à Autora e ao Réu BB o valor de € 70.875,00 (setenta mil, oitocentos e setenta e cinco euros). 10. O mútuo referido em 8 foi concedido pelo prazo de 228 meses, tendo de ser reembolsado em prestações mensais, iguais e sucessivas de capital e de juros. 11. Na ... Conservatória do Registo Predial Local 2, com a descrição n.º ...07, freguesa de Local 4, está registada a aquisição a favor da Autora e do Réu BB do prédio urbano correspondente a lote de terreno para construção urbana, com a área total de 492,40 m 2, designado “lote ...30”, sito em Brejos ..., Rua 1, freguesia Local 1, concelho Local 2 , conforme Ap. ...9 de 2005/05/11. 12. Em data não concretamente apurada, compreendida no período de junho de 2004 a janeiro de 2005, o Réu BB contratou um empreiteiro para a construção de uma moradia no lote de terreno que adquiriu juntamente com a Autora. 13. A moradia construída no lote de terreno corresponde a um prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, destinada a habitação, composta de 3 pisos e 4 divisões, sendo a área de implantação do edifício de 100 m 2, a área bruta de construção de 264 m 2, a área bruta dependente de 98,80 m 2 e a área bruta privativa de 165,20 m 2. 14. No dia 17-12-2023, a Autora e o Réu BB devem ao Novo Banco, S.A. a quantia de 1.326,99 €, por conta do empréstimo referido em 8. 15. No âmbito do contrato de mútuo oneroso com hipoteca, celebrado no dia 08 de março de 2005, por escritura pública, o Banco Internacional de Crédito (atual Novo Banco S.A.) emprestou à Autora e ao Réu BB o valor de € 79.125,00. 16. O empréstimo referido no número anterior destinou-se exclusivamente à construção de um imóvel para habitação própria e permanente a implantar no lote de terreno. 17. O empréstimo foi concedido pelo prazo de 228 meses, tendo de ser reembolsado em prestações mensais, iguais e sucessivas de capital e de juros, 18. No dia 17-12-2023, a Autora e o Réu BB devem ao aqui Novo Banco, S.A. a quantia de € 1.524,95, por conta do empréstimo referido em 15. 19. Sobre o prédio urbano referido em 11 foram constituídas e incidem duas hipotecas voluntárias, a favor do Banco Internacional de Crédito (agora Novo Banco, S.A.), a que correspondem respetivamente as Ap. ...0 de 2005/05/11 e Ap. ...1 de 2005/05/11. 20. O pagamento dos empréstimos ao Novo Banco S.A é efetuado a partir da conta bancária do Novo Banco S.A., que é co titulada pela Autora e pelo Réu BB. 21. O Réu BB suportou as seguintes despesas, com verbas próprias suas: - Construção da piscina, €3.653,30, durante o ano de 2005; - Escada de piscina, € 355,64, durante o ano de 2005; - Diversos acessórios de limpeza da piscina, no valor de € 198,78, durante o ano de 2005; - Execução e ligação de ramal de energia elétrica, no valor de € 440,30, durante o ano de 2005; - Lava-loiças, um exaustor, uma chaminé, uma placa de gás, um forno, uma asa para forno, uma máquina de lavar louça e um frigorífico combinado, no valor total de €6.246,00, durante o ano de 2005; - Uma eletrobomba no valor de €243,60, durante o ano de 2005; - Fornecimento e montagem de um sistema de ar condicionado, no valor de € 2.975,00, durante o ano de 2005. 22. A Autora e o Réu BB são comproprietários do lote de terreno em partes iguais. 23. A Autora e o Réu BB são comproprietários da moradia construída no lote de terreno em partes iguais. 24. No dia ../../2006, a Autora e o Réu BB contraíram casamento, sem celebração de convenção antenupcial. 25. O produto a venda de um bem exclusivamente da Autora foi depositado na conta de Autora e Réu BB no Novo Banco, S.A. 26. O casamento da Autora e do Réu BB encontra-se dissolvido por divórcio decretado por sentença de 21/05/2019, transitada em julgado em 24/06/2019, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca Local 6, Juízo de Família e Menores ..., Juiz ..., no âmbito do processo judicial que ali correu termos sob o n.º 3755/18.2T8BRR. 27. O Réu BB reside em exclusividade, no lote de terreno e morada suprarreferidos desde a data do divórcio, ficando com o compromisso de pagar as prestações dos empréstimos bancários para aquisição do lote de terreno e construção da moradia até à venda ou partilha do imóvel, e não ficando vinculado ao pagamento de qualquer montante a título de renda à Autora. (…) Factos não provados a. A Autora e o Réu BB começaram a viver juntos em 1993. b. O Réu BB suportou com verbas próprias suas uma empreitada parcial, no valor de € 92.250,00, em 28-06-2004. c. O Réu BB construiu a moradia no lote de terreno com capitais próprios e sem qualquer contribuição por parte da Autora d. O Réu BB liquidou sozinho todas as prestações do contrato de mútuo para aquisição do terreno. e. O Réu BB liquidou sozinho todas as prestações do contrato de mútuo para construção da moradia. f. O Réu BB suportou as seguintes despesas, com verbas próprias suas: - Trabalhos de canalizador: - Ligação à rede, no valor de € 150,00, durante o ano de 2005; - Cave, lava loiça, termoacumulador, no valor de €450,00, durante o ano de 2005; - Alteração da banheira e base de duche, no valor de € 100,00, durante o ano de 2005; - Campanula e betume, no valor de €115,00, durante o ano de 2005; - Trabalho de ladrilhador no valor de € 350,00, durante o ano de 2005; - Cofragem, no valor de €750,00, durante o ano de 2005; - Reboco interior no valor de €900,00, durante o ano de 2005; - Certificado de exploração da instalação elétrica (Certiel), no valor de €44,49, durante o ano de 2005; - Carpinteiro de cofragem, no valor de € 10.000,00, durante o ano de 2005; - Pedreiro no valor de € 2.000,00, durante o ano de 2005; - Canalizador no valor de € 1.712,00, durante o ano de 2005; - Estucador no valor de € 550,00, durante o ano de 2005; - Eletricista no valor de €500,00, durante o ano de 2005; - Pintor no valor de €740,00, durante o ano de 2005. g. A Autora contribuiu com os proventos do seu trabalho para o pagamento dos empréstimos bancários para aquisição do lote de terreno e construção de moradia e para o pagamento de todas as despesas relativas à compra do terreno e construção da moradia. h. A Autora investiu o produto da venda da fração autónoma que lhe foi doada pela tia, na construção da moradia. i. A Autora participou na contratação do empreiteiro para a construção de uma moradia no lote de terreno.”
2. No caso em apreço o Recorrente segmenta o recurso da decisão de facto em duas partes, a primeira dedicada à alegada utilização, pelo Tribunal a quo, de conceitos de direito, cuja expurgação peticiona, e a segunda destinada a reapreciar a decisão da matéria de facto. No n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, norma atinente à “modificabilidade da decisão de facto”, prescreve-se que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” E no artigo 640.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, estabelece-se que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.” A ideia fundamental que se extrai da norma transcrita é a de que deve o recorrente delimitar de forma clara o objeto do recurso, identificando os segmentos da decisão de facto que pretende impugnar e os meios de prova que impõem decisão diversa. A razão desta exigência encontra-se na circunstância dos recursos se destinarem à reapreciação das decisões proferidas em 1ª instância e não à prolação de uma decisão inteiramente nova (entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 28.06.2018 (Jorge Teixeira), Processo n.º 123/11.0TBCBT.G1, e do Tribunal da Relação do Porto de 08.03.2021 (Fátima Andrade), Processo n.º 16/19.3T8PRD.P1, ambos in http://www.dgsi.pt/). Consequentemente, o referido n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil aplica-se no estrito âmbito delimitado pelas alegações do recorrente, o que equivale a dizer que não compete ao Tribunal da Relação reexaminar todo o processo e sindicar indiscriminadamente todos os factos e todos os meios de prova, como se de um segundo julgamento completo se tratasse. Antes compete ao tribunal de recurso tão somente reapreciar os específicos factos identificados pelo recorrente, atentando nos meios de prova concretos que, de acordo com o recorrente, impõem decisão diversa, sem prejuízo de dever tomar em consideração outros meios de prova que, conjugadamente, imponham decisão diversa. É certo que, entretanto, foi proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2023 (Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, in DR, I, de 14.11.2023), onde se decidiu que “nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa”. Contudo, como decorre da fundamentação do aresto citado, não se dispensa aí a enunciação da decisão alternativa nas alegações do recurso: “Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada. O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, cumpre o ónus constante do n.º 1, c), do artigo 640, se a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, constar das conclusões, mas também da leitura articulada destas últimas com a motivação do vertido na globalidade das alegações, e mesmo na sequência do aludido, apenas do corpo das alegações, desde que do modo realizado, não se suscitem quaisquer dúvidas.” (ibidem). No caso em apreço constata-se que o Recorrente indicou os pontos de facto de cuja decisão discorda, bem como os meios de prova que, no seu entendimento, impõem decisão diversa, apontando ainda a decisão que se lhe afigura que seria a mais correta em face desses meios de prova. Essa indicação foi feita em bloco, porquanto o Recorrente referiu, com respeito aos factos não provados b. a f., um conjunto de documentos por si juntos aos autos e passagens das suas declarações de parte e das declarações de parte da A. (ainda que tenha isolado cada facto não provado, o Recorrente indica a mesma exata prova para todos). Trata-se de procedimento admissível “quando os pontos integrantes de cada um desses blocos apresentem entre si evidente conexão e, para além disso - tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, o número de factos impugnados e a extensão e conexão dos meios de prova -, o conteúdo da impugnação seja perfeitamente compreensível pela parte contrária e pelo tribunal, não exigindo a sua análise um esforço anómalo, superior ao normalmente suposto” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.04.2024 (Mário Belo Morgado), Processo n.º 823/20.4T8PRT.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/). Atendendo a que todos os factos não provados b. a f. se reportam aos pagamentos alegadamente efetuados pelo R. com respeito à compra do terreno e à construção da moradia, julga-se admissível semelhante procedimento. No entanto, o R. não discorreu especificamente sobre cada um dos meios de prova e cada um dos factos, isto é, não explicou de que forma concreta os meios de prova por si indicados alterariam o raciocínio expendido pelo Tribunal a quo e permitiriam modificar a decisão no sentido peticionado no recurso. A este respeito o R. apresenta apenas uma introdução, que repete para cada um dos factos não provados: “Importa, desde logo, começar por referir que o MMº Juíz a quo não levou em linha de conta os rendimentos laborais acima da média auferidos desde sempre pelo aqui Apelante, ao contrário da total falta de rendimentos por parte da Apelada. Aliás, da documentação bancária junta aos autos resulta que mesmo quando a Apelada trabalhava, os seu rendimentos eram bastante inferiores aos seus gastos, sendo o aqui Apelante quem sempre supriu essa diferença abissal de rendimentos.” Assim, no que concerne à impugnação da decisão de facto, os factos sindicados serão apreciados à luz dos meios de prova indicados pelo Recorrente, tendo como pano de fundo o sentido que o Recorrente pretende extrair desses meios de prova e que se mostra acima exposto.
3. Começa o Recorrente por afirmar que os pontos 1., 2., 3., 6., 9., 10., 15., 16., 17. e 20. dos factos provados contêm questões de direito, que devem ser eliminadas. A relevância da distinção entre questão de facto e questão entronca nos vetustos § 3º do artigo 647º do Código de Processo Civil de 1939 e artigo 653.º do Código de Processo Civil de 1961, onde se fixava que se consideravam não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito. A este respeito foram sendo avançados “critérios gerais de orientação”, cuja adoção se cristalizou, enunciando Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4ª ed., reimp., Coimbra, 1985, pp. 206 a 207) os seguintes: - a questão de facto reporta-se a “quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior”; - e a questão de direito contende antes com a “interpretação e aplicação da lei”. Depurando ainda mais os conceitos expostos, conclui o Insigne Professor que é questão de facto “determinar o que aconteceu”, e é questão de direito “determinar o que quer a lei, ou seja a lei substantiva, ou seja a lei de processo” (ibidem). Concretizando um pouco mais estes conceitos, podemos dizer, com Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 1985, pp. 406-409), que a matéria de facto diz respeito à averiguação das ocorrências concretas da vida real, isto é: - dos acontecimentos reais do mundo exterior, isto é, das ocorrências da vida, das situações das pessoas ou do estado das coisas (o embate de dois veículos, a perna partida, o carro amolgado); - dos acontecimentos reais do foro interno da vida das pessoas (a dor provocada pela lesão, a intenção de atropelar alguém); - das ocorrências hipotéticas ou virtuais, que podemos reconduzir ao conceito de juízos de facto (saber se o proprietário que se viu privado da posse da coisa podia ou não ter obtido determinados frutos com ela); - dos juízos periciais de facto (percentagem de diminuição da capacidade de trabalho). Já a matéria de direito diz respeito à interpretação e aplicação das normas jurídicas, pelo que o juízo aqui formulado aponta antes para a correção da subsunção dos factos provados aos institutos jurídicos a que as partes apelam. Consubstancia, deste modo, um juízo, indução ou conclusão jurídica, por exemplo, a afirmação de que o facto ilícito e culposo praticado pelo réu o faz incorrer na obrigação de indemnizar (Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª ed., Coimbra, 2009, p. 526). Integra-se no âmbito da interpretação e aplicação do direito, o mesmo é dizer da esfera do direito, a categoria dos juízos de valor, os quais constituem juízos “em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo com as regras da experiência” (Lebre de Freitas, A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra, 2000, pp. 637-638). Também os juízos significativo-normativos constituem matéria de direito, sendo exemplo destes a afirmação de que o fim de um determinado negócio é contrário aos bons costumes (Manual de Processo Civil…, pp. 409-410). Rodrigues Bastos (Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 3ª ed., Lisboa, 2001, p. 160) expende, a este propósito, que uma questão será de direito quando para lhe responder for necessário recorrer a um conceito jurídico-normativo. Nos últimos anos tem-se verificado uma transformação acentuada no processo civil, no sentido de um modelo mais flexível, que determinou a substituição do rigorismo do questionário e factos assentes pela base instrutória e, por fim, pelo objeto do litígio e temas da prova, aprofundando uma visão do processo menos formalista. Temos presente que neste contexto têm surgido perspetivas mais abertas sobre a referida distinção entre facto e direito, propugnando mesmo o seu abandono, aqui avultando, em particular, Miguel Teixeira de Sousa, citado por António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, 2018, pp. 721-722). Não se trata, no entanto, de uma perspetiva inteiramente consensual, como decorre, designadamente, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.04.2024 (Mário Belo Morgado) (Processo n.º 823/20.4T8PRT.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/), de cuja fundamentação consta o seguinte: “A matéria de facto “não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”13, pelo que as questões de direito que constarem da seleção da matéria de facto devem considerar-se não escritas (embora o NCPC não contenha norma correspondente à ínsita no art. 646º, n.º 4, 1ª parte, do anterior CPC, chega-se à mesma conclusão interpretando a contrario sensu o atual art. 607.º, n.º 4, segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz declara os “factos” que julga provados). Embora só acontecimentos ou factos concretos possam integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão (“o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstratos com que os descreve a norma legal, por que tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste”), são ainda de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum15, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes. Vale isto por dizer, também na expressão de Anselmo de Castro, que “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes”. Identicamente - e com o mesmo critério, como tem sido sustentado pela jurisprudência -, são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, na expressão do Ac. de 09.12.2010 deste Supremo Tribunal (Proc. 838/06.5TTMTS.P1.S1), que invadam o domínio de uma questão de direito essencial.” Argumentação esta que foi vertida em sumário, com o seguinte teor: “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos (jurídicos) geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes.” A esta luz, que acolhemos, passaremos a apreciar as questões suscitadas pelo Recorrente. Assim, advoga o Recorrente que o segmento do ponto 1. dos factos provados “começaram a viver juntos, como casal” consubstancia uma questão de direito, para além de se tratar de facto sem suporte, pelo que deve ser eliminado. Esta referência provém do artigo 8º da petição inicial, não tendo sido objeto de impugnação na contestação, em cujo artigo 5º se declara apenas impugnar a alegação de “economia comum”, também constante daquele artigo 8º da petição inicial, e que não ficou a constar da decisão da matéria de facto. Afigura-se-nos que esta expressão e outra análoga, igualmente de uso corrente – “viviam juntos como se marido e mulher fossem”, têm exatamente o mesmo significado e dimensão fáctica, isto é, traduzem a ideia de duas pessoas que vivem na mesma casa e partilham leito e mesa. Encontra-se, aliás, provado que a ../../2003 nasceu a filha do casal e a ../../2006 a A. e o R. vieram a contrair casamento, factos que corroboram a ideia subjacente à afirmação de que estamos em presença de um núcleo familiar. Deve, assim, manter-se o ponto 1. dos factos provados. De seguida, discorda o Recorrente dos pontos 2. e 3. da matéria de facto provada, por entender que a expressão “deter” uma conta bancária, ali usada, é um conceito jurídico, para além de se tratar de facto sem suporte, devendo ser eliminada. Esta expressão foi adotada no artigo 9º da réplica, articulado em cujo artigo 11º se utiliza, com respeito ao mesmo facto, a referência à “titularidade” da conta. O sentido da expressão é, pois, claro, dela se retirando que a A. e o R. eram titulares dessas contas bancárias, o que, aliás, corresponde à prova documental produzida nos autos, como se mostra expresso na motivação destes pontos e que transcrevemos aqui: “No que concerne ao ponto 2. este ponto ficou consolidado com base nos documentos juntos ao requerimento da Autora de 12-09-2023, que atestam que a conta do Banco Internacional de Crédito, atual Novo Banco, é da Autora e do Réu BB desde 30-09-1998. Relativamente ao ponto 3, este ponto ficou consolidado com base no documento junto como documento n.º 4 ao requerimento da Autora de 20-12-2023, que atesta que a conta bancária do Banco Santander Totta é da Autora e do Réu BB.” Devem, assim, manter-se os pontos 2. e 3. da matéria de facto. Quanto ao ponto 6. da matéria de facto provada entende o Apelante que encerra dois conceitos jurídicos – “proprietária de uma boutique de vestuário” e “na qual prestava o seu trabalho”, do quais não há suporte fáctico, pelo que devem ser eliminados. Ora, a propriedade é, com efeito, um conceito jurídico, mas os conceitos jurídicos podem ser usados como realidades de facto se possuírem um sentido corrente, de uso comum. Neste sentido, designadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.10.2019 (Fernando Samões) (Processo n.º 109/17.1T8ACB.C1.S1, in http://www.dgsi.pt/): “Apenas os factos concretos podem integrar a selecção da matéria de facto relevante para a decisão, embora lhe sejam equiparáveis os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, desde que não integrem o objecto do processo.” Com efeito, a ideia que se extrai da afirmação contida no artigo 9.º da petição inicial, onde reside a afirmação vertida na decisão, é a de que a A. era proprietária de um estabelecimento comercial, porquanto esta afirmação é concomitante com a indicação da ocupação laboral do R., ou seja, a A. não está aqui a elencar bens imóveis de que seja proprietária, mas antes a indicar as fontes de rendimento do casal. Por outro lado, no artigo 6º da contestação o R. não impugna o facto da A. ter um “negócio de boutique de vestuário” – expressão usada neste artigo 6º pelo R. -, rejeitando apenas que desse negócio a A. obtivesse qualquer rendimento, pois nas suas palavras o referido negócio “sempre foi deficitário”. Assim, deve ser mantido o facto 6.. Sustenta também o Recorrente que nos pontos 8., 11., 22. e 23. dos factos provados se encontra a resposta à questão cuja decisão incumbe ao Tribunal, pelo que constituem matéria de direito, devendo ser eliminados. Ora, os pontos 8. e 11. são puramente descritivos, enunciando aquilo que decorre de três documentos juntos aos autos – a escritura, a certidão de registo predial e a caderneta predial relativas ao imóvel de que se cura -, cuja falsidade não foi arguida, não tendo sido também alegada a existência de vícios da vontade. Deste modo, estamos inequivocamente em presença de matéria de facto, a saber, as declarações vertidas em acordo reduzido a escrito e o teor de dois documentos oficiais. Já os pontos 22. e 23. são conclusivos, pois extraem as consequências dos factos 8. e 11., à luz de um raciocínio lógico-dedutivo, que se alicerça em normas jurídicas. Como se disse acima, a linha divisória essencial entre questão de facto e questão de direito é traçada na aplicação de normas jurídicas, isto é, se para se produzir uma afirmação se tornar necessário operar a subsunção de uma realidade da vida a uma norma jurídica, a questão não é de facto, mas de direito. O facto apresentado ao Tribunal a quo é um acordo nos termos do qual duas pessoas declaram singelamente que compram um imóvel. Para afirmar que estas duas pessoas são comproprietárias do imóvel em partes iguais, o Tribunal a quo teve de lançar mão do regime legal da compropriedade. Deste modo, a questão não é de facto, mas de direito. Nas suas contra-alegações a A. invoca, em abono da manutenção destes factos no seio da matéria de facto provada, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2023 (Rijo Ferreira) (Processo n.º 37/16.8T8VRM.G2.S1, in http://www.dgsi.pt/), de cujo sumário consta que: “IV. A circunstância de ser da propriedade exclusiva do Recorrente o dinheiro utilizado para adquirir o prédio assim como para liquidar o preço da obra correspondente à execução da empreitada de construção da moradia não apresenta a virtualidade de ilidir a presunção registral adveniente do artigo 7.º, nº 1, do Código do Registo Predial ou de afastar a força das declarações de vontade constantes da escritura pública de compra e venda do imóvel.” Todavia, lendo integralmente a decisão ora citada, verificamos que não consta da respetiva matéria de facto qualquer afirmação semelhante aos pontos 22. e 23., antes se descrevem aí tão somente negócios, rendimentos, pagamentos, pelo que a conclusão alcançada naqueles autos não decorreu diretamente dos factos provados, antes constituiu o culminar de um raciocínio lógico-dedutivo construído a partir de tais factos, por via das normas jurídicas aplicáveis. Consequentemente, estas conclusões não devem constar da decisão da matéria de facto. Assim, devem manter-se os pontos 8. e 11. dos factos provados e eliminar-se os pontos 22. e 23. dos factos provados. Com fundamento nas mesmas razões agora aduzidas, deve ser eliminada do facto provado sob 8. a expressão conclusiva “em compropriedade”. Entende ainda o Recorrente que os pontos 9., 10., 15., 16., 17. e 20. dos factos provados constituem matéria de direito, pelo que devem ser eliminados. À semelhança do que se disse com respeito aos factos 8. e 11., também quanto aos factos 9., 10., 15., 16. e 17. estamos em presença de enunciados puramente descritivos do conteúdo de documentos juntos aos autos, os quais contêm, portanto, factos, concretamente, as declarações emitidas pelas pessoas intervenientes nos negócios que esses documentos titulam, sendo um o contrato de compra e venda e outro o contrato de mútuo, cuja falsidade não foi arguida, não tendo sido também alegada a existência de vícios da vontade. De igual modo, o artigo 20. contém um enunciado puramente fáctico, identificando a conta bancária onde são debitadas as prestações dos empréstimos bancários. Devem, em conclusão, manter-se os factos provados 9., 10., 15., 16., 17. e 20..
4. Advoga, depois, o Recorrente que deviam ter sido julgados provados os factos descritos sob b., c., d., e. e f.. Atendendo a que os factos não provados que se mostram descritos sob g. e h. integram o mesmo núcleo fáctico daqueles, procedemos aqui à transcrição da motivação da decisão relativa a todos eles, por ser esta leitura conjunta essencial à plena compreensão deste núcleo fáctico: “No que tange aos pontos b. e c, em audiência de discussão e julgamento, o Réu BB declarou que, na altura da construção da moradia, tinha mais do que 200.000,00 € e que fez a empreitada com verbas próprias. Porém, nesta parte, nenhum documento junto aos autos permite sustentar que o Réu BB antes de 08-03-2005, data da celebração dos mútuos bancários, tinha 200.000,00 € ou uma quantia próxima deste dinheiro que pudesse suportar a construção da moradia. Na verdade, DD apresentou um orçamento no valor de 75.000,00 € mais IVA em 28-06-2004 (documento n.º 1 junto à contestação do Réu BB). Na altura da construção da moradia, o IVA ascendia aos 21 %. Assim, o preço da empreitada a executar por DD ascendeu ao montante de 90.750,00 € com IVA. Por outro lado, o montante do empréstimo para construção da moradia ascendeu ao valor de € 79.125,00 €. Assim, o montante do empréstimo para construção da moradia não atingiu o montante do preço da empreitada contratada a DD. Contudo, o empréstimo para construção da moradia permitiu o pagamento da maior parte da empreitada. Atentando nos cheques juntos à contestação, denotamos que todos os pagamentos efetuados a DD foram efetuados após o dia 08-03-2005, que corresponde à data da celebração dos mútuos bancários para construção. A exceção é apenas um pagamento efetuado no dia 28 de janeiro de 2005, no montante de 8.925,00 € (cheque[1] junto como documento n.º 3 à contestação do Réu BB), o que leva a crer que foi o empréstimo bancário para a construção urbana que serviu para pagamento da maior para da construção da moradia. Assim, os pontos b. e c. não se consolidaram. Quanto aos pontos d. e e., o Réu BB declarou que foram os seus rendimentos que suportaram a construção da moradia e que suportaram o pagamento dos mútuos bancários para aquisição do terreno e construção da moradia. Apurou-se que o Réu BB era gerente de uma agência bancária e auferia bem mais do que a Autora (conforme extratos bancários juntos aos autos em 09-12-2023 pelo Réu BB, onde se denota que o Réu em 2004 e 2005, tinha rendimentos superiores a 2500,00 € e a análise das declarações da Autora que esclareceu que recebia o salário mínimo nacional como auxiliar de radiologia e análise dos extratos bancários juntos pela Autora em 20-12-2023) e que existiram períodos em que a Autora não exerceu atividade profissional (conforme declarações da Autora e do Réu BB e depoimento de EE). O Réu BB, ao declarar que foram os seus rendimentos que suportaram a construção da moradia e que suportaram o pagamento dos mútuos bancários partiu do pressuposto que existia uma separação da propriedade dos rendimentos do casal. As declarações do Réu BB quando referiu que foram os seus rendimentos que permitiram suportar as prestações dos empréstimos bancários e a construção da moradia apenas mereceram credibilidade, no que respeita ao período que mediou entre a celebração dos contratos de mútuo até à data do casamento em outubro de 2006. De facto, após a celebração do casamento, sem convenção antenupcial, a Autora e o Réu BB ficaram sujeitos ao regime de comunhão de bens adquiridos. Nos termos do art.º 1724 alínea a) do Código Civil, fazem parte da comunhão, o produto do trabalho dos cônjuges. Assim, a partir de outubro de 2006, os rendimentos da atividade profissional do Réu BB não eram apenas seus, pois faziam parte da comunhão, ou seja, os rendimentos da atividade profissional do Réu BB passaram a ser bens comuns. De salientar que a Autora e o Réu BB contraíram dois empréstimos bancários, um para aquisição do lote de terreno e outro para a construção da moradia no lote de terreno. Os empréstimos foram contraídos em 08-03-2005. Os empréstimos destinavam a ser pagos em 228 prestações mensais, ou seja, 19 anos. Assim, a maior parte do pagamento do empréstimo ocorreu na constância do casamento, em que os rendimentos da atividade profissional de cada um dos cônjuges integrava a comunhão. Desta feita, a partir de outubro 2006 até à data do divórcio, o Réu BB não tem razão ao afirmar que o dinheiro que serviu para pagamento dos empréstimos bancários era apenas seu, pois por força do regime de bens de casamento, os rendimentos integravam a comunhão do casal. Ademais em 25-09-2017, denotamos que é vendido um bem próprio da Autora, no montante de 50.000,00 €, e o montante da venda é transferido para a conta conjunta do casal no Novo Banco S.A. (conforme documentos juntos pela Autora em 20-12-2023 e motivação do ponto 25). Assim, a partir de 2017 até à data do divórcio em 2019, não podemos concluir que os empréstimos bancários foram pagos apenas com dinheiro proveniente do trabalho do Réu BB, pois existia dinheiro da Autora na conta conjunta do casal no Novo Banco, S.A. que permitia suportar as prestações dos empréstimos bancários. A partir da data do divórcio em 2019, a Autora e o Réu BB acordaram que as prestações do empréstimo seriam pagas pelo Réu BB. Porém este acordo não altera as quotas de comproprietários das partes, sendo que a propriedade do lote de terreno e da moradia construída no lote de terreno resultou do que ficou acordado em relação à propriedade entre a Autora e o Réu BB no momento da aquisição do lote de terreno e construção da moradia, conforme se exarou a propósito da motivação dos pontos 22 e 23. Assim, os pontos d. e e. não se consolidaram. O ponto f. não se sedimentou, dado que as declarações do Réu BB não estão sustentadas em prova documental. Importa referir que o orçamento de DD, de junho de 2004, no montante de 75.000,00 €, sem IVA, já contemplava mão de obra de pedreiro, trabalho de ladrilhador, trabalhos de canalização e reboco. No que tange ao ponto g., não é possível concluir que a Autora contribuiu com os proventos do seu trabalho para o pagamento dos empréstimos bancários para aquisição do lote de terreno e construção de moradia. Com efeito, não existe prova que permita concluir que a Autora tivesse rendimentos que permitissem suportar o pagamento dos empréstimos na altura em que os mesmos foram contraídos, nem as declarações da Autora permitem concluir neste sentido, nem existe prova que a Autora transferisse os seus rendimentos para a conta do Novo Banco S.A., de onde eram pagas as prestações referentes aos dois mútuos bancários. Na verdade, nesta parte as declarações do Réu BB afiguraram-se plausíveis, quando o mesmo referiu que a Autora tinha uma boutique de roupa que não dava lucro e da análise dos extratos bancários da conta do Banco Santander Totta, conta onde a Autora recebia os seus rendimentos, juntos aos autos pela Autora em 20-12-2023, não se descortina que os rendimentos da atividade profissional da Autora fossem canalizados para o pagamento dos empréstimos bancários. De referir que a própria Autora referiu que auferia o salário mínimo nacional e que os rendimentos da atividade profissional do Réu BB eram os que mais contribuíam para o orçamento do casal e a testemunha EE referiu que existiram alguns períodos em que a Autora não exerceu atividade profissional. Assim, o ponto g. não se consolidou. No tocante ao ponto h., a Autora e a irmã da Autora, EE, referiram que a Autora tinha uma casa da tia, registada a favor da Autora, com o usufruto da tia, e que a Autora vendeu a casa da tia e recebeu certificados de aforro de herança. Porém, não existe prova consistente que sustente as declarações da Autora no sentido de que o dinheiro que recebeu da sua tia foi depositado em contas conjuntas e investido na construção da moradia.” Antes de mais devemos sintetizar as conclusões essenciais vertidas neste trecho da motivação: - quanto à construção da moradia, foi a mesma suportada com o dinheiro proveniente do empréstimo concedido pelo Novo Banco e com os rendimentos laborais do Requerido, mas não com os rendimentos laborais da A., que eram muito inferiores aos do Requerido, para além de que esta até esteve sem trabalho durante alguns períodos; - quanto às prestações dos empréstimos, foram as mesmas pagas integralmente com os vencimentos do Requerido até 2017, data na qual a A. transferiu € 50.000,00 para a conta do casal no Novo Banco, de onde saíam as prestações dos empréstimos, e em 2019 a A. e o R. acordado que as prestações passassem a ser pagas integralmente pelo R.. Alega, então, o Recorrente que os documentos 1 a 19 por si juntos com a contestação impunham decisão diversa, conjugadamente com as declarações de parte suas e da A.. No que tange aos documentos, deve começar por sublinhar-se não ser correta a afirmação do Recorrente de que o Tribunal a quo não ponderou os mesmos, pois decorre da motivação da decisão da matéria de facto que o Tribunal a quo ponderou devidamente os documentos 1, 3 a 16 e 19: - “No que concerne ao ponto 12, a contratação de um empreiteiro para a construção de uma moradia, ficou provada com base das declarações do Réu BB, com base no depoimento da testemunha FF, arquiteto, que fez o projeto para a moradia que o Réu BB pretendia que fosse erigida, da testemunha DD, que foi o empreiteiro que construiu a moradia e da testemunha GG, trabalhador de DD. Quanto à data concreta em que o Réu BB adjudicou os trabalhos de construção da moradia a DD não se apurou em concreto, contudo foi possível situar esta data no período de 2004 até janeiro de 2005, com base no orçamento junto documento n.º 1 à contestação e fatura/recibo junta como documento n.º 3 à contestação do Réu BB.” - “Relativamente ao ponto 5., este ponto ficou assente através da análise dos cheques juntos como documentos n.º 4 a 10, juntos à contestação do Réu BB e com base nos documentos juntos ao requerimento da Autora de 12-09-2023.” - “O ponto 21 ficou provado com base nas declarações do Réu BB e com base nos seguintes documentos juntos à contestação do Réu BB: orçamento junto como documento n.º 12, fatura junta como documento n.º 13, fatura junta como documento n.º 14, fatura junta como documento n.º 15, fatura junta como documento n.º 16, fatura junta como documento n.º 19 e fatura junta como documento n.º 11.” Assim, os únicos documentos que não são mencionados na motivação são os documentos 2 e 17 a 18 juntos com a contestação. Relativamente ao documento 2 junto com a contestação é uma fatura / recibo emitida pelo empreiteiro responsável pela construção, em nome do R., na data de 25.03.2005, e de cuja “designação” consta “quantia recebida referente a trabalhos efectuados na moradia”. Deste documento não se consegue extrair os trabalhos concretos a que o mesmo se reporta, assim como não se logra também retirar a origem do dinheiro usado para concretizar o pagamento em causa. Os documentos 17 e 18 constituem guias de remessa, deles constando tão somente a referência a duas empresas, uma que remete e outra que recebe materiais, sem referência nominal alguma à A. ou ao R., sendo que da primeira consta a morada correspondente à casa em discussão nos autos, mas o segundo refere genericamente como local de entrega “Brejos ...”, pelo que nada se extrai destes documentos quanto a pagamentos efetuados. Os documentos expostos, por si sós, não permitem, deste modo, extrair qualquer conclusão sobre a matéria controvertida nos autos. Adicionalmente, o raciocínio global expendido pelo Tribunal a quo com respeito a estes factos revela-se claro, lógico e coerente. Com efeito, dos documentos juntos aos autos pelo R. não decorre que este fosse titular de contas bancárias que apresentassem saldos na ordem dos € 200.000,00, valor apontado pelo R. nas declarações que prestou em audiência. Sublinhe-se ainda que apesar de não se tratar aqui de um caso de prova vinculada, o standard probatório a este respeito deve ser exigente, desde logo, porque estamos em presença de um facto cuja forma de demonstração é tipicamente documental –os movimentos de uma conta bancária e os respetivos saldos constam sempre de documentos. Acresce que os factos em causa são pessoais, tendo o R. a possibilidade de aceder a todos os dados relativos às suas contas bancárias. Por outro lado, à luz das regras da experiência comum não faz sentido que alguém que tinha muito dinheiro – afirmação que o R. reiterou em audiência - contrate a concessão de empréstimos bancários para comprar um terreno e construir uma casa, pois o homem médio, em tais circunstâncias, pagaria estas despesas com o dinheiro que tinha depositado no Banco. Se assim não sucedeu por algum motivo excecional, tratando-se de um comportamento que escapa à normalidade da vida, deveria o R. alegar e demostrar esse motivo excecional, o que não fez. O facto da maior parte dos pagamentos serem posteriores à concessão do empréstimo, apesar da contratação do empreiteiro datar de alguns meses antes, reforça a convicção vincada na motivação de que foi o financiamento bancário que assegurou esses pagamentos, o que sucede, de igual modo, com o referido documento 2 junto com a contestação, pois estamos em presença de um pagamento realizado após a concessão do empréstimo destinado à construção da moradia. Por último, as declarações de parte do R. não permitem, por si sós, ultrapassar esta ausência de prova documental. É certo que relativamente às declarações de parte temos vindo a perfilhar o entendimento de que constituem um meio de prova que, à semelhança dos demais, carece de análise crítica e conjugada com os outros meios de prova produzidos nos autos, de acordo com parâmetros de verosimilhança e razoabilidade que presidem à livre apreciação da prova. Não entendemos, assim, que a credibilidade das declarações de parte deva ser liminarmente rejeitada, e ainda que eventualmente nenhum outro meio de prova tenha sido produzido sobre a matéria em discussão, deverá averiguar-se se pela sua espontaneidade, fluidez, lógica, coerência, as declarações de parte devem merecer o acolhimento da convicção do Tribunal, como tem sido assinalado, em particular, por Luís Filipe Pires de Sousa, designadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.04.2017 (Processo n.º 18591/15.0T8SNT.L1-7, in http://www.dgsi.pt/): “I.–No que tange à função e valoração das declarações de parte existem três teses essenciais: (i) tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos; (ii) tese do princípio de prova e (iii) tese da autossuficiência das declarações de parte. II.–Para a primeira tese, as declarações de parte têm uma função eminentemente integrativa e subsidiária dos demais meios de prova, tendo particular relevo em situações em que apenas as partes protagonizaram e tiveram conhecimento dos factos em discussão. III.–A tese do princípio de prova defende que as declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova. IV.–Para a terceira tese, pese embora as especificidades das declarações de parte, as mesmas podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente. V.–É infundada e incorreta a postura que degrada – prematuramente - o valor probatório das declarações de parte só pelo facto de haver interesse da parte na sorte do litígio. O julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte e, só depois, a pessoa da parte porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés confirmatório. VI.–É expectável que as declarações de parte primem pela coerência e pela presença de detalhes oportunistas a seu favor (autojustificação) pelo que tais caraterísticas devem ser secundarizadas. VII.–Na valoração das declarações de partes, assumem especial acutilância os seguintes parâmetros: contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais; existência de corroborações periféricas; produção inestruturada; descrição de cadeias de interações; reprodução de conversações; existência de correções espontâneas; segurança/assertividade e fundamentação; vividez e espontaneidade das declarações; reação da parte perante perguntas inesperadas; autenticidade.” (acompanhando esta orientação, v. os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.04.2022 (Conceição Saavedra), Processo n.º 117793/18.5YIPRT-A.L1-7, e do Tribunal da Relação de Évora de 11.01.2024 (Tomé de Carvalho), Processo n.º 129/21.7T8SLV.E1, ambos in http://www.dgsi.pt). No entanto, como se infere de tudo o que foi já exposto a este propósito, há outros elementos de prova juntos aos autos, os quais, apreciados segundo parâmetros de razoabilidade e verosimilhança não corroboram as declarações de parte do R., pelo contrário, refutam-nas. Consequentemente, não há razões para, postergando todos os demais elementos probatórios, conceder prevalência (injustificada) às declarações de parte do R., sendo certo que este posicionamento relativo diferenciado não decorre do enquadramento legal aplicável, designadamente, dos artigos 466.º, n.º 3 e 607.º, n.º 5, 1ª parte do Código de Processo Civil. O Recorrente invoca também as duas declarações emitidas pelo Novo Banco, com data de 07.09.2023, juntas aos autos através de requerimento do R. de 26.09.2023[2], das quais consta que as prestações atinentes aos empréstimos bancários concedidos à A. e ao R. são debitadas em conta da qual ambas as partes são titulares, ocorrendo semelhante débito em data coincidente com o recebimento do vencimento / pensão do R.. Nas declarações prestadas em audiência, o Requerido rejeitou que a A. contribuísse para o saldo desta conta. E a verdade é que o Tribunal a quo não declinou esta versão dos factos, pelo contrário, reconheceu que da prova produzida em audiência, incluindo as declarações da própria A., resultou que os rendimentos desta eram sempre parcos, pelo que quem pagou os empréstimos foi o R., com os rendimentos do seu trabalho. A única exceção que o Tribunal a quo introduz nesta conclusão respeita ao período que medeia entre 2017 e 2019, porquanto há prova documental no sentido de que a A. depositou na conta do casal aberta junto do Novo Banco o preço recebido pela venda da casa ..., € 50.000,00, o que se confere no documento junto a fls. 204, do qual consta um movimento a crédito designado “Depósito De Cheques S/ Oic”, na data de 27.09.2017 – a escritura de venda data de 25.09.2017 (fls. 201 a 202-v). Ou seja, a partir dessa data a conta do casal passou a ter também, entre os valores que nela entraram, o preço aludido. Apesar de todo o exposto, afigura-se que as considerações tecidas, em sede de motivação, sobre a qualificação dos rendimentos do trabalho do R. como bens comuns constituem apreciação de questão de direito, por envolverem a aplicação de normas jurídicas, imprescindíveis para se alcançar a conclusão aí vertida. Questão de facto, quanto ao tema em apreço, é saber se o R. contribuía para a satisfação das despesas e de que forma, ou seja, constitui uma afirmação de facto a de que o R. contribuía para as despesas com os seus vencimentos. Neste cenário, a decisão da matéria de facto deve ser alterada nos seguintes termos: “20. O pagamento dos empréstimos ao Novo Banco S.A é efetuado a partir da conta bancária do Novo Banco S.A., que é co titulada pela Autora e pelo Réu BB, e na qual são depositados os vencimentos do Réu.” No que concerne ao ponto f. dos factos não provados, já vimos que os documentos juntos aos autos pelo R. com a contestação e com o aludido requerimento de 26.09.2023, atento o seu teor, não permitem alicerçar estes factos, nem as declarações de parte prestadas pelo R. logram alcançar esse desiderato.
5. Em conclusão, a matéria de facto provada e não provada é a seguinte: “(…) Factos Provados 1. No ano de 1994, a Autora e o Réu BB começaram a viver juntos, como casal, numa casa na Zona Envolvente à Praça ..., na Local 5, onde permaneceram até estar integralmente construída a moradia em Brejos .... 2. Desde 30-09-1998, a Autora e o Réu detêm, em conjunto, a conta bancária no Banco Internacional de Crédito (BIC) – atual Novo Banco. 3. Desde data não concretamente apurada, a Autora e o Réu detêm, em conjunto, uma conta bancária no Banco Santander. 4. Em 19/01/2003, a Autora e o Réu BB tiveram uma filha. 5. Os cheques juntos como documentos nº 4 a 10 à contestação do Réu BB foram deduzidos à conta do Banco Internacional de Crédito. 6. Em datas não concretamente apuradas, a Autora foi proprietária de uma boutique de vestuário, na qual prestava o seu trabalho. 7. Entre datas não com concretamente apuradas, o Réu BB exerceu funções para o Banco Internacional de Crédito (BIC), atual Novo Banco S.A. 8. Em 08 de março de 2005, a Autora e o Réu BB adquiriram por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, o prédio urbano correspondente a lote de terreno para construção urbana, com a área total de 492,40 m 2, designado “lote ...30”, sito em Brejos ..., Rua 1, freguesia Local 1, concelho Local 2, descrito na ... Conservatória do Registo Predial Local 2 sob o número ...95 e atualmente inscrito na matriz sob o artigo ...81 da União de Freguesias Local 7 (Local 3 e Local 4), o qual teve origem no artigo ...64 da extinta freguesia Local 1. 9. No âmbito do contrato de compra e venda e mútuo oneroso com hipoteca, celebrado no dia 08 de março de 2005, referido no número anterior, o Banco Internacional de Crédito (atual Novo Banco S.A.) emprestou à Autora e ao Réu BB o valor de € 70.875,00 (setenta mil, oitocentos e setenta e cinco euros). 10. O mútuo referido em 8 foi concedido pelo prazo de 228 meses, tendo de ser reembolsado em prestações mensais, iguais e sucessivas de capital e de juros. 11. Na ... Conservatória do Registo Predial Local 2, com a descrição n.º ...07, freguesa de Local 4, está registada a aquisição a favor da Autora e do Réu BB do prédio urbano correspondente a lote de terreno para construção urbana, com a área total de 492,40 m 2, designado “lote ...30”, sito em Brejos ..., Rua 1, freguesia Local 1, concelho Local 2 , conforme Ap. ...9 de 2005/05/11. 12. Em data não concretamente apurada, compreendida no período de junho de 2004 a janeiro de 2005, o Réu BB contratou um empreiteiro para a construção de uma moradia no lote de terreno que adquiriu juntamente com a Autora. 13. A moradia construída no lote de terreno corresponde a um prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, destinada a habitação, composta de 3 pisos e 4 divisões, sendo a área de implantação do edifício de 100 m 2, a área bruta de construção de 264 m 2, a área bruta dependente de 98,80 m 2 e a área bruta privativa de 165,20 m 2. 14. No dia 17-12-2023, a Autora e o Réu BB devem ao Novo Banco, S.A. a quantia de 1.326,99 €, por conta do empréstimo referido em 8. 15. No âmbito do contrato de mútuo oneroso com hipoteca, celebrado no dia 08 de março de 2005, por escritura pública, o Banco Internacional de Crédito (atual Novo Banco S.A.) emprestou à Autora e ao Réu BB o valor de € 79.125,00. 16. O empréstimo referido no número anterior destinou-se exclusivamente à construção de um imóvel para habitação própria e permanente a implantar no lote de terreno. 17. O empréstimo foi concedido pelo prazo de 228 meses, tendo de ser reembolsado em prestações mensais, iguais e sucessivas de capital e de juros, 18. No dia 17-12-2023, a Autora e o Réu BB devem ao aqui Novo Banco, S.A. a quantia de € 1.524,95, por conta do empréstimo referido em 15. 19. Sobre o prédio urbano referido em 11 foram constituídas e incidem duas hipotecas voluntárias, a favor do Banco Internacional de Crédito (agora Novo Banco, S.A.), a que correspondem respetivamente as Ap. ...0 de 2005/05/11 e Ap. ...1 de 2005/05/11. 20. O pagamento dos empréstimos ao Novo Banco S.A é efetuado a partir da conta bancária do Novo Banco S.A., que é co titulada pela Autora e pelo Réu BB, e na qual são depositados os vencimentos do Réu. 21. O Réu BB suportou as seguintes despesas, com verbas próprias suas: - Construção da piscina, €3.653,30, durante o ano de 2005; - Escada de piscina, € 355,64, durante o ano de 2005; - Diversos acessórios de limpeza da piscina, no valor de € 198,78, durante o ano de 2005; - Execução e ligação de ramal de energia elétrica, no valor de € 440,30, durante o ano de 2005; - Lava-loiças, um exaustor, uma chaminé, uma placa de gás, um forno, uma asa para forno, uma máquina de lavar louça e um frigorífico combinado, no valor total de €6.246,00, durante o ano de 2005; - Uma eletrobomba no valor de €243,60, durante o ano de 2005; - Fornecimento e montagem de um sistema de ar condicionado, no valor de € 2.975,00, durante o ano de 2005. 24. No dia ../../2006, a Autora e o Réu BB contraíram casamento, sem celebração de convenção antenupcial. 25. O produto da venda de um bem exclusivamente da Autora foi depositado na conta da Autora e do Réu BB no Novo Banco S.A. 26. O casamento da Autora e do Réu BB encontra-se dissolvido por divórcio decretado por sentença de 21/05/2019, transitada em julgado em 24/06/2019, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca Local 6, Juízo de Família e Menores ..., Juiz ..., no âmbito do processo judicial que ali correu termos sob o n.º 3755/18.2T8BRR. 27. O Réu BB reside em exclusividade, no lote de terreno e morada suprarreferidos desde a data do divórcio, ficando com o compromisso de pagar as prestações dos empréstimos bancários para aquisição do lote de terreno e construção da moradia até à venda ou partilha do imóvel, e não ficando vinculado ao pagamento de qualquer montante a título de renda à Autora. (…) Factos Não Provados a. A Autora e o Réu BB começaram a viver juntos em 1993. b. O Réu BB suportou com verbas próprias suas uma empreitada parcial, no valor de € 92.250,00, em 28-06-2004. c. O Réu BB construiu a moradia no lote de terreno com capitais próprios e sem qualquer contribuição por parte da Autora d. O Réu BB liquidou sozinho todas as prestações do contrato de mútuo para aquisição do terreno. e. O Réu BB liquidou sozinho todas as prestações do contrato de mútuo para construção da moradia. f. O Réu BB suportou as seguintes despesas, com verbas próprias suas: - Trabalhos de canalizador: - Ligação à rede, no valor de € 150,00, durante o ano de 2005; - Cave, lava loiça, termoacumulador, no valor de €450,00, durante o ano de 2005; - Alteração da banheira e base de duche, no valor de € 100,00, durante o ano de 2005; - Campanula e betume, no valor de €115,00, durante o ano de 2005; - Trabalho de ladrilhador no valor de € 350,00, durante o ano de 2005; - Cofragem, no valor de €750,00, durante o ano de 2005; - Reboco interior no valor de €900,00, durante o ano de 2005; - Certificado de exploração da instalação elétrica (Certiel), no valor de €44,49, durante o ano de 2005; - Carpinteiro de cofragem, no valor de € 10.000,00, durante o ano de 2005; - Pedreiro no valor de € 2.000,00, durante o ano de 2005; - Canalizador no valor de € 1.712,00, durante o ano de 2005; - Estucador no valor de € 550,00, durante o ano de 2005; - Eletricista no valor de €500,00, durante o ano de 2005; - Pintor no valor de €740,00, durante o ano de 2005. g. A Autora contribuiu com os proventos do seu trabalho para o pagamento dos empréstimos bancários para aquisição do lote de terreno e construção de moradia e para o pagamento de todas as despesas relativas à compra do terreno e construção da moradia. h. A Autora investiu o produto da venda da fração autónoma que lhe foi doada pela tia, na construção da moradia. i. A Autora participou na contratação do empreiteiro para a construção de uma moradia no lote de terreno.”
B) Recurso da decisão de direito 1. O objetivo a alcançar com a ação de divisão de coisa comum é a cessação da situação de compropriedade, através da divisão da coisa em substância ou da sua adjudicação ou venda, com repartição do respetivo valor, quando a divisão em substância não for possível, sendo certo que nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo convenção em contrário (artigos 925.º do CPC e 1412.º, n.º 1 do Código Civil). Nos termos do art. 926.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, se houver contestação, o juiz decide sumariamente a questão, se tal for possível, ou, no caso contrário, manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum. Por outro lado, na contestação pode o réu, designadamente, impugnar a compropriedade, arrogando-se a propriedade exclusiva da coisa, contrariar o volume das quotas alegado pelo autor, negar a indivisibilidade da coisa, propondo os termos da respetiva divisão, contrariar a divisão proposta pelo autor, ou suscitar a questão da indivisibilidade (Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 3ª ed., Coimbra, 2023, p. 105). Ora, na contestação o R. impugna a compropriedade, alegando que é o proprietário exclusivo do imóvel em causa, ou, subsidiariamente, que é titular de uma quota de ¾ do imóvel, por ter sido o único a efetuar despesas com vista à aquisição do terreno e construção da moradia nele implantada. Porém, consta da escritura pública de compra e venda do imóvel que o terreno foi adquirido pela A. e pelo R., e assim, por força do contrato transferiu-se a propriedade do imóvel para ambos (artigos 408.º, n.º 1 e 879.º, alínea a) do Código Civil), gerando-se uma situação de compropriedade (artigo 1403.º, n.º 1 do Código Civil). Aliás, a aquisição do imóvel, por compra, está definitivamente inscrita a favor de ambas as partes, no registo predial, o que confirma a aludida compropriedade, atento o disposto no artigo 7.º do Código do Registo Predial, onde se afirma que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define. Por outro lado, nos termos do artigo 1403.º, n.º 2 do Código Civil, os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes, mas as quotas presumem-se quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo. Essa indicação pode ser expressa ou tácita, como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. III, Coimbra, 1987, p. 349), pelo que pode resultar, nomeadamente, da circunstância de ser indicado o montante diverso desembolsado por cada comproprietário para a aquisição da coisa comum, ou a comparticipação diversa de cada comproprietário nos encargos com a coisa comum (artigos 217.º, n.º 1 e 1405.º, n.º 1, 2ª parte do Código Civil). Mas deve, de todo o modo, resultar do título constitutivo, como decorre do evidenciado artigo 1403.º, n.º 2 do CC, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 217.º do mesmo diploma legal, e é salientado por Pires de Lima e Antunes Varela (ibidem). No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.09.2017 (Jorge Arcanjo) (Processo n.º 1229/14.0T8LRA.C1, in http://www.dgsi.pt/): “I – O art.1403º, nº 2 do C.Civ. não consagra uma genuína presunção legal relativa (presunção juris tantum), mas antes de uma técnica legislativa de instituição de uma norma supletiva, sendo requisito de aplicabilidade a mera omissão de referência em contrário no título de constituição da compropriedade. II - A parte beneficiada com a presunção não tem o ónus de provar o facto-base, pois a lei considera verificado o facto presumido, cabendo à contraparte a prova do contrário, sendo denominadas como “verdades interinas”. III - A presunção de igualdade das quotas só pode ser afastada com recurso a elementos do próprio título de constituição, e não por elementos exteriores, sendo inadmissível a prova testemunhal para o efeito.” Também os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.07.2021 (Luís Filipe Pires de Sousa) (Processo n.º 967/20.2T8CSC.L1-7, in http://www.dgsi.pt/) e o acima citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2023 (Rijo Ferreira) (Processo n.º 37/16.8T8VRM.G2.S1, in http://www.dgsi.pt/) professam igual orientação. Luís Filipe Pires de Sousa (Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas…, p. 116) afirma, de igual modo, que “a circunstância de um dos contitulares ter suportado mais de metade das prestações do mútuo bancário celebrado para aquisição do imóvel não tem a virtualidade de alterar a proporção das quotas.” Acresce que, como decorre do artigo 1316.º do Código Civil, o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei. E decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 04.10.1990 (in CJ, 1990, IV, 285) que quando se pretenda o reconhecimento do direito de propriedade sobre uma coisa, devem alegar-se os factos caracterizadores de um dos modos mediante os quais esse direito se adquire, entre os quais, porém, não se integra o mero pagamento do preço da coisa vendida. Na verdade, como se explica no Acórdão mencionado, o pagamento tem a simples natureza de ato jurídico, consistente no cumprimento de obrigação de quantidade, pelo que não disciplina interesses, e pese embora seja uma obrigação decorrente do contrato (artigo 879.º, al. c) do Código Civil), pode até ser efetuado por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação (artigo 767.º, n.º 1 do Código Civil). No que tange à construção da moradia que se mostra implantada no terreno, a apreciação da questão convoca ainda o disposto no n.º 1 do artigo 1268.º do Código Civil, assinalando-se que a compra do terreno foi concomitante com a celebração do contrato de mútuo com hipoteca destinado a financiar a construção da moradia, tendo sido declarado por A. e R., neste segundo contrato, que a construção a edificar no terreno se destinava à habitação própria e permanente, ou seja, não foi ilidida a presunção de titularidade associada à posse. Assim, apesar de estar provado que o R. suportou um conjunto de despesas com a construção da moradia, descritas no ponto 21. dos factos provados, bem como que as prestações dos empréstimos foram pagas a partir da conta bancária onde eram depositados os seus vencimentos, daqui não pode retirar-se que o R. possa ser considerado proprietário exclusivo da moradia ou ser-lhe reconhecida quota superior à da A., porquanto nada foi consignado na escritura sobre os pagamentos. Isto é, não se estabeleceu na escritura que seria o R. o único ou o maior responsável pelo pagamento das prestações dos empréstimos bancários e outras despesas relativas à construção da casa. Acresce, aliás, que o enquadramento legal do casal evoluiu ao longo do tempo: - entre ../../2005 e ../../2006 os rendimentos de cada um eram próprios, na medida em que não estavam casados; - entre ../../2006 e ../../2019 vigorou entre ambos o regime de bens da comunhão de adquiridos, em resultado do casamento sem convenção antenupcial, facto de onde decorre serem bens comuns os respetivos rendimentos do trabalho (artigo 1724.º, alínea a) do Código Civil); - após ../../2019, por virtude do divórcio, cessou a comunhão, sem prejuízo da eventual partilha dos bens comuns angariados na vigência do casamento. Ou seja, não podem considerar-se pagamentos efetuados com capitais próprios os que respeitam ao período que medeia entre 2006 e 2019, na medida em que os vencimentos do R. integravam a comunhão de bens existente entre os cônjuges, sendo certo que por força do disposto no artigo 1730.º do Código Civil se estima em metade a participação de cada um dos cônjuges no ativo da comunhão. Sublinhe-se ainda que quando um pagamento é efetuado a partir de uma conta bancária onde foram creditadas somas com diversas proveniências não podemos afirmar que o dinheiro usado para esse pagamento provinha de uma fonte em particular, porquanto o dinheiro é absolutamente fungível, logo, apenas se pode dizer que o pagamento foi feito com o saldo positivo existente na conta. Deste modo, no caso em apreço não podemos afirmar que, após 2017, as prestações dos empréstimos foram pagas com os vencimentos do R. ou o preço depositado pela A. (bem próprio, nos termos do artigo 1722.º, n.º 1, alínea c) do Código Civil), mas apenas que o foram com o saldo positivo existente nessa conta. Assim, a única conclusão possível é a de que do título constitutivo nada resulta que permita sustentar a existência de diferentes quotas para os dois comproprietários, consequentemente, cada comproprietário é titular de uma quota indivisa de metade do imóvel. A Sentença deve, deste modo, ser confirmada.
C) Custas As custas são suportadas pelo Recorrente, que fica vencido (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
IV – Dispositivo Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente.
Évora, 07-11-2025 Sónia Moura José António Moita Maria Adelaide Domingos ________________________________________________ [1] Ocorre aqui um lapso na nomeação do documento, porquanto o documento 3 junto com a contestação do R. é uma fatura / recibo e não um cheque. |