Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | SUSANA COSTA CABRAL | ||
| Descritores: | SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO PENHORA ANTIGUIDADE EXECUÇÃO FISCAL | ||
| Data do Acordão: | 03/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | I. A razão de ser da norma do artigo 794.º, n.º 1, do CPC implica que se verifique a prossecução normal da execução em que a penhora for mais antiga; II. Essa prossecução não se verifica se, na execução fiscal em que a penhora é mais antiga, foi determinada a suspensão dos procedimentos de venda do imóvel, nos termos do n.º 7 do artigo 244.º do CPPT, por o valor dos encargos registados serem muito superiores ao valor patrimonial do prédio. III. Nessas circunstâncias, deve admitir-se o prosseguimento da execução comum onde o mesmo bem foi ulteriormente penhorado e que havia sido sustada em face daquela penhora anterior. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Sumário: (…) * Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório: * O objeto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões do recorrente, conforme resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Por conseguinte, importa apreciar se deve ser determinado o levantamento da suspensão/sustação da execução, ordenada nos termos do disposto no artigo 794.º do CPC, quanto ao bem imóvel, sito no Parque Industrial de (…), n.º (…), com vista ao prosseguimento da presente instância executiva, possibilitando a venda do referido imóvel, por o processo de execução fiscal em que o referido imóvel foi anteriormente penhorado, se encontrar suspenso, ao abrigo do n.º 7 do artigo 244.º do CPPT por “o valor dos encargos serem em muito superiores ao valor patrimonial do prédio”. * 2. Fundamentação Os factos relevantes para apreciação do recurso são os que constam do relatório supra, a que acresce o seguinte: * Insurge-se o exequente/apelante quanto à decisão do Tribunal a quo que indeferiu o pedido de levantamento da suspensão da execução relativamente ao imóvel penhorado nos autos descrito na CRP de (…) sob o n.º (…). O Tribunal sustentou, em suma, que: “(…) não está em causa a previsão do artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, na redação dada pela Lei n.º 13/2016, de 26 de maio, pelo que entendemos que a presente execução deve manter-se igualmente sustada no que se refere ao identificado imóvel, pelas razões já referidas no despacho proferido em 22.04.2024.” No referido despacho de 22-04-2024, o Tribunal a quo considerou que tem sido admitido jurisprudencialmente que a segunda execução (sustada nos termos do artigo 794.º por já incidir sobre o bem penhora anterior à ordem de outro processo) prossiga nos casos em que sobre o bem imóvel que constitua a casa de morada de família do executado incida penhora prévia a favor da Fazenda Nacional, porém não é o caso dos autos. De facto, a jurisprudência tem admitido o levantamento da sustação da execução comum quando não pode proceder-se à venda do imóvel penhorado na execução fiscal, dado o disposto no artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, por estar em causa a casa de morada de família do Executado. Tem-se entendido que essa execução fiscal não está em condições de salvaguardar o direito do exequente comum a ver aí efetivado o seu crédito. Neste sentido, decidiram os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14/12/2021, proc. n.º 906/18.0T8AGH.L1.S1, e de 31/10/2023, proc. n.º 2245/19.0T8ACB-A.C1.S1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. No caso concreto, a presente execução foi sustada nos termos do disposto no artigo 794.º do CPC, mas na execução fiscal em que o bem imóvel foi primeiramente penhorado não está em causa a previsão do artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, na redação dada pela Lei n.º 13/2016, de 26 de maio, que determina que “não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.”. Na execução fiscal que determinou a sustação da presente execução, os procedimentos da venda do imóvel subsequentemente penhorado nestes autos foram suspensos, nos termos do n.º 7 do artigo 244.º do CPPT “porque o valor dos encargos registados sobre o imóvel penhorado são em muito superiores ao valor patrimonial do prédio.” Ora, não obstante o fundamento da sustação da venda na execução fiscal não ser idêntico, a razão que determina que a jurisprudência entenda que a execução comum (em que o imóvel foi penhorado em segundo lugar) prossiga, naquelas situações, aplica-se também na situação dos autos. Vejamos: Com o estatuído no nº 1 do artigo 794.º do CPC pretende-se evitar que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem de ser única e, em princípio, há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar. A sustação da execução mais recente pressupõe que o exequente credor possa reclamar o seu crédito na execução mais antiga. Ora, nas execuções fiscais por força do disposto no artigo 244.º do CPPT tal não se mostra possível. Por isso, tem sido entendido que a razão de ser do prescrito no artigo 794.º do CPC, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de proteção tanto do devedor executado, como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa situação de dinâmica processual, ou seja, não é suficiente a mera pluralidade de execuções, exigindo-se ainda que estejam em movimento, seguindo o curso processual normal, o que não ocorre no caso em análise. In casu, estando a realização da venda do imóvel, na execução fiscal, suspensa nos termos do n.º 7 do artigo 244.º em virtude do valor dos encargos registados serem muito superiores ao valor patrimonial do prédio”, e inexistindo qualquer mecanismo de tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum (o credor reclamante, neste caso credor hipotecário, não pode requerer o prosseguimento da execução fiscal em circunstância alguma), não resta outra alternativa, para possibilitar ao credor a realização do seu crédito, senão o levantamento da sustação da execução comum para que se providencie pela atuação conducente à realização da venda no presente processo executivo cível, com a citação da Fazenda Nacional, a par dos demais credores, para, querendo, reclamar o seu crédito nesta execução, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de graduação. O entendimento contrário, posterga o direito de propriedade privada constitucionalmente garantido e a garantia do credor à satisfação do seu crédito (artigo 62.º, n.º 1, da CRP), tornando desproporcional e onerosa a satisfação do direito do exequente. Concluímos, por todo o exposto, que tendo sido na execução fiscal determinada a suspensão do procedimento da venda do imóvel penhorado, em virtude dos encargos serem em muito superiores ao valor do prédio, nos termos do n.º 7 do artigo 244.º do CPPT, deve ser deferido o pedido do exequente, formulado nos presentes autos, de levantamento da sustação da execução, ordenada nos termos do artigo 794.º do CPC, e determinar-se o seu prosseguimento, com vista à venda do bem imóvel, podendo a Fazenda Nacional reclamar nesta (execução comum) o seu crédito, que será objeto de verificação e graduação de créditos para o ressarcimento do crédito do exequente. Esta foi, aliás, a tese sufragada no recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-03-2024, publicado in www.dgsi.pt, em que se decidiu que: “Com efeito, inaceitável seria que o bem penhorado não pudesse ser vendido na execução fiscal, por compreensível desinteresse da AT, pois que o produto na venda não haveria de reverter para si, mas para um credor hipotecário com crédito prevalecente sobre o seu; e que também não pudesse ser vendido na execução comum, por esta estar sustada por causa daquela execução fiscal anunciadamente imobilizada. (….) Perante o não prosseguimento de uma execução fiscal, determinado nos termos do n.º 7 do artigo 244.º do CPPT, por o valor dos créditos reclamados por outros credores, nessa execução fiscal, ser manifestamente superior ao da dívida exequenda, deve admitir-se o prosseguimento da execução comum onde o mesmo bem havia sido ulteriormente penhorado e que havia sido sustada em face daquela penhora anterior”. * 3. Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao presente recurso de apelação, revogando a decisão recorrida, que substituem por outra que, deferindo o requerido pelo Recorrente / exequente, determina o levantamento da sustação da presente execução quanto ao bem imóvel supra identificado e determina, nessa parte, o prosseguimento da execução. Custas pelos apelados (artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC). * Évora, 13 de março de 2025Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora) Ana Pessoa Maria João Sousa e Faro (documento com assinaturas electrónicas) |