Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO AMARO | ||
Descritores: | CRIME DE PERSEGUIÇÃO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
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Data do Acordão: | 11/05/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I - O crime de “perseguição” tem como elementos constitutivos: - A ação do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio (direto ou indireto); - A adequação da ação a provocar na vítima medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; - A reiteração da ação. Exige-se ainda o dolo do agente, em qualquer das suas modalidades. II - A “perseguição” (ou “stalking”) é um padrão de comportamentos persistentes, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Tais comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (como, por exemplo, oferecer presentes constantemente, telefonar insistentemente), ou mesmo em ações inequivocamente intimidatórias (como, por exemplo, seguir a vítima constantemente - a pé ou em veículo automóvel -, enviar repetidas mensagens de telemóvel com conteúdo persecutório e/ou “ameaçador”, enviar correspondência escrita de idêntico conteúdo, etc.). III - Pela sua persistência e contexto de ocorrência, este padrão de conduta pode assumir tal frequência e severidade que afete não só o “bem-estar” das vítimas, como, mais do que isso, lhes cause medo ou inquietação ou as prejudique na sua liberdade de determinação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 17/16.3GBRMZ, do Juízo de Competência Genérica do Redondo, e mediante pertinente sentença, foi decidido: “- Condenar o arguido EE pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de perseguição, previsto e punido nos termos do artigo 154.º-A, n.ºs 1, 3, e 4, do Código Penal, na pena de 230 dias de multa, à taxa diária de 7,00 €, num total de 1610,00 € (mil seiscentos e dez euros). - Condenar o arguido EE na pena acessória de proibição de se aproximar ou contactar, por qualquer meio, com a ofendida MJ, ou da sua residência ou local de trabalho, pelo período de 1 ano e 6 meses, fiscalizada pelo mecanismo de teleassistência, nos termos dos artigos 20.º, n.º 4, 35.º e 36.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro. - Condenar o demandado EE a pagar à demandante MJ uma indemnização no valor de 1200,00 € (mil e duzentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal (4%), contados desde a notificação da sentença até integral pagamento, nos termos dos artigos 559.º, 804.º, 805.º, n.º 3, e 806.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil. - Condenar o arguido EE nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3UC's (artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e respetiva tabela III anexa). - Condenar a demandante MJ e o demandado EE no pagamento das custas cíveis, na proporção do decaimento (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 607.º, n.º 6, ambos do Código de Processo Civil)”. * Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, formulando na respetiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “1. O recurso vem interposto da, aliás, douta sentença, que condenou o arguido pela prática de em autoria material e na forma consumada, de um crime de perseguição, previsto e punido nos termos do artigo 154.º-A, n.ºs 1, 3, e 4, do Código Penal, na pena de 230 dias de multa, à taxa diária de 7,00 €, num total de 1610,00 € (mil seiscentos e dez euros); 2. E na pena acessória de proibição de se aproximar ou contactar, por qualquer meio, com a ofendida MJ, ou da sua residência ou local de trabalho, pelo período de 1 ano e 6 meses. 3. Bem como condenar o demandado EE a pagar à demandante MJ uma indemnização no valor de 1200,00 € (mil e duzentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal (4%), contados desde a notificação da sentença até integral pagamento. 4. O recorrente não se conforma com a convicção do tribunal “a quo” baseada quer nas declarações da Assistente, quer no depoimento das testemunhas, pelos motivos que irá expor. 5. Face às declarações das referidas Assistente e testemunhas, o arguido não se conforma com a decisão do tribunal “a quo” na sua condenação, pedindo a reapreciação da mesma. 6. O Tribunal considerou provados os seguintes factos: 7.1) O arguido EE e a ofendida MJ viveram durante aproximadamente um ano – entre 2012 e Dezembro de 2013 –, na Rua X… Aldeias de Montoito, como se de marido e mulher se tratassem. 8.2) Em Dezembro de 2013 deixaram de viver juntos na mesma casa, mas continuaram a namorar e a encontrarem-se. 9.3) Nessa altura, a ofendida passou a residir na Rua Y…, Aldeias de Montoito. 10.4) Em data não concretamente apurada do ano de 2015, a ofendida descobriu que o arguido tinha um relacionamento amoroso com uma outra mulher e por isso terminou a relação com o arguido. 11.5) Porém, o arguido não aceitou o fim da relação e por isso continuou a procurar a ofendida para se encontrar com ela. 12.6) sempre que o arguido não encontrava a ofendida em casa ou no trabalho, telefonava-lhe e enviava-lhe mensagens de SMS a querer saber onde é que ela estava e o que estava a fazer. 13.7) se a ofendida não atendesse as chamadas ou não respondesse às mensagens que ele insistentemente lhe enviava, o arguido dizia-lhe que ia telefonar ao pai dela, ou mesmo ir à sua casa, para lhe perguntar onde é que ela estava. 14.8) por diversas vezes, o arguido telefonou ao pai da ofendida quando ela não lhe atendia as chamadas, tendo chegado a fazê-lo durante a noite. 15.9) O arguido sabia que o pai da ofendida se encontrava bastante doente e não podia enervar-se. 16.10) Sabia também que a ofendida nutria um grande afeto pelo seu pai. 17.11) Ao anunciar à ofendida que ia telefonar ao seu pai, o arguido visava constranger a ofendida a atender-lhe as chamadas telefónicas. 18.12) Depois de a ofendida ter iniciado uma relação amorosa com outra pessoa, em finais de 2015, o arguido continuava a passar frente à residência da ofendida para saber se ela lá estava. 19.13) No dia 20 de Janeiro de 2016, pelas 21:00 horas, a ofendida dirigiu-se de carro até Reguengos de Monsaraz para se encontrar com o seu namorado, tendo o arguido seguido atrás dela, conduzindo o veículo de matrícula -VD. 20.14) Apercebendo-se que estava a ser seguida pelo arguido, a ofendida dirigiu-se para a casa da sua amiga VS, na Rua de Moçambique, em Reguengos de Monsaraz, tendo o arguido seguido atrás e estacionado nessa rua, permanecendo sempre dentro da viatura. 21.15) Após algum tempo, quando a ofendida regressou à viatura para voltar para casa, o arguido iniciou a marcha e voltou a seguir atrás da ofendida até ao momento em que a ultrapassou antes de chegar a Aldeias de Montoito. 22.16) No dia 1 de Fevereiro de 2016, o arguido dirigiu-se à residência da ofendida, exigindo que ela lhe entregasse uma televisão e umas botas de senhora que lhe tinha oferecido. 23.17) Nesse mesmo dia, pelas 13:00 horas, o arguido enviou do seu telemóvel com o n.º 962.... uma mensagem de SMS para a ofendida que dizia: “eu não tenho medo de ti nem de ninguém”. 24.18) E às 14:39 horas enviou-lhe a seguinte mensagem de SMS: “até ao final da semana 60 da TV ou TV, e falta 60 da canita, já não o resto, o resto fica pra ti mais pro drogado para jantares, não tenho medo de ninguém”. 25.19) No dia 2 de Fevereiro de 2016, às 00:09 horas, o arguido enviou-lhe as seguintes mensagem de SMS: “quero também a máquina da ginástica também, o xulo que te compre uma” e “isto é a boa mente se for a mal e bem pior, eu não tenho medo de ti nem do teu namoradinho” 26. 20) O arguido não aceitava que a ofendida tivesse um relacionamento amoroso com outra pessoa. 27. 21) O arguido passava em frente à residência da ofendida em Aldeias de Montoito e frequentava os locais onde a mesma se encontrava para que ela o visse e sentisse medo e inquietação, o que conseguiu. 28. 22) Com a conduta acima descrita, o arguido quis provocar medo e inquietação na ofendida e na sua família, levando-a a alterar as suas rotinas diárias, o que conseguiu. 29. 23) Com a conduta acima descrita, o arguido limitou a liberdade pessoal e de deslocação da ofendida ao fazê-la sentir-se vigiada e perseguida. 30. 24) Atuou sempre o arguido com o propósito concretizado de constranger a ofendida, de lhe incutir terror permanente, de lhe limitar a sua liberdade pessoal e de movimentos, e de a molestar psicologicamente, bem como com o intuito conseguido de levá-la a sentir-se vigiada e perseguida. 31. 25) Agiu o arguido de forma livre, consciente, e deliberada, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação 32.26) Em consequência da conduta do arguido, a ofendida passou a ter medo de viajar de carro, sozinha, e de sair à rua sozinha com medo de encontrar o arguido. 33. 27) A ofendida deixou de ir a festas em locais públicos com medo de encontrar o arguido. 34. 28) Durante o tempo da duração dos factos e mesmo depois da instauração do inquérito, a ofendida teve dificuldades em adormecer e teve de recorrer a medicação para dormir. 35. 29) A conduta do arguido causou medo, inquietação, e angústia na ofendida. 36. 30) O arguido tem o 7º ano de escolaridade. 37. 31) É trabalhador agrícola e aufere 730,00 € por mês. 38. 32) Vive em casa própria com o filho de 18 anos de idade, estudante. 39. 33) A mãe do seu filho não se encontra a pagar a pensão de alimentos. 40. 34) Encontra-se a pagar o empréstimo para aquisição de habitação cuja prestação mensal é de 120,00 € 41. 35) O arguido não tem antecedentes criminais registados. 42. Analisada a prova produzida em audiência de julgamento a conclusão a que chegamos é outra. 43. A convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, alicerçou-se na articulação de todos os meios de prova disponibilizados nos autos, devidamente combinados com as regras de experiência comum, bem como nas declarações do arguido, nas declarações da assistente, e nos depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento. 44. O Arguido prestou declarações e admitiu ter vivido com a assistente em condições análogas às dos cônjuges durante cerca de um ano e meio. 45. Em 2015, por altura do Verão, deixaram de viver juntos mas continuaram a namorar e a encontrarem-se. 46. Por isso nega todos os factos que lhe são imputados na acusação. 47. Reconhece que possa ter sido visto várias vezes a passar junto à residência da assistente em Aldeias de Montoito, mas explicou que isso se ficava a dever ao facto de os seus pais residirem numa rua muito próxima da casa da assistente e de cada vez que os ia visitar tinha de passar em frente à casa da assistente. 48. Referiu também, que todas as outras vezes em que se deu a casualidade de se encontrar no mesmo local onde também estava a assistente não passaram de meras coincidências. 49. Uma dessas vezes foi quando o arguido teve de vir a Reguengos de Monsaraz tratar de assuntos pessoais e calhou ter vindo atrás do carro da assistente e estacionado na mesma rua onde ela também deixara a sua viatura. 50. Negou que tivesse vindo a segui-la; tanto assim que depois de ter estacionado o carro foi tratar dos seus assuntos. 51. Deu-se depois uma nova coincidência, que foi a de terem regressado a Aldeias de Montoito praticamente ao mesmo tempo. Quando se preparava para iniciar a marcha, notou que tinha parado um carro da GNR junto da viatura da assistente, mas não soube do que é que se tratava. Durante a viagem de regresso, o arguido acabou por ultrapassar o carro da polícia e também a viatura da assistente. Mais tarde resolveu passar junto à casa da assistente, para tentar saber o que se tinha passado, mas deparou-se novamente com a GNR, que lhe deu ordem para prosseguir a marcha. 52. Em relação às mensagens de SMS que vêm descritas na acusação, o arguido reconheceu que o número de telemóvel que lá vem indicado corresponde ao seu e explicou que as mensagens estavam relacionadas com o facto de ter pago as despesas com o veterinário de uma cadela da assistente e com uma televisão e uma máquina de ginástica que lhe tinha emprestado para ela ter em casa e que agora queria que lhe fossem devolvidas. Em suma, de acordo com a versão do arguido tudo não tinha passado de meras coincidências. 53. A assistente MJ, confirmou que, de facto, continuou a namorar com o arguido depois de terem deixado de viver juntos. 54. Ao fim de algum tempo, descobriu que o arguido tinha um relacionamento com outra pessoa e terminou a relação. No entanto, continuaram a sair juntos e a assistente acabou por se tornar numa confidente do arguido. 55. Com o passar do tempo notou que o arguido queria que ela estivesse sempre disponível para ele, apesar de ela não querer mais encontrar-se com ele. Então, a assistente deixou de atender aos seus telefonemas e de responder às suas mensagens. 56. O resultado, porém, não foi o esperado, visto que o arguido persistiu no propósito de se encontrar com a assistente sempre que quisesse. Foi então que começaram as mensagens e os telefonemas incessantes, a querer saber onde é que a assistente estava e o que estava a fazer sempre que o arguido não via o carro dela estacionado à porta de casa ou no seu local de trabalho, a tal ponto que a assistente teve a nítida perceção que estava a ser vigiada pelo arguido. Referiu que nessa altura se encontrava bastante vulnerável pelo facto de o seu pai, entretanto falecido, se encontrar bastante doente e a necessitar de cuidados permanentes da família, tendo o arguido aproveitado essa circunstância para constranger a assistente a atender-lhe as chamadas, já que, se ela não o fizesse, ele iria telefonar para o seu pai – como chegou a fazer, mesmo durante a noite, nem que fosse só para dizer que se tinha enganado no número –, sabendo que isso o iria deixar bastante perturbado. Durante meses, foram vários os dias em que o arguido lhe ligava incessantemente só para saber onde é que ela estava e depois surpreendia-a nos locais que ela costumava frequentar, interrogando-a sobre o que é que ela estava ali a fazer. 57. A assistente referiu que situações dessas aconteceram mesmo quando ela ia apenas ao supermercado ou a festas que decorriam em espaços públicos. A situação ganhou outros contornos quando, em meados de Janeiro de 2016, a assistente veio, ao final do dia, a Reguengos de Monsaraz, para se encontrar com o seu namorado, e apercebeu-se, a determinada a altura da viagem, que vinha um carro a circular atrás de si com as luzes apagadas. 58. Ao chegar à localidade de Caridade, a assistente contornou a rotunda e foi então que constatou que era o arguido que vinha atrás de si. Sabendo que estava a ser seguida, a assistente ligou para a sua amiga Vânia Serra, de Reguengos de Monsaraz, a contar-lhe o que se estava a passar e dirigiu-se para a casa dela, tendo estacionado a sua viatura na rua do Centro de Saúde. O arguido chegou quase ao mesmo tempo e estacionou a viatura na mesma rua, tendo permanecido dentro da viatura. Depois de ter entrado na casa da sua amiga, as duas arranjaram forma de a assistente conseguir sair pelas traseiras, para se encontrar com o seu namorado, sem que o arguido se desse conta. Durante o tempo que se seguiu, o arguido nunca saiu de dentro da viatura e esteve a telefonar e a mandar mensagens para a assistente, a querer saber com quem é que ela estava. 59. Depois deste episódio, referiu a assistente que o arguido voltou à sua casa, para lhe pedir a devolução de uma televisão que ele lhe tinha emprestado e de umas botas que lhe tinha oferecido, pedindo-lhe também que lhe restituísse o dinheiro que ele gastou no veterinário com o tratamento de uma cadela que a assistente tinha. 60. O Tribunal fundou a sua convicção sobre os factos provados essencialmente com base nas declarações da assistente, que se afiguraram sérias e credíveis. A credibilidade da sua versão foi confirmada pelo testemunho dos dois militares da GNR que, ao chegarem à rua do centro de saúde onde estavam estacionadas as viaturas da assistente e do arguido, viram que o mesmo se encontrava no interior da sua viatura, comprovando-se assim a versão da assistente e da testemunha RS de que o arguido tinha ficado o tempo todo dentro da viatura desde que chegara a Reguengos de Monsaraz. 61. Assim, da conjugação das declarações da assistente e dos depoimentos das testemunhas, e ainda com o auto de transcrição das mensagens de SMS a fls. 69 e 70, o Tribunal formou a convicção de que o arguido seguiu efetivamente a assistente até Reguengos de Monsaraz no dia 20 de Janeiro de 2016, com o propósito de a vigiar, e que, desde que terminou a relação com a assistente, em finais de 2015, o arguido continuou a telefonar insistentemente e a mandar mensagens de SMS para a assistente e familiares próximos, sabendo que isso a incomodava e a deixava perturbada. 62. Por todo o exposto, é forçoso concluir que a versão relatada pela assistente apresentou coerência com as várias circunstâncias objetivas que rodearam a ocorrência desses factos. 63. Por todo o exposto, deu o Tribunal como provados os factos da acusação pública com base no depoimento da assistente, conjugado com os depoimentos das testemunhas. 64. Relativamente ao pedido de indemnização civil deduzido pela demandante, o Tribunal atendeu às suas declarações, já que as mesmas se revelaram credíveis. As testemunhas RS, VS, ajudante de cozinha, amiga da demandante, e SC, doméstica, amiga da demandante, confirmaram que a demandante recebia vários telefonemas e mensagens do demandado a querer saber onde é que ela estava, causando-lhe medo e perturbação. As testemunhas VS e SC referiram que o demandado ameaçava que ligava ao pai da demandante caso ela não lhe atendesse as chamadas, sendo que ele sabia que o pai da demandante se encontrava bastante doente. As testemunhas também referiram que a demandante tinha medo de conduzir e de sair de casa sozinha por recear que o demandado voltasse a persegui-la, o que se compreende face aos factos da acusação dados como provados. A demandante, por sua vez, declarou ter tido dificuldades em dormir mesmo depois de ter mudado de residência para Reguengos de Monsaraz e de o arguido ter sido apresentado a primeiro interrogatório judicial de arguido detido visto que o aparelho de vigilância eletrónica que lhe tinham dado chegou a apitar algumas vezes. 65. Parece-nos, na nossa modesta opinião, que o Tribunal a quo não poderia ter decidido como decidiu, pois, analisando os depoimentos onde o Tribunal fundou a sua convicção, não é possível concluir, com a certeza exigível, que o Arguido tenha praticado atos que possam consubstanciar o crime em apreço. 66. Para tal basta recordar as alegações da digníssima Procuradora do Ministério Publico em sede de alegações, ao minuto 3:45: “o Ministério Público tem alguma dúvida quanto à qualificação criminal da conduta do arguido, não deixa de ter algumas dúvidas quanto à qualificação deste crime, não deixa de ser um crime recente ao nível do nosso ordenamento jurídico; assim sendo, o Ministério Público entende e acredita que V. Exª, aquando da sentença, terá em conta a prova aqui produzida. Ainda assim, caso este crime não esteja preenchido…”. 67. O que, efetivamente, não está. 68. Pois o tribunal, posteriormente e já no final da Audiência de Discussão e Julgamento, 69. Efetuou uma alteração não substancial dos factos, nos termos do art.º 358º do CPP, o que originou à inclusão de novos factos na acusação, nomeadamente os factos como provados nos pontos 4 a 12. Sendo certo que: 70. Todos estes alegados factos novos tiveram origem apenas nas declarações da Assistente durante a Audiência de Discussão e Julgamento, não sendo corroborados por quaisquer outras testemunhas; acontece que, em virtude do facto de ser Assistente e de estar vinculada e declarar a verdade, não presta juramento, o que origina um vasto e original discurso, discurso este que, estranhamente, teve apenas acolhimento pelo Meritíssimo Juiz, senão veja-se: 71. Nunca o arguido, nas suas declarações, disse, e nem podia dizer, que tinha um relacionamento com outra mulher, porque, e em nome da verdade, não tinha. Sendo este o motivo alegado pela Assistente para terminar o namoro com o Arguido. 72. Mais: refere agora a Assistente que o Arguido não aceitou o fim do namoro, o que é falso, uma vez que foi a Assistente que desenvolveu outro relacionamento amoroso, sem ter terminado o namoro com o Arguido, sendo verdade que o Arguido apenas soube da existência do novo relacionamento da Assistente em 20 de Janeiro de 2016. 73. Ora, não existe, assim, qualquer explicação lógica e racional para o facto de o Arguido alegadamente “controlar a vida” da Assistente, quer efetuando telefonemas, quer enviando mensagens. Uma vez que julgava ter um normal relacionamento amoroso com a Assistente. 74. Mais estranho nos parece o facto de não existirem as transcrições das referidas mensagens no processo, ao contrário de outras. 75. Importa salientar que, em todo este processo, que teve início em Fevereiro de 2016, nunca a Assistente referiu estes factos, pois, se tal tivesse referido, os mesmos estariam na acusação, o que não aconteceu. Mais: durante este período, foram apresentas várias queixas pela Assistente contra desconhecidos, relativas a factos da vida da Assistente, aos quais o Arguido é totalmente alheio, tendo sido todas as queixas arquivadas pelo Ministério Público; contudo, e perante todas as investigações por parte do Ministério Público, a Assistente continua inexplicavelmente a culpabilizar o Arguido, sendo o mesmo totalmente alheio aos factos. 76. Também é notório em todo o depoimento da Assistente, 77. Que a mesma sofre de grave problema psiquiátrico, aliás, corroborado pela própria, e pelas testemunhas RS e VS, até, mais, que a Assistente é acompanhada em consultas de Psicologia. 78. Assim, só podemos concluir que existiu, por parte da Assistente, a criação de uma nova história, e de novo factos, anteriores ao dia 20 de Janeiro de 2016, claramente com o objetivo de incriminar o Arguido, dando um maior impulso para a condenação do arguido. Não sendo a mesma fundamentada em qualquer prova, para além do depoimento da Assistente. 79. Portanto, o Julgador errou ao incluir estes novos factos na acusação, bem como ao dá-los como provados nos pontos 4 a 12. 80. Portanto, na dúvida, sendo este um facto fulcral para apurar da responsabilidade do Arguido, o Julgador sempre teria que o considerar em benefício do mesmo, no respeito pelo princípio in dubio pro reo. 81. Assim, os factos 4 a 12 foram incorretamente julgados como provados, pelo que deverão considera-se como factos NÃO PROVADOS. 82. O Tribunal a quo, ao dar como provados os factos 4 a 12, nas versões que constam da fundamentação da sentença, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do CPP. 83. Assim, ao dar como provados factos que não resultam da prova produzida em audiência de julgamento, o tribunal a quo violou, ainda, o disposto no nº 1 do artigo 355º do CPP, pois, de acordo com a norma, não valem em julgamento, nomeadamente para efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas na audiência. 84. Quantos aos factos dados como provados nos pontos 14 a 19 pelo tribunal “a quo”, compreendidos entre o dia 20 de Janeiro e 2 de Fevereiro de 2016, os mesmos, incluindo as mensagens transcritas no processo, traduzem apenas e só a vontade do Arguido em terminar o relacionamento amoroso, bem como ser ressarcido de valores pecuniários e bens que tinha emprestado à Assistente. 85. Ora, tais condutas por parte do Arguido, que se encontra acusado do crime de Perseguição p. e p. no art.º 154-A, nº 1, do Código Penal, não podem e não devem ser tipificadas como um crime de Perseguição, uma vez não se encontram preenchidos os respetivos pressupostos. O artigo 154.º-A, n.º 1, do Código Penal estatui que “quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal”. 86. Visa-se proteger com esta incriminação um bem jurídico complexo que abrange a saúde psíquica e mental, a liberdade de decisão (formação) e de realização da vontade. A perseguição e o assédio reiterados, ao darem a perceção de que a vítima está sob vigilância permanente e de que todos os seus passos estão a ser controlados, provocam um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa perseguida que afetam, naturalmente, a sua paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade. Por isso que a perseguição é um crime de perigo contra a paz interior. 87. Ora, dos autos resultou provado que o arguido e a ofendida viveram em condições análogas às dos cônjuges durante cerca de um ano, entre 2012 e 2013. Deixaram de viver juntos em Dezembro de 2013 mas continuaram a namorar e a encontrarem-se. A relação amorosa terminou em definitivo em20 de Janeiro de 2016,quando o Arguido soube do novo relacionamento da Assistente, e não quando a ofendida alegadamente descobriu que o arguido tinha um relacionamento amoroso com uma outra mulher, o que é falso. O arguido aceitou o fim da relação e apenas tentou ser ressarcido de valor e bens que tinha entregado à Assistente. 88. Assim, não se pode considerar os factos da matéria julgada por provada. 89. Há, apenas, por parte do Arguido, o término do relacionamento e a tentativa de reaver os seus bens, não existindo qualquer comportamento o propósito de provocar medo e inquietação na ofendida e de prejudicar ou limitar os seus movimentos e a sua liberdade de pessoal, tanto mais que o Arguido apenas contactou a Assistente nos dias 1 e 2 de Fevereiro de 2016. 90. Mais, em nome da verdade, e o Julgador deveria ter tido em atenção, o que ignorou, verifica-se o facto de, quer o Arguido quer a Assistente, terem vivido durante este período de tempo numa pequena aldeia, Aldeia de Montoito, o que faz com que, casualmente, se tivessem encontrado, ao contrário do que sucederia caso vivessem numa grande cidade. 91. Pois não se encontram, assim, preenchidos os elementos objetivos do crime de perseguição por que foi o Arguido acusado. 92. Nunca o arguido atuou, e nem quis atuar, com o propósito concretizado de constranger a Assistente, de lhe incutir terror, de lhe limitar a sua liberdade pessoal e de movimentos, e de a molestar psicologicamente; assim, o elemento subjetivo do tipo também não se mostra preenchido, pois o arguido nunca esteve ciente que provocava medo e inquietação na Assistente. 93. Por conseguinte, não se encontram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime pelo qual foi acusado, apenas se podendo concluir que o arguido não praticou um crime de perseguição. 94. Com a fundamentação supra exposta, deve o Arguido ser ABSOLVIDO de um crime de Perseguição, p. e p. pelo artigo 154-Aº, nº 1, do C.P., em que foi condenado. 95. Relativamente ao pedido cível, decidiu o Tribunal: 96. “Condenar o demandado EE a pagar à demandante MJ uma indemnização no valor de 1200,00 € (mil e duzentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal (4%), contados desde a notificação da sentença até integral pagamento, nos termos dos artigos 559.º, 804.º, 805.º, n.º 3 e 806.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil.” Relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pela demandante. 97. Condenação com a qual não podemos concordar. Senão vejamos: 98. Relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pela demandante, ficou provado que: 99. Em consequência da conduta do arguido, a ofendida passou a ter medo de viajar de carro, sozinha, e de sair à rua sozinha com medo de encontrar o arguido. 100. A ofendida deixou de ir a festas em locais públicos com medo de encontrar o arguido. 101. Durante o tempo da duração dos factos e mesmo depois da instauração do inquérito, a ofendida teve dificuldades em adormecer e teve de recorrer a medicação para dormir. 102. A conduta do arguido causou medo, inquietação, e angústia na ofendida. Ora, não podemos concordar com tais conclusões, apesar de ser notório que a Assistente, sofre de graves perturbações do foro psicológico, que a obrigam ainda e frequentar consultas de psicologia, nomeadamente originadas pelo falecimento do seu pai, aos episódios em que foi pintada a fachada da sua casa, onde a mesma foi injuriada, bem como pelo incendio do seu carro, uma vez que estes factos não são da responsabilidade do Arguido. Tendo os mesmo sido investigados pelo Ministério Público, sem qualquer acusação para o ota Arguido. 103. Como também não é da responsabilidade do Arguido, a associação que a Assistente faz, querendo imputar ao Arguido esta mesma responsabilidade. 104. A ser verdade que a Assistente sente medo, inquietação, angústia, não frequenta locais públicos, se tem dificuldade em adormecer ou se recorre a medicação para tal, não será certamente por causa do Arguido, uma vez que desde o dia 3 de Fevereiro o Arguido não contactou com a Assistente. 105. Nestes termos, salvo o devido respeito, que é muito, conclui erradamente o Tribunal a quo ao dar como provado que o recorrente com a sua conduta prejudicou a assistente. 106. Com os fundamentos expostos deve o pedido de indemnização civil ser julgado improcedente, por não provado, e o Recorrente ABSOLVIDO do mesmo. 107. Com a fundamentação supra exposta deve o Arguido ser ABSOLVIDO de um crime de Perseguição, p. e p. pelo artigo 154-Aº, nº 1, do C.P., em que foi condenado. Termos em que, admitidas as presentes motivações e conclusões, deve o presente recurso ser julgado procedente, modificando-se a decisão recorrida nos termos expostos no presente recurso: - Absolvendo o recorrente. - E só assim se fará a acostumada Justiça”. * O Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta ao recurso, concluindo que o recurso não merece provimento. A assistente MJ também respondeu ao recurso, entendendo que o mesmo é de improceder. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo também no sentido da improcedência do recurso. Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta. Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a conferência. II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso. Atendendo às conclusões apresentadas pelo recorrente, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem (nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal), são seis, em muito breve síntese, as questões suscitadas no presente recurso: 1ª - Impugnação alargada da matéria de facto. 2ª - Violação do princípio in dubio pro reo. 3ª - Violação do princípio da livre apreciação da prova. 4ª - Valoração de prova não produzida na audiência de julgamento. 5ª - Qualificação jurídica dos factos. 6ª - Pedido de indemnização civil. 2 - A decisão recorrida. A sentença revidenda é do seguinte teor (quanto aos factos - provados e não provados - e no tocante à motivação da decisão fáctica): “Factos Provados: Produzida a prova e discutida a causa, o Tribunal julga assente a seguinte factualidade: 1) O arguido EE e a ofendida MJ viveram durante aproximadamente um ano – entre 2012 e Dezembro de 2013 –, na Rua…, Aldeias de Montoito, como se de marido e mulher se tratassem. 2) Em Dezembro de 2013 deixaram de viver juntos na mesma casa, mas continuaram a namorar e a encontrarem-se. 3) Nessa altura, a ofendida passou a residir na Rua Y, Aldeias de Montoito. 4) Em data não concretamente apurada do ano de 2015, a ofendida descobriu que o arguido tinha um relacionamento amoroso com uma outra mulher e por isso terminou a relação com o arguido. 5) Porém, o arguido não aceitou o fim da relação e por isso continuou a procurar a ofendida para se encontrar com ela. 6) Sempre que o arguido não encontrava a ofendida em casa ou no trabalho, telefonava-lhe e enviava-lhe mensagens de SMS a querer saber onde é que ela estava e o que estava a fazer. 7) Se a ofendida não atendesse as chamadas ou não respondesse às mensagens que ele insistentemente lhe enviava, o arguido dizia-lhe que ia telefonar ao pai dela, ou mesmo ir à sua casa, para lhe perguntar onde é que ela estava. 8) Por diversas vezes, o arguido telefonou ao pai da ofendida quando ela não lhe atendia as chamadas, tendo chegado a fazê-lo durante a noite. 9) O arguido sabia que o pai da ofendida se encontrava bastante doente e não podia enervar-se. 10) Sabia também que a ofendida nutria um grande afeto pelo seu pai. 11) Ao anunciar à ofendida que ia telefonar ao seu pai, o arguido visava constranger a ofendida a atender-lhe as chamadas telefónicas. 12) Depois de a ofendida ter iniciado uma relação amorosa com outra pessoa, em finais de 2015, o arguido continuava a passar frente à residência da ofendida para saber se ela lá estava. 13) No dia 20 de Janeiro de 2016, pelas 21:00 horas, a ofendida dirigiu-se de carro até Reguengos de Monsaraz para se encontrar com o seu namorado, tendo o arguido seguido atrás dela, conduzindo o veículo de matrícula -VD. 14) Apercebendo-se que estava a ser seguida pelo arguido, a ofendida dirigiu-se para a casa da sua amiga VS, na Rua…, em Reguengos de Monsaraz, tendo o arguido seguido atrás e estacionado nessa rua, permanecendo sempre dentro da viatura. 15) Após algum tempo, quando a ofendida regressou à viatura para voltar para casa, o arguido iniciou a marcha e voltou a seguir atrás da ofendida até ao momento em que a ultrapassou antes de chegar a Aldeias de Montoito. 16) No dia 1 de Fevereiro de 2016, o arguido dirigiu-se à residência da ofendida, exigindo que ela lhe entregasse uma televisão e umas botas de senhora que lhe tinha oferecido. 17) Nesse mesmo dia, pelas 13:00 horas, o arguido enviou do seu telemóvel com o nº 962---- uma mensagem de SMS para a ofendida que dizia: “eu não tenho medo de ti nem de ninguém”. 18) E às 14:39 horas enviou-lhe a seguinte mensagem de SMS: “até ao final da semana 60 da TV ou TV, e falta 60 da canita, já não o resto, o resto fica pra ti mais pro drogado para jantares, não tenho medo de ninguém”. 19) No dia 2 de Fevereiro de 2016, às 00:09 horas, o arguido enviou-lhe as seguintes mensagem de SMS: “quero também a máquina da ginástica também, o xulo que te compre uma” e “isto é a boa mente se for a mal e bem pior, eu não tenho medo de ti nem do teu namoradinho”. 20) O arguido não aceitava que a ofendida tivesse um relacionamento amoroso com outra pessoa. 21) O arguido passava em frente à residência da ofendida em Aldeias de Montoito e frequentava os locais onde a mesma se encontrava para que ela o visse e sentisse medo e inquietação, o que conseguiu. 22) Com a conduta acima descrita, o arguido quis provocar medo e inquietação na ofendida e na sua família, levando-a a alterar as suas rotinas diárias, o que conseguiu. 23) Com a conduta acima descrita, o arguido limitou a liberdade pessoal e de deslocação da ofendida ao fazê-la sentir-se vigiada e perseguida. 24) Atuou sempre o arguido com o propósito concretizado de constranger a ofendida, de lhe incutir terror permanente, de lhe limitar a sua liberdade pessoal e de movimentos, e de a molestar psicologicamente, bem como com o intuito conseguido de levá-la a sentir-se vigiada e perseguida. 25) Agiu o arguido de forma livre, consciente, e deliberada, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação. 26) Em consequência da conduta do arguido, a ofendida passou a ter medo de viajar de carro, sozinha, e de sair à rua sozinha com medo de encontrar o arguido. 27) A ofendida deixou de ir a festas em locais públicos com medo de encontrar o arguido. 28) Durante o tempo da duração dos factos e mesmo depois da instauração do inquérito, a ofendida teve dificuldades em adormecer e teve de recorrer a medicação para dormir. 29) A conduta do arguido causou medo, inquietação, e angústia na ofendida. 30) O arguido tem o 7º ano de escolaridade. 31) É trabalhador agrícola e aufere 730,00 € por mês. 32) Vive em casa própria com o filho de 18 anos de idade, estudante. 33) A mãe do seu filho não se encontra a pagar a pensão de alimentos. 34) Encontra-se a pagar o empréstimo para aquisição de habitação cuja prestação mensal é de 120,00 €. 35) O arguido não tem antecedentes criminais registados. Factos Não Provados: Não existem factos não provados. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO A convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, alicerçou-se na articulação de todos os meios de prova disponibilizados nos autos, devidamente combinados com as regras de experiência comum, bem como nas declarações do arguido, nas declarações da assistente, e nos depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento. O arguido prestou declarações e admitiu ter vivido com a assistente em condições análogas às dos cônjuges durante cerca de um ano e meio. Em 2015, por altura do Verão, deixaram de viver juntos mas continuaram a namorar e a encontrarem-se. Referiu que mais tarde iniciou um relacionamento amoroso com outra pessoa e terminou o namoro com a assistente. A partir daí deixou de ter qualquer interesse na vida da assistente e por isso nega todos os factos que lhe são imputados na acusação. Reconhece que possa ter sido visto várias vezes a passar junto à residência da assistente em Aldeias de Montoito, mas explicou que isso se ficava a dever ao facto de os seus pais residirem numa rua muito próxima da casa da assistente e de cada vez que os ia visitar tinha de passar em frente à casa da assistente. Referiu o arguido que todas as outras vezes em que se deu a casualidade de se encontrar no mesmo local onde também estava a assistente não passaram de meras coincidências. Uma dessas vezes foi quando o arguido teve de vir a Reguengos de Monsaraz tratar de assuntos pessoais e calhou ter vindo atrás do carro da assistente e estacionado na mesma rua onde ela também deixara a sua viatura. Negou que tivesse vindo a segui-la; tanto assim que depois de ter estacionado o carro foi tratar dos seus assuntos. Deu-se depois uma nova coincidência que foi a de terem regressado a Aldeias de Montoito praticamente ao mesmo tempo. Quando se preparava para iniciar a marcha, notou que tinha parado um carro da GNR junto da viatura da assistente, mas não soube do que é que se tratava. Durante a viagem de regresso, o arguido acabou por ultrapassar o carro da polícia e também a viatura da assistente. Mais tarde resolveu passar junto à casa da assistente para tentar saber o que se tinha passado, mas deparou-se novamente com a GNR, que lhe deu ordem para prosseguir a marcha. Em relação às mensagens de SMS que vêm descritas na acusação, o arguido reconheceu que o número de telemóvel que lá vem indicado corresponde ao seu e explicou que as mensagens estavam relacionadas com o facto de ter pago as despesas com o veterinário de uma cadela da assistente e com uma televisão e uma máquina de ginástica que lhe tinha emprestado para ela ter em casa e que agora queria que lhe fossem devolvidas. Em suma, de acordo com a versão do arguido tudo não tinha passado de meras coincidências. Pois bem, mesmo admitindo à partida que os encontros com a assistente foram obra do acaso, já nos custa admitir com a mesma veleidade que o teor das mensagens de SMS que foram enviadas do telemóvel do arguido para a assistente não revelem o seu inconformismo com o fim da sua relação com a assistente bem como o seu desconforto com o facto de a assistente ter um novo namorado. Essa mesma perceção veio a ser comprovada com as declarações prestadas pela assistente e pelos depoimentos das demais testemunhas arroladas. A assistente MP, auxiliar num lar de idosos, confirmou que, de facto, continuou a namorar com o arguido depois de terem deixado de viver juntos. Ao fim de algum tempo descobriu que o arguido tinha um relacionamento com outra pessoa e terminou a relação. No entanto, continuaram a sair juntos e a assistente acabou por se tornar numa confidente do arguido. Com o passar do tempo notou que o arguido queria que ela estivesse sempre disponível para ele, apesar de ela não querer mais encontrar-se com ele. Então a assistente deixou de atender aos seus telefonemas e de responder às suas mensagens. O resultado, porém, não foi o esperado, visto que o arguido persistiu no propósito de se encontrar com a assistente sempre que quisesse. Foi então que começaram as mensagens e os telefonemas incessantes a querer saber onde é que a assistente estava e o que estava a fazer, sempre que o arguido não via o carro dela estacionado à porta de casa ou no seu local de trabalho, a tal ponto que a assistente teve a nítida perceção que estava a ser vigiada pelo arguido. Referiu que nessa altura se encontrava bastante vulnerável pelo facto de o seu pai, entretanto falecido, se encontrar bastante doente e a necessitar de cuidados permanentes da família, tendo o arguido aproveitado essa circunstância para constranger a assistente a atender-lhe as chamadas, já que, se ela não o fizesse, ele iria telefonar para o seu pai – como chegou a fazer, mesmo durante a noite, nem que fosse só para dizer que se tinha enganado no número –, sabendo que isso o iria deixar bastante perturbado. Durante meses, foram vários os dias em que o arguido lhe ligava incessantemente só para saber onde é que ela estava e depois surpreendia-a nos locais que ela costumava frequentar, interrogando-a sobre o que é que ela estava ali a fazer. A assistente referiu que situações dessas aconteceram mesmo quando ela ia apenas ao supermercado ou a festas que decorriam em espaços públicos. A situação ganhou outros contornos quando, em meados de Janeiro de 2016, a assistente veio ao final do dia a Reguengos de Monsaraz para se encontrar com o seu namorado e apercebeu-se a determinada a altura da viagem que vinha um carro a circular atrás de si com as luzes apagadas. Ao chegar à localidade de Caridade, a assistente contornou a rotunda e foi então que constatou que era o arguido que vinha atrás de si. Sabendo que estava a ser seguida, a assistente ligou para a sua amiga VS, de Reguengos de Monsaraz, a contar-lhe o que se estava a passar e dirigiu-se para a casa dela, tendo estacionado a sua viatura na rua do Centro de Saúde. O arguido chegou quase ao mesmo tempo e estacionou a viatura na mesma rua, tendo permanecido dentro da viatura. Depois de ter entrado na casa da sua amiga, as duas arranjaram forma de a assistente conseguir sair pelas traseiras para se encontrar com o seu namorado sem que o arguido se desse conta. Durante o tempo que se seguiu, o arguido nunca saiu de dentro da viatura e esteve a telefonar e a mandar mensagens para a assistente, a querer saber com quem é que ela estava. A testemunha RS, bombeiro, era o namorado da assistente e confirmou as chamadas que o arguido fez à assistente durante aquela noite, tendo a testemunha avistado o arguido dentro da viatura no momento em que passou de carro na rua onde ele estava estacionado. Então a assistente e o seu namorado dirigiram-se ao posto da GNR e relataram o que se estava a suceder. As testemunhas NA e JF militares da GNR, confirmaram que nessa noite lhes foi pedido que acompanhassem a assistente até à sua casa em Aldeias de Montoito, pois o seu antigo namorado tinha-a seguido até Reguengos de Monsaraz e encontrava-se à espera dela dentro da sua viatura junto à viatura da assistente. Os militares confirmaram que, ao acompanharem a assistente até ao local onde tinha a sua viatura estacionada, viram o arguido dentro do carro mas não o abordaram. Durante a viagem em que acompanharam a assistente até casa, aperceberam-se que foram ultrapassados pela viatura do arguido. Mais tarde, quando se encontravam a falar com a assistente junto à sua casa, o arguido voltou a passar pela rua, em marcha lenta, tendo-lhe sido dada ordem para prosseguir a marcha. Depois deste episódio, referiu a assistente que o arguido voltou à sua casa para lhe pedir a devolução de uma televisão que ele lhe tinha emprestado e de umas botas que lhe tinha oferecido, pedindo-lhe também que lhe restituísse o dinheiro que ele gastou no veterinário com o tratamento de uma cadela que a assistente tinha. Importa ainda salientar que, na sequência destes episódios, o arguido foi detido para ser apresentado a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tendo-lhe sido aplicada a medida de coação de proibição de contactos com a assistente, fiscalizada por meios de vigilância eletrónica (fls. 113). Entretanto, a assistente veio viver com o seu namorado RS para Reguengos de Monsaraz e a mesma referiu que, por diversas vezes, durante a noite, o aparelho deu sinal de que o arguido se encontrava perto da habitação. Pois bem, o Tribunal fundou a sua convicção sobre os factos provados essencialmente com base nas declarações da assistente, que se nos afiguraram sérias e credíveis. A credibilidade da sua versão foi confirmada pelo testemunho dos dois militares da GNR que, ao chegarem à rua do centro de saúde onde estavam estacionadas as viaturas da assistente e do arguido, viram que o mesmo se encontrava no interior da sua viatura, comprovando-se assim a versão da assistente e da testemunha RS de que o arguido tinha ficado o tempo todo dentro da viatura desde que chegara a Reguengos de Monsaraz. Depois disto, torna-se muito difícil acreditar que tenha sido uma simples coincidência o facto de o arguido decidir regressar a casa no momento exato em que a assistente também voltou para casa. Assim, da conjugação das declarações da assistente e dos depoimentos das testemunhas, e ainda com o auto de transcrição das mensagens de SMS a fls. 69 e 70, o Tribunal formou a convicção de que o arguido seguiu efetivamente a assistente até Reguengos de Monsaraz no dia 20 de Janeiro de 2016, com o propósito de a vigiar e que, desde que terminou a relação com a assistente, em finais de 2015, o arguido continuou a telefonar insistentemente e a mandar mensagens de SMS para a assistente e familiares próximos, sabendo que isso a incomodava e a deixava perturbada. Por todo o exposto, é forçoso concluir que a versão relatada pela assistente apresentou coerência com as várias circunstâncias objetivas que rodearam a ocorrência desses factos. O Tribunal também atendeu à seguinte prova documental: à informação da operadora de telecomunicações de fls. 206; ao auto de apreensão de fls. 278 a 280; fotogramas de fls. 281 a 284. Por todo o exposto, deu o Tribunal como provados os factos da acusação pública com base no depoimento da assistente, conjugado com os depoimentos das testemunhas referidas, que se afiguraram credíveis face às circunstâncias objetivas do caso. Quanto aos factos relativos ao conhecimento e vontade com que o arguido atuou, os mesmos extraíram-se dos respetivos factos objetivos, analisados à luz das regras da lógica e experiência comum, atentas as concretas circunstâncias do caso. Relativamente ao pedido de indemnização civil deduzido pela demandante, o Tribunal atendeu às suas declarações, já que as mesmas se revelaram credíveis. As testemunhas RS e VS, ajudante de cozinha, amiga da demandante, e SA, doméstica, amiga da demandante, confirmaram que a demandante recebia vários telefonemas e mensagens do demandado, a querer saber onde é que ela estava, causando-lhe medo e perturbação. As testemunhas VS e SA referiram que o demandado ameaçava que ligava ao pai da demandante caso ela não lhe atendesse as chamadas, sendo que ele sabia que o pai da demandante se encontrava bastante doente. As testemunhas também referiram que a demandante tinha medo de conduzir e de sair de casa sozinha por recear que o demandado voltasse a persegui-la, o que se compreende face aos factos da acusação dados como provados. A demandante, por sua vez, declarou ter tido dificuldades em dormir mesmo depois de ter mudado de residência para Reguengos de Monsaraz e de o arguido ter sido apresentado a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, visto que o aparelho de vigilância eletrónica que lhe tinham dado chegou a apitar algumas vezes. Relativamente às condições económicas e pessoais do arguido, o Tribunal considerou, também, as suas declarações, já que as mesmas se revelaram sinceras e, por isso, dignas de crédito. No que concerne aos antecedentes criminais do arguido, foi tido em conta o teor do Certificado do Registo Criminal junto aos autos a fls. 593”. 3 - Apreciação do mérito do recurso. a) Da impugnação da decisão fáctica. Alega o recorrente, em resumo, que não deveriam ter sido considerados como provados os factos (todos eles) relevantes para o preenchimento do tipo legal de crime em discussão nestes autos (quer para o preenchimento dos elementos objetivos do crime, quer para o preenchimento dos respetivos elementos subjetivos). Em suporte dessa sua pretensão, o recorrente entende: - Que as declarações da assistente, só por si, não bastam para dar como assente a apontada factualidade; - Que tem de atender-se às declarações do arguido, que negou os aludidos factos (afirmando em audiência de discussão e julgamento, além do mais, que os “encontros” com a assistente não passaram de meras “coincidências”); - Que os depoimentos das testemunhas não confirmam as declarações da assistente; - Que as mensagens de telemóvel enviadas pelo arguido à assistente (e reproduzidas nos autos) respeitam apenas a “normais” troca de mensagens entre ambos, designadamente mensagens relativas a despesas com uma cadela e, ainda, à devolução de uma televisão e de uma máquina de ginástica. - Que nenhuma prova foi feita relativa à matéria atinente ao pedido de indemnização civil (nomeadamente quanto ao facto de a demandante ter sentido medo, inquietação, angústia, perturbações do sono e/ou perturbações psicológicas); - Que as declarações da assistente nenhuma credibilidade merecem, até na medida em que, na audiência, relatou factos novos, não constantes da acusação (os factos dados como provados na sentença revidenda sob os nºs 4 a 12). Cumpre apreciar e decidir. 1º - Desde logo, verifica-se que a pretensão recursiva, nos termos em que vem fundamentada, parte do pressuposto, errado, de que o Tribunal da Relação pode proceder a um novo julgamento da matéria de facto (na sua totalidade), como se o julgamento em primeira instância não tivesse existido (e, por isso, o recorrente questiona toda a factualidade criminalmente relevante tida como provada na sentença revidenda, e, além disso, pretende a reavaliação de toda a prova, na qual, de modo decisivo, se baseou o tribunal a quo). É que, o recurso sobre a matéria de facto não envolve, para o tribunal ad quem, a realização de um novo julgamento, com a reanálise de todo o complexo de elementos probatórios produzidos, mas antes tem por finalidade o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento, que tenham afetado a decisão recorrida e que o recorrente tenha indicado, e, bem assim, a reanálise das específicas (e concretizadas) provas que, no entender do recorrente, impusessem (e não apenas sugerissem ou possibilitassem) uma decisão de conteúdo diferente. Na verdade, e além do mais, a segunda instância não se encontra na mesma posição, perante as provas, que o tribunal de primeira instância, pois não dispõe de uma imediação total nem da possibilidade de interagir com a prova pessoal, nomeadamente de intervir na orientação da produção da prova e no questionamento dos declarantes (assistentes, demandantes ou arguidos) e/ou das testemunhas. Há, pois, que reconhecer a existência de uma “legítima impressão” causada pela prova pessoal no julgador, impressão que só a imediação, em primeira instância, possibilita (pelo menos a um nível mais elevado), e há que aceitar também que, no modelo de recurso plasmado no Código de Processo Penal português, e em interpretação sempre conforme à Constituição da República Portuguesa, existe uma certa margem de insindicabilidade da decisão (da matéria de facto) tomada pelo juiz de primeira instância. Ora, lida a motivação do recurso em toda a vertente agora em análise, facilmente se verifica que o recorrente não atentou nos apontados princípios, pretendendo a reavaliação de toda a prova produzida na audiência de discussão e julgamento, e visando ainda que todos os factos tidos como provados na sentença revidenda (relevantes para a condenação) sejam, pura e simplesmente, dados como não provados. Só por aqui, e sem mais, já estaria condenada ao fracasso a impugnação da decisão fáctica levada a cabo na motivação do presente recurso. 2º - Constata-se, em segundo lugar, que o arguido prestou declarações na audiência de discussão e julgamento, negando o cometimento dos factos delitivos em apreço, mas o tribunal a quo desvalorizou-as, para efeitos de convicção, pelas diversas razões aduzidas na fundamentação fáctica constante da sentença revidenda. Ora, tais razões de desvalorização das declarações do arguido, e em nosso entender, não se mostram arbitrárias, irrazoáveis ou irracionais, ou, a qualquer título, contrárias aos critérios que devem orientar a livre apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 127º do C. P. Penal, mormente, a experiência comum, a normalidade das coisas ou a lógica geralmente aceite. Mais: as declarações prestadas pelo arguido na audiência de discussão e julgamento, atendendo ao modo como negou a prática dos factos delitivos em apreço e ponderando as explicações fornecidas para os diversos “encontros” com a assistente e para uma “perseguição” de carro feita à assistente, dizendo (em breve síntese) que todos esses factos não passaram de simples “coincidências”, não merecem, também a este tribunal de recurso, qualquer credibilidade, não possuindo verosimilhança nem a mínima adesão à normalidade das coisas. 3º - Em terceiro lugar, e ao contrário do que parece entender-se na motivação do recurso, nada obsta a que a convicção do tribunal se forme apenas com base nas declarações da assistente, desde que o seu relato, atentas as circunstâncias e o modo como é prestado, mereça credibilidade ao tribunal. Ora, no presente caso, a assistente descreveu, de forma impressiva, pormenorizada, concretizada, contextualizada, e, por tudo isso, totalmente convincente, todos os factos tidos com assentes pelo tribunal a quo. A essa luz, tais factos podiam (e deviam) ser dados como provados. Mais ainda: a corroborar a versão da assistente existe prova documental junta aos autos, nomeadamente as mensagens de telemóvel descritas na sentença revidenda e aí analisadas de forma absolutamente correta, isenta e objetiva, e existe também prova testemunhal. A prova testemunhal em causa não consiste apenas no depoimento da testemunha RS (atual namorado da assistente - que presenciou alguns dos factos relatados pela assistente e os corroborou na audiência de discussão e julgamento -), traduzindo-se também nos depoimentos das testemunhas NA e JF, militares da G.N.R. (e que nenhuma relação pessoal têm com a assistente), as quais presenciaram, e confirmaram na audiência de discussão e julgamento, um dos episódios em que a assistente foi “vigiada” e “perseguida” pelo arguido (conforme ficou bem explicitado na “motivação da matéria de facto” constante da sentença recorrida, explicitação, aliás, que, na sua vertente objetiva, não é sequer questionada na motivação do presente recurso: “as testemunhas NA e JF, militares da GNR, confirmaram que, nessa noite, lhes foi pedido que acompanhassem a assistente até à sua casa em Aldeias de Montoito, pois o seu antigo namorado tinha-a seguido até Reguengos de Monsaraz e encontrava-se à espera dela dentro da sua viatura junto à viatura da assistente. Os militares confirmaram que, ao acompanharem a assistente até ao local onde tinha a sua viatura estacionada, viram o arguido dentro do carro, mas não o abordaram. Durante a viagem em que acompanharam a assistente até casa, aperceberam-se que foram ultrapassados pela viatura do arguido. Mais tarde, quando se encontravam a falar com a assistente junto à sua casa, o arguido voltou a passar pela rua, em marcha lenta, tendo-lhe sido dada ordem para prosseguir a marcha”). Acresce que, e repete-se (por ser muito relevante), nada obsta, por princípio, a que a convicção do tribunal se forme exclusivamente com base no depoimento de uma única testemunha ou nas declarações de um único assistente (ou de um único demandante) ou de um único arguido. Esse depoimento e estas declarações, como qualquer meio de prova oral, estão sujeitos ao princípio da livre convicção, consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal. Ou seja, e no caso destes autos: acreditar o tribunal (quer este tribunal ad quem, quer o tribunal a quo) na versão, naquilo que é essencial, da assistente, é uma questão de convicção e entronca no princípio da livre apreciação da prova. O recorrente invoca também, como fator de descredibilização das declarações da assistente, a circunstância de, na audiência de discussão e julgamento, a assistente ter relatado factos que não constavam da acusação. Com o devido respeito pela opinião do recorrente, não vislumbramos a relevância de uma tal objeção, para o efeito que agora nos interessa (maior ou menor poder de convicção que as declarações da assistente possam merecer), porquanto a circunstância de, na audiência de discussão e julgamento, a assistente ter dito mais do que relatou na fase de inquérito não implica, em termos lógicos, que a assistente tenha faltado à verdade nas declarações efetivamente relevantes para a condenação do arguido (isto é, relativas aos factos dados como assentes na sentença revidenda). Por outras palavras: a alegação do recorrente agora em apreciação não nos impressiona desfavoravelmente, nada nos dizendo sobre a sinceridade ou insinceridade da assistente. Pelo contrário, o referido circunstancialismo constitui, em nosso entendimento, uma garantia de que a assistente não trouxe aos autos uma versão previamente ensaiada, intelectualizada e falsa, tendente a obter, sem fundamento, a condenação do arguido. Mais: os factos constantes dos pontos 4 a 12 da matéria de facto dada como provada na sentença sub judice (e decorrentes, no essencial, das declarações da assistente prestadas na audiência de discussão e julgamento) foram comunicados ao arguido em sede de audiência, finda a produção de prova e após as alegações orais dos diferentes sujeitos processuais, tudo ao abrigo do disposto no artigo 358º do C. P. Penal, consubstanciando-se, assim, uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, alteração à qual o arguido não se opôs, aceitando o aditamento de tais factos e tendo até prescindido do respetivo prazo de defesa. 4 - Por último, verifica-se, lendo a motivação do presente recurso, que na mesma se pretende, sem mais de significativo, que esta instância recursória acolha a versão dos factos trazida pelo arguido à audiência de discussão e julgamento. Ora, como acima já referimos (e conforme ficou também explanado na sentença revidenda - em apreciação que subscrevemos na íntegra -), as explicações dadas pelo arguido sobre os factos delitivos em apreço não possuem a mínima verosimilhança, não têm qualquer consistência, são totalmente desprovidas de adesão à realidade das coisas, e, por isso, nenhuma credibilidade merecem. Acresce que, para procedermos à alteração da decisão fáctica constante da sentença sub judice (tal como pretendido na motivação do recurso), era necessário que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não apenas aconselhasse, ou permitisse, ou consentisse, uma tal alteração, mas (isso sim) impusesse essa alteração da decisão a que o tribunal recorrido chegou, fundamentadamente, sobre a matéria de facto (cfr. o disposto no artigo 412º, nº 3, al. b), do C. P. Penal). Nada disso ocorre in casu, sendo até que, lendo a motivação do recurso, verifica-se (com alguma perplexidade, diga-se) que nela se pretende, tão-só, que este tribunal ad quem acolha, candidamente, a versão dos factos trazida à audiência pelo arguido (com o devido respeito pelo alegado na motivação do recurso). Este tribunal de recurso, ponderando todas as provas produzidas na audiência de discussão e julgamento (em apreciação autónoma e autonomamente formulada nesta instância recursiva), não possui nenhum elemento para alterar a lógica do raciocínio levado a cabo pelo tribunal a quo (lógica que se mostra razoável, pertinente e percetível) ou para contrariar as razões da sua convicção (convicção, por um lado, suficientemente explicitada e fundamentada, e, por outro lado, obtida a partir da imediação com a prova). Com efeito, e por um lado, na “motivação da matéria de facto” constante da sentença recorrida o Exmº Juiz fez a análise das declarações prestadas na audiência de discussão e julgamento (pela assistente e pelo arguido), dos depoimentos prestados em tal audiência (entre eles os dos dois militares da G.N.R. acima aludidos) e da prova documental junta aos autos (entre ela constando os SMS transcritos a fls. 69 e 70), procedendo ao exame crítico de todas essas provas, de modo apreensível e claro, esclarecendo os motivos pelos quais não deu credibilidade às declarações do arguido, e, bem assim, pronunciando-se sobre a credibilidade das declarações da assistente, tudo por forma a permitir (como permite), quer aos destinatários diretos da decisão quer à comunidade em geral, perceber os seus raciocínios (as razões pelas quais decidiu num sentido - condenatório -, e não noutro - absolutório -), e, por outro lado, a apreciação que o Exmº Juiz fez da prova produzida em audiência de discussão e julgamento merece a nossa inteira concordância, não existindo qualquer elemento de prova que tenha sido mal avaliado, indevidamente sopesado, ou mal interpretado. Em suma: nenhumas declarações, nenhum depoimento e nenhum outro elemento probatório, considerados em si mesmo ou conjugados com outros elementos de prova, “impõem” uma decisão diferente da que foi tomada pelo tribunal a quo. Posto o que precede, é de improceder esta primeira vertente do recurso interposto pelo arguido, considerando-se, em consequência, definitivamente fixada a matéria de facto tida como provada na sentença revidenda. b) Da violação do princípio in dubio pro reo. Invoca-se na motivação do recurso que o tribunal a quo, ao proferir a respetiva decisão fáctica, violou o princípio in dubio pro reo, porquanto acolheu, sem mais elementos de prova, a versão da assistente, em detrimento da versão do arguido. Há que decidir. O princípio in dubio pro reo (um dos princípios básicos do processo penal) significa, em breve síntese, que, para conduzir à condenação, a prova deve ser plena, sendo imprescindível que o tribunal tenha formado convicção acerca da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável, isto é, a formação da convicção é um processo que “só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse” (Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1981, Vol. I, pág. 205). Quando o tribunal não forma convicção, a dúvida determina inelutavelmente a absolvição, de harmonia com o princípio in dubio pro reo, o qual consubstancia princípio de direito probatório decorrente daqueloutro princípio, mais amplo, da presunção da inocência (constitucionalmente consagrado no artigo 32º da C.R.P.). Com efeito, dispõe a Constituição da República Portuguesa (no nº 2 do seu artigo 32º) que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”, preceito que se identifica genericamente com as formulações do princípio da presunção de inocência constantes, além do mais, do artigo 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e do artigo 6º, nº 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos humanos e das Liberdades Fundamentais. Assim, “o princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjetiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª ed., pág. 203). Este princípio tem aplicação na apreciação da prova, impondo que, em caso de dúvida insuperável e razoável sobre a valoração da prova, se decida sempre a matéria de facto no sentido que mais favorecer o arguido. É evidente que as dúvidas do julgador quanto à prova produzida têm de ser racionais, por forma a ilidirem a certeza contrária (cfr. Ac. do S.T.J. de 01-07-2004, Processo nº 4P2791, in www.dgsi.pt), jamais podendo assentar na mera existência de versões contraditórias entre si ou na mera negação dos factos por parte dos arguidos. Retomando o caso em apreço, e apesar das considerações explanadas na motivação do recurso, o tribunal a quo não ficou com qualquer dúvida quanto à prática pelo arguido da totalidade dos factos que foram dados por provados na sentença recorrida, bem como também este tribunal de recurso, perante a prova produzida em audiência, com nenhuma dúvida fica relativamente à prática dos factos em causa por parte do arguido (conforme acima exposto). Dito de outro modo: a fundamentação da decisão de facto constante da sentença revidenda não evidencia a existência de qualquer dúvida que tenha sido solucionada em desfavor do arguido, e, por outro lado, face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, resulta, também para nós, a certeza da prática pelo arguido dos factos delitivos pelos quais vem condenado em primeira instância. Assim sendo, não existindo dúvidas no espírito do julgador, afastada está, obviamente, a possibilidade de aplicação do princípio in dubio pro reo. Em consequência, a sentença recorrida não merece, também neste aspeto, a censura que lhe foi dirigida pelo recorrente (violação do princípio in dubio pro reo), improcedendo o recurso nesta matéria. c) Da violação do princípio da livre apreciação da prova. Alega o recorrente que, ao proferir a decisão fáctica nos termos em que o fez, o tribunal de primeira instância violou o princípio da livre apreciação da prova, porquanto na fixação dos factos se baseou apenas, indevidamente, nas declarações da assistente. Cabe decidir. Dispõe o artigo 127º do C. P. Penal que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. A propósito desse princípio da livre apreciação da prova, refere o Prof. Figueiredo Dias (ob. citada, Vol. I, pág. 202) que “o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida”. E acrescenta o mesmo autor (ob. citada, págs. 202 e 203) que a liberdade de apreciação da prova tem limites inultrapassáveis: “a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – , de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e de controlo”. Como bem diz Maia Gonçalves (in “Código de Processo Penal Anotado”, 9ª ed., pág. 322), “a livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica”. Por outras palavras: a livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração racional e crítica dos diversos elementos de prova, feita de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, de tal modo que seja possível objetivar tal valoração (requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão). Ou, dito de modo talvez mais simples: a convicção do Juiz tem de seguir critérios transparentes e justificáveis, capazes de convencer os sujeitos processuais e o público em geral. Ora, no caso destes autos, o tribunal a quo, para decidir da matéria de facto, ponderou todas as provas de que dispunha, e avaliou-as à luz das regras da experiência comum, de acordo com juízos de normalidade, com a lógica das coisas e com a experiência da vida. Como bem se salienta no acórdão do S.T.J. de 08-11-1995 (in BMJ, nº 451, pág. 86), “um juízo de acertamento da matéria de facto pertinente para a decisão releva de um conjunto de meios de prova, que pode inclusivamente ser indiciária, contanto que os indícios sejam graves, precisos e concordantes”. E acrescenta o mesmo acórdão que “as regras da experiência a que alude o artigo 127º têm um importante papel na convicção do Tribunal”. O recorrente considera ter existido errada apreciação da prova, uma vez que o tribunal recorrido não valorou certos aspetos nos termos em que o devia ter feito. Simplesmente, com tal invocação o recorrente limita-se a trazer aos autos a perceção que ele próprio teve (ou melhor: diz ter tido) da prova. Lendo a sentença revidenda verifica-se, sem qualquer dificuldade, que na mesma foi seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova, não surgindo a decisão como uma conclusão ilógica, arbitrária, ou violadora das regras da experiência comum na apreciação das provas. Assim, não foi violado o princípio da livre apreciação da prova, pelo que, também neste aspeto, o recurso do arguido é de improceder. d) Da valoração de prova não produzida na audiência. Alega-se na motivação do recurso, em síntese, que o tribunal a quo deu como provados factos que não resultaram da prova produzida na audiência de discussão e julgamento, e, por isso, tal tribunal violou o disposto no artigo 355º, nº 1, do C. P. Penal. Cumpre decidir. Sob a epígrafe “Proibição de valoração de provas”, dispõe o artigo 355º, nº 1, do C. P. Penal, que “não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”. Na motivação do recurso, o recorrente não nos diz, expressa e concretamente, que provas foram essas, que serviram para a “formação da convicção do tribunal” e que não foram “produzidas ou examinadas em audiência”. Porém, da motivação do recurso retira-se a conclusão de que aquilo que o recorrente pretende alegar é a circunstância de, na audiência de discussão e julgamento, não ter sido produzida “prova direta” quanto a alguns dos factos dados como provados na sentença em causa, sobretudo os factos que preenchem os elementos subjetivos do crime de “perseguição” em discussão nestes autos. Ou seja, entende o recorrente, em suma, que não foi produzida qualquer prova (testemunhal, documental ou por declarações) sobre os factos relacionados com o “conhecimento”, a “intenção”, a “consciência da proibição” e a “consciência da ilicitude” com que o arguido atuou ao “perseguir” a assistente (ao praticar os factos objetivos dados como provados). Ora, e ao contrário do que se entende na motivação do recurso, para a fixação dos apontados factos não é necessária a existência de “prova direta”, produzida na audiência de discussão e julgamento, acerca dos mesmos. Com efeito, e como bem refere o Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu douto parecer (a fls. 669 dos autos), “a prova indireta ou indiciária (…) permite, a partir de deduções e induções objetiváveis e com auxílio de regras de experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar”, sendo ainda que “para se considerar provada uma hipótese de culpabilidade devem encontrar-se preenchidas simultaneamente as seguintes conclusões: a hipótese deve ser capaz de explicar os dados disponíveis, integrando-os de forma coerente, e as previsões de novos dados, que a hipótese permita formular, devem ter resultado confirmadas; e devem ter-se refutado todas as demais hipóteses plausíveis explicativas desses mesmos dados, que sejam compatíveis com a inocência do acusado, excluídas as meras hipóteses ad hoc”. Assiste inteira razão ao Exmº Procurador-Geral Adjunto neste segmento do seu douto parecer, porquanto, para dar como assente determinada factualidade (sobretudo a respeitante aos elementos constitutivos do “dolo” do arguido), não é necessária a produção de “prova direta” sobre a mesma. É que, o “dolo” resulta, desde logo, da prova da materialidade da conduta do arguido e respetiva imputação objetiva. Como bem se escreve no Ac. do T.R.P. de 23-02-1983 (in BMJ nº 324, pág. 620), “dado que o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto, de natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infração. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência”. Na maioria dos casos, o “dolo”, o conhecimento do seu sentido ou significação, acaba por ser dado como provado por intuição e convicção do tribunal, sem que haja testemunhas - nem as há - disso mesmo. O dolo, em função da sua natureza, e na generalidade dos casos, surge provado como circunstância conatural dos factos que constituem os elementos objetivos do crime. Isto significa que, não derivando o “conhecimento”, a “intenção”, a “consciência da proibição” e a “consciência da ilicitude” (com que o arguido/recorrente atuou) imediatamente da prova, mas deduzindo-se desta, constituindo uma ilação extraída dos factos objetivos, ou um prolongamento destes, o tribunal a quo, fazendo apelo às regras da experiência e seguindo juízos de normalidade, concluiu bem, relativamente ao elemento subjetivo do tipo, que na conduta do arguido estiveram presentes todos esses requisitos. O recorrente parece esquecer, a propósito da questão agora em análise, que é lícito ao tribunal recorrer à prova por presunção judicial (ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - artigo 349º do Código Civil -). Como bem escreve o Prof. Cavaleiro Ferreira (in “Curso de Processo Penal”, 1986, Vol. II, págs. 289 e 290), “(...) a verdade final, a convicção, terá que se obter (neste caso) através de conclusões baseadas em raciocínios, e não diretamente verificadas; a conclusão funda-se no juízo de relacionação normal entre o indício e o facto probando (…). Por outro lado, um indício revela com tanto mais segurança o facto probando, quanto menos consinta a ilação de factos diferentes”. Na verdade, o juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis, nada obrigando à produção de “prova direta” sobre toda a factualidade tida como provada (em qualquer sentença). Num primeiro nível, trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova. Tal depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (por exemplo, a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível, referente à valoração da prova, intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios. Agora, as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão “regras da experiência”. Neste segundo nível, é legítimo o recurso às referidas presunções, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125º do C. P. Penal), e o artigo 349º do Código Civil prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351º deste mesmo diploma legal). Depois, as presunções simples ou naturais (as aqui em causa) são meros meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indireta se faz valer através desta espécie de presunções. As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência. O juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. No lapidar dizer do Prof. Vaz Serra (in “Direito Probatório Material”, B.M.J. nº 112, pág. 190), “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (...) ou de uma prova de primeira aparência”. A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do “id quod”, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção. A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção (cfr. Prof. Vaz Serra, ibidem). Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem diretamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido. A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência, da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros. A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal, em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável. Há de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões. No caso sub judice, todos os raciocínios formulados pelo tribunal a quo, ao fundamentar a decisão de facto, obedecem aos pressupostos acabados de expor relativos à validade e legitimidade do uso de presunções. Também este tribunal de recurso, como, aliás, qualquer cidadão de média formação e de são entendimento, subscreve, com total segurança, as conclusões que foram retiradas na decisão recorrida, designadamente quanto ao “conhecimento”, à “intenção”, à “consciência da proibição” e à “consciência da ilicitude” com que o arguido atuou ao “perseguir” a assistente. Com efeito, e a nosso ver, as “explicações” adiantadas pelo arguido (quer nas declarações prestadas na audiência de discussão e julgamento, quer nas alegações constantes da motivação do seu recurso) - no fundo, e em resumo, que os “encontros” com a assistente não passaram de meras “coincidências”, e que nunca teve intenção de perseguir, intimidar, amedrontar ou condicionar a assistente - não possuem qualquer verosimilhança, constituindo uma inócua tentativa de esconder aquilo que na realidade aconteceu e os propósitos com que agiu. As “explicações” trazidas aos autos pelo arguido, e repete-se, visam apenas, salvo o devido respeito, criar a dúvida no espírito do julgador por forma a conseguir uma absolvição contra todas as evidências. Perante o que vem de dizer-se, é de improceder o recurso do arguido também neste segmento. e) Da qualificação jurídica dos factos. Alega o recorrente que não praticou o crime de perseguição pelo qual vem condenado em primeira instância, porquanto nunca teve qualquer propósito de provocar medo e inquietação na assistente, de a prejudicar ou limitar nos seus movimentos e na sua liberdade pessoal, nem nunca atuou ou quis atuar com esse propósito. Cabe decidir. Desde logo, a pretensão recursiva agora em apreciação esbarra com a matéria de facto dada como provada na sentença revidenda, na qual se considerou, e bem, que o arguido atuou com o propósito de provocar medo e inquietação na assistente, de a prejudicar e de a limitar nos seus movimentos e na sua liberdade pessoal. Assim, a decisão acima proferida no presente acórdão, relativa à impugnação da decisão fáctica tomada em primeira instância, inviabiliza, desde logo e sem mais, a almejada absolvição do ora recorrente (pela alegada ausência dos elementos, objetivos e subjetivos, do crime de “perseguição”). Depois, perante a factualidade dada como assente na sentença recorrida, estão devidamente preenchidos os elementos, objetivos e subjetivos, do crime de “perseguição”, p. e p. pelo artigo 154º-A do Código Penal. Senão vejamos. Sob a epígrafe “Perseguição”, estabelece o artigo 154º-A do Código Penal: “1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. 2 - A tentativa é punível. 3 - Nos casos previstos no nº 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição. 4 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. 5 - O procedimento criminal depende de queixa”. O crime de “perseguição”, olhando à própria redação do preceito legal acabado de transcrever, tem como elementos constitutivos: - A ação do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio (direto ou indireto); - A adequação da ação a provocar na vítima medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; - A reiteração da ação. Exige-se ainda o dolo do agente, em qualquer das suas modalidades. Trata-se de um crime novo na nossa ordem jurídica, sendo as condutas suscetíveis de o preencher vulgarmente conhecidas como “stalking”. A “perseguição” (ou “stalking”) é um padrão de comportamentos persistentes, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Tais comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (como, por exemplo, oferecer presentes constantemente, telefonar insistentemente), ou mesmo em ações inequivocamente intimidatórias (como, por exemplo, seguir a vítima constantemente - a pé ou em veículo automóvel -, enviar repetidas mensagens de telemóvel com conteúdo persecutório e/ou “ameaçador”, enviar correspondência escrita de idêntico conteúdo, etc.). Pela sua persistência e contexto de ocorrência, este padrão de conduta pode assumir tal frequência e severidade que afete não só o “bem-estar” das vítimas, como, mais do que isso, lhes cause medo ou inquietação ou as prejudique na sua liberdade de determinação. A “perseguição” consiste, pois, na importunação de alguém que é alvo, por parte de outrem (o assediante), de um interesse e atenção continuados, persistentes e indesejados (vigilância, perseguição física, envio de mensagens, telefonemas, etc.), os quais são suscetíveis de gerar medo, inquietação ou prejuízo relevante na pessoa-alvo (sendo certo, quanto a nós, que prejuízo relevante, para os efeitos aqui considerados, é todo aquele que influa nos movimentos do dia-a-dia da pessoa-alvo). Muito embora os comportamentos do agente possam até ser considerados inócuos e corriqueiros, quando isolados do contexto global e complexivo em que ocorrem, os mesmos constituem crime (de “perseguição” - p. e p. pelo artigo 154º-A do Código Penal -) se forem praticados com persistência (ou seja, de modo prolongado no tempo - em maior ou menor período de tempo -, intimidatório e causando justificado “desconforto” na vítima), e, além disso, se forem cometidos de forma a provocar na vítima medo ou inquietação, ou de forma a prejudicar a liberdade de movimentos e de determinação da vítima. Ora, à luz de tudo o que vem de dizer-se e tendo em atenção os elementos típicos do crime pelo qual o arguido vem condenado em primeira instância, os factos dados como provados na sentença revidenda preenchem, inequivocamente, todos os elementos, objetivos e subjetivos, do tipo legal de crime p. e p. pelo artigo 154º-A, nº 1, do Código Penal. Os factos dados como provados na sentença sub judice, e em breve resumo (indo apenas ao essencial), são os seguintes: - O arguido, repetidamente, já depois de terminada a relação amorosa com a assistente (em finais de 2015), continuou a passar em frente à residência da mesma, para saber se ela lá estava, e continuou a frequentar os locais onde a mesma se encontrava, para que ela o visse; - O arguido, do mesmo modo, continuou a telefonar à assistente e a enviar-lhe mensagens de telemóvel, a saber onde é que ela estava e o que estava a fazer quando a não se encontrava em casa ou no trabalho; - Quando a assistente não atendia as chamadas do arguido ou não respondia às suas mensagens de telemóvel, o arguido dizia-lhe que ia telefonar ao pai da assistente, o que sucedeu por diversas vezes, algumas delas durante a noite, sendo certo que o pai da assistente estava doente (circunstância que o arguido conhecia), o que impelia a assistente a atender os telefonemas e a responder às mensagens enviadas pelo arguido; - No dia 20 de janeiro de 2016, a assistente dirigiu-se de carro até Reguengos de Monsaraz, para se encontrar com o seu namorado, tendo o arguido seguido atrás dela, ao volante de um veículo automóvel; - Apercebendo-se que estava a ser seguida pelo arguido, a assistente dirigiu-se para a casa de uma amiga, tendo o arguido seguido atrás da mesma, tendo estacionado o seu veículo perto da viatura da assistente e tendo permanecido sempre dentro da viatura; - Após algum tempo, quando a assistente regressou à viatura para voltar para casa, o arguido iniciou a marcha e voltou a seguir atrás da mesma; - O arguido atuou sempre com o propósito, concretizado, de constranger a assistente, de lhe incutir medo e de lhe limitar a sua liberdade pessoal e de movimentos, bem como com o intuito, conseguido, de levar a assistente a sentir-se vigiada e perseguida, tendo agido consciente e voluntariamente e sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Analisando a globalidade dos elencados factos, de modo complexivo, e ponderando a situação ambiente em que os factos foram praticados, não restam dúvidas, a nosso ver, que o arguido cometeu o crime de “perseguição”, p. e p. pelo artigo 154º-A do Código Penal. Na verdade, e conforme bem se escreve na sentença revidenda, verifica-se, na presente situação, “um comportamento persistente de vigilância das rotinas diárias da ofendida e de tentativas de comunicação com a mesma ou com os seus familiares mais próximos, levado a cabo com o propósito de provocar medo e inquietação na ofendida e de prejudicar e limitar os seus movimentos e a sua liberdade pessoal, (…) tendo a ofendida alterado as suas rotinas diárias. (…) A perseguição por automóvel e as mensagens de telemóvel são, no conjunto com os demais factos dados como provados, suscetíveis de configurar uma forma de perseguição e assédio à ofendida (…). O arguido, ao agir da forma supra descrita, estava ciente que provocava medo e inquietação na ofendida e lhe toldava a liberdade de movimentos e de determinação, forçando-a a alterar as suas rotinas diárias, e aceitando estas consequências da sua conduta”. Em suma: encontram-se preenchidos todos os elementos (objetivos e subjetivos) do tipo legal de crime pelo qual o arguido está condenado na sentença recorrida. Por conseguinte, e também nesta vertente, o recurso do arguido não merece provimento. f) Do pedido de indemnização civil. O recorrente discorda da condenação no pagamento à demandante da indemnização fixada, na sentença revidenda, a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais sofridos. Há que decidir. A demandante (e assistente) deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a condenação do mesmo a pagar-lhe a quantia de 1.500 euros (acrescida de juros de mora), a título de compensação pelos danos não patrimoniais que sofreu, decorrentes da conduta delitiva do arguido. Na sentença recorrida, esse pedido foi julgado parcialmente procedente, tendo o arguido sido condenado a pagar à demandante uma indemnização no montante de 1.200 euros (acrescido de juros de mora). Ora, e a respeito da questão cível assim colocada à nossa apreciação, importa que tenhamos presente o disposto no nº 2 do artigo 400º do C. P. Penal: “sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”. Os artigos 427º e 432º do mesmo C. P. Penal dispõem sobre as competências das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça respetivamente, em matéria de recursos, não relevando para a questão que agora nos cumpre apreciar. O nº 1 do artigo 31º da Lei nº 52/08, de 28/08, fixou em 5.000 euros a alçada dos tribunais de primeira instância em matéria cível, valor que foi mantido inalterado pelo nº 1 do artigo 44º da Lei nº 62/13, de 26/08, atualmente em vigor. Nos presentes autos, a demandante deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, no valor total de 1.500 euros, e obteve vencimento pelo montante de 1.200 euros. Os referidos valores situam-se abaixo dos parâmetros fixados pelo transcrito nº 2 do artigo 400º do C. P. Penal, pelo que a vertente civil da sentença agora recorrida não é suscetível de impugnação por meio de recurso autónomo, isto é, que não seja mera decorrência da procedência da pretensão recursiva em matéria penal. Por isso, e sendo certo que a pretensão recursiva em matéria penal é totalmente de desatender (conforme acima por nós analisado e decidido), está vedada a este Tribunal da Relação a cognição da pretensão formulada pelo recorrente relacionada com a indemnização civil em que foi condenado em primeira instância. Ou seja, esta instância recursória não pode pronunciar-se sobre a indemnização arbitrada na sentença revidenda. Nos termos e com os fundamentos sobreditos: 1 º- Não é de conhecer do recurso interposto pelo arguido na parte relativa ao pedido de indemnização civil. 2º - Em tudo o mais, o recurso interposto pelo arguido é totalmente de improceder. III - DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em: A - Não conhecer do recurso interposto pelo arguido na parte relativa ao pedido de indemnização civil. B - Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, quanto ao mais, mantendo-se, consequentemente, a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs. * Texto processado e integralmente revisto pelo relator. Évora, 05 de novembro de 2019 __________________________________ (João Manuel Monteiro Amaro) _____________________________________ (Laura Goulart Maurício) |