Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
171/11.0TBTVR.E1
Relator: ASSUNÇÃO RAIMUNDO
Descritores: CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
DOCUMENTO ESCRITO
Data do Acordão: 01/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
I - A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes num con­trato se comprometem a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, rela­tivamente a tal contrato.
II - A convenção de arbitragem tem de obedecer às normas dos números 1, 2 e 3 do artigo 2º da LAV. Em primeiro lugar, tem de ser reduzida a escrito. Em segundo lugar, a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respei­tem. III - A convenção considera-se reduzida a escrito quando conste de documento assinado pelas partes.
IV – O art. 21 nº1 da LAV atribui ao tribunal arbitral a primazia para apreciação da sua própria competência, devendo, por isso, o tribunal judicial abster-se de fazer essa apreciação, a não ser que a convenção de arbitragem se mostre manifesta e inequivocamente inválida, ineficaz ou inaplicável (como decorre do artigo do artigo 12º nº4 da LAV).

Sumário da relatora
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes que compõem a Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
R..., residente em Northern Ireland..., veio mover a presente ação, com processo ordinário, contra T..., Lda, com sede..., Albufeira, e contra S..., Lda, com sede...Estoril, pedindo a resolução do contrato de promessa celebrado entre o autor e a ré S... e a condenação de ambas as rés na restituição do sinal em dobro no montante de 145.500,00€, acrescidos de juros legais desde a citação até efetivo pagamento. Ou a resolução do contrato de promessa celebrado entre o autor e a ré S... e a condenação de ambas as rés na restituição do sinal e reserva no valor de 74.250,00€, acrescidos de juros legais desde a citação dos réus.
Alega para tanto que o autor e a S... celebraram um contrato promessa de compra e venda de uma fração autónoma situada no edifício que identifica situado no aldeamento... em Cabanas, Tavira.
Para a referida compra foi estipulado o preço de 270.000€ e o autor entregou àquela ré, a título de sinal, 75.250,00€.
Em Janeiro de 2008 o autor recebeu uma carta da ré S... a dar-lhe conta que vendeu à 2ª Ré vários lotes da..., onde se encontra a fração prometida vender ao autor.
Na mesma data o autor recebeu ainda uma carta da 2ª Ré, T..., em que esta declarava assumir a posição da 1ª Ré no contrato promessa firmado com o autor e que as obras deveriam estar concluídas em 31 de Julho de 2009. Informava ainda que o autor deveria comparecer junto da T... para ser assinado um novo contrato promessa.
A 2ª Ré exigiu ao autor condições de assinatura do novo contrato não aceites pelo autor, por desrespeitarem o contrato inicial firmado com a S...; consequentemente a T... deixou de reconhecer o autor como promitente comprador da fração prometida; a T... até ao presente momento não concluiu as obras.
Conclui pelo pedido.
As rés S... e T... contestaram, e ambas excecionaram a violação por parte do autor da convenção de arbitragem aposta na cláusula 10ª do contrato promessa de compra e venda celebrado entre o autor e a ré S...
O autor replicou e respondendo à matéria daquela exceção alegou que a mesma era nula por não concretizar os conflitos, diferendos e litígios.
Conclui pela improcedência da exceção.
Foi proferido despacho que concluiu:
“… Assim julgo procedente a aludida exceção e, em consequência, absolvo as rés da instância de acordo com o preceituado nos artigos 288º, nº 1, al. e), 493º, nºs 1 e 2 e 494º, al. j), do Código de Processo Civil.”
Inconformado com tal decisão, recorreu o autor, rematando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1 - O presente recurso, que versa sobre matéria de direito, tem por objecto a douta Sentença de fls proferida pela Meritíssima Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Tavira proferida em 14 de Março de 2013, a qual considera procedente exceção de preterição da convenção de arbitragem e em consequência absolve as Rés da instância.
2 - A Meritíssima Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Tavira limitasse a decidir/concluir pela exceção de preterição da convenção de arbitragem constante no contrato de promessa de compra e venda da fração, sem no entanto, se debruçar sobre a nulidade do contrato de promessa de compra e venda, facto que merecia a sua atenta ponderação, e é imprescindível para se concluir ou não, pela procedência da exceção.
3 - A cláusula 10º do contrato de promessa de compra e venda da fração assinado entre Autor e Ré, nada mais é do que apenas uma promessa, (sendo ela nula), de celebração de um verdadeiro compromisso arbitral. Não podendo no entanto, esse ser considerado um compromisso arbitral em si, pese embora o mesmo esteja escrito num “papel”.
4 - Para que a cláusula arbitral seja válida, a mesma deve constar de documento escrito, mas se o contrato, fonte de obrigação, exigir forma qualificada, a cláusula não pode constar de documento que não respeite essa forma. Por equiparação, aplicam-se ao contrato de promessa as normas disciplinadoras do contrato prometido.
5 - Ora, a lei exige no art. 410º, nº 3 do C.Civil, o reconhecimento presencial das assinaturas e a certificação notarial da licença de construção ou de utilização, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel.
6 - No contrato de promessa de compra e venda outorgado, não foram cumpridas essas formalidades, e a cominação prevista na lei para a omissão de tais formalidades é a nulidade do contrato.
7 - E a verdade é que um negócio nulo não produz quaisquer efeitos e não é válido. Logo, a cláusula incerta num contrato nulo, é também ela nula, não produzindo quaisquer efeitos na esfera jurídica das partes. E a cláusula de promessa de compromisso arbitral definitivo, não poderá, igualmente produzir efeitos jurídicos.
7 - No contrato de promessa de compra e venda, intervieram como partes a empresa S... e o Autor R.... Sendo certo que, o Autor não negociou com a Ré T... qualquer cláusula de Convenção de arbitragem, mas com a Ré S... Sendo indiferente para o caso em apreço, o facto da Ré Topjam ter adquirido para si os direitos e deveres resultantes deste negócio jurídico, por os mesmos lhe terem sido passados pela Ré S.... Passagem esta a que, o Autor foi e é completamente alheio.
8 - A intenção do Autor era negociar com a Ré S... e nunca com a Ré T... Aliás o mesmo nunca autorizou a passagem dos direitos e deveres constantes daquele contrato promessa de compra e venda e nem, muito menos dessa cláusula compromissória para a Ré T...
9 - No referido contrato de promessa de compra e venda, não foi sequer definido com precisão os objectos do litígio que se submete ao Tribunal Arbitral. Dizendo-se apenas e tão somente na referida clausula que as partes acordam submeter a Tribunal Arbitral, todos os conflitos, diferendos e litígios que possam decorrer da aplicação e execução do presente contrato.
10 - O mesmo vem previsto no art. 100º, nº 4 do C.P.C., onde se pode ler “a designação das questões abrangidas pelo acordo pode fazer-se pela especificação do facto jurídico suscetivel de as originar”, sendo este um requisito de validade do pacto de competência.
11 - A competência do Tribunal Arbitral é circunscrita às questões previstas no pacto de competência e a causa de pedir e o pedido destes autos, não está prevista na alegada cláusula arbitral, não se verificando assim, a exceção alegada. Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se que V.Exªs Venerandos Desembargadores doutamente suprirão, deve a decisão constante na sentença, objeto do presente recurso ser revogada e substituída por outra que considere o tribunal competente e a não verificação da exceção de preterição de convenção arbitral.
Apenas a ré S... contra-alegou, mas agora como Massa Insolvente de S..., em virtude de ter sido declarada insolvente por sentença proferida em 15-3-2013 no Processo nº 1031/12.3TYLSB, a correr tramites no Tribunal de Comércio de Lisboa. Concluiu nos seguintes termos:
a) Por Sentença proferida em 15/03/2013, no âmbito do processo 1031/12.3TYLSB, que corre termos junto do 3.º Juízo de Comércio de Lisboa, foi decretada a Insolvência da ora Apelada;
b) Por força da Declaração de Insolvência está a ora Apelante Isenta do pagamento de custas, atento o disposto no art.º 4.º n.º 1, al. u), do Regulamento das Custas Judiciais;
c) Por Sentença proferida em 14 de Março de 2013,foi decidido, e bem no entender da ora Apelante, absolver as RRs. da instância por considerar procedente exceção de preterição da convenção de arbitragem;
d) Os Apelados não se conformando com a referida decisão, entenderam interpor o competente recurso de Apelação, alegando que o Tribunal «a quo» não apreciou a nulidade do contrato promessa de compra e venda por estes, suscitada;
e) Referem ainda os Apelados, que caso o Tribunal «a quo» tivesse analisado a questão da nulidade por estes suscitada, concluiria pela nulidade do contrato, e necessariamente pela cláusula que prevê o compromisso arbitral inserida no contrato em crise nos presentes autos.
f) Ora, salvo melhor entendimento, não assiste razão aos Apelados;
g) Tal como se refere na Douta Sentença, as rés ” vêm invocar a exceção da preterição da convenção arbitral constante do documento escrito denominado contrato-promessa celebrado entre o autor e a ré S..., S.A. que cedeu a sua posição contratual à ré T... Alegando que as partes acordaram na cláusula décima do aludido contrato em submeter a tribunal arbitral a decorrer na Câmara de Comércio e Indústria de Lisboa, caso não exista acordo quanto à localização e termos de funcionamento do mesmo, todos os conflitos, diferendos e litígios que pudessem decorrer do mesmo.»
h) Os Autores no que a esta questão diz respeito alegaram “ a nulidade de tal cláusula afirmando que a mesma é nula por falta de forma em violação do disposto no art. 410º, n.º 3 e uma vez que a assinatura aposta no referido contrato, pela sua representante, não foi reconhecida por notário. Mais alega que a referida cláusula mais não é do que a promessa de celebração de um compromisso arbitral e que da mesma não consta definido com precisão o objeto do litigio a submeter ao tribunal arbitral, pelo que é nula, ao abrigo do disposto no art. 2º, n.º 3 da LAV e art. 100º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
i) Na verdade, e tal como decorre do disposto no art.º 510.º do C.P.C., findos os articulados, caso não haja lugar à convocação de audiência preliminar, o Juiz deve conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes.
j) O que se passou nos presentes autos;
k) No entendimento do Mm.º Juiz «a quo» no caso em apreço atento o ambiente legislativo e regulamentar em vigor (que cada vez propende mais para a resolução de conflitos na área imobiliária pela via arbitral) as expressões utilizadas na aludida cláusula e o facto do autor residir no estrangeiro, seguindo a teoria da impressão do destinatário, não ficam dúvidas de que as partes quiseram submeter qualquer litígio relacionado com o contrato em causa (e não a uma promessa de celebração de um compromisso arbitral, como pretende o autor), nomeadamente com a sua resolução, à jurisdição arbitral.
l) Pelo que necessariamente teria de concluir da forma como concluiu, ou seja, Pese embora a primeira ré não tenha assinado o referido contrato, o que é certo é que assumiu as obrigações da segunda ré respeitantes ao cumprimento do mesmo, sucedendo na sua posição de acordo com o disposto no art. 424º do Código Civil, pelo que o “compromisso arbitral” lhe é vinculativo - neste sentido veja-se também o decidido no acórdão do STJ datado de 08.09.2011, relatado por João Bernardo, proc. 3539/08.6TVLSB.LL.S1, disponível em www.dgsi.pt. Em face de tudo o que se expôs e considerando que a referida cláusula obedece à forma escrita (nada mais se exigindo que isso), entende o tribunal que efetivamente assiste razão aos réus e que, em face do pedido do autor, se verifica a exceção dilatória da preterição de convenção arbitral.”
m) Entende a Ré que a Douta Sentença não merece qualquer censura, pelo que deve a mesma ser mantida.

A decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
a) Por documento escrito datado de 30 de Março de 2007, a ré S..., Lda. e R..., residente no estrangeiro e representado no ato por A..., acordaram que a primeira prometia vender à segunda, que prometia comprar, a fracção autónoma identificada pela letra... a construir no edifício..., sito na freguesia de Cabanas de Tavira e registado na Conservatória de Registo Predial de Tavira sob o n.º 00636/030806, mediante o preço de € 270.000,00 (duzentos e setenta mil euros);
b) No aludido documento as partes fizeram constar uma cláusula décima com o seguinte teor: “As partes acordam em submeter a tribunal arbitral a decorrer junto da Câmara de Comércio e Indústria de Lisboa, caso não exista acordo quanto à localização e termos de funcionamento do mesmo, todos os conflitos, diferendos e litígios que possam decorrer da aplicação ou execução do presente acordo”.
c) Por escritura pública datada de 27.09.2007, a ré S..., Lda. vendeu à ré T..., Lda. o prédio urbano para construção,... sito em Fortaleza, na freguesia de Cabanas de Tavira e registado na Conservatória de Registo Predial de Tavira sob o n.º 00636/030806, onde se incluía a fração prometida vender ao autor;
d) No âmbito da referida escritura pública declarou a ré S..., Lda. que “a venda é feita livre de ónus ou encargos, exceto quanto à obrigação de realização dos contratos prometidos por contratos promessa de compra e venda celebrados” por si e por sua vez a ré T..., Lda declarou que “tem perfeito conhecimento de que já foram validamente celebrados pela vendedora alguns contratos promessa de venda de frações autónomas de edifícios a construir sobre os lotes de terreno ora adquiridos, que se compromete a cumprir”.
e) O que foi comunicado ao autor por carta datada de Janeiro de 2008 remetida pela ré S... Lda., nos seguintes termos: “refletindo a séria crise que afeta o sector imobiliário em Portugal, nomeadamente a forte retração nas vendas de apartamentos, atravessa no presente uma também muito séria crise financeira que a tem impossibilitado de fazer face aos seus compromissos. Assim, viu-se obrigada a alienar á firma T... S.A., os Lotes... da Aldeia Formosa onde se encontra a fração prometida vender a V.Exa. A S... não tem assim qualquer possibilidade de manter os termos do contrato promessa celebrado com V.Exas., nem de devolver, mesmo em singelo, os valores recebidos. Por outro lado, no momento da venda desses Lotes, cuidou a S... de garantir que a empresa adquirente respeite os termos do contrato celebrado entre V.Exas. e a S..., nomeadamente continuando os mesmos com V.Exas. em termos de se manterem os preços e as características das frações. Nesse sentido e independentemente da N. disponibilidade de podermos continuar a colaborar com V.Exas. no que necessitarem, deverão ser brevemente contactados por essa empresa com vista a serem renegociados os contratos promessa celebrados.
f) O autor pede, pela presente ação, que seja declarado resolvido o contrato referido em a) e sejam as rés condenadas a devolver-lhe, em dobro, as quantias por si pagas a título de sinal, em virtude do incumprimento definitivo por parte das mesmas.
xxx
Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657 nº4 do Código de Processo Civil.
Cumpre apreciar e decidir:
De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. a título de exemplo os Acórdãos do S.T.J. de 2/12/82, BMJ nº 322, pág. 315; de 15/3/2005, Proc. nº 04B3876; de 11/10/2005, Proc. nº 05B179; de 25-5-2010, Proc. nº 8254/09.0T2SNT.L1.S1; e de 30-6-11, Proc. nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, todos publicados nas Bases de Dados Jurídicos do ITIJ), o âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da alegação do recorrente pelo que só abrange as questões aí contidas, como resultava do art. 684 nº3 do Cód. Proc. Civil e continua a resultar das disposições conjugadas dos arts. 635 nº 4 e 637 nº2 do N. Cód. Proc. Civil.

Nesta conformidade, o recorrente coloca à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
- O pedido do autor está incluído na Cláusula Decima do contrato promessa de compra e venda celebrado ente aquele e a ré S..., que versa submeter ao Tribunal Arbitral os conflitos e diferendos decorrentes do contrato firmado (?)
- Para que a cláusula arbitral seja válida, a mesma deve constar de documento escrito, mas se o contrato, fonte de obrigação, exigir forma qualificada, a cláusula não pode constar de documento que não respeite essa forma (?)
xx
Comecemos pela última questão.
O contrato promessa de compra e venda celebrado entre o autor e a ré S... teve lugar em 30 de Março de 2007, nesta conformidade a convenção arbitral fixada pelas partes na cláusula décima daquele contrato será apreciada ao abrigo da Lei n.º 31/86 de 29 de Agosto, que aprovou a Lei da Arbitragem Voluntária (adiante referida como LAV), tendo presente as disposições conjugadas dos arts. 4 nºs 1, 2 e 3 e 5º nº1 da Lei n.º 63/2011, de 14.12.
Nos termos do nº1 do artigo 1º da Lei 31/86 “Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros”. Definindo o nº2 do mesmo artigo os tipos de convenção de arbitragem possíveis.
Assim, nos termos desta norma, a convenção arbitral pode consistir num compromisso arbitral – que tem por objeto um litígio atual, ainda que se encontre afeto a tribunal judicial – e pode consistir numa cláusula compromissória – que tem por objeto litígios futuros eventuais que venham a surgir numa determinada relação jurídica.
No caso dos autos, perante a definição contida na norma do nº2 do art. 1º da Lei 31/86 de 29 de Agosto, a cláusula décima do contrato promessa celebrado constitui uma cláusula compromissória que, no acordo celebrado entre as partes, atribuiu competência ao tribunal arbitral para o caso de surgirem futuros eventuais conflitos.
Ora a competência do tribunal arbitral vem tratada no artigo 21º nº1 da LAV, que estatui: “O tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção”. Dispondo o n.º 2 do mesmo artigo que a nulidade do contrato em que se insira uma convenção de arbitragem não acarreta a nulidade desta, salvo quando se mostre que ele não teria sido concluído sem a referida convenção.
Sendo assim, a alegação da apelante de que o contrato promessa de compra e venda outorgado é nulo porque não foram cumpridas as formalidades formais do contrato prometido, não procede nesta sede. E não procede igualmente a alegação de que a cláusula incerta num contrato nulo, é também ela nula, não produzindo quaisquer efeitos na esfera jurídica das partes.
Como decidiu o Acórdão de 15-12-2011 do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. nº 316/10.8YXLSB.L1-2, publicado em http://www.dgsi.pt, “a inexistência ou invalidade de uma convenção arbitral não afasta a competência do tribunal arbitral – e a, necessariamente antecedente, sua jurisdição – pois que, há uma única questão para a qual o tribunal arbitral tem, apesar da falta ou invalidade dessa convenção, jurisdição: é para avaliar sobre a sua própria competência. Trata-se do princípio – estruturante - da competência da competência do tribunal arbitral, nos termos do qual este tem competência (e a jurisdição antecedente) para decidir a respeito da sua própria competência. Desde há muito que é reconhecida ao tribunal arbitral a competência para se pronunciar sobre a sua própria competência, o que vem sendo referido como o princípio da competência da competência, na sua vertente positiva. Trata-se de impedir a invocação da nulidade da convenção arbitral como expediente de desaforamento do tribunal arbitral”.
Com efeito, à parte não interessada na jurisdição do tribunal arbitral seria muito fácil obter tal desaforamento bastando, afinal, invocar a nulidade da convenção arbitral. Este reconhecimento (da competência sobre a competência) é, aliás, essencial para que a parte interessada em prolongar a resolução do litígio consiga, com esta invocação, mesmo que sem fundamentos, desaforar o tribunal arbitral - Mariana França Gouveia, «A manifestação do Consentimento na Convenção de Arbitragem», 2002, pág. 115.
É a teoria de “kompetenz-kompetenz”, que é, aliás, comum aos tribunais judiciais, pois que estes também têm competência para declarar se eles próprios têm competência – ob. Cit. pág. 116.
E a LAV acolhe este princípio da competência da competência, no seu art. 21º/1, ao preceituar: «O tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção».
E na sequência deste entendimento, responde-se à 1ª questão supra sumariada – se o pedido do autor está incluído na Cláusula Decima do contrato promessa de compra e venda celebrado ente aquele e a ré S..., que versa submeter ao Tribunal Arbitral os conflitos e diferendos decorrentes do contrato firmado.
Voltando ao art. 1º da LAV encontramos no seu nº1 o seguinte: “Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros”. E no nº2 o seguinte: “A convenção de arbitragem pode ter por objeto um litígio atual, ainda que se encontre afeto a tribunal judicial (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória)”.
A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes num con­trato se comprometem a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, rela­tivamente a tal contrato. "A posição das partes ao celebrarem a cláusula compromissória é de partes em colaboração. O que ambas buscam, nesse momento, é criar um meca­nismo que seja aplicável à solução de suas controvérsias, se e quando estas venham a surgir. As partes têm de estar a agir de acordo com o princípio da boa fé porque está inerente à conclusão da cláusula compromissória a ideia de colaboração entre as partes signatárias e de identidade de propósitos que se traduzem na intenção de utilizarem a arbitragem quando vierem a surgir controvérsias” - Acórdão de 28-10-2010 do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. nº 357/10.5YRLSB-8, publicado em http://www.dgsi.pt
A convenção de arbitragem tem de obedecer às normas dos números 1, 2 e 3 do artigo 2º da LAV. Em primeiro lugar, tem de ser reduzida a escrito. Em segundo lugar, a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respei­tem. A convenção considera-se reduzida a escrito quando conste de documento assinado pelas partes.
Analisando o contrato junto aos autos não restam dúvidas sobre a redução a escrito da cláusula compromissória e a especificação de que “as partes acordam em submeter ao tribunal arbitral … todos os conflitos, diferendos e litígios que possam decorrer da aplicação ou execução do presente acordo”.
Diz a recorrente que a clausula “Não concretizando esses conflitos, diferendos e litígios é nula (art. 2º, nº 3 da LAV)”.
Face ao que temos vindo a expor, não aceitamos tal interpretação.
A norma do nº3 do art. 2º da LAV é clara e expressa ao dizer “a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem”.
As partes acordaram que quando surgissem litígios os submetiam a tribunal arbitral, convencionaram por isso o bastante para expressar a sua vontade.
De qualquer modo, como atrás se deixou dito, a análise da validade e alcance desta convenção sempre caberia em primeiro lugar ao tribunal arbitral nos termos do art. 21 nº1 da LAV.
Com efeito, esta norma, relativa à competência do tribunal arbitral, atribui a este a primazia para apreciação da sua própria competência, devendo, por isso, o tribunal judicial abster-se de fazer essa apreciação, a não ser que a convenção de arbitragem se mostre manifesta e inequivocamente inválida, ineficaz ou inaplicável (como decorre do artigo do artigo 12º nº4 da LAV).
Mas se assim não acontecer, se a convenção de arbitragem não for manifestamente nula, ou inaplicável, apresentando um mínimo de plausibilidade, não caberá ao tribunal judicial apreciar a sua validade, eficácia ou aplicabilidade, competindo tal decisão ao tribunal arbitral (cfr do STJ 10/03/2011, p.5961/09.1 e 20/01/2011, p.2207/09.6, em www.dgsi.pt).
Ora no caso dos autos, não se verifica a manifesta invalidade ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem contida na cláusula décima do contrato promessa de compra e venda, verificando-se, sim, a sua conformidade com o nº3 in fine do art. 2º da LAV.

DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
(Texto escrito e revisto pela relatora, que assina e rubrica as restantes folhas)
Évora, 30-1-2014
Relatora: Des. Assunção Raimundo
1º Adjunto: Des. Sérgio Abrantes Mendes
2º Adjunto: Des. Luis Mata Ribeiro