Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
1. RELATÓRIO
A – Decisão Recorrida
No processo sumário nº 832/21.6GBABF, do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Local Criminal de …, Juiz 1, submetido a julgamento por acusação do M.P., foi o arguido G H, condenado pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelos Artsº 292 nº1 e 69 nº1 al. a), ambos do C. Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 (dezoito) meses, suspensão condicionada ao acompanhamento do arguido para a avaliação da sua situação no concernente ao consumo de bebidas alcoólicas, pela Equipa Técnica Especializada de Tratamento- ETET, assim como a frequência da ação estruturada “Taxa Zero” ministrada pela DGRSP com vista a promover competências reflexivas sobre a prática do crime condução de veículos em estado de embriaguez e do exercício de um comportamento rodoviário alternativo responsável.
Mais foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 11 (onze) meses.
B – Recurso
Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição):
1. No âmbito dos presentes autos, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº1, do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 (dezoito) meses, suspensão condicionada ao acompanhamento do arguido para avaliação da sua situação no concernente ao consumo de bebidas alcoólicas, pela Equipa Técnica Especializada de Tratamento -ETET, assim como frequência da acão estruturada “Taxa Zero”, ministrada pela DGRSP com vista a promover competências reflexivas sobre a prática do crime de condução de veículos em estado de embriaguez e do exercício de um comportamento rodoviário alternativo responsável e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 11 (onze) meses.
2. Considera o arguido, ora recorrente, com o devido respeito e salvo melhor opinião, que na determinação da medida da pena, não foram atendidas de forma adequada as circunstâncias a favor do arguido, tendo sido valorizadas de forma muito mais significativa as circunstâncias que militam a seu desfavor, nomeadamente os registos constantes no seu certificado de registo criminal.
3. O arguido confessou os factos integralmente e sem reservas
4. O arguido encontra-se familiar, social e profissionalmente inserido.
5. Apesar do arguido ter antecedentes criminais, a verdade é que as três condenações constantes do seu certificado de registo criminal referentes ao crime de condução de veiculo em estado de embriaguez, se referem a dois processos de 2003 (Proc. ……) e a um processo de 2004 (…….) ou seja, os factos datam de há 18 anos e 17 anos, respetivamente.
6. Acresce que a última condenação do arguido, por crime de natureza diversa, se reporta a factos de 2007 (…..), há, portanto, 14 anos.
7. Pelo facto de o arguido se encontrar familiar, social e profissionalmente integrado e atendendo especialmente ao largo hiato temporal desde as condenações por crime desta natureza (factos de 2003 e 2004) e ao hiato temporal decorrido desde a sua última condenação (factos de 2007) a condenação deveria ser em pena de multa.
8. Assim, entende-se que a pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por 18 (dezoito) meses, é manifestamente excessiva, face às necessidades da prevenção especial e geral, que no caso, se fazem sentir.
9. Parece-nos adequada e suficiente, face às necessidades de prevenção – geral e especial – a aplicação de uma pena de multa.
10. Sendo que a pena de multa se mostra suficiente para garantir que o arguido não voltará a reincidir neste ou noutro este tipo de criminalidade e suficientemente adequada para satisfazer as necessidades da prevenção geral.
Caso V. Exa. assim não entendam,
11. Atendendo a tudo o supra exposto, deverá a medida da pena de prisão ser reduzida e a pena de prisão ser substituída por pena de multa, nos termos do artigo 45º, nº1do Código Penal.
12. O arguido foi também condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, por um período de 11 (onze) meses.
13. Atendendo à sua atividade de ladrilhador, o arguido necessita de conduzir diariamente, para se deslocar para as obras em curso.
14. Conforme anteriormente referido, os antecedentes criminais do arguido por crime da mesma natureza do crime dos presentes autos, crime de condução de veiculo em estado de embriaguez, datam de há 17 e 18 anos.
15. Com o devido respeito por melhor opinião, entende-se que, no caso em concreto, a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período 11 meses é excessiva, devendo o referido período ser reduzido para um período de inibição de conduzir, não superior a 6 meses.
16. A douta sentença recorrida violou ou aplicou incorretamente o disposto nos artigos 40º, 69º nº1 alínea a), 70º, 71º, 72º e 292º, nº 1, todos do Código Penal.
Nestes termos e nos demais de direito, com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que condene o arguido em pena de multa, ou caso V. Exas. assim não entendam, que a medida da pena de pena de prisão seja reduzida e que a pena de prisão seja substituída por pena de multa, nos termos do artigo 45º, nº1 do Código Penal, bem como o período da pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor, seja reduzido para um período de inibição de conduzir, não superior a 6 meses.
C – Resposta ao Recurso
O M. P, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, manifestando-se pela sua improcedência, apesar de não ter apresentado conclusões.
D – Tramitação subsequente
Aqui recebidos, foram os autos com vista à Exmª Procuradora-Geral Adjunta, que pugnou pela manutenção da decisão recorrida.
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
A – Objecto do recurso
De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Na verdade e apesar de o recorrente delimitar, com as conclusões que retira das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.
In casu e cotejando a decisão em crise, não se vislumbra qualquer uma dessas situações, seja pela via da nulidade, seja ainda, pelos vícios referidos no nº2 do Artº 410 do CPP, os quais, recorde-se, têm de resultar da sentença recorrida considerada na sua globalidade, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos que à mesma sejam estranhos, ainda que constem dos autos.
Efectivamente, do seu exame, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal a quo, revelando-se a mesma como coerente com as regras de experiência comum e conforme à prova produzida, na medida em que os factos assumidos como provados são suporte bastante para a decisão a que se chegou, não se detectando incompatibilidade entre eles e os factos dados como não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto.
Também não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada (Artº 410 nº3 do CPP).
Posto isto, inexistindo qualquer questão merecedora de aferição oficiosa, o objecto do recurso cinge-se às conclusões do recorrente, nas quais solicita que lhe seja aplicada uma pena de multa, em vez de uma pena de prisão suspensa na execução, ou, se assim não se entender, que a pena de prisão a aplicar seja mais reduzida que a fixada pela 1ª instância e substituída por multa, peticionando ainda, que a sanção de inibição de conduzir não seja superior a seis meses, ao invés dos onze em que foi condenado.
B – Apreciação
Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra fixado, em termos factuais, pela instância recorrida.
Aí, foi dado como provado e não provado, o seguinte (transcrição):
1.1. – Factos Provados
1.1.1. - Com relevância para a decisão criminal, provaram-se os seguintes factos:
a) No dia 25 de junho de 2021, pelas 21h01, o arguido conduzia o veículo automóvel de matrícula AAAA, na Avenida dos Descobrimentos- Rotunda das Minhocas, em Albufeira e submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue apurou-se uma T.A.S. igual a 2,21 g/l, que deduzido o E.M.A. corresponde a uma taxa não inferior a 2,033 g/l, tendo sido interveniente em acidente de viação.
b) O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidades que ultrapassavam o limite legal de teor de álcool de 1,2 g/l e ainda assim quis conduzir veículo pesado de mercadorias em causa, na via pública, com a mencionada taxa de álcool no sangue, apesar de saber que tal facto era proibido e punido por lei penal, mas apesar de o saber quis atuar da forma descrita, e conduzir o mesmo nas condições em que o fez.
c) O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente.
Mais se apurou que:
d) O arguido exerce a atividade de ladrilhador, auferindo a renumeração mensal de €650,00.
e) Vive sozinho, em habitação arrendada pelo montante mensal de €300,00.
f) Concluiu o 6.º ano de escolaridade.
g) O arguido foi condenado:
Por sentença transitada em julgado em 31/01/2005, proferida no âmbito do processo n.º (…) , pela prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €4,00 e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 3 meses; pena extinta por cumprimento.
Por sentença transitada em julgado em 29/09/2005, proferida no âmbito do processo n.º (….), pela prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez e um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de €5,00 e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 6 meses; pena extinta por cumprimento.
Por sentença transitada em julgado em 17/09/2007, proferida no âmbito do processo n.º (…), pela prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez e um crime de falsidade de depoimento, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de €1,00 e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 meses; pena extinta por prescrição.
Por sentença transitada em julgado em 12/12/2006, proferida no âmbito do processo n.º (….), pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 85 dias de multa, à taxa diária de €4,00; pena extinta por prescrição.
Por sentença transitada em julgado em 23/02/2007, proferida no âmbito do processo n.º (….), pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €4,00; pena extinta por cumprimento.
Por sentença transitada em julgado em 09/11/2012, proferida no âmbito do processo n.º (….), pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano; pena extinta por cumprimento.
Por acórdão transitado em julgado em 19/09/2013, proferida no âmbito do processo n.º (….), pela prática de três crimes de maus tratos, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por idêntico período subordinada a condição económica; pena extinta por cumprimento.
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1.2. – Factos Não Provados
Com interesse para a decisão da causa, não ficaram factos por provar.
Sendo esta a base factual fixada na sentença em análise, importa apreciar da bondade do peticionado pelo recorrente:
B.1. Da aplicação ao arguido de uma pena de multa e de uma inibição de conduzir veículos motorizados em período que não ultrapasse os seis meses
Sustenta o recorrente, em síntese apertada, que as penas, principal e acessória, aplicadas pela instância recorrida, são excessivas e desproporcionais face ao caso concreto, tendo em conta a sua confissão integral e sem reservas, a antiguidade dos seus antecedentes criminais e as suas condições pessoais, de onde resulta que está familiar e socialmente inserido, necessitando da carta para o exercício da sua actividade profissional, devendo, por isso, ser condenado numa pena de multa, ou, se assim não se entender, com uma pena de prisão mais baixa do que aquela que lhe foi fixada pela 1ª instância e substituída por multa, solicitando ainda, que a pena acessória a aplicar não ultrapasse os seis meses.
O tribunal recorrido, em sede de escolha das penas e das suas medidas, escreveu o seguinte (transcrição):
IV – DETERMINAÇÃO DA PENA
4.1. - Determinação da medida legal ou abstrata das penas
Determina o art. 71.º, n.º 1, 1.ª parte do Código Penal que a determinação da medida da pena é feita dentro dos limites estabelecidos por lei.
No caso em apreço, ao abrigo do disposto no art. 292.º, n.º 1, do Código Penal, conjugado com o estipulado nos art. 41.º, n.º 1 e art. 47.º, n.º 1 do Código Penal, o crime pelo qual o arguido deverá ser condenado é punido com prisão de 1 mês até 1 ano ou com pena de multa de 10 dias até 120 dias.
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4.1.1. - Escolha da natureza das penas
Resulta do supra referido que ao crime em causa são aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, pelo que se impõe a escolha entre uma delas. O problema da escolha da pena põe-se, pois, numa primeira fase, entre aquelas duas espécies de penas principais, sempre que elas sejam cominadas em alternativa, como acontece no caso em concreto. O art. 70.º dá o critério da escolha da pena principal: “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição1” – art. 40.º, n.º 1 do Código Penal –. (Vem a propósito recordar as finalidades da punição, que o mesmo é dizer, das penas: proteção de bens jurídicos e reintegração social do agente.)
Dispõe o art. 40º, nº 1, do C. Penal, que a aplicação de penas e medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Mas, conforme estabelece o seu nº 2, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Culpa e prevenção, são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser determinada a medida concreta da pena. A prevenção reflete a necessidade comunitária da punição do caso concreto. A culpa, dirigida para a pessoa do agente do crime, constitui o limite inultrapassável daquela (Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, 214 e ss.).
A medida da pena será dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada [prevenção geral positiva ou de reintegração] – temperada pela necessidade de reintegração social do agente, com o limite inultrapassável da medida da culpa. Tutela dos bens jurídicos e reinserção do agente são em síntese, as finalidades da aplicação de uma pena que não poderá nunca ultrapassar a medida da culpa.
Assim, como já se referiu, quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência a esta última sempre que, verificados os respetivos pressupostos, ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. São as finalidades preventivas, a prevenção geral e a prevenção especial, e não as finalidades de compensação da culpa, que impõem a preferência, no caso concreto, pela pena não privativa da liberdade. A culpa, que no processo de determinação da pena, constitui como vimos, o limite inultrapassável do quantum daquela, nada tem a ver com o prévio problema da escolha da espécie de pena (cf. Prof. Figueiredo Dias, ob. cit. 331).
Atendendo ao tipo de crime em causa - condução em estado de embriaguez -, não se podem deixar de se considerar que as exigências de prevenção geral no crime, no caso em concreto, são elevadas. De facto, é um tipo de criminalidade que se tem vindo a configurar como um flagelo a nível nacional, dado a sua cada vez maior frequência e que potencia, de forma exponencial, a ocorrência de sinistros rodoviários e, consequentemente, a ocorrência de um número elevado de mortos e de feridos graves.
Contudo, igualmente se sabe que a medida da intensidade das razões de prevenção geral tem de ser vista caso a caso. Por outro lado, como é consabido, também o grau de culpa concreto contribui para que sejam mais ou menos acentuadas as exigências de prevenção geral. Há assim que relacionar as exigências de prevenção geral com as concretas em que o crime foi praticado, nomeadamente as circunstâncias do caso em apreço, as quais não abonam a favor da condenação em pena de multa.
Com efeito e considerando que o arguido já sofreu sete condenações anteriores, quase todas pela prática de crimes rodoviários, e embora a maioria tenha sido em pena de multa, já sofreu condenações em pena de prisão, ainda que por crimes de natureza distinta, tal ainda aponta para uma elevada exigência de prevenção especial.
Face ao exposto, o tribunal considera que as finalidades de prevenção, quer geral quer especial, constantes do artigo 40º do Código Penal, não poderão ser alcançadas mediante a aplicação ao arguido de uma pena de multa, porquanto resulta evidente que esta não tem servido as finalidades a que se destina, não logrando afastar o arguido da prática de tal crime. Na verdade, as exigências de prevenção especial in casu são prementes, atendendo a que o arguido já sofreu sete condenações, a maioria dos quais pela prática de crimes rodoviários, o que não o impediu de voltar a conduzir sob efeito de álcool, revelando um desprezo manifesto pelas decisões do Tribunal. O arguido, não obstante as condenações sofridas, não interiorizou o desvalor da sua conduta, demonstrando perfeita indiferença pela norma que criminaliza a condução de veículo em estado de embriaguez, e completo desrespeito pelos demais utentes da via pública que coloca em perigo com a sua conduta.
Assim, considera o Tribunal que a aplicação ao arguido de uma pena de multa não realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, escolhendo-se a pena de prisão.
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4.2. – Determinação da medida concreta da pena
Constituindo as exigências de prevenção geral o limite mínimo da pena e a culpa do agente o seu limite máximo, a medida concreta da pena deve ter em consideração a finalidade de prevenção especial, de ressocialização do arguido ou de suficiente advertência, no sentido de retirar este agente do caminho criminoso.
Valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos e da reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe só o mal necessário, em homenagem ao princípio da subsidiariedade do direito penal, a culpa funciona como limite máximo da pena, dentro da moldura penal assim encontrada.
Estipula o art. 71.º, n.º 1 do Código Penal, por sua vez, que «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção» de futuros crimes.
A pena a aplicar será, assim, fixada em função da culpa, da ilicitude, e das circunstâncias agravantes e atenuantes que ocorram, não se perdendo de vista o objetivo de reinserção social do agente.
A determinação da medida concreta da pena, balizada por estes limites, é então feita em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção, devendo o tribunal atender, para o efeito, a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal).
Entre outras circunstâncias, deve o tribunal atender ao grau de ilicitude do facto, ao seu modo de execução, à gravidade das suas consequências, ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, à intensidade do dolo ou da negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, à motivação do agente, às condições pessoais e económicas do agente, à conduta anterior e posterior ao facto, e à falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal), ou o que a doutrina denomina de os critérios de aquisição e de valoração dos fatores da medida da pena.
Neste âmbito, rege o princípio da proibição de dupla valoração, consagrado no referido art. 71.º, n.º 2, do supra referido diploma legal, segundo o qual não devem ser tomadas em consideração, na medida concreta da pena, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime. Todavia, o que fica dito não obsta em nada, porém, a que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstâncias do caso, v.g., não deve ser valorado da mesma forma um sequestro de 3 dias ou de 3 meses (cf. Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 234 e ata da 26.ª sessão da Comissão Revisora do Projeto da parte geral do Código Penal, in BMJ, 49, pág. 74/75).
Ainda neste âmbito, importa referir que os fatores que influem na determinação da medida são, muitas vezes, dotados de particular ambivalência. Por exemplo, um mesmo fator, na perspetiva da culpa, pode funcionar como agravante e, na perspetiva de a prevenção funcionar como atenuante.
Em suma, haverá, agora, que proceder à determinação da medida concreta da pena de prisão a aplicar.
A pena concreta a aplicar será determinada, dentro da moldura penal fixada no tipo incriminador, em função da culpa do agente, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (porque estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele (artigo 71º do Código Penal).
Atendendo, assim, às considerações supra enunciadas, para a determinação da medida concreta da pena, importa considerar:
- Assim, ao abrigo do nº 2 do artigo 72º do Código Penal, e no que respeita ao crime de condução em estado de embriaguez:
- A favor do arguido –
- Inserção sociofamiliar e profissional.
- Confissão integral e sem reservas;
- Hiato temporal decorrido desde a última condenação.
- Contra o arguido –
- Intensidade do dolo: o arguido agiu com dolo direto, que é a forma mais gravosa de dolo, o que configura um maior juízo de censura.
- O grau de ilicitude e de culpa que é elevado atenta a taxa apresentada – 2,033 g/l.
- A existência de antecedentes criminais, por crimes de idêntica e distinta natureza.
- O sentimento posterior aos factos: porquanto não revelou quer com a sua conduta, quer com a sua postura, uma real consciencialização da problemática da sua conduta violadora das normas, em particular se atentarmos que já sofreu sete condenações, duas em pena de prisão, ainda que a ultima por crimes de natureza distinta, suspensas na sua execução, mas tal não impediu a reincidência da sua conduta.
Tudo ponderado, em tendo em conta o limite máximo imposto pela culpa, tem-se como adequada a aplicação de uma pena de 9 (nove) meses de prisão.
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4.3. - Penas de Substituição
Tendo sido fixada uma pena não superior a 1 ano, impõe-se, em regra, o dever de substituir a pena concreta de prisão por pena de multa ou por outra pena não privativa de liberdade. A lei não estabelece um critério de preferência entre as penas de substituição previstas no art. 45.º, n.º 1 e 3 e 46.º – substituição da pena de prisão por multa ou proibição de exercício de profissão, art. 43.º - Regime de permanência na habitação-, – art. 50.º – suspensão da execução da pena de prisão – e art. 58.º – prestação de trabalho a favor da comunidade –, todos dispositivos legais do Código Penal, cabendo ao julgador optar por aquela que julgue mais adequada à realização das finalidades preventivas da punição ou que mais se aproxime dessa concretização (vide, nesse sentido, anotação 2. do art. 43.º, in Comentário do Código Penal, Paulo Pinto de Albuquerque).
Considerando os critérios supra enunciados, cumpre apreciar se se justifica, no caso em concreto, a aplicação de alguma das anteriores penas de substituição e, em caso afirmativo, qual delas.
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4.3.1. - Substituição da pena de prisão por multa
Determina a atual redação do art. 45.º, n.º 1 do Código Penal:
«1 - A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º»
Atendendo a tudo o que se expôs supra aquando da escolha da pena principal, é inevitável concluir que existe perigo de cometimento de futuros crimes se a opção for pela aplicação de uma pena de multa.
Apesar do regime previsto neste artigo, relativamente ao não cumprimento da pena de multa aplicada em substituição da prisão seja mais gravoso do que o previsto para o caso de não cumprimento da pena de multa aplicada como pena principal (enquanto a primeira situação implica o cumprimento da pena de prisão concretamente estabelecida na sentença – art. 45.º, n.º 2 do Código Penal -, já no caso da pena de multa principal, o seu incumprimento determina o cumprimento da pena de prisão subsidiária reduzida a 2/3 – art. 49.º, n.º 1 do Código Penal -), essa maior gravidade do regime de incumprimento não é, por si, suficiente para acautelar a prática de novos crimes (basta considerarmos que ao arguido já sofreu sete condenações, a maioria em pena de multa e as duas ultimas em pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, mas tal não desmotivou a pratica de crimes por parte deste), na medida em que, pagando a multa, o arguido deixa de ter sobre si a pressão de ter de cumprir pena de prisão, tal como a espada de Dâmocles, no caso de tornar a praticar novos crimes.
Pelo exposto, não se substitui a pena de prisão pela pena de multa.
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4.3.2. - Regime de permanência na habitação
Dispõe o novo art. 43.º do Código Penal, introduzido pela Lei n.º 94/2017, de 23/08:
1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;
c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º
Exige, prima facie, a aplicação desta medida, o consentimento do arguido que, no caso concreto, não existe, o que afasta a possibilidade da aplicação desta pena.
A tal acresce que não se considera adequada e suficiente, o cumprimento da prisão em regime de permanência na habitação, considerando o elevado número de condenações sofridas pelo arguido, o que revela uma ausência de uma real assunção da gravidade dos atos por si cometidos, assim como uma personalidade adversa às normas que regem a sociedade.
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4.3.3. - Trabalho a favor da comunidade
Estipula o art. 58.º do Código Penal, de acordo com a sua atual redação:
1 -Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
2 - A prestação de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade. (…)
5 - A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade só pode ser aplicada com aceitação do condenado. (…)
No caso exposto nos presentes autos, alem de faltar um dos requisitos formais da aplicação de tal pena de substituição – o consentimento do arguido –, também falta o pressuposto material. Este último consiste no facto de tal pena se revelar adequada e suficiente à realização das finalidades da punição, ou seja, suscetível de facilitar – e, no limite, alcançar – a socialização do condenado, sem se mostrar incompatível com exigências mínimas de prevenção e integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico. (Figueiredo Dias, ob. cit. p. 378, § 588).
No presente caso dos autos, a pena em causa não se revela adequada à realização das finalidades da punição, dado que não é a inatividade do arguido o motivo impulsionador da prática do crime, mas a própria incapacidade do arguido em conformar o seu comportamento de acordo com a lei.
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4.3.4. - Suspensão da execução da pena de prisão
Nos termos do art. 50.º do Código Penal, ao abrigo da atual redação:
1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.
É hoje entendimento largamente dominante que tal preceito impõe ao juiz o dever de fundamentar especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão, pese embora o n.º 4 do art. 50.º apenas fale em dever de fundamentação no caso de concessão da suspensão (assim, o afirma Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 345, § 522).
Em cumprimento do específico dever de fundamentação atrás exposto, dir-se-á que é dever do juiz assentar o incontornável «juízo de prognose», favorável ou desfavorável, em bases de facto capazes de suportarem com alguma firmeza. O que não quer dizer, obviamente, que o juiz tenha de atingir a certeza sobre o desenrolar futuro do comportamento do arguido. É o que salienta Figueiredo Dias quando refere (ob. cit. pág. 344, § 521), “que o que está aqui em causa não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, o tribunal deve encontrar-se disposto a correr certos riscos – digamos: fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade”.
Havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada, o que vinifica que o principio in dubio pro reo só vale para os factos que estão na base do juízo da probabilidade, mas desta deve o tribunal estar convencido (cfr. Jescheck, § 79, I 3, apud Figueiredo Dias, ob.e loc. cit).
Por outro lado, convém ainda ter na devida conta, que “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial e de socialização – a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Pois “que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor as socializações em liberdade, que ilumina o instituto em análise” (Figueiredo Dias, ob. cit. p. 344, § 520).
Aditar-se-á, em remate, que, se é certo que a socialização do arguido deve ser uma preocupação sempre presente na aplicação de qualquer que seja a pena, ela não é o objetivo primeiro desta delicada tarefa, pois há limites inultrapassáveis que importa observar: a socialização não pode sobrelevar a prevenção.
Em suma, sempre que se aplique uma pena de prisão não superior a 5 anos, o tribunal deve suspender a execução da pena, se “atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
A suspensão da execução da pena constitui, portanto, um poder vinculado do julgador, que a deverá decretar sempre que se encontrem reunidos os pressupostos para aplicação da medida.
Face ao preceituado no artigo 50º do Código Penal, a condenação do arguido em pena inferior a 5 anos de prisão obriga o julgador a equacionar a possibilidade de suspender a execução da pena, fazendo um juízo de prognose acerca da possibilidade de a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, devendo atender para tal:
À personalidade do agente
Às condições da sua vida
À sua conduta anterior e posterior ao crime
E às circunstâncias do crime
e concluir no sentido de haver esperança de que o arguido, em liberdade, adira sem reservas, a um processo de socialização.
Conforme entendimento dos tribunais superiores, “não são considerações de culpa que interferem na decisão sobre a execução da pena, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto da suspensão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas” (Ac. do STJ de 10-11-1999 – Proc. 823/99, relatado pelo Cons. Armando Leandro).
Retornando ao caso concreto, após este breve excurso doutrinal, haverá que reconhecer-se que o comportamento passado do arguido, documentado nos autos em sete condenações anteriores, a maioria pela prática de crimes rodoviários, tendo inclusive sofrido penas de prisão, ainda que suspensas na sua execução, não abona a favor de um juízo de prognose favorável à suspensão de pena.
Em contrapartida, apesar do já elevado número de ilícitos de idêntica natureza praticados pelo arguido, a verdade é que tais condenações distam um largo hiato temporal dos presentes factos, a que acresce o facto de o arguido até agora só foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução por crimes rodoviários, sem limitações e contingências, o que abona a favor de um juízo de prognose favorável, ou seja, ainda é de concluir que a simples ameaça de suspensão da pena de prisão é suscetível de afastar o arguido da prática de futuros crimes.
Resta aferir se à suspensão da execução da prisão se opõem as necessidades de prevenção geral. Quanto a este aspeto, como resulta das considerações tecidas acerca do bem jurídico protegido, dúvidas não se suscitam que as exigências de prevenção geral são muito elevadas. Porem, atendendo ao juízo de prognose favorável quanto ao cometimento de futuros crimes por parte do arguido, a suspensão da execução da pena de prisão é suficiente para neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e confiança na validade das normas violadas, suspensão esta sob o regime de prova, ao abrigo do art. 50.º, n.º 2 e 53.º, ambos do Código Penal.
Com efeito, urge condicionar a suspensão da execução das penas de prisão ora aplicadas ao regime de prova, devendo, por conseguinte, o arguido ser acompanhado por técnico da Direção Geral de Reinserção Social durante o período da suspensão, o qual deverá elaborar um plano destinado a promover a ressocialização deste, com especial incidência na avaliação da sua situação no concernente ao consumo de bebidas alcoólicas, pela Equipa Técnica Especializada de Tratamento- ETET-; assim como a frequência da ação estruturada “Taxa Zero” ministrada por esta DGRSP com vista a promover competências reflexivas sobre a prática do crime condução de veículos em estado de embriaguez e do exercício de um comportamento rodoviário alternativo responsável.
Pelo exposto, opta-se pela aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução, pelo período de 18 (dezoito) meses, sujeita ao regime de prova, começando esse prazo a contar desde a data do trânsito em julgado da presente sentença (art. 50.º, n.º 5 do Código Penal).
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4.4. – Pena Acessória
Deverá ainda o arguido ser condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos, nos termos do artigo 69º, nº1, alínea a), do Código Penal.
Tendo em conta o grau de ilicitude, a culpa do arguido, o dolo direto, a existência de antecedentes criminais e a necessidade de prevenir este tipo de ilícito, considera-se adequado fixar em 11 (onze) meses a pena de proibição de conduzir veículos com motor a aplicar ao arguido.
Como se sabe, na determinação da pena concreta, importa ter em conta, nos termos do Artº 71 do C. Penal, as necessidades de prevenção geral e especial que nos autos se imponham, bem como, as exigências de reprovação do crime, não olvidando que a pena tem de ser orientada em função da culpa concreta do agente e que deve ser proporcional a esta, em sentido pedagógico e ressocializador.
Como ensina Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo 2, As consequências jurídicas do crime. 1988, pág. 279 e segs:
«As exigências de prevenção geral, ... constituirão o limiar mínimo da pena, abaixo do qual já não será possível ir, sob pena de se pôr em risco a função tutelar do Direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;
As exigências de culpa do agente serão o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio politico-criminal da necessidade da pena (Artº 18 nº2 da CRP) e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (consagrado no nº1 do mesmo comando).
Por fim, as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena»
Importa ainda ter em conta que:
«A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro destes dois limites situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.
Ainda, embora com pressuposto e limite na culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, (só) na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade» como refere Anabela Miranda Rodrigues, in RPCC, Ano 12º, nº 2, pág. 182.
Ora, confrontando o raciocínio expendido pela instância recorrida, constata-se que ali foram tidos em conta, na determinação das penas a aplicar, todos os critérios legais a que aludem os Artsº 70 e 71 do C. Penal, inexistindo motivo para proceder a qualquer alteração do aí decidido.
Na verdade, as alterações pretendidas pelo recorrente – pena de multa em vez de prisão suspensa na sua execução e pena acessória que não ultrapasse os seis meses ao invés dos onze que foram determinados – não se configuram como adequadas e proporcionais à satisfação das finalidades punitivas dos autos, bem como, às razões de prevenção geral e especial a elas associadas.
Na verdade, o arguido apresenta sete condenações anteriores – três delas por crime idêntico ao dos autos – tendo sido condenado, por cinco vezes, em penas de multa e as outras duas, em penas de prisão suspensas na sua execução.
É certo que os registos relativos às condenações por crime de condução de veículo em estado de embriaguez são antigos – há 17 e 18 anos – mas as suas últimas condenações, ambas em penas de prisão suspensa na execução, transitaram em julgado em 2012 e 1013, sendo que a última, de 3 anos de prisão, refere-se à prática de três crimes de maus tratos.
Como diz o MP na sua resposta, “Depois do insucesso das penas de multa, por cinco vezes, e da repetição da prática deste crime, apesar das duas penas com execução suspensa, nada mais há a esperar da pena de multa em termos de eficácia preventiva, quer a pena de multa seja aplicada a título principal, quer substitutiva da prisão”.
Por outro lado, o ora recorrente apresenta uma taxa de alcoolemia elevadíssima, a merecer um tratamento punitivo adequado e cuja verificação impede que se possa configurar a aplicação de uma pena de multa como suficiente advertência para prevenir a prática de futuros ilícitos desta natureza.
Sendo o crime de condução de veículo em estado de embriaguez punido com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias, diz o Artº 70 do C. Penal que o tribunal deve dar preferência à segunda, sempre que esta realize, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição, devendo notar-se que tal escolha depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial.
Como diz Figueiredo Dias, na ob. citada, pág. 331, «…são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação».
Também Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pag. 266, nota 2 refere que «A escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as finalidades da punição são exclusivamente preventivas»).
No caso sub judice, optou-se, e bem, por aplicar ao arguido uma pena de prisão (suspensa na sua execução, saliente-se), por se considerar que apenas esta permite alcançar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
No que toca aos factos invocados pelo arguido para justificar diferente punição – confissão integral e sem reservas e integração familiar e social – há que dizer que a relevância da confissão como circunstância atenuante é muito reduzida tendo em conta que estamos na presença de um flagrante delito e apenas se provou que o mesmo vive sozinho e exerce a profissão e ladrilhador.
Ora, as circunstâncias do caso – condução numa artéria da cidade de Albufeira, às 21.00 de uma noite de Verão, com uma taxa de alcoolemia de, pelo menos, 2,21 g/l – são graves, particularmente censuráveis, bem reveladoras de um profundo desrespeito e indiferença pela norma violada e pelos bens jurídicos por ela protegidos e geradoras de um elevadíssimo perigo de lesão dos mesmos.
São, pois, significativamente elevadas, quer as necessidades de prevenção geral, quer as necessidades de prevenção especial, sendo manifesto que a pena de multa, seja como pena principal, seja como pena de substituição, não realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Ao invés, a fixação de uma pena de prisão suspensa na sua execução, desenha-se como adequada ao dolo do arguido, à dimensão da ilicitude, ao juízo de censura e ao quadro de antecedentes criminais atrás referenciado.
O mesmo se diga da pena acessória fixada pelo tribunal sindicado, que, ao contrário do que afirma o recorrente, não se mostra desajustada em face das razões de prevenção geral, sobejamente conhecidas, e mesmo, das de prevenção especial, resultantes da mencionada taxa de alcoolemia.
Antes de mais, importa dizer, que, em linguagem técnico-jurídica, a sanção acessória de inibição de conduzir anda associada às contraordenações estradais e tem natureza administrativa, ao passo que a proibição de conduzir prevista no Artº 69 do C. Penal constitui uma verdadeira pena acessória.
Na verdade, pese embora o conteúdo material seja idêntico – ambas se traduzem na proibição de conduzir veículos automóveis – a sanção acessória de inibição de conduzir prevista no Artº 138 do C. Estrada, aplicável às contraordenações graves e muito graves (Arts 145 e 146 do mesmo Código, respectivamente), tem natureza administrativa, como os ilícitos de mera ordenação social a que se aplicam, ao passo que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados prevista no Artº 69 do C. Penal constitui uma pena criminal (sendo esta a da natureza da infracção que lhe dá origem).
Na situação dos autos, por isso, estamos na presença de uma verdadeira pena acessória, tal como está prevista no Artº 69 do C. Penal.
Na fixação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, balizada entre um mínimo de três meses e um máximo de três anos, importa ter em conta os mesmos critérios que foram utilizados para a determinação da pena concreta pelo crime em causa, não perdendo de vista que tal pena acessória tem, por escopo, prevenir a perigosidade revelada pelo agente no cometimento dos factos em crise.
Como atrás se disse, as exigências de prevenção geral e especial são bastante elevadas e na definição da pena acessória de inibição de conduzir, o tribunal deve ater-se aos mesmos critérios que determinaram a aplicação da denominada pena principal, não perdendo de vista, que tal pena acessória tem, por escopo, prevenir a perigosidade revelada pelo agente no cometimento dos factos em crise.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, ob cit,, pág 165, a pena acessória de proibição de conduzir tem como pressuposto material a consideração, através das circunstâncias de facto e da personalidade do agente, do exercício da condução se revelar especialmente censurável.
Ainda na ob. citada, pág. 205, afirma que «…à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano».
A TAS apresentada pelo recorrente, é, como já se assinalou, muito elevada - tendo sido interveniente em acidente de viação - quase o dobro do limite a partir do qual é considerada como crime, sem olvidarmos que antes da incriminação penal já tal conduta é ilícita, sendo punida a título de contraordenação.
Muito intenso é, indiscutivelmente, o juízo de censura, acentuado o grau de ilicitude, directo o dolo, critérios que afastam, inevitavelmente, o pretendido pelo recorrente, pois as exigências de prevenção geral são, por isso, muito intensas, quer pelo grau de perigosidade revelada pelo agente, quer pela necessidade de rigor na definição da pena acessória como medida dissuasora de uma conduta cujas consequências são muito gravosas para o tecido social.
Por outro lado, sendo a necessidade do título de condução para a vida profissional e pessoal algo comum a qualquer cidadão, o cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir veículos automóveis, como repetidamente tem sido dito pelo Tribunal Constitucional, não contende com o direito ao trabalho, mesmo para alguém, como o recorrente, que exerce uma actividade da qual necessitará da carta de condução e mau grado, por isso, o evidente sacrifício que envolve para a sua vida profissional e familiar.
Os custos, de ordem profissional e/ou familiar, que poderão advir para o arguido do facto de a proibição de conduzir em causa poder afectar o seu emprego, são próprios das penas, que só o são, se representarem para o condenado um verdadeiro e justo sacrifício, com vista a encontrarem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais, sendo que tais custos nada têm de desproporcionados, em face dos perigos para a segurança das outras pessoas criados pela condução em estado de embriaguez e que a aplicação da pena acessória pretende prevenir.
Em suma, na determinação das penas em causa, principal e acessória, o tribunal recorrido deu cumprimento ao disposto nos Artsº 40 e 71, ambos do Código Penal, mostrando-se as mesmas adequadas, proporcionais e justificadas, quer às circunstâncias do caso concreto, quer à culpa do ora recorrente.
Não se justificando, no caso concreto, qualquer mitigação das penas - principal e acessória - estabelecidas pelo tribunal a quo, por os valores fixados se mostrarem adequados e proporcionais ao grau de ilicitude e ao juízo de censura, ter-se-á de concluir pela improcedência do recurso.
3. DECISÃO
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e em consequência, manter, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade das questões suscitadas, em 3 UC, ao abrigo do disposto nos Arts 513 nº 1 e 514 nº 1, ambos do CPP e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa.
Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários.
Évora, 25 de Janeiro de 2022
Renato Barroso (Relator)
Maria Fátima Bernardes (Adjunta)
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