Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1306/23.6T8OLH.E1
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: FORMALIDADES AD PROBATIONEM
ACTA DA ASSEMBLEIA GERAL
VOTAÇÃO
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 63.º do CSC que as atas ali previstas são mera formalidade ad probationem, não interferindo com a validade das deliberações documentadas.
II. A omissão na ata de que determinada deliberação foi aprovada quando nela se atesta que determinada proposta foi, após discussão, sujeita a votação e que a mesma foi votada favoravelmente pelo único sócio não impedido, não é suscetível de afetar o processo deliberativo.
III. Na interpretação da ata funcionam os critérios interpretativos consagrados nos artigos 236.º e seguintes do CC, a permitir concluir que a deliberação foi aprovada.
IV. Resulta hoje expressamente do n.º 2 do artigo 186.º que sendo uma sociedade constituída apenas por dois sócios, a exclusão de um deles é obrigatoriamente decidida judicialmente, sendo necessária prévia deliberação societária que aprove a posterior instauração de ação com essa finalidade (cfr. n.º 2 do artigo 242.º do CSC).
V. Não tendo sido invocada disposição legal ou contratual que impusesse uma maioria qualificada, vale a regra geral da maioria simples consagrada no artigo 250.º, n.º 3, do CSC.
VI. Estando o sócio a excluir impedido de votar – artigo 251.º, n.º 2, alínea d), do mesmo diploma – a deliberação, ainda que tenha contado apenas com o voto do outro sócio, deverá ter-se como aprovada por unanimidade dos votos que poderiam ser atendidos.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1306/23.6T8OLH.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo de Comércio de Olhão - Juiz 2


I. Relatório
(…), solteiro, maior, contribuinte n.º (…), residente na EN 270, caixa postal (…), (…), instaurou contra “(…) e (…), Lda.”, sociedade por quotas, NIPC (…), com sede na Rua da (…), n.º 37, em Tavira, e (…), casado, contribuinte n.º (…), residente na Rua (…), Lote 1, 3º-Dto., em (…), ação declarativa constitutiva, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final que fossem anuladas as deliberações sociais tomadas na AGE que teve lugar no dia 20 de novembro de 2023 e, subsidiariamente, que sejam declaradas nulas as mesmas deliberações nos termos do artigo 56.º do CSC, com fundamento no facto da ata ser omissa quanto à aprovação, ou não, das ditas deliberações e por não se ter formado a maioria simples exigida para que as deliberações fossem válidas.

Regularmente citados, contestaram os RR, peça na qual alegaram ter sido a assembleia geral convocada pelo segundo réu, por ter apurado que o demandante se apropriou de bens da sociedade. Atendendo ao conteúdo dos pontos da ordem de trabalho, apenas o segundo réu poderia votar, donde, tendo votado favoravelmente as deliberações ora impugnadas, mostram-se as mesmas aprovadas por maioria absoluta, sendo assim válidas, a impor a improcedência da ação.

Teve lugar audiência prévia e nela anunciou o Tribunal que os autos permitiam o conhecimento antecipado do mérito da causa, tendo facultado às partes o exercício do contraditório.
Foi de seguida proferida decisão que, na improcedência da ação, absolveu os RR dos pedidos formulados.

Inconformado, apresentou-se o A. a recorrer e, tendo desenvolvido na alegação que apresentou os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
“1.ª Por sentença datada de 22-04-2025 o tribunal a quo julgou a ação totalmente improcedente.
2.ª O Autor ora Recorrente não se conforma com a douta sentença de que ora se recorre.
3.ª O tribunal a quo proferiu sentença sem que tivesse realizado audiência de discussão e julgamento e sem produção de prova.
4.ª Em nosso entender os presentes autos não se encontram em condições de serem decididos sem a produção de prova, nomeadamente da prova testemunhal, declarações e depoimento das partes, as quais serão necessárias para confirmar ou infirmar a prova documental junta aos autos.
5.ª Ao que acresce que in casu não se pode considerar que a factualidade em litígio já se encontra discutida nos articulados.
6.ª Nem sequer se pode considerar que é indiferente a prova dos factos que permanecem controvertidos, porquanto não pode ser proferida decisão acerca do mérito da causa sem que seja produzida a prova indicada e sem que a matéria controvertida seja dada como provada ou como não provada.
7.ª Andou mal o tribunal a quo ao proferir sentença sem a realização sem que tenha sido realizada nenhuma diligência probatória e sem a produção de prova.
8.ª O tribunal a quo violou assim o vertido nos artigos 595.º, n.º 1, alínea b) e 603.º do Código de Processo Civil.
9.ª E o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e de modo geral, o princípio do contraditório, constituindo uma decisão surpresa que é atentatória do princípio do processo justo e equitativo, garantido no n.º 4 do citado artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa e o dever de motivação da matéria de facto, dado que a complexidade da mesma impunha que o tribunal a quo ouvisse e produzisse a prova testemunhal indicada.
10.ª A sentença recorrida é nula, nos termos do 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil na medida em que o tribunal a quo não deveria ter proferido a sentença sem realizar audiência de discussão e julgamento e sem produzir a prova testemunhal indicada.
11.ª Ao que acresce que a sentença recorrida é totalmente omissa quanto aos factos dados como não provados e quanto à fundamentação da matéria de facto dada como provada.
12.ª Evidentemente, a omissão de tal formalidade legal tem manifesta influência no exame e decisão da causa, quer para efeitos de impugnação, quer do seu julgamento, que in casu não se realizou.
13.ª Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, cometeu-se uma nulidade processual prevista no artigo 195.°, n.º 1, do CPC.
14.ª Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil.
15.ª O tribunal a quo decidiu que as deliberações em apreço são válidas e foram devidamente aprovadas, razão pela qual julgou a presente ação improcedente.
16.ª E que as mesmas não são anuláveis, nem nulas.
17.ª Andou mal o tribunal a quo ao não valorar que o sócio (…) votou favoravelmente aos pontos 1 e 2 da convocatória.
18.ª E que o sócio (…) votou favoravelmente aos aditados pontos 1, 2 e 3.
19.ª O que faz com que não se tenha verificado a maioria qualificada.
20.ª Ao que acresce que a ata é totalmente omissa acerca do facto das deliberações terem ou não sido aprovadas.
21.ª Por outro lado, sempre se dirá que o Autor ora Recorrente é detentor de 50% do capital social e que o 2° Réu aqui Recorrido é detentor de 50% do capital social, sendo que a maioria simples obriga a 51% do capital social.
22.º Como tal as deliberações em apreço não foram aprovadas.
23.ª Sendo necessário o suprimento judicial.
24.ª Aliás numa sociedade em que se verifica a igualdade de quotas não pode ser realizada a decisão tomada em solitário num dos votos, havendo necessidade do suprimento judicial.
25.ª As deliberações tomadas na Assembleia datada de 20-11-2023 são assim anuláveis (cfr. artigo 58.º, n.º 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais).
26.ª Caso assim não se entenda sempre se dirá que as deliberações em apreço são nulas, nos termos do disposto no artigo 56.° do Código das Sociedades Comerciais.
27.º A sentença de que ora se recorre viola o disposto nos artigos 58.º, n.º 1, alínea c) e 56.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais.
28.ª Devendo ser revogada a douta sentença recorrida, seguindo os autos os seus ulteriores termos, nomeadamente a realização de audiência de discussão e julgamento e a subsequente produção de prova.
Conclui a requerer que, no provimento do recurso, seja revogada a sentença recorrida, determinando-se que os autos prossigam os posteriores termos.

Os apelados contra alegaram, pugnando pela manutenção do decidido.

O Sr. Juiz pronunciou-se no sentido da decisão recorrida não padecer dos vícios imputados pelo recorrente, não se verificando as invocadas causas de nulidade.
*
Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objeto do recurso, são as seguintes as questões a decidir:
i. Das nulidades da sentença;
ii. Da anulabilidade/nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária que teve lugar em Novembro de 2023.
*
i. Das nulidades da sentença
O apelante argumenta que o saneador sentença, nele tendo sido conhecido antecipadamente o mérito da causa quando existia matéria factual controvertida e, portanto, carecida de instrução, com relevância para a decisão a proferir, se encontra viciado, indicando como violados os artigos 595.º, n.º 1, alínea b) e 603.º do Código de Processo Civil (conclusões 1ª a 8ª). A decisão assim proferida é também, segundo alega, violadora do princípio da proibição das decisões surpresa plasmado no artigo 3.º, n.º 3, do mesmo diploma, que é dimanação do princípio da proibição da indefesa com assento no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, vícios que faz reconduzir à nulidade da alínea b) do artigo 615.º do CPC (conclusões 9ª e 10ª). Apreciemos, pois, ambos os fundamentos.
Epigrafado de “Causas de nulidade da sentença”, o artigo 615.º do CPC elenca como vícios que determinam a aludida sanção, para o que aqui releva, a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b).
Sendo incontroverso que a nossa Constituição consagra o dever de fundamentação das decisões -que é fonte da sua legitimação e também garantia do direito ao recurso (cfr. artigo 205.º, n.º 1, da CRP), harmonizando-se com tal exigência impõe ao juiz o artigo 154.º do CPC que fundamente as decisões proferidas sobre qualquer dúvida suscitada no processo ou qualquer pedido controvertido (vide n.º 1). Em consonância com tal dever de fundamentação, as sentenças são nulas quando não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (vide citada alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º).
Todavia, conforme também sem controvérsia vem sendo entendido, só a absoluta, que não a deficiente ou pouco persuasiva fundamentação, recai na previsão legal. Assim, para que se verifique o vício da falta de fundamentação, exige-se que tenham sido de todo omitidas as razões – de facto e/ou de direito – que conduziram à prolação daquela concreta decisão, o que não é claramente aqui o caso porquanto, conforme resulta de uma análise, ainda que perfunctória, da sentença recorrida, nela foi elencada a factualidade pertinente (pontos 1 a 7) e efetuado o correspondente tratamento jurídico de forma desenvolvida, sendo a decretada improcedência da ação o corolário lógico da aplicação do direito aos factos. E tanto assim é que o apelante ficou claramente habilitado a impugnar a decisão, à qual imputa erro na interpretação e aplicação das normas legais convocadas, revelando cabal apreensão da fundamentação expendida.
Deste modo, podendo o recorrente legitimamente discordar da decisão, como se vê que discorda, não padece a mesma do apontado vício de falta de fundamentação.

No que respeita à também invocada violação do princípio da proibição das decisões surpresa, conducente, segundo entendimento que se vem estabilizando, ao vício do excesso de pronúncia a que se refere o segmento final da alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo 615.º (cfr., desenvolvidamente, o aresto deste mesmo TRE de 20/4/2023, processo n.º 2650/17.7BELSB.E1, em www.dgsi.pt), também não se verifica.
É certo que o artigo 3.º, n.º 3, do CPC determina que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. Todavia, esta obrigatoriedade de, antes do proferimento da decisão, facultar às partes a possibilidade de se pronunciarem, visa as situações em que o juiz recorre a fundamentos que não foram antes ponderados, como ocorre nos casos em que a solução perfilhada “(…) se apresente como inovadora, pelo seu caráter invulgar e singular, objetivamente considerado, e, bem assim, quando toda a discussão pretérita tenha sido feita à luz de um determinado instituto jurídico, ainda que na base de equívocos, sem qualquer alerta por parte do tribunal, e, na decisão, o juiz opte por outra via, nunca antes cogitada” (do acórdão do TRG de 20/2/2025, processo n.º 3333/24.7T8VNF.G1, acessível em www.dgsi.pt), tendo ainda campo privilegiado de aplicação na apreciação e decisão de questões que, não tendo sido pelas partes suscitadas, são de conhecimento oficioso.
No caso vertente, as partes foram convocadas para audiência prévia por despacho datado de 29/09/2025 [Ref.ª 131715314], com as finalidades ali elencadas, a saber, “realizar tentativa de conciliação, nos termos do disposto no artigo 594.º do Código de Processo Civil, e no caso de a mesma se frustrar:
a) Facultar às partes a discussão de facto e de direito;
b) Discutir a posição das partes com vista à delimitação dos termos do litígio;
c) Suprir as insuficiências ou imprecisões da matéria de facto que ainda subsistam;
d) Proferir despacho saneador que decida do mérito da causa” (é nosso o destaque).
A audiência prévia teve lugar no dia 11/11/2024 e nela, tendo facultado às partes a discussão de facto e de direito, deu o Sr. Juiz a conhecer que, em seu entender, não subsistiam “factos controvertidos pertinentes para a decisão da causa”, encontrando-se assentes a “realização de uma assembleia geral extraordinária, a data em que a mesma se realizou, a ordem de trabalhos e deliberações dos sócios que ficaram consignadas na respetiva ata”. Acrescentou ainda que “a decisão quanto à invalidade das deliberações tomadas na assembleia geral de 20/11/2023 dependerá unicamente da apreciação do direito aplicável, pelo que não se vislumbra necessário ou útil a produção de qualquer outra prova para além da junção aos autos da certidão da matrícula da sociedade do Autor (…)”, assim tendo revelado ser sua intenção conhecer antecipadamente do mérito e facultado o exercício do contraditório.
Deste modo, não impondo a lei ao juiz que revele em antecipação o sentido da decisão que irá tomar (vide, neste preciso sentido, o acórdão do TRL de 26/9/2024, processo n.º 5294/21.5T8FNC-L1.8, acessível em www.dgsi.pt), constatando-se que apenas as questões suscitadas pelas partes e amplamente discutidas nos articulados foram conhecidas, não se tendo o tribunal afastado do enquadramento jurídico proposto e sendo a decretada improcedência um dos resultados possíveis da demanda, não se vê razão para que o autor e ora apelante tenha ficado surpreendido com o desfecho. Tudo para concluir que não se verifica a apontada nulidade.

O apelante insurge-se ainda contra o conhecimento antecipado do mérito da causa, por entender que, ao invés do entendimento perfilhado pelo Sr. Juiz, subsistia matéria controvertida com relevância para a decisão, tendo ainda como inobservado o comando contido no n.º 4 do artigo 607.º do CPC, dizendo ser deficiente ou mesmo ausente a fundamentação da decisão proferida sobre os factos, apontando em particular aos factos não provados.
Conforme resulta claro do disposto no artigo 595.º do CPCiv., é permitido ao juiz conhecer antecipadamente do mérito em sede de despacho saneador, sendo condição para tal que o estado do processo permita, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória (vide o n.º 1, alínea b), do preceito). Corolário do princípio da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis (cfr. artigo 130.º do mesmo diploma), a lei autoriza o proferimento de decisão em momento anterior quando o processo fornecer já todos os elementos de facto necessários à decisão do caso, permitindo que o juiz dispense a subsequente fase da instrução quando não existam factos controvertidos ou estes se apresentem indiferentes para a decisão a proferir: provando-se ou não, a solução a dar ao litígio será a mesma.
Acresce que a prolação de decisão assente em errada assunção de que o estado dos autos permite a apreciação antecipada do mérito, configurando erro de julgamento, não é subsumível aos vícios taxativamente elencados no n.º 1 do artigo 615.º, importando antes a anulação da decisão nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), no seu segmento final. Não é, todavia, aqui o caso.
Importa ter presente que está em causa a deliberação para a propositura da acção contra o sócio a excluir, exclusão que terá de fundamentar-se em factos que preencham a previsão do n.º 1 do artigo 267.º do CSC. Todavia, tais factos não estão aqui em discussão, encontrando-se excluídos do objeto do processo, constituindo antes a causa de pedir da ação a instaurar. Daí a irrelevância do facto, que ficou a constar da ata, de cada um dos sócios ter refutado a prática das condutas que pelo outro lhe foram imputadas.
Feita tal prévia precisão, percorridas as alegações, verifica-se que o recorrente em parte alguma identificou matéria factual que, tendo sido alegada, assuma relevância para a decisão e persista controvertida. Pelo contrário, confrontados os articulados, designadamente a petição inicial, com o elenco dos factos assentes que consta da decisão recorrida, evidenciada fica a sem razão do apelante, pois todos os alegados foram considerados e constituem base factual suficiente para fundamentar o decidido.
Finalmente, e quanto à também invocada violação do disposto no n.º 4 do artigo 607.º, preceito que impõe ao juiz que proceda a uma análise crítica das provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, configurando a arguição de deficiente ou ausente motivação da decisão proferida sobre os factos, trata-se de vício que não integra nenhuma das causas de nulidade da sentença, elencadas no citado n.º 1 do artigo 615.º. Tal irregularidade, a verificar-se, resolve-se mediante a utilização pelo Tribunal da Relação dos seus poderes mitigados de cassação, determinando ao Tribunal de 1ª instância que o(s) fundamente, mas apenas quando estejam em causa facto ou factos essenciais (cfr. alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC).
Revertendo mais uma vez ao caso dos autos, verifica-se ter sido indicado pelo Sr. Juiz, em relação a cada um dos factos assentes, o documento que o comprova. Estando em causa certidões, documentos autênticos, portanto, como é o caso da certidão permanente e ata da assembleia, lavrada que foi por sr. Notário, sem que tenha sido arguida a sua falsidade, têm o valor probatório que lhes é fixado pelo artigo 371.º do CC, permitindo que os factos documentados fossem desde logo, como foram, julgados assentes. Trata-se de juízo que o apelante não põe sequer em causa no recurso, impondo-se concluir pela suficiência da fundamentação.
Finalmente, e quanto à alegada ausência de discriminação dos factos não provados, tendo o sr. juiz feito consignar que todos os factos relevantes se encontravam assentes, a verdade é que o apelante não identifica nenhuma matéria factual que tenha sido indevidamente omitida. Acresce que da análise dos articulados oferecidos resulta o bem fundado da decisão, não tendo sido alegados quaisquer factos com relevância para lá daqueles que o tribunal selecionou e considerou.
Deflui de todo o exposto que a decisão recorrida não apresenta vícios que importem a sua nulidade, nem padece de quaisquer irregularidades.
*
II. Fundamentação
De facto
É a seguinte a factualidade relevante para a decisão, tal como nos chega da sentença proferida pela 1ª instância:
1. O Autor é sócio-gerente da 1ª Ré, conforme certidão permanente junta sob Doc. 1 à Petição Inicial.
2. O Réu (…) também é sócio-gerente da 1ª Ré.
3. A 1ª Ré é uma sociedade por quotas que tem por objeto social a “Exploração de estabelecimentos de restauração e bebidas, restaurante tradicional, café, casa de chá, gelataria, creperia, gastrobar e sushi; confecção de refeições prontas para levar para casa, take away e entrega ao domicílio; venda a retalho de produtos alimentares; organização de eventos gastronómicos, culturais e outros; comércio a retalho de artigos para o lar; organização de workshops gastronómicos.”
4. O Autor é titular de uma quota de € 500,00 (quinhentos euros).
5. E o 2º Réu é titular de uma quota de € 500,00 (quinhentos euros).
6. A 1ª Ré foi constituída no dia 01-06-2020, conforme contrato de sociedade por quotas, junto à Petição Inicial como documento n.º 2.
7. Por carta registada datada de 03-11-2023, subscrita pelo 2º Réu, na qualidade de gerente, comunicou o seguinte:
“Exmo. Senhor,
Na qualidade de sócio-gerente da sociedade acima identificada, de que V. Exa. também é sócio, sirvo-me da presente para lhe remeter a convocatória em anexo.
Anexo: o referido.”
“Convocatória
Assembleia Geral Extraordinária
(…), na qualidade de sócio-gerente da sociedade comercial por quotas denominada (…), Lda. com o capital social de € 1.000,00 (mil euros) e sede na Rua da (…), n.° 37, R/C, 8800-399 Tavira, vem convocar uma Assembleia Geral Extraordinária, a ocorrer no próximo dia 20 de novembro, pelas 10h, na sede social, com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Propositura de acção judicial de exclusão do sócio (…) atento o seu comportamento desleal e gravemente perturbador do funcionamento da sociedade no período compreendido entre junho de 2020 e agosto de 2023, pela utilização em benefício próprio do património da sociedade e apropriação ilícita de bens sociais, sendo o seu comportamento causa de prejuízos relativamente à sociedade.
2. Apresentação de queixa crime contra o sócio (…) pela prática de ilícitos criminais contra o património da sociedade no decurso do período temporal acima referido.
Se à hora indicada não houver quorum, a Assembleia funcionará meia hora depois, no mesmo local, com qualquer número de sócios e a mesma ordem de trabalhos.
Tavira, 3 de novembro de 2023”.
8. A missiva em apreço foi recebida pelo Autor.
9. Em resposta o Autor enviou a seguinte comunicação ao 2º Réu:
“Exmo. Senhor:
Acusamos a receção da vossa convocatória de Assembleia Extraordinária da sociedade (…), Lda., cujo conteúdo mereceu a nossa melhor atenção.
Atentas as posições extremadas e o conflito existente entre os sócios solicita-se a V. Exa. que a já agendada Assembleia Extraordinária da sociedade (…), Lda. seja realizada no Cartório Notarial do Dr. (…), sito na Rua da (…), 17-A, 8800- 331 Tavira no dia 20 de Novembro às 16h00 de forma a assegurar a autonomia e a isenção da mesma.
Mais se refere que os sócios podem fazer-se acompanhar, pelos seus Advogados, TOC’s e ou Contabilistas, sendo expressamente proibido acompanhamento por terceiros alheios à sociedade, que não os anteriormente previstos.
E ao abrigo do preceituado no artigo 378.º do CSC o sócio pretende incluir nos assuntos da ordem do dia os seguintes pontos:
Ponto 1: Possível apresentação de Queixa-Crime pela Sociedade contra o Sócio (…), pela prática dos Crimes de Difamação, p.e.p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, e de Informações Falsas, p.e.p. nos termos do artigo 519.º do Código das Sociedades Comerciais.
Ponto 2: Propositura de ação de exclusão do sócio (…) por comportamentos de bullyng no trabalho, utilização de dinheiro para fins pessoais, nomeadamente para aquisição de viatura própria e alteração do horário de funcionamento do estabelecimento comercial nos termos do artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais.
Ponto 3: Prestação de informações aos Sócios acerca da cessão parcial da Quota do Sócio (…) a (…).
Ponto 4: Possibilidade de apresentação em juízo de inquérito judicial à Sociedade, invocando o Sócio que tal apresentação em juízo terá por base os artigos 216.º, n.º 1, do CSC e 29.º do mesmo diploma.
Sem outro assunto de momento, subscrevo-me com os melhores cumprimentos.
O sócio gerente”.
10. No dia 20 de novembro de 2023 realizou-se a Assembleia Geral Extraordinária da 1ª Ré, conforme ata de reunião de assembleia geral, lavrando-se ata com o seguinte teor:
“INSTRUMENTO de ATA DE REUNIÃO DE ASSEMBLEIA GERAL
Aos vinte dias dos mês de novembro do ano de dois mil e vinte e três, pelas dezassete horas, perante mim, Notário privado com Cartório em Tavira, sito na Rua da (…), n.º 17-A, reuniu a assembleia geral extraordinária da Sociedade por quotas ‘(…), Lda.”, NIPC (…), com sede na Rua da (…), n.º 37, 8800-399 Tavira, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número de pessoa coletiva, com o capital social de mil euros (€ 1.000,00), da qual são sócios (…) e (…), cada um titular de uma quota igual de quinhentos euros – conforme verifiquei pela certidão permanente de registo comercial com o código de acesso (…), que consultei hoje no respetivo sítio da internet; tendo comparecido ambos os sócios:
a) o sócio (…), NIF (…), solteiro, maior, natural da freguesia de (…), concelho de Tavira, residente na Estrada Nacional (…), caixa postal (…), (…), Tavira, titular do cartão de cidadão n.º (…), válido até 18.02.2030, acompanhado pelo seu Advogado, Dr. (…), com escritório na Av. Dr. (…), n.º 43, 8800-349 Tavira;
b) e o sócio (…), NIF (…), casado, natural do Brasil, de nacionalidade portuguesa e brasileira, residente na Rua (...), Lote 1, 3°-Dto., 8150-116 São Brás de Alportel, titular do cartão de cidadão n.º (…), válido até 01.06.2030, acompanhado pelo seu Advogado, Dr. (…), com escritório na Av. (…), n.º 6, 7900-209 Vila Real de Santo António.
Foi aberta a sessão a fim de deliberar sobre a ordem de trabalhos a seguir indicada, constante da respetiva convocatória, que se anexa ao presente instrumento:
Ponto um - Propositura de acção judicial de exclusão do sócio (…), atento o seu comportamento desleal e gravemente perturbador do funcionamento da sociedade no período compreendido entre junho de 2020 e agosto de 2023, pela utilização em beneficio próprio do património da sociedade e apropriação ilícita de bens sociais, sendo o seu comportamento causa de prejuízos relativamente à sociedade;
Ponto dois - Apresentação de queixa crime contra o sócio (…) pela prática de ilícitos criminais contra o património da sociedade no decurso do período temporal acima referido.
De imediato foi designado para presidir a esta assembleia, nos termos legais (por ser o mais velho), o sócio (…), o qual iniciou os trabalhos, tendo declarado:
a) que tomou recentemente conhecimento, através da consulta que fez aos ficheiros informáticos da Sociedade, que o sócio (…) se apropriou, através do expediente de anulação de vendas por si efetuadas, das quantias seguintes:
Junho 2020 € 2.691,85
Julho 2020 € 4.389,75
Agosto 2020 € 3.897,40
Setembro 2020 € 3.813,60
Outubro 2020 € 3.701,90
Novembro 2020 € 3.316,75
Dezembro 2020 € 5.582,50
Janeiro 2021 € 2.744,40
Fevereiro 2021 € 5.490,50
Março 2021 € 5.493,85
Abril 2021 € 6.716,00
Maio 2021 € 6.187,60
Junho 2021 € 7.014,80
Julho 2021 € 6.382,25
Agosto 2021 € 5.629.55
Setembro 2021 € 5.194,30
Outubro 2021 € 4.271,15
Dezembro 2021 € 5.273,20

Janeiro 2022 € 5.210,32
Fevereiro 2022 € 2.913,85
Março 2022 € 5.210,05
Abril 2022 € 5.703,45
Maio 2022 € 4.655,10
Julho 2022 € 8.180,49
Agosto 2022 € 7.749,32
Setembro 2022 € 5.644,55
Outubro 2022 € 4.834,75
Novembro 2022 € 1.955,95
Dezembro 2022 € 10.599,70

Janeiro 2023 € 6.703,60
Fevereiro 2023 € 4.037,80
Março 2023 € 2.267,55
Abril 2023 € 5.723,90
Junho 2023 € 6.026,47
Julho 2023 € 5.653,65
Agosto 2023 € 6.612,40
Tudo no valor global de € 187.474,25.
b) que a referida apropriação ilícita de receitas da Sociedade consubstancia um comportamento desleal e gravemente perturbador do funcionamento da Sociedade e é causa de prejuízos relevantes, que se cifram, nos períodos anteriormente referidos, em € 187.474,25;
c) que considera existirem fundamentos sérios para a proposição pela Sociedade de uma ação judicial de exclusão do sócio (…), e do respetivo pedido de indemnização, o que se propõe;
d) que propõe a comunicação ao Ministério Público, através da competente queixa crime, dos factos acima referidos com vista ao apuramento da responsabilidade criminal do sócio (…).
De seguida foi dada a palavra ao sócio (…), que refutou a prática dos atos indicados nos pontos 1, 2 e 3 da ordem de trabalhos e ainda, através do seu Advogado presente, fez saber que pretende consignar nesta ata que foi enviada missiva ao sócio(…), no dia nove do corrente mês, registada nos CTT sob o n.º (…), a qual, à data presente, se encontra disponível para levantamento no posto dos CTT, desde o dia treze do corrente mês, cuja cópia se anexa ao presente instrumento, dela ficando a fazer parte integrante. Que, não obstante esta missiva não ter sido recebida pelo outro sócio, este não se opõe à inclusão na ordem de trabalhos dos seguintes pontos:
Ponto 1 - possível apresentação de queixa-crime pela Sociedade contra o sócio (…), pela prática dos crimes de difamação, previsto e punido pelo artigo 181.°, n.º 1, do Código Penal, e de informações falsas, previsto e punido nos termos do artigo 519.° do Código das Sociedades Comerciais;
Ponto 2 - Propositura de ação de exclusão do sócio (…) por comportamentos de bullyng no trabalho, utilização de dinheiro para fins pessoais, nomeadamente para aquisição de. viatura própria e alteração do horário de funcionamento do estabelecimento comercial, nos termos do artigo 242.° do Código das Sociedades Comerciais;
Ponto 3 - possibilidade de apresentação em juízo de inquérito judicial à Sociedade, invocando o sócio que tal apresentação em juízo terá por base os artigos 29.° e 216.°, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.
Desde logo o sócio (…) refutou a prática de qualquer um dos atos referidos no ponto dois agora aditado.
De seguida, os sócios passaram à discussão e deliberação das matérias da ordem de trabalhos:
1) o sócio (…), no uso da palavra, votou favoravelmente as matérias vertidas nos pontos 1 e 2 da Convocatória, pelos fundamentos que constam das alíneas a) e b); e
2) o sócio (…), no uso da palavra, votou favoravelmente as matérias vertidas nos pontos 1, 2 e 3 ora aditados, pelos fundamentos que constam mencionados na aludida missiva.
Nada mais havendo a tratar, foi elaborada a presente ata, após o que li este instrumento e expliquei o seu conteúdo, e comigo vai ser assinada pelos sócios.”
*
De Direito
Da anulabilidade/nulidade das deliberações tomadas na AGE de 20/11/2023
O autor pretende a anulação ou, quando assim se não entender, que sejam declaradas nulas, as deliberações documentadas na ata da assembleia geral extraordinária realizada no dia 20 de novembro de 2023, reproduzidas no ponto 10. dos factos provados, com um duplo fundamento: por ser a ata omissa quanto à aprovação, ou não, das deliberações, atentos os votos consignados; considerando que está em causa uma sociedade com apenas dois sócios, com quotas iguais, correspondendo, cada uma delas, a 50% do capital social, não se formou uma maioria que permitisse a aprovação do enunciado nos pontos da ordem de trabalhos colocados a votação. Assim não foi entendido na decisão recorrida, que o apelante pretende ver revertida por esta via de recurso, insistindo nos mesmos fundamentos. Mas sem razão o faz, desde já se adianta.
Antes de mais, e circunscrevendo o objeto do recurso, refira-se que não está em causa, a necessidade da deliberação societária que aprove a posterior instauração de ação de exclusão do sócio (cfr. n.º 2 do artigo 242.º do CSC) uma vez que, conforme resulta hoje expresso do n.º 2 do artigo 186.º, sendo a sociedade ré constituída apenas por dois sócios, a exclusão de um deles é obrigatoriamente decidida judicialmente.
Isto dito, constando da ordem de trabalhos, para o que aqui releva, a propositura de ação destinada a excluir o sócio autor, pedido a cumular com a pretensão de arbitramento de indemnização pelos prejuízos causados à sociedade, e também a apresentação de queixa crime pelos factos que fundamentam o pedido de exclusão, verifica-se que da ata ficou a constar a apresentação a votação das propostas -quer a relativa aos pontos iniciais, quer a apresentada pelo autor abrangendo os pontos aditados a solicitação deste-, e sentido do voto do sócio não impedido, ficando efetivamente a faltar menção expressa relativa à aprovação de cada uma das propostas. Mas daqui resultará, conforme pretende o recorrente, a anulabilidade da deliberação (que, em bom rigor, e na lógica da sua argumentação, nem sequer se teria formado)?
Epigrafado precisamente de deliberações anuláveis, o artigo 58.º do CSC diz serem anuláveis aquelas que:
a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade;
b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;
c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação (vide n.º 1 do preceito).
Acrescenta o n.º 2 que “Quando as estipulações contratuais se limitarem a reproduzir preceitos legais, são estes considerados diretamente violados, para os efeitos deste artigo e do artigo 56.º”.
O artigo 56.º, por seu turno, diz serem nulas as deliberações dos sócios:
a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados;
b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto;
c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios;
d) Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios (vide n.º 1).
Do confronto dos preceitos ora parcialmente transcritos resulta que a deliberação será anulável quando, não sendo nula, nos termos do artigo 56.º, ocorra violação de lei ou do contrato de sociedade. Ocorre, porém, que eventual irregularidade da ata, não sendo suscetível de afetar o conteúdo da deliberação, não preenche a previsão de nenhum dos mencionados preceitos, antes relevando quanto dispõe a este respeito o artigo 63.º do mesmo CSC.
Dispondo quanto ao conteúdo das atas, prescreve-se no preceito agora convocado que:
“1 - As deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas atas das assembleias ou, quando sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem.
2 - A ata deve conter, pelo menos: a) A identificação da sociedade, o lugar, o dia e a hora da reunião; b) O nome do presidente e, se os houver, dos secretários; c) Os nomes dos sócios presentes ou representados e o valor nominal das partes sociais, quotas ou ações de cada um, salvo nos casos em que a lei mande organizar lista de presenças, que deve ser anexada à ata; d) A ordem do dia constante da convocatória, salvo quando esta seja anexada à ata; e) Referência aos documentos e relatórios submetidos à assembleia; f) O teor das deliberações tomadas; g) Os resultados das votações; h) O sentido das declarações dos sócios, se estes o requererem. (…)
6 - As atas são lavradas por notário, em instrumento avulso, quando, no início da reunião, a assembleia assim o delibere ou ainda quando algum sócio o requeira em escrito dirigido à gerência, ao conselho de administração ou ao conselho de administração executivo da sociedade e entregue na sede social com cinco dias úteis de antecedência em relação à data da assembleia geral, suportando o sócio requerente as despesas notariais.
7 - As atas apenas constantes de documentos particulares avulsos constituem princípio de prova embora estejam assinadas por todos os sócios que participaram na assembleia. (…).»
Resulta claro do n.º 1 e assim se considerou por exemplo no acórdão deste mesmo TRE de 20/3/2023 (processo n.º 2311/21.2T8STR-E.1, acessível em www.dgsi.pt) que a ata, seja particular ou, conforme se verifica no caso dos autos, notarial, não corresponde a uma forma de deliberação, mas antes a um meio exclusivo de prova, não interferindo com a validade das deliberações.
Assim caracterizada como formalidade probatória, verifica-se que, no caso dos autos, a ata elaborada pelo Sr. Notário relata o modo como decorreu a assembleia geral extraordinária de 20 de Novembro. Tais factos, porque atestados com base na perceção do sr. Notário que, tendo estado presente, os documentou, devem ter-se como plenamente provados, uma vez que, repete-se, não foi arguida a falsidade da ata.
Tem-se assim por assente que após a abertura dos trabalhos e depois das incidências que ficaram descritas “(…) os sócios passaram à discussão e deliberação das matérias da ordem de trabalhos:
1) o sócio (…), no uso da palavra, votou favoravelmente as matérias vertidas nos pontos 1 e 2 da Convocatória, pelos fundamentos que constam das alíneas a) e b); e
2) o sócio (…), no uso da palavra, votou favoravelmente as matérias vertidas nos pontos 1, 2 e 3 ora aditados, pelos fundamentos que constam mencionados na aludida missiva.
Nada mais havendo a tratar, foi elaborada a presente ata, após o que li este instrumento e expliquei o seu conteúdo, e comigo vai ser assinada pelos sócios”.
Sendo aqui aplicáveis os critérios de interpretação e integração negocial constantes dos artigos 236.º e seguintes do CC, o sentido a extrair do extrato vindo de transcrever é o de que, estando cada um dos sócios impedido de votar a proposta que diretamente o afetava – impedimento expressamente previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 251.º do CSC – ambas as propostas resultaram aprovadas com o voto único do sócio votante. A omissão desta conclusão na ata não é suscetível de afetar o processo deliberativo e, como se viu, também não afeta a prova da deliberação, porque o indicado é o único sentido possível.

Arredado o fundamento invocado, que o apelante apontava como causa da anulabilidade das deliberações, resta apreciar a também alegada ausência da maioria necessária à aprovação das deliberações impugnadas.
Tendo a AGE sido regularmente convocada, resultou provado terem comparecido os dois únicos sócios, titulares, cada um deles, de quota correspondente a 50% do capital social. E tendo cada uma das propostas sido aprovada com o voto único do sócio não impedido -ao que resulta da ata, o recíproco impedimento não foi questionado, tendo-se cada um dos sócios abstido de votar a proposta apresentada a discussão e votação pelo outro- reclama o aqui autor serem tais deliberações inválidas -nulas ou anuláveis- desta feita por não terem obtido os votos necessários à sua aprovação.
Antes de mais, importa ter presente a distinção essencial entre os vícios de conteúdo da deliberação, aos quais corresponderá a sanção mais grave da nulidade quando resultem de violação de uma norma legal imperativa, e os vícios de procedimento, aos quais caberá a mera anulabilidade. Daqui decorre que, imputando o recorrente à deliberação um vício ocorrido no decurso do seu processo formativo, a verificar-se, a mesma seria meramente anulável (artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do CSC).
Vejamos, pois, se se verifica o vício invocado pelo demandante.
Não tendo sido invocada disposição legal ou contratual que impusesse uma maioria qualificada, as partes parecem aceitar que para a aprovação das propostas apresentadas por cada um dos sócios bastava uma maioria simples. E cremos que assim é, não havendo razão para a exigência de uma maioria qualificada, que se justifica na previsão do n.º 2 do artigo 186.º porque aí é a própria exclusão que é objeto da deliberação. Não é aqui o caso: convergindo as partes no entendimento de que a instauração da ação deve ser precedida de deliberação da sociedade que a determine, é quanto a esta que se discute se foi ou não aprovada pela maioria exigida.
Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 250.º do CSC, “Salvo disposição diversa da lei ou do contrato, as deliberações consideram-se tomadas se obtiverem a maioria dos votos emitidos, não se considerando como tal as abstenções.”
Na ausência de norma legal ou contratual que dispusesse em sentido diverso, vale a regra geral agora enunciada, tendo-se a deliberação por tomada quando reúna a maioria dos votos emitidos. Ora, estando o autor inibido de votar a deliberação tomada sobre a proposta que teve por objeto os pontos 1 e 2 da ordem de trabalhos, tal como o aqui réu (…) se viu impedido de votar aquela que, apresentada pelo ora apelante, teve por objeto os pontos aditados, ambas as deliberações foram, afinal, tomadas por unanimidade dos votos que poderiam ser atendidos. Tal como se concluiu na sentença apelada e aqui retomamos, “não existe óbice a que uma deliberação seja tomada apenas por um único sócio titular de uma quota, observados que sejam todos os restantes pressupostos de validade formal ou substancial da mesma.
As maiorias deliberativas formar-se-ão pois e, em princípio (salva disposição legal ou contratual em contrário) tão-somente pelos votos emitidos e validamente expressos. Maioria absoluta de votos expressamente emitidos na assembleia”. Tudo para concluir que “as várias deliberações impugnadas tomada na assembleia geral da Ré a que se refere o ponto 10 dos factos provados foram aprovadas pela totalidade dos votos emitidos ou validamente expressos, apesar do seu carácter unipessoal e uninominal”, não sofrendo de qualquer vício que importe a sua invalidade.
Improcedentes os fundamentos do recurso, impõe-se manter a decisão recorrida.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo do autor/apelante, que decaiu (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCiv.).
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Sumário: (…)
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Évora, 02 de Outubro de 2025

Maria Domingas Simões
Miguel Teixeira
Anabela Raimundo Fialho