Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1455/22.8T8EVR-B.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: ARRESTO
TRANSMISSÃO DA EMPRESA OU ESTABELECIMENTO
OPOSIÇÃO
JUSTO RECEIO DE PERDA OU DIMINUIÇÃO DA GARANTIA PATRIMONIAL
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - O procedimento cautelar de arresto depende da verificação cumulativa de dois requisitos: probabilidade da existência do crédito ( fumus boni juris) e justo receio de perda da garantia patrimonial (periculum in mora).
II - A oposição do trabalhador à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, baseada na falta de confiança na política de organização do trabalho do adquirente, constitui um dos fundamentos previstos no artigo 286.º A, n.º 1 do Código do Trabalho.
III - Resultando aparentemente válido e eficaz o exercício do direito de oposição manifestado pela Requerente do arresto, tal implica a manutenção do contrato de trabalho com a transmitente do estabelecimento (Requerida) e a não aceitação dessa situação por esta, consubstancia um despedimento ilícito, com consequências que geram direitos de crédito para a trabalhadora (retribuições intercalares e eventual indemnização em substituição da reintegração), resultando assim demonstrada a probabilidade séria da existência de um direito de crédito.
IV - Verifica-se o justo receio de perda da garantia patrimonial se resultou indiciariamente provado que a Requerida cessou a sua atividade e não pretende prosseguir qualquer atividade, e que entrará em fase de liquidação logo que receba o único crédito que detém.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
No procedimento cautelar de arresto que a Requerente AA instaurou contra a Requerida “Lenicare, Lda.”, foi prolatada decisão, com o seguinte dispositivo:
«Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provado, o presente procedimento cautelar e, em conformidade:
1- Decreta-se o arresto dos direitos de crédito, presentes ou futuros, que a Requerida LENICARE, LDA. tenha a receber do HOSPITAL DO ESPÍRITO SANTO DE ÉVORA, E.P.E., pessoa coletiva n.º 508.085.888, com sede no Largo Senhor da Pobreza, 7000-811 Évora, até ao montante de € 26.213,16 (vinte e seis mil duzentos e treze euros e dezasseis cêntimos).

2- Indefere-se o demais peticionado pela Requerente AA nos presentes autos.

3- Condena-se a Requerente em custas, sem prejuízo de as mesmas serem atendidas, a final, na ação principal que venha a ser intentada (cf. artigos 527.º, n.º 1 e 2, e 539.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).

Fixa-se o valor da causa em € 31.110,12 – cf. artigos 304.º, n.º 3, alínea e) e 306.º, n.º 1 e 2, todos do Código do Processo Civil.
Registe e notifique a Requerente.
Após a execução da providência, cite a Requerida, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 366.º, n.º 6, e 372.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.»
Na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º, veio a Requerida interpor recurso para esta Relação, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«1.ª O presente recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente, designadamente no que concerne ao decretamento da providência cautelar de arresto.
2.ª O objeto do presente recurso consiste na sindicância do juízo conclusivo do Tribunal a quo que, erroneamente – e salvo melhor opinião - desconsiderou a ocorrência de uma transmissão de unidade económica e qualificou como despedimento a impossibilidade prática e jurídica da Recorrente receber o seu trabalho, desde logo por já não ser parte do contrato de trabalho em vigor, considerando, nesse pressuposto, como reunidos os requisitos necessários ao decretamento do arresto;
3.ª A ocorrência de uma transmissão de unidade económica não está em causa nos presentes autos tendo sido reconhecida e aceite por todas as partes envolvidas;
4.ª Entende a Recorrente que a matéria de facto tida por indiciariamente provada era insuficiente para permitir que o Tribunal concluísse no sentido da verificação dos requisitos de que dependia o decretamento da providência cautelar de arresto, designadamente quanto à alegada ocorrência de um despedimento promovido pela ora Recorrente e, bem assim, quanto à alegada validade da oposição deduzida pela Recorrida;
5.ª Analisado o conteúdo da sentença do Tribunal a quo que decretou o arresto, da qual ora se recorre, não resulta que se mostrem verificados os requisitos essenciais de que deveria depender, em tese, a sua procedência, em particular no quanto concerne à aparência do direito (fumus bonis iuris) de crédito da Recorrida cuja tutela se pretenderia, em tese, assegurar.
6.ª A sentença do douto Tribunal a quo limita-se a fundamentar o sentido decisório e a alegada aparência do direito de crédito da Recorrida na ocorrência de uma oposição à transmissão alegadamente válida e num despedimento aparentemente ilícito, sem, porém, fundamentar tais conclusões;
7.ª Com efeito, a complexidade “natural” subjacente a este fenómeno da transmissão da unidade económica e, em particular, os especiais contornos do caso em concreto, justificariam porventura maior ponderação e cautela na hora da tomada de decisão. Se é verdade que a generalidade dos processos cautelares já exige um especial cuidado por parte do julgador, atendendo ao facto de se tratarem de decisões preliminares e em que o tribunal faz apenas uma apreciação sumária da prova, nos casos em que o mérito da providência requerida é apreciado sem exercício do contraditório pelo requerido a exigência de uma prova que justifique a probabilidade do direito reclamado pelo requerente é (ou deve ser) ainda maior.
Impõe-se ao julgador perante tal situação um crivo rigoroso no que concerne à prova produzida e às conclusões, de facto e de direito, que dela se permite alcançar.
8.ª Para se reconhecer a existência de um direito de crédito haveria antes que qualificar se a oposição à transmissão da unidade económica em que estava inserida a Recorrida foi, ou não, (ainda que num juízo meramente perfunctório) válida, pois, sem tal apreciação prévia, é impossível reconhecer-se a existência de qualquer direito de crédito, ou sequer a identidade do respetivo devedor.
9.ª O fundamento da oposição à transmissão deduzida pela Recorrida assenta na recusa, por parte transmissária, em integrar a Recorrida e, bem assim, na desconfiança que a mesma lhe causa no quanto concerne à política de organização de trabalho do transmissário.
10.ª Não pode admitir-se como fundamento de oposição tal desconfiança provocada, em síntese, pela infundada recusa por parte da transmissária em cumprir a lei. Tal entendimento permitiria identificar o meio de resposta “ideal” para qualquer entidade que assumisse uma determinada unidade de negócio, mas decidisse, de acordo com a sua conveniência, escolher qual a parte da equipa de trabalhadores associados a tal unidade que pretenderia manter… se alguma.
11.ª Independentemente daquela que fosse a intenção, velada ou expressa, da transmissária da unidade de negócio desenvolvida, até 30 de abril de 2022, pela Recorrente, a mesma seria irrelevante no que respeita à transmissibilidade do vínculo laboral;
12.ª No exercício da sua oposição exigia-se à Recorrida a identificação de um fundamento bastante suscetível de materializar, ainda que no contexto de um juízo de prognose, um qualquer prejuízo sério resultante da transmissão do seu contrato de trabalho para a transmissária, ou um facto que pudesse afetar a sua confiança na política de organização do trabalho desta entidade – recordando-se aqui, e uma vez mais, que essa foi a referência utilizada pela Recorrida na manifestação do seu alegado direito de oposição.
13.ª Salvo melhor opinião, a ausência de motivação bastante torna inválida a oposição deduzida pela Recorrida, pelo que não pode senão, perante tal manifesta ausência de fundamento, concluir-se pela necessária transmissão do contrato de trabalho da Recorrida.
14.ª Recorrida não invocou qualquer fundamento válido para a sua oposição à transmissão, razão pela qual não deveria o douto Tribunal a quo ter concluído pela alegada validade do exercício de tal direito e, consequentemente, pelo reconhecimento da existência de um direito de crédito da Recorrida sobre a Recorrente.
15.ª Em qualquer caso, afigura-se inquestionável que esta matéria, como se cuidou já referir, apresenta uma elevada complexidade técnica o que por si só, e salvo melhor opinião, deveria ter conduzido o douto Tribunal a quo a uma decisão distinta da efetivamente proferida, designadamente não reconhecendo a probabilidade da existência de qualquer direito de crédito suscetível de tutela, requisito essencial do arresto e sem o qual o mesmo não poderia ser decretado;
16.ª Outro dos requisitos legais de que depende o decretamento da providência cautelar de arresto consiste na existência de um justo receio de perda de garantia patrimonial;
17.ª No caso em concreto, a unidade de negócio que consiste na exploração do serviço de radioterapia do HESE foi transmitida a uma sociedade do grupo Joaquim Chaves Saúde (transmissária acima melhor identificada);
18.ª Trata-se de uma organização empresarial de grande dimensão e de muito forte e reconhecida implementação no mercado, situação que contrasta gritantemente com a da Recorrente. Como resulta da documentação junta com o requerimento inicial, designadamente a carta de resposta da Recorrente à oposição à transmissão deduzida pela Recorrida, a Recorrente foi constituída única e exclusivamente para prestar os serviços objeto do contrato de concessão de exploração da unidade de radioterapia do HESE
19.ª Com a cessação desse contrato de concessão no passado dia 30 de abril de 2022 e, como se referiu, com a transmissão dessa unidade de negócio para a transmissária, a Recorrente ficou sem atividade, sem instalações, sem equipamentos e – segundo entende – sem trabalhadores, tudo em estrita observância do preceituado na lei quanto a esta matéria;
Ora,
20.ª A ser assim, não se vislumbra como poderia o Tribunal a quo considerar verificado qualquer um dos requisitos legais do arresto, visto que a entidade empregadora da Recorrida e, bem assim, aquela que salvo melhor opinião seria responsável pelos efeitos de qualquer cessação de contrato promovida fora dos trâmites legais, tem atividade, tem meios que se encontram afetos ao seu desenvolvimento, possui instalações, etc.
21.ª Por isso, não se afigura existirem razões que justifiquem tal fundado receio – pelo menos nem a Recorrida as alega no seu requerimento inicial de arresto, nem o douto Tribunal a quo as reconhece na sentença. Se assim é, importa pois também afirmar perentoriamente a inexistência do segundo requisito essencial de que dependeria o decretamento da providência cautelar de arresto: o justo receio de perda de garantia patrimonial.
Em suma,
22.ª Sem prejuízo do contraditório que oportunamente será promovido em sede de ação principal, entende a Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao proferir sentença no sentido da procedência do requerimento de arresto apresentado pela Recorrida, na medida em que, pelos motivos antes elencados e exaustivamente enunciados, não se encontram verificados os requisitos legalmente exigidos de que dependeria o seu decretamento.
Nestes termos bem como nos mais de Direito que V. Exas mui doutamente suprirão, deve ser julgado provado e procedente o presente recurso de apelação, com os fundamentos e no sentido das conclusões acima apresentadas (aqui dadas como reproduzidas), revogando-se integralmente a sentença recorrida que decretou o arresto dos créditos da Recorrida sobre o HESE e absolvendo-se a Recorrente de todos os pedidos contra si formulados, assim se fazendo JUSTIÇA!»
Não foram apresentadas contra-alegações.
A 1.ª instância admitiu o recurso de apelação, com subida imediata, em separado, e com efeito meramente devolutivo.
Tendo o apenso do recurso subido à Relação, foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Não foi oferecida resposta.
O recurso foi mantido e foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.

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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, a questão que importa dilucidar e resolver é a de saber se os factos provados não permitem concluir pela verificação dos pressupostos necessários ao decretamento do arresto.
*
III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou indiciariamente provados os seguintes factos:
1- A Requerida é uma sociedade comercial por quotas, que tem por objeto social a prestação de serviços de saúde, ao nível da cirurgia geral, internamento, recuperação física, oncologia e radioterapia e demais especialidades médicas complementares.
2- Entre a Requerente e a Requerida foi celebrado escrito denominado de ‘contrato de trabalho por tempo indeterminado’, datado de 1 de Maio de 2010, mediante o qual declararam que a segunda admitia a primeira ao seu serviço para exercer as funções inerentes à categoria de técnico responsável de radioterapia, a partir da data acima referida, com um período normal de trabalho de 40 horas semanais, e mediante o pagamento da quantia de € 1.700,00, a título de retribuição mensal base certa, de 0,25 por cada tratamento de radioterapia externa, a título de retribuição mensal base variável, e de € 6,41, a título de subsídio de alimentação, por cada dia completo e efetivo de trabalho.
3- A Requerente exerceu as suas funções por conta, sob a autoridade, direção e fiscalização da Requerida, desde 1 de Maio de 2010 a 30 de Abril de 2022.
4- A Requerente exerceu as suas funções nas instalações do Hospital Espírito Santo de Évora, sitas na Avenida Infante D. Henrique, n.º 1, 7005-169 Évora.
5- Em data não concretamente, a Requerida e o Hospital do Espírito Santo de Évora, E.P.E. celebraram um acordo denominado de ‘contrato de exploração’ referente à Unidade de Radioterapia, na sequência da candidatura apresentada pela primeira no âmbito do concurso público para concessão da exploração do serviço de radioterapia.
6- A Requerida prestou os serviços de exploração do serviço de radioterapia acima referenciados, entre 1 de Setembro de 2009 e 30 de Abril de 2022.
7- Os referidos serviços abrangiam a realização de consulta com os médicos e com os especialistas de dosimetria, para planificação do tipo e quantidade de sessões de radioterapia necessárias, que eram administradas pela equipa de terapeutas, da qual a Requerente fazia parte.
8- A Requerente exerceu por conta da Requerida funções de chefia, designadamente relacionadas com a gestão da equipa e otimização dos recursos, tendo a seu cargo a parte financeira no tocante à faturação.
9- Na sequência de novo concurso público para a concessão de exploração da unidade de radioterapia, os serviços acima referidos foram adjudicados à sociedade Joaquim Chaves Clínicas Médicas, Ambulatório, Sociedade Unipessoal, Lda.
10- A partir de 1 de Maio de 2022, a sociedade Joaquim Chaves - Clínicas Médicas, Ambulatório, Sociedade Unipessoal, Lda. passou a prestar os serviços acima referidos nas instalações do Hospital do Espírito Santo de Évora, E.P.E.
11- A Requerida comunicou à Requerente que o respetivo contrato de trabalho, tal como o dos seus colegas, iria ser transmitido à sociedade Joaquim Chaves - Clínicas Médicas, Ambulatório, Sociedade Unipessoal, Lda., por força da adjudicação de serviços acima referenciada.
12- Em 21 de Abril de 2022, a sociedade Joaquim Chaves - Clínicas Médicas, Ambulatório, Sociedade Unipessoal, Lda. comunicou à Requerente que não iria assumir o seu contrato de trabalho.
13- Por carta datada de 28 de Abril de 2022, enviada pela Requerente à Requerida, e por
esta recebida, a primeira comunicou à segunda que:
«(…) Assunto: Transmissão de Estabelecimento – Oposição (artº 286º-A do Código do
Trabalho).
Exmos Srs.,
Relativamente ao assunto acima referenciado, venho por este meio, expor e requerer a V. Exas. nos seguintes termos:
1. No dia 18 de Abril de 2022, fui informada por Joaquim Chaves – Clínicas Médicas Ambulatório, Sociedade Unipessoal, Lda, que não pretendia manter o meu contrato de trabalho após assumir a exploração da Unidade de Radioterapia do Hospital do Espírito Santo de Évora.
2. Desse facto dei conhecimento a V. Exas., e da necessidade de procurarmos encontrar
uma solução em consonância com a lei aplicável.
3. Não obstante ter recebido da V/ parte a comunicação de 27.04.2022, através da qual me informaram que o meu contrato (juntamente com os restantes trabalhadores) deveria ser transmitido para a cessionária, e por isso considerarem que os contratos caducarão na esfera da Lenicare no dia 30.04.2022 – não posso deixar de expressar a minha profunda indignação, e de agir conforme me sinto obrigada.
4. Nesse sentido acrescento que pretendo exercer o direito de oposição à transmissão do meu contrato de trabalho, fundado precisamente na falta de confiança na política de organização de trabalho do transmissário.
5. Com efeito, toda a atuação preconizada pela entidade transmissária, em especial, relativamente à minha pessoa, e concomitantemente em relação à intenção de não pretenderem continuar a receber o meu trabalho, foi motivo objetivo, concreto, e justificado, da minha desconfiança em pretender manter a minha posição contratual com aquela entidade.
6. Creio que dúvidas não podem restar a alguém que esteja colocado na minha posição, ou seja, quando esteja perante a recusa de uma empresa em manter a prestação do seu trabalho
por considerar que são desempenhadas funções de elevada confiança e complexidade técnica - que seja exigível ao destinatário daquela comunicação, que mantenha a confiança futura de que a sua posição contratual, e o conteúdo das funções que desempenha, continuem a ser cumpridas e respeitadas.
7. Em face daquela recusa da transmissária na prestação do meu trabalho, ademais, reiterada na primeira pessoa pelo diretor de recursos humanos em reunião presencial havida no dia 21-04-2022, entendo estarem reunidas as condições de oposição à transmissão do meu contrato para aquela entidade, considerando que nenhuma garantia tenho de que manterei intactas as minhas funções, e as características inerentes ao meu contrato de trabalho(…)».
14- A Requerida não aceitou a Autora como sua trabalhadora, a partir de 30 de Abril de
2022.
15- A Requerida cessou toda a sua atividade, a partir do dia 1 de Maio de 2022.
16- A Requerida não tem quaisquer ativos, móveis ou imóveis.
17- A Requerida não pretende candidatar-se a qualquer outro concurso, nem prosseguir
qualquer atividade.
18- Após receber o crédito que detém sobre o Hospital do Espírito Santo de Évora, E.P.E., a Requerida entrará em fase de liquidação.
19- Em 30 de Abril de 2022, a Requerente auferia a quantia de € 1.728,34, a título de
retribuição mensal base.
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IV- Aplicação do Direito
Conforme já referimos, importa apreciar se, com arrimo nos factos provados, é possível deduzir que não se mostram verificados os pressupostos necessários para o decretamento da providência cautelar de arresto.
De harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 391.º do Código de Processo Civil, o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requer o arresto de bens do devedor.
Como refere António Geraldes[2], o arresto constitui um instrumento destinado a acautelar o credor contra a perda da garantia patrimonial constituída pelos bens do devedor.
Dessarte, a procedência deste procedimento cautelar pressupõe, essencialmente, a prova da qualidade de credor e da existência de um justo receio da perda da garantia patrimonial.
Com interesse, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/06/2000:[3]
«I- O procedimento cautelar de arresto depende da verificação cumulativa de dois requisitos: probabilidade da existência do crédito e justo receio de perda da garantia patrimonial.
II- A probabilidade séria da existência do crédito verifica-se quando se alegue factos que, comprovados, apontem para a aparência da existência desse direito.
III- O justo receio de perda da garantia patrimonial verifica-se sempre que o requerido adote, ou tenha o propósito de adotar, conduta (indiciada em factos concretos) relativamente ao seu património que coloque, objetivamente, o titular do crédito a recear ver frustrado o pagamento do mesmo.»
Ainda com interesse, pode ler-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 12/02/2008:[4]
«I-Para que seja legítimo o recurso ao arresto é necessário que concorram duas circunstâncias condicionantes: a aparência da existência de um direito e o perigo da insatisfação desse direito.
II- Não sendo necessário que o direito esteja plenamente comprovado, mas apenas que dele exista um mero fumus bonus iuris, ou seja, que o direito se apresente como verosímil (…)»
E, também, o Acórdão da Relação de Guimarães de 28/09/2017:[5]
«I- O justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito não se basta com o receio subjetivo do credor de que tal possa vir a acontecer, devendo, para ser justificado, assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação.».
Expostos, pois, os pressupostos para o decretamento do arresto, vejamos como a situação sub judice foi apreciada pela 1.ª instância:
«De acordo com o disposto nos artigos 391.º do Código de Processo Civil e 619.º, n.º 1 do Código Civil, o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu
crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, realizado através da apreensão judicial dos mesmos à ordem do processo.
Para o efeito, e de acordo com o disposto no artigo 392.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 47.º do Código de Processo do Trabalho, «o requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devam ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência».
Resulta do exposto, que a procedência do procedimento cautelar de arresto depende,
essencialmente, da verificação de dois requisitos:
a) a probabilidade da existência do crédito (fumus boni juris); e
b) o justo receio da perda da garantia patrimonial (periculum in mora).
O primeiro requisito descrito (correspondente ao designado fumus boni juris), traduz-se num juízo de probabilidade séria e verosímil, de acordo com os elementos existentes no processo, da existência do direito de crédito invocado pela Requerente.
Por sua vez, o segundo requisito (periculum in mora) está relacionado com a existência de um perigo concreto de perda de eficácia da decisão definitiva que possa vir a ser proferida na ação principal (cf. artigo 364.º do Código de Processo Civil), justificado, designadamente, pela existência de atos de ocultação de bens pela própria Requerida ou da provável ou iminente insolvência desta.
A comprovação do justo receio da perda da garantia patrimonial não se basta, no entanto, com um receio meramente subjetivo, baseado em meras conjeturas ou temores pelo credor, de ver insatisfeita a sua prestação creditória; devendo, antes, assentar em facto concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação e de acordo com as regras da experiência comum (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28-06-2017, proc. 9070/16.9T8CBR.C1, rel. Luís Cravo, disponível em www.dgsi.pt).
Dispõe o artigo 285.º, n.º 1 do Código do Trabalho que, «em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral».
Prescreve, por sua vez, o artigo 286.º-A, n.º 1 do Código do Trabalho que «o trabalhador pode exercer o direito de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho em caso de transmissão, cessão ou reversão de empresa ou estabelecimento, ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, nos termos dos n. os 1, 2 ou 10 do artigo 285.º, quando aquela possa causar-lhe prejuízo sério, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, ainda, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer
confiança».
Ainda de acordo com o n.º 2 do referido normativo, «a oposição do trabalhador prevista no número anterior obsta à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, nos termos dos n.os 1, 2 ou 10 do artigo 285.º, mantendo-se o vínculo ao transmitente».
Compulsada a factualidade indiciariamente provada, conclui-se ter a Requerente deduzido oposição à transmissão do respetivo contrato de trabalho, que lhe foi comunicada pela Requerida; oposição essa que, igualmente em termos indiciários, aparenta afigurar-se válida e eficaz (sem prejuízo, naturalmente, de a referida matéria vir a ser sujeita a apreciação em sede de ação principal, de acordo com os elementos de prova que venham a ser carreados pelas partes para os autos).
Mais resulta indiciariamente provado nos autos, outrossim, que a Requerida não aceitou a Requerente como sua trabalhadora, a partir do dia 30 de Abril de 2022, não obstante a oposição à transmissão contratual acima referenciada.
Ora, o referido comportamento da Requerida é suscetível de consubstanciar um despedimento ilícito da Requerente, por falta de observância do procedimento legal adrede previsto (cf. artigo 381.º, alínea c) do Código do Trabalho); o que, a confirmar-se em sede de ação principal, originará na esfera jurídica desta última o direito a ser indemnizada, nos termos previstos no artigo 391.º do Código do Trabalho.
Dispõe, para o efeito, o artigo 391.º, n.º 1 do Código do Trabalho que, «em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º».
A graduação da indemnização deve, pois, ser feita atendendo ao valor da retribuição –
entendendo-se, para este efeito, que quanto menor for a retribuição do trabalhador, maior o número de dias a atender (nesse sentido, cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09-11-2009, proc. 262/07.2TTVFR.P1, rel. Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt) –, bem como o grau de ilicitude do comportamento do empregador.
Em face dos elementos indiciariamente provados nos autos, julga-se inexistirem elementos que justifiquem a fixação à Autora de uma indemnização superior a 35 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade.
Pelo exposto, e tendo a Requerente iniciado a respetiva atividade laboral em 1 de Maio de 2010, são de contabilizar 13 anos completos de serviço ou frações de antiguidade (até 30 de Abril de 2022). Nessa medida, correspondendo o seu salário base a € 1.728,34, terá a Requerente direito uma indemnização em montante não superior a € 26.213,16 [(€ 1.728,34 /
30 ) x 13 anos x 35 [indemnização], a suportar pela Requerida, em caso de procedência da ação principal.
Destarte, conclui-se resultar indiciado que a Requerente é titular de um crédito sobre a Requerida no montante acima referenciado.
No mais, e quanto ao pressuposto do periculum in mora, resulta igualmente indiciariamente provado que a Requerida não dispõe de quaisquer outros bens que possam responder pela dívida acima descrita, sendo que, o não decretamento da presente providência
cautelar de arresto, poderá colocar em causa a eficácia de qualquer decisão que venha a ser proferida no âmbito da ação principal que venha a ser intentada pela Requerente.
Pelo que, em face do exposto, se conclui estarem reunidos os pressupostos legais para a procedência do presente procedimento cautelar.»
Desde já adiantamos que a decisão recorrida não nos merece censura.
Infere-se da factualidade indiciariamente dada como provada que entre a Requerida e a sociedade Joaquim Chaves Clínicas Médicas, Ambulatório, Sociedade Unipessoal, Lda. ocorreu uma transmissão de estabelecimento, nos termos previstos pelo artigo 285.º do Código do Trabalho (aliás, para a Apelante esta conclusão mostra-se pacífica).
A transmissão de estabelecimento tem como efeito, grosso modo, a transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores subordinados do transmitente para o transmissário – n.ºs 1 e 3 do aludido artigo 285.º.
Todavia, nos termos previstos pelo n.º 1 artigo 286.º-A do referido compêndio legal, o trabalhador pode exercer o direito de oposição à transmissão do empregador no seu contrato de trabalho, quando aquela possa causar-lhe prejuízo sério, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, ainda, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança.
A oposição do trabalhador obsta à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, mantendo-se o vínculo ao transmitente - n.º 2 do artigo 286.º-A.
No que se refere ao formalismo e ao prazo do exercício do direito de oposição, prescreve o n.º 3 do mencionado artigo, que o trabalhador deve exercer tal direito por escrito, dirigido ao respetivo empregador, no prazo de cinco dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do artigo 286.º, mencionando a sua identificação, a atividade contratada e o fundamento da oposição de acordo com o que se mostra estipulado no n.º 1 do artigo 286.º-A.
Volvendo ao caso que nos ocupa, ficou indiciariamente demonstrado que a Requerente, exerceu o seu direito de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho. Fê-lo por escrito, através de carta que dirigiu à Requerida e cujo teor se encontra reproduzido no ponto 13 dos factos provados.
Não resulta dos factos indiciariamente provados qualquer elemento que nos leve a considerar que a comunicada oposição foi efetuada fora de prazo (nem tal questão foi colocada em sede de recurso).
Assim, resta-nos apreciar se a oposição manifestada tem fundamento legal.
O conteúdo da missiva dirigida à Requerida estriba-se na parte final do n.º 1 do artigo 286.º A do Código do Trabalho, ou seja, baseia-se na falta de confiança sobre a política de organização do trabalho da tranmissária.
Pode ler-se no escrito da trabalhadora:
«1. No dia 18 de Abril de 2022, fui informada por Joaquim Chaves – Clínicas Médicas Ambulatório, Sociedade Unipessoal, Lda, que não pretendia manter o meu contrato de trabalho após assumir a exploração da Unidade de Radioterapia do Hospital do Espírito Santo de Évora.
2. Desse facto dei conhecimento a V. Exas., e da necessidade de procurarmos encontrar
uma solução em consonância com a lei aplicável.
3. Não obstante ter recebido da V/ parte a comunicação de 27.04.2022, através da qual me informaram que o meu contrato (juntamente com os restantes trabalhadores) deveria ser transmitido para a cessionária, e por isso considerarem que os contratos caducarão na esfera da Lenicare no dia 30.04.2022 – não posso deixar de expressar a minha profunda indignação, e de agir conforme me sinto obrigada.
4. Nesse sentido acrescento que pretendo exercer o direito de oposição à transmissão do meu contrato de trabalho, fundado precisamente na falta de confiança na política de organização de trabalho do transmissário.
5. Com efeito, toda a atuação preconizada pela entidade transmissária, em especial, relativamente à minha pessoa, e concomitantemente em relação à intenção de não pretenderem continuar a receber o meu trabalho, foi motivo objetivo, concreto, e justificado, da minha desconfiança em pretender manter a minha posição contratual com aquela entidade.
6. Creio que dúvidas não podem restar a alguém que esteja colocado na minha posição, ou seja, quando esteja perante a recusa de uma empresa em manter a prestação do seu trabalho
por considerar que são desempenhadas funções de elevada confiança e complexidade técnica - que seja exigível ao destinatário daquela comunicação, que mantenha a confiança futura de que a sua posição contratual, e o conteúdo das funções que desempenha, continuem a ser cumpridas e respeitadas.
7. Em face daquela recusa da transmissária na prestação do meu trabalho, ademais, reiterada na primeira pessoa pelo diretor de recursos humanos em reunião presencial havida no dia 21-04-2022, entendo estarem reunidas as condições de oposição à transmissão do meu contrato para aquela entidade, considerando que nenhuma garantia tenho de que manterei intactas as minhas funções, e as características inerentes ao meu contrato de trabalho(…)».
Para melhor apreciarmos o fundamento legal invocado, vejamos como o mesmo tem sido apreciado pela jurisprudência:
- Acórdão da Relação de Évora de 27/05/2021:
«A lei poderia ter-se bastado pelo prejuízo sério como único fundamento do direito de oposição à transmissão do vínculo contratual: sempre envolveria um juízo de prognose, mas fundado em factos concretos e verificáveis, como são a falta de solvabilidade ou a situação financeira difícil. Não foi, porém, essa a opção do legislador, consagrando um segundo fundamento do direito de oposição, que o trabalhador poderá invocar, mesmo que não seja evidente o risco de prejuízo sério, e que se baseia apenas em algo do seu foro íntimo, uma opção pessoal, como tal insindicável pelo tribunal.
E existem motivos atendíveis que levariam o legislador a consagrar essa solução. Para além do exemplo que nos é dado pelos ordenamentos sueco e alemão, onde o direito de oposição não carece de qualquer fundamento[11], temos a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, emanada na sequência do caso Katsikas[12], segundo a qual o trabalhador deve ser livre de escolher a sua entidade patronal, não podendo ser obrigado a trabalhar para um empregador que não escolheu. Como se afirma no respetivo considerando 37, a diretiva europeia – relativa à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos – não obsta a que um trabalhador empregado pelo cedente à data da transferência da empresa se oponha à transferência do seu contrato ou da sua relação de trabalho para o cessionário, na condição de que essa decisão seja por ele livremente tomada, cabendo aos Estados-Membros, quando o trabalhador exerce esse seu direito de não continuar a relação laboral com o cessionário, decidir o que sucede com o contrato de trabalho.
No fundo, o que está em causa é o reconhecimento que o trabalho não é uma mercadoria (labour is not a commodity, como a OIT proclamou na Declaração de Filadélfia de 1944), e que o princípio geral da liberdade contratual envolve também a liberdade de escolha do parceiro da relação negocial, não devendo assim ser imposto ao trabalhador um empregador por ele não escolhido[13], representando assim um “salto civilizacional”[14], tanto mais que, como também escreveu Júlio Gomes[15], «admitir a transmissão automática dos contratos de trabalho sem que o trabalhador a isso se possa recusar consiste não só numa negação frontal da sua autonomia privada, como mesmo da sua dignidade fundamental enquanto pessoa, convertendo-o, de algum modo, numa coisa, num componente do estabelecimento – perdoe-se-nos a crueza da imagem, mas estaríamos tentados a dizer numa “peça da mobília” –, exposto à sorte deste.»
Nesta linha, seguimos o entendimento que as normas contidas nos arts. 394.º n.º 3 al. d) e 286.º-A n.º 1 do Código do Trabalho, não apenas consagram uma nova justa causa objetiva de resolução do contrato de trabalho, consistente na “transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa”, como ainda permitem ao trabalhador fazê-lo baseado numa mera conjetura acerca da política de organização do trabalho do adquirente.»
- Acórdão da Relação do Porto de 20/09/2021:
«Quanto à falta de confiança na política de organização do trabalho do adquirente, ainda que envolva um juízo de prognose do trabalhador, de conteúdo subjetivo e indeterminado, essa não confiabilidade poderá ser de alguma forma sindicada pela análise dos factos invocados, dos quais possa resultar essa desconfiança à luz de um critério objetivo e razoável, tendo em conta a perspetiva de um trabalhador médio, possuidor dos conhecimentos e na concreta situação do trabalhador em causa [7].
Como refere Júlio Manuel Vieira Gomes [8] [e] também a desconfiança na política de organização de trabalho se exprime, de algum modo, no receio de um prejuízo futuro. Acresce que, como atrás já dissemos, nos parece que a desconfiança há de ter que se fundar em alguns indícios concretos, sob pena de não vermos qualquer utilidade em a lei exigir a indicação desse “fundamento”.»
- Acórdão da Relação de Coimbra de 16/09/2022:
«Portanto, verificado - como verificámos - ter ocorrido transmissão de unidade económica no quadro do artigo 285.º, o direito de oposição à transmissão da posição de empregador no contrato de trabalho do autor tem de ser aferido exclusivamente em face da norma do n.º 1 do artigo 286.º-A do CT por lhe ser claramente mais favorável.
Esta norma contém, quanto a nós, um fundamento geral para o exercício do direito, o do “prejuízo sério”, e dois exemplos que não excluem outros, mas que auxiliam a tarefa do intérprete, designadamente na adoção de critérios mais ou menos abertos para o que é o relevante “prejuízo sério”.
Escreveu, a respeito desses fundamentos, Júlio Gomes (em “Algumas reflexões críticas sobre a Lei n.º 14/2018, de 19 de Março”, Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, n.º 1/2018):
«O primeiro consiste no temor de um prejuízo sério – este ainda não se verificou, mas pode vir a ocorrer por causa da transmissão da posição de empregador. Exige-se aqui um exercício de prognose, referindo a lei alguns exemplos (“nomeadamente”) de situações em que essa prognose parece justificar-se. Trata-se, em todo o caso, nos exemplos propostos, de situações objetivamente graves como sejam a “manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente”. Como se trata apenas de exemplos, parece-nos haver espaço para outras situações em que também se pode formular um juízo de prognose de prejuízo sério, como sucederá, por exemplo, com uma mudança significativa de local de trabalho. Mas esta exigência contrasta fortemente com a parte final do mesmo n.º 1: o trabalhador pode, no fim de contas, opor-se à transmissão da posição de empregador simplesmente por “a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança”. Este último fundamento já foi classificado de subjetivo e insindicável. Com efeito, se for suficiente dizer “não confio na política de organização de trabalho” do transmissário, não se vê como é que se trata aqui de um genuíno fundamento. Dito por outras palavras de que é que adianta o trabalhador ter que referir um fundamento no escrito em que exerce o seu direito de oposição, se o fundamento em causa é totalmente incontrolável e arbitrário? No limite poderá o trabalhador “desconfiar” do que ignora por completo? Se o transmissário é, por hipótese, uma sociedade que só agora se constituiu poderá o trabalhador alegar que desconfia de uma política de organização do trabalho que ainda nem sequer existe? Perguntamo-nos, por isso, se a falta de confiança não terá que assentar em alguns indícios concretos que devam ser referidos, mencionados, tanto no caso de oposição, como no caso de resolução. Reconhecemos, no entanto, que se trata de uma questão muito delicada, tanto mais que a informação a que o trabalhador abrangido pela transmissão da unidade económica tem direito – e que lhe deve ser fornecida diretamente pelo seu próprio empregador, o transmitente – não abrange, de acordo com a letra da lei, elementos sobre a política de organização de trabalho do transmissário, mas apenas sobre as medidas (que podem ser, obviamente, medidas de gestão de recursos humanos) por este planeadas.»
Ou seja, não se trata de fundamentos cuja construção seja inteiramente subjetiva na livre disponibilidade de criação do trabalhador, designadamente aquele que se refere à ausência de confiança no transmissário, como parecem apontar alguns autores como Maria do Rosário Palma Ramalho (Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2019, págs. 694 e 695) e João Leal Amado (Transmissão da empresa e contrato de trabalho: algumas notas sobre o regime jurídico do direito de oposição, RLJ, n.º 4010, Maio-Junho de 2018, págs. 290 e segs), como bem se nota no Acórdão da Relação de Évora de 27.05.2021, relator: Mário Branco Coelho, no proc. 3951/18.2T8FAR.E1, com posição também seguida nos Acórdãos da Relação de Guimarães de 07.05.2020, relator: Antero Veiga, proc. 5670/18.0T8BRG-A.G1 e da Relação do Porto de 20.09.2021, relator: António Luís Carvalhão, proc. 2203/20.2T8VFR.P1, todos em www.dgsi.pt
Retornemos ao caso concreto.
A Requerente alega que a política de organização do trabalho da transmissária não lhe merece confiança, porquanto, tendo em consideração que as funções que desempenha são de elevada confiança e complexidade técnica, a recusa em manter a sua prestação de trabalho manifestada por aquela, fá-la considerar que, a transmitir-se a posição de empregador, não tem qualquer garantia de que se manterão intactas as suas funções profissionais e as características inerentes ao seu contrato de trabalho.
Ora, resulta da matéria factual indiciariamente provada que a Requerente exerceu, por conta da Requerida, funções de chefia, designadamente relacionadas com a gestão da equipa e otimização dos recursos, tendo a seu cargo a parte financeira no tocante à faturação.
Tais funções implicam, seguramente, uma posição relevante na hierarquia empresarial e uma forte e especial relação de confiança.
A transmissária comunicou à Requerente, em 21 de abril de 2022, que não iria assumir o seu contrato de trabalho, o que é suscetível de ser interpretado como ausência de confiança e de interesse no prosseguimento das referidas funções pela Requerente.
Em tal contexto, é compreensível e razoável que a Requerente crie um legítimo receio em relação às consequências da transmissão do seu contrato de trabalho, nomeadamente temendo que as suas funções profissionais não sejam conservadas na totalidade e que as características inerentes ao seu contrato de trabalho sejam alteradas, situação que, a priori, lhe é desfavorável.
Por conseguinte, os factos concretos são aptos a justificar um juízo íntimo de desconfiança da trabalhadora na política de organização do trabalho da transmissária.
Como tal, afigura-se-nos que, em termos indiciários, a oposição manifestada tem aparentemente fundamento legal e, em consequência, deve considera-se válida e eficaz, sem prejuízo, naturalmente, da questão vir a ser melhor apreciada na ação principal, em que ambas as partes poderão alegar mais factos e apresentar novos elementos probatórios.
Prosseguindo o raciocínio…
Tendo o direito de oposição do trabalhador sido legalmente exercido, manteve-se o vínculo laboral com a Requerida, pelo que, ao não aceitar a Requerente como sua trabalhadora, a partir de 30/04/2022, a Requerida praticou um despedimento ilícito, nos termos previstos pela alínea c) do artigo 381.º do Código do Trabalho.
As consequências da ilicitude do despedimento geram direitos de crédito para a trabalhadora (retribuições intercalares e eventual indemnização em substituição da reintegração).
Em suma, a Requerente logrou provar a probabilidade séria da existência de um direito de crédito.
Em consequência, mostra-se preenchido o primeiro dos pressupostos necessários para o decretamento do arresto.
Quanto ao justo receio de perda da garantia patrimonial, depreende-se da factualidade indiciariamente demonstrada que a Requerida cessou a sua atividade a partir do dia 1 de maio de 2022, que não tem quaisquer ativos (móveis ou imóveis), que não pretende candidatar-se a qualquer outro concurso, nem prosseguir qualquer atividade, e que entrará em fase de liquidação logo que receba o crédito que detém sobre o Hospital do Espírito Santo de Évora, E.P.E..
Tanto basta para concluir que qualquer pessoa normal, colocada nas circunstâncias da Requerente, terá receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito, caso não seja decretado o arresto.
Justifica-se, pois, o receio de perda da garantia patrimonial do crédito.
Deste modo, também se verifica o segundo pressuposto necessário para o decretamento da requerida providência cautelar.
Face ao exposto, consideramos que a 1.ª instância decidiu bem e que o recurso não merece provimento.
*
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.
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Évora, 15 de dezembro de 2022
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Mário Branco Coelho (2.º Adjunto)

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Mário Branco Coelho
[2] In “Procedimentos Cautelares”, Cadernos do CEJ, junho de 1996, p. 101.
[3] In “Sumários” , 42.º-28.
[4] Processo n.º 600/2008, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Processo n.º 1496/14.9T8GMR-E.G1, consultável em www.dgsi.pt
[6] Processo n.º 3951/18.2T8FAR.E1, publicado em www.dgsi.pt.
[7] Processo n.º 2203/20.2T8VFR.P1, acessível em wwe.dgsi.pt.
[8] Processo n.º 3037/20.0T8CBR.C1, publicado em www.dgsi.pt.