Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
515/13.0GDPTM.E1
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: ERRO DE JULGAMENTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
VALORAÇÃO DA PROVA
PROVA DE RECONHECIMENTO
Data do Acordão: 03/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - A prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada. O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.

II - O depoimento do ofendido, nos termos em que foi produzido, era elemento mais do que suficiente para que o tribunal a quo, de acordo com as regras de experiência, a normalidade da vida e a razoabilidade das coisas, assumisse por adquirida a prática, pelo arguido A., dos factos que lhe eram imputados.

III - A violação de qualquer formalidade preliminar decorrente da figura do reconhecimento, a que se reporta o nº1 do artº 147 do CPP, não deve ser abrangida pelo seu nº7, traduzindo-se, tão somente, numa mera irregularidade, sanável se não for arguida pelo interessado no prazo legal, nos termos combinados dos artsº 105.º e 123.º, nº1, ambos do CPP.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

1. RELATÓRIO

A – Decisão Recorrida

No processo comum singular nº 515/13.0GDPTM, do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores do Tribunal da Comarca de Portimão, o M.P. deduziu acusação contra os arguidos C e A, pela prática, como co-autores e em concurso efectivo, de um crime de roubo, p.p., pelo Artº 210 nº1 do C. Penal e um crime de violação de domicílio, p.p., pelo Artº 190 nsº1 e 3 do mesmo diploma legal.

Efectuado Julgamento, decidiu-se:

- Condenar o arguido C, pela prática, como autor material e em concurso efectivo, de um crime de roubo, p.p., pelo Artº 210 nº1 do C. Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão e um crime de violação de domicílio, p.p., pelo Artº 190 nsº1 e 3 do mesmo diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 4 (quatro) anos e 10 ( dez ) meses de prisão.

- Absolver o arguido A dos crimes de roubo e de violação de domicílio que lhe eram imputados.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, no que toca à absolvição do arguido A, recorreu o M.P., tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição):

1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos autos, na parte em que absolveu o arguido A. da prática, como co – autor, dos crimes de violação de domicílio e de roubo, p. e p. pelos arts. 190º, nº 1 e 3 e 210º, nº 1 do Código Penal, por que vinha acusado

2. O Ministério Público não pode conformar-se com o decidido pelo Tribunal a quo na parte em que foram considerados como não provados os pontos de facto constantes da acusação e que permitiriam imputar ao arguido a prática dos referidos ilícitos

3. As concretas provas que impõem decisão diversa do acórdão recorrido são o depoimento do ofendido JM, conjugado com o reconhecimento de fls. 21.

4. Na verdade, relativamente aos factos constantes dos pontos 1. a 16. dos factos considerados não provados, referiu o ofendido conhecer os dois arguidos: conheço os dois, conheço um mais, o outro conheci infelizmente uma vez só. (00: 39 a 00: 43 minutos). E quando perguntado quem conhecia melhor respondeu: conheço o C, ele mora em Lagoa, viu-o várias vezes na rua (00:53 a 00:56). O A. viu-o uma vez (01:03). Estava em casa às 11 h40, salvo erro e bateram à porta. E eu como o meu genro praticamente todos os dias ia lá… Tocaram a campainha da porta e eu fui abrir pensando que era ele (genro). Ao abrir deparei com estas duas caras, e embora pusesse o pé automaticamente na fechadura a força que eles fizeram à porta, não serviu de nada, entraram logo (03:13 a 03: 47). outro arguido, que não era o C, o outro (04:39), (..) eram dois, não há terceiro, entrou de frente e com um guardanapo encharcado em éter tentou-me à força pôr no nariz (04:45 a 05: 04). Eu conheço o cheiro a éter, infelizmente já estive três vezes no hospital. Eu tentei com os braços a todo o custo evitar que ele pusesse o éter no nariz e consegui. Queriam dinheiro, queriam jóias, queriam tudo o que eu tivesse. Às tantas eu disse que a única coisa que tinha era 100€ que tinha levantado na véspera no multibanco. E fui com ele ao meu escritório, tinha lá a carteira e abri a carteira e dei os 100€, o único dinheiro que tinha em casa. Não tinha mais nada, tinha uma caixinha em plástico com moedas na segunda gaveta da secretária e ele andou lá a escolher (05:08 a 06: 04). E quando questionado sobre quem andou a escolher, o ofendido declarou aquele rapaz, aquele ali (06:06), referindo-se ao arguido A, que era o único arguido que se encontrava na sala de audiência uma vez que C havia sido retirado da sala. O C é que fez a divisão com este, não sei quanto deu (06:41). Este aqui tentou tirar os auscultadores do computador, disse que ia levar o monitor do computador e tirou da parede um quadro com uma colecção de moedas de euro, de moedas de um cêntimos a dois euros. Naquela coisa toda viemos para fora, para a casa de entrada. Houve um descuido deles (…), com a pouca habilidade saltei, consegui abrir a porta e fugi e começar a gritar por socorro. Foi ai que uma vizinha (…) Cai no chão e tentaram trazer – me para dentro de casa os dois, fiquei com os joelhos maltratados e tentaram trazer-me para casa (06: 52 a 08:30).

5. O ofendido antes mesmo de proceder ao relato dos factos, foi peremptório em afirmar que conhecia os arguidos, esclarecendo que conhecia o arguido C de vista, de Lagoa. No que concerne ao arguido C, o conhecimento advém da circunstância de ter praticado os factos. Ao longo do seu depoimento foi confirmando que o arguido praticou os factos.

6. O seu depoimento foi prestado de forma pormenorizada, honesta e sincera, e por essa razão credível.

7. Não se compreende a conclusão a que o Memº Juiz chegou (de que o reconhecimento de A. por parte do ofendido teve um timbre de maior pendor de dado adquirido, que de efectivo reconhecimento.

8. Trata-se aliás de uma conclusão que não está devidamente explicitada, nem alicerçada em factos concretos.

9. Na sentença recorrida, o Memº Juiz veio a entender que o auto de reconhecimento, efectuado no inquérito, constante de fls. 21, não pode ser valorado ante a consequência vertida no seu nº 7, porquanto foi preterido o estatuído no nº 1 do art. 147º, nº 1 do Código de Processo Penal. ( em elemento algum dos autos o ofendido descreveu previamente a pessoa que reconheceu).

10. Na verdade, do auto de notícia de fls. 2 e seguintes, extrai-se que a vítima reconheceu um dos indivíduos como sendo o C, também conhecido por Carlinhos (conhecido por esta Guarda por sendo autor de vários delitos) e descreveu o outro que era magro, com cerca de 1,70 m de altura, trazia uma mochila às costas e com uns calções escuros. (cfr. fls. 6).

11. Caso se entenda que essa descrição não pode ser considerada nos termos e para os efeitos do art. 147º, nº 1 do Código de Processo Penal (uma vez que não integra o auto de reconhecimento), sempre se dirá que o nº 1 do art. 147º do CPP não prevê uma forma ou modalidade de reconhecimento (dito descritivo), mas antes meras declarações processuais, com vista à identificação da pessoa.

12. Apesar de integrar o procedimento legalmente previsto para o reconhecimento de pessoa em sentido próprio, como aludido, a pergunta à pessoa que deve fazer o identificação sobre se já tinha visto a pessoa a identificar e em que circunstâncias não se situa ao mesmo nível das regras a que, nos termos do art. 147º, nº 2 do CPP, deve obedecer o reconhecimento da pessoa em sentido estrito.

13. Da especial configuração e regime do reconhecimento presencial de pessoas resulta, assim, que a falta de algum dos actos preliminares a que se reporta o nº 1 do art. 147º do C.P.P. não pode considerar-se abrangida pelo nº 7 do citado preceito, constituindo antes mera irregularidade.

14. Constituindo mera irregularidade, por não ter sido tempestivamente arguida encontra-se sanada, razão pela qual o reconhecimento levado a cabo pelo ofendido, no inquérito, no que concerne ao arguido A. devia ter sido valorado pelo Memº Juiz a quo e em consequência, ser dado como provada a participação do arguido A. nos factos constantes dos pontos 1. a 16

15. Nada se apurou que permita suspeitar que o ofendido faltou à verdade quando identificou o arguido A. como um dos autores dos factos que lhe foram perpetrados.

16. Sempre se dirá que se o Tribunal tinha dúvidas sobre a forma como foi identificado o arguido A. e bem assim a forma como foi efectuado o seu reconhecimento (as quais não assistiam ao Ministério Público), deveria ter procedido à inquirição dos militares da GNR que no dia dos factos foram chamados ao local e que interceptaram o arguido.

17. Não o tendo feito violou o disposto no art. 120º, nº 2 al. d) do Código de Processo Penal, omitindo diligências essenciais para a descoberta da verdade.

18. Os factos que deveriam ter sido dado como provados na sentença recorrida configuram a prática pelo arguido A., como co – autor, dos crimes por que vinha acusado, devendo o mesmo ser condenado pela prática dos crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do Código Penal e violação de domicílio, p. e p. pelo art. 190º, nº 1 e 3 do mesmo diploma legal.

C – Resposta ao Recurso

Não houve resposta a este recurso.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista à Exma Procuradora-Geral Adjunta, que pugnou pela procedência do recurso.

Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º07P2583,acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/ "HYPERLINK"http://www.dgsi.pt/ www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Na verdade e apesar de o recorrente delimitar, com as conclusões que retira das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.

O objecto do recurso cinge-se às conclusões do recorrente, nas quais se solicita a alteração da decisão recorrida, no sentido de dar por provados, também em relação ao arguido André Caneca, os factos que lhe eram imputados na acusação pública, considerando ter havido um erro de julgamento, por parte do tribunal recorrido, em relação a essa matéria.

B – Apreciação

Definida a questão a tratar, importa considerar o que se mostra fixado, em termos factuais, pela instância recorrida.

Aí, foi dado como provado e não provado, o seguinte (transcrição):

1. No dia 09 de Julho de 2013, o arguido C e uma pessoa cuja identidade se não logrou apurar, dirigiram-se à residência do ofendido JM, sita no Bairro Che Lagoense,..., Lagos, com o propósito de se apoderarem de bens e valores que ali pudessem encontrar.

2. Na execução desse plano, bateram à porta da residência, tendo o ofendido aberto a porta.

3. Ao deparar-se com uma pessoa cuja identidade se não logrou apurar, que não conhecia, o ofendido de imediato tentou fechar a porta, sendo impedido pelo arguido C e por aquela, que empurraram a porta com força, acabando por se introduzir na dita residência.

4. Após, uma pessoa cuja identidade se não logrou apurar dirigiu-se ao ofendido e, munido de um guardanapo de papel embutido em éter, tentou tapar o nariz e a boca do ofendido, por forma a deixá-lo inconsciente, o que não logrou conseguir em virtude de o ofendido ter resistido, afastando-a com as mãos.

5. Com receio do que lhe pudessem fazer, o ofendido perguntou ao arguido C e a uma pessoa cuja identidade se não logrou apurar o que queriam, logo dizendo que tinha dinheiro na carteira e que o podiam levar.

6. Ao ver que o ofendido tirava dinheiro da carteira, o arguido C. apoderou-se de imediato do dinheiro, no montante de cem euros, que repartiu com uma pessoa cuja identidade se não logrou apurar.

7. De seguida, uma pessoa cuja identidade se não logrou apurar perguntou ao ofendido se tinha jóias ou outros valores.

8. Enquanto isto, o arguido C dirigiu-se ao primeiro andar da residência.

9. Aproveitando uma distracção de uma pessoa cuja identidade se não logrou apurar, o ofendido correu em direcção à porta, tendo sido agarrado por aquela, que o empurrou para dentro de casa.


10. Na sequência o ofendido desequilibrou-se e embateu com a cara numa parede e caiu de joelhos e, desse modo, sofreu ferimentos na pálpebra direita com derrame ocular à direita e escoriação no joelho esquerdo.

11. O arguido C e uma pessoa cuja identidade se não logrou apurar cessaram então o seu comportamento e encetaram fuga, em virtude de o ofendido ter gritado e chamado a atenção de vizinhos que se deslocaram ao local.

12. Poucos momentos depois, o arguido C foi interceptado por uma patrulha da GNR a vinte metros do local, verificando-se que tinha noventa euros em notas (quatro notas de vinte euros e uma nota de dez euros).

13. O arguido C e uma pessoa cuja identidade se não logrou apurar actuaram de comum acordo, em conjugação de esforços e com o propósito concretizado de se apoderarem dos valores supra referidos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do seu legítimo proprietário.

14. Para melhor concretizarem tais propósitos, não se coibiram de usar a força física e um lenço embebido em éter para melhor constranger o ofendido.

15. Sabiam ainda que se introduziam no interior da residência do ofendido contra a vontade deste.

16. Agiram sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que tais condutas eram proibidas por lei.

17. O arguido C fez um percurso escolar reduzido, marcado por problemas de aprendizagem, abandonando a escola com cerca de quinze anos, sem ter concluído o 6º Ano de Escolaridade.

18. Desde uma fase precoce são-lhe atribuídos comportamentos problemáticos, relacionados a problemas de saúde mental, nunca tendo havido lugar a um tratamento ou viabilidade de um encaminhamento adequado aos seus problemas, por falta de adesão do arguido.

19. Nunca se integrou no mundo do trabalho, vivendo de expedientes e supondo-se que alguns dos seus proventos provenham da prestação de serviços sexuais.

20. Não tem paradeiro certo, periodicamente acolhendo-se junto da sua progenitora, perspectivando residir com a mesma, uma vez esta se dispõe a aceitá-lo quando retorne ao meio livre.

21. Adopta face ao actual envolvimento judicial um fraco sentido de responsabilidade, embora em abstracto reconheça a dimensão criminal dos factos por que se encontra acusado.

22. Preso preventivamente desde Julho de 2013, tem vindo a evoluir para um comportamento ajustado em meio prisional, ainda que de início tenha sido reactivo e sofrido uma punição disciplinar.

23. Inscreveu-se para trabalho de faxina e tem contado com as visitas da sua progenitora.

24. Mantém um modo de vida desenquadrado da família, apesar de recorrer à progenitora quando precisa.

25. As características individuais do arguido, fragilidade dos recursos de suporte e problemáticas associadas de saúde mental, fazem ponderar significativos factores de risco, a merecer necessariamente uma intervenção articulada de várias entidades, além do âmbito da intervenção da justiça.

26. Por decisão proferida em 24.03.2006, no processo n.º ---/04.3GDPTM, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Portimão, o arguido C foi condenado pela prática, em 08.10.2004, de um crime de furto qualificado, na pena de dois anos e sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, sujeita à condição de o arguido depositar a quantia de mil euros, à ordem do processo, no prazo de um ano.

27. Por decisão proferida em 05.06.2007, no processo n.º --/05.8GDPTM, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Portimão, o arguido C foi condenado pela prática, em 21.10.2005, de um crime de furto qualificado, na pena de trezentos dias de multa.

28. Por decisão proferida em 06.06.2007, no processo n.º ---/05.1GDPTM, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Portimão, o arguido C. foi condenado pela prática, em 08.10.2004, de um crime de furto, na pena de oitenta dias de multa.

29. Não se encontra arrependido.
*
Factos Não Provados
Não se provaram os restantes factos constantes da acusação de fls. 94 a 98, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, nem quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.

Pelo tribunal recorrido, foi assim justificada a motivação da decisão de facto (transcrição):

MOTIVAÇÃO
A fixação dos factos provados e não provados teve por base a globalidade da prova produzida em audiência de julgamento e da livre convicção que o Tribunal granjeou obter sobre a mesma, partindo das regras da experiência, assim como da prova escrita e oral que foi produzida, aferindo-se quanto a esta o conhecimento de causa e isenção dos depoimentos prestados, conforme se passa a explicitar.

In concretu, na senda da afirmação da ocorrência histórica dos factos dados por provados, valeu-se o Tribunal do teor das declarações prestadas pelo arguido C que não deixou de os admitir – pese embora tentando branquear a sua conduta, escudando-se numa alegada intenção de devolver o dinheiro a JM.

A seu par, não deixou de se considerar o testemunho prestado por JM, vítima da conduta do arguido C, que a verbalizou de modo compatível com o declarado por este que, como tal se fixou.
Mais se considerou o teor do relatório de perícia de avaliação do dano corporal, que evidencia as lesões apresentadas por JM.

Acresce, o teor do auto de apreensão de fls. 18, que atesta os valores que C tinha consigo, na altura em que foi interceptado.

Por conta dos elementos volitivos não deixou o Tribunal de os fixar com arrimo nas condutas percepcionadas pelas testemunhas e logradas demonstrar, que não deixam de constituir a exteriorização da determinação do arguido C, ou a afirmação – ainda que intuída, fundadamente – das suas intenções ou estados anímicos, à luz daquilo que é a normalidade das coisas e da lógica – com especial enfoque para a circunstância de o mesmo, uma vez na posse do dinheiro, se haver posto em fuga, demonstrando não desconhecer o carácter proibido e punido da sua conduta e a vontade de se apossar dos bens que com violência foram retirados ao ofendido.

Esteou a afirmação das condições pessoais e económicas do arguido C, o teor do relatório social elaborado pelos Serviços de Reinserção Social.

Para demonstração dos antecedentes criminais teve-se em atenção o certificado de registo criminal junto aos autos.

Extraiu o Tribunal a ausência de arrependimento do arguido C atenta a sua postura em audiência de julgamento e o modo como enjeitou as suas responsabilidades e todo o percurso e afirmações de tal tese servientes.

Não se provaram os demais factos vertidos na acusação, porquanto a prova produzida em relação aos mesmos não permitiu a sua afirmação.

Com especial acuidade, a participação do arguido A.

Este, negou a prática dos factos.

C, negou que houvesse A tido qualquer intervenção.

O ofendido, tão pouco olhando em audiência para os arguidos, de modo peremptório atestou ter a certeza que A. protagonizou o roubo.

ML, que assistiu à fuga dos protagonistas do roubo, não reconheceu A. como sendo um deles, sendo que se cuidava de uma pessoa mais alta que C.

A fls. 21, consta um auto de reconhecimento, no qual JM reconhece A..

Esta, é a prova disponível.

E confrontado com ela, a visão global da participação de A. é obnubilada e, a final, insuficiente em ordem a obliterar o princípio de presunção de inocência de que o mesmo beneficia.

O reconhecimento de A, por banda de JM – que tão pouco olhou para o mesmo em audiência, quando perguntado se o reconhecia como autor do roubo – teve um timbre de maior pendor de “dado adquirido”, que efectivo reconhecimento, não se mostrando credível.

Tão pouco vale o auto de reconhecimento junto aos autos, preterido que foi o estatuído pelo n.º 1, do Art.º 147º, do Código de Processo Penal – em elemento algum dos autos havendo o ofendido descrito previamente a pessoa que reconheceu – e ante a consequência vertida no seu n.º 7.

Certo é, que ML, que assistiu à fuga dos protagonistas do roubo, não reconheceu A como sendo um deles, sendo que se cuidava de uma pessoa mais alta que C.

Certo é, que em audiência, verificou o Tribunal que A é mais baixo de C.

Certo é, que com A. nada foi encontrado que indicie a participação no roubo.

Certo é, que os vestígios lofoscópicos encontrados no local, tão pouco foram comparados com as suas impressões digitais.

Por outro lado, as declarações prestadas pelo mesmo em sede de primeiro interrogatório, malogradamente, são imperceptíveis, subtraindo a possibilidade de escrutinar o teor do então declarado e o declarado em audiência, na senda de procurar incongruências ou outros elementos que corroborassem a sua participação.

Estribados em tíbios elementos, seria temerário, se não lógica e processualmente infundado, fixar a participação do arguido A., assim se impondo a sua recondução à factualidade não demonstrada.

Quedou-se por provar que foram retirados dois euros em moedas, das gavetas da secretária do escritório e que os cem euros retirados a JM se compunham de quatro notas de vinte e duas notas de dez, porquanto nenhuma das testemunhas inquiridas o mencionou.

Do mesmo modo e por igual motivo, naufragou a prova de que A. foi interceptado pela GNR uns momentos depois, junto a um jardim.

Estabelecida a base factual pela sentença em análise, importa apreciar da bondade do peticionado pelo recorrente:

B.1. Do erro de julgamento:

Entende o recorrente que existiu erro por parte do tribunal recorrido na forma como avaliou a prova produzida em Audiência, na medida em que o depoimento do ofendido, JM, conjugado com o auto de reconhecimento de Fls. 21, impõem que se dê por assente, também em relação ao arguido A., os factos descritos na acusação e assim condená-lo pelos crimes de roubo e violação de domicílio que lhe eram imputados, a par do seu co-arguido, C.

É sabido que constitui princípio geral que as Relações conhecem de facto e de direito, nos termos do estatuído no Artº 428 do CPP, sendo que, no tocante à matéria de facto, é também sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada, incumbindo a quem recorre o ónus de impugnação especificada, previsto no Artº 412 nsº3 e 4 do citado diploma, condição para que a mesma seja apreciada e, depois e se for o caso, dos vícios a que alude o Artº 410 nº2 do C.P.P.

O erro de julgamento, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova produzida, deveria ter sido considerado provado.

Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.

Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nsº3 e 4 do Artº 412 do CPP.

É que nestes casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.

E, é exactamente porque o recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando (violação de normas de direito substantivo) ou in procedendo (violação de normas de direito processual), que o recorrente deverá expressamente indicar e se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº3 do Artº 412 do CPP 412.

Assim, é-lhe imposta a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especificação esta, que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado.

Tem também de especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o que só se realiza com a elucidação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida, acrescendo que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova impõe decisão diversa, ou seja, deve relacionar esse meio de prova que implica decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado.

E por fim, deve individualizar as provas que devem ser renovadas, anotando os meios de prova produzidos na audiência de julgamento no tribunal de primeira instância, os vícios referidos nas alíneas do nº2 do Artº 410 do CPP, ou as razões para crer que aquela renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo (Artº 430 do mesmo diploma legal).

No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto, é que o recorrente revele a sua opção de facto em alternativa à que foi assumida pela decisão revidenda, justificando, em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente.

Ou, por outras palavras, como se afirma no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/03/12, publicado no D.R., I Série, nº 77, de 18-04-2012:

Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório.

A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.

O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto.

Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.”.

Postos estes considerandos e sem os olvidarmos, decorre da peça recursiva que o recorrente deu cabal cumprimento a seu triplo ónus de especificação, existindo assim elementos bastantes para observar a pretendida impugnação factual alargada.

E procedendo à mesma, ter-se-á que concluir, salvaguardando o respeito por opinião contrária, que lhe assiste razão, devendo assim a sentença recorrida ser alterada no que concerne à assumpção probatória relativa ao arguido A.

Como decorre do que atrás se transcreveu, o tribunal a quo considerou não haver prova bastante para a condenação deste arguido, porquanto, em síntese apertada, este negou a prática dos factos, negação também confirmada pelo outro arguido, nenhuma testemunha o reconheceu em audiência, designadamente, o ofendido, que, quase nem o tendo olhado, não foi suficientemente peremptório, nem credível, na certeza de o arguido A. ser um dos protagonistas do roubo de que foi vítima.

Mais considerou a instância sindicada, que nenhuns bens foram apreendidos a este arguido e que o auto de reconhecimento de Fls. 21, na qual o ofendido o reconhece, não pode ser valorado como tal, pois nele foi preterido o estatuído no nº1 do Artº 147 do CPP.

Ora, acompanha-se, de perto, o invocado pelo recorrente nas suas motivações de recurso e que demonstra, com suficiência bastante, que a prova produzida em tribunal, não só permitia, como impunha, ao Mmº Juiz a quo, que desse por provados os factos que na acusação pública são imputados ao arguido A.

Com efeito, como se alcança do testemunho do ofendido, este, ainda antes de iniciar o seu depoimento e quanto questionado sobre se conhecia os arguidos declarou « … conheço os dois, conheço um mais, o outro conheci infelizmente uma vez só … » ( sessão de julgamento do dia 28/10/13, 00:39 a 00:43 minutos ), reforçando depois, no que respeita ao arguido em causa, que « … O A. viu-o uma vez… » ( 01:03 ).

No seu depoimento, referiu que quando abriu a porta de sua casa pensando que era o seu genro, deparou « … com estas duas caras, e embora pusesse o pé automaticamente na fechadura a força que eles fizeram à porta, não serviu de nada, entraram logo … » ( 03:13 a 03: 47 ), sendo certo que ao ser inquirido sobre se entraram os dois arguidos ao mesmo tempo, respondeu « … entrou primeiro aquele Sr. que está ali naquele lado… » ( 03:51 a 03:53 ).

Nesta altura do depoimento do ofendido, o arguido C foi retirado da sala de audiência por estar a perturbar os trabalhos (Cfr. acta de fls. 176-179), pelo que, ao retomá-lo, aquele foi de novo questionado sobre o gesto que estava a fazer ao apontar para o arguido que entrou em primeiro lugar na sua residência, tendo respondido tratar-se do « … outro arguido, que não era o C, o outro … » ( 04:39 ), esclarecendo que « … entrou de frente e com um guardanapo encharcado em éter tentou-me à força pôr no nariz…» ( 04:45 a 05:04 ).

Confirmando, na íntegra, o relato factual descrito na acusação, contou, referindo-se ao arguido A, « …tentei com os braços a todo o custo evitar que ele pusesse o éter no nariz e consegui. Queriam dinheiro, queriam jóias, queriam tudo o que eu tivesse. Às tantas eu disse que a única coisa que tinha era 100€ que tinha levantado na véspera no multibanco. E fui com ele ao meu escritório, tinha lá a carteira e abri a carteira e dei os 100€, o único dinheiro que tinha em casa. Não tinha mais nada, tinha uma caixinha em plástico com moedas na segunda gaveta da secretária e ele andou lá a escolher … » ( 05:08 a 06: 04 ), tendo afirmado, sem margem para dúvidas, quando perguntado sobre quem andou a escolher, que foi « … aquele rapaz , aquele ali… » ( 06:06 ), referindo-se inevitavelmente ao arguido A, na medida em que este era o único arguido que se encontrava na sala de audiência uma vez que o arguido C já dela havia sido retirado.

E acrescentou ainda, (06:06 a 06:27), « O C não fez nada, o C era um pau mandado deste, foi ao primeiro andar à procura de jóias, não sei o que andou a fazer, andou lá a besoirar, a ver, a investigar onde havia jóias. »

Mais referiu ter sido o arguido C quem fez a divisão do dinheiro, « …com este… » e que « … este aqui tentou tirar os auscultadores do computador, disse que ia levar o monitor do computador e tirou da parede um quadro com uma colecção de moedas de euro, de moedas de um cêntimos a dois euros » (06:38 a 06:41).

Por fim, ao ser interrogado sobre se tinha a certeza da presença do arguido A. no local no dia dos factos e se o reconhecia, o ofendido respondeu « … ter a certeza e reconheço, reconheço » ( 09: 58 e 10:07 )

Ora, tendo em conta este depoimento, que foi prestado, tanto quanto se vislumbra, de forma genuína, honesta, autêntica e sincera e de onde não resulta qualquer particular incompatibilidade do ofendido para com o arguido A. que inquinasse a sua credibilidade, não se vê razão para que o tribunal a quo não o tivesse aceite, de forma a considerar que aquele arguido, foi, a par com o arguido C, um dos autores dos factos dos autos.

Igualmente não se entende a razão pela qual o tribunal a quo retirou credibilidade ao depoimento do ofendido, no que respeita à sua identificação do arguido A, considerando-o pouco credível e resultante de um « …dado adquirido …», na medida em que ao longo do seu testemunho, sem margem para dúvidas, o ofendido identifica este arguido, esclarecendo os concretos actos objectivos por si praticados, reconhecimento que ganha particular acuidade quando esse arguido era o único que se encontrava na sala de audiência, em consequência do arguido C. dela ter sido retirado por estar a perturbar os trabalhos.

É certo que no nosso ordenamento jurídico, e particularmente no processo penal, não existe prova tarifada, inexistindo regras de valoração probatória que vinculem o julgador, pelo que, por regra, qualquer meio de prova deve ser analisado e valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (Artº 127 do CPP), onde se estipula que : Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

Tal princípio assenta, fundamentalmente, em duas premissas:

A de que o juiz decide de forma livre e de acordo com a sua íntima convicção, formada a partir do confronto das provas produzidas em audiência.

E que tal convicção há-de ser formada com base em regras de experiência comum.

Nestes termos, o juiz não está sujeito a critérios de valoração de cada um dos meios probatórios, legalmente pré-determinados, sistema da prova legal, sendo o tribunal livre na apreciação que faz da prova e na forma como atinge a sua convicção.

Contudo, sendo esta uma apreciação discricionária, não é a mesma arbitrária, tendo a referida apreciação os seus limites.

Não verdade, livre convicção não pode ser sinónimo de arbitrariedade.

Ou seja, a livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração "racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência (…), que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão” de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o tribunal se convenceu de determinado facto, ou, dito de outro modo, porque é que o juiz conferiu credibilidade a uma testemunha e descredibilizou outra, por exemplo.

« A sentença, para além dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova, deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência. »- Ac. do STJ de 13/02/92, CJ Tomo I, pág. 36.

O que o juiz não pode fazer nunca é decidir de forma imotivada ou seja, decidir sem indicar o iter formativo da sua convicção, « é o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir (…) comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi racional ou absurdo » ( Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, pág. 126 e sgs. ).

Como diz o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1º Vol., Coimbra Editora, 1974, págs. 202/203, « a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo ».

Por outro lado, e segundo o mesmo, « a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. (...) Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.

Uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável».

Também o Prof. Cavaleiro Ferreira, in «Curso de Processo Penal», 1986, 1° Vol., pág. 211, diz que o julgador, sem ser arbitrário, é livre na apreciação que faz das provas, contudo, aquela é sempre «vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório».

Directamente ligada a esta apreciação livre das provas, e determinante na formação da convicção do julgador, está o princípio da imediação, que Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 232, define como « a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão ».

« (...) Só estes princípios (também o da oralidade) permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem, por último, uma plena audiência destes mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso».

Ora, nessa avaliação probatória e na aferição global de toda a prova produzida, designadamente, como a da situação sub judice, o juiz deve fazer essa exegese segundo as regras da experiência comum, com bom senso e de acordo a normalidade da vida e o sentido das coisas.

A prova não pode, contudo, ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada.

O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.

Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, o depoimento do ofendido, nos termos em que foi produzido, era elemento mais do suficiente para que o tribunal a quo, de acordo com as regras de experiência, a normalidade da vida e a razoabilidade das coisas, assumisse por adquirida a prática, pelo arguido A., dos factos que lhe eram imputados.

E para esta consequência, nem sequer se torna necessário recorrer ao auto de reconhecimento de Fls. 21, em que o ofendido, sem qualquer hesitação ou reserva, indica o arguido A. como um dos autores do roubo.

É certo que a instância recorrida não avaliou, como tal, este documento, por ter havido preterição da formalidade ínsita no nº1 do Artº 147 do CPP, o que, em seu entender, impede a sua valoração como reconhecimento, por força do nº7 desta norma.

Com o devido respeito, discorda-se deste entendimento, na medida em que, na esteira do já afirmado por esta Relação, no seu acórdão de 19/03/13, proferido no Proc. 460/07.9JAFAR.E2, (disponível para consulta em www.dgsi.pt.), defende-se que a violação de qualquer formalidade preliminar decorrente da figura do reconhecimento, a que se reporta o nº1 do Artº 147 do CPP, não deve ser abrangida pelo seu nº7, traduzindo-se, tão somente, numa mera irregularidade, sanável se não for arguida pelo interessado no prazo legal, nos termos combinados dos Artsº 105 e 123 nº1, ambos do CPP.

Nessa medida, sempre o dito auto de reconhecimento poderia ser valorado em audiência de julgamento, quanto mais não fosse, pela simples indicação reportada ao arguido A. efectuada pelo ofendido, na sequência, aliás, da descrição física que este deu à autoridade policial e que permitiu a detenção daquele logo após a prática dos factos e perto do local dos mesmos (Cfr. auto de notícia de Fls. 2/7).

Reforça-se contudo, que o reconhecimento de Fls. 21 mais não faz do que corroborar a prova produzida em Audiência de Julgamento, nomeadamente, o depoimento do ofendido, o qual, por si só, era o bastante para concluir, fora de dúvida razoável, pela inteira procedência da acusação, no que respeita ao arguido A.

Importa trazer à colação o já afirmado em Acórdão deste Tribunal da Relação, em 03/05/07, proferido no processo n.º 80/07-3 disponível no sítio da internet www.dgsi.pt,

«O erro na apreciação das provas relevante para a alteração da decisão de facto pressupõe, pois, que estas (as provas) deveriam conduzir a uma decisão necessária e forçosamente diversa e não uma decisão possivelmente diferente; se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão, diversa da proferida, mas sem excluir logicamente a razoabilidade desta, neste caso pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior; a decisão proferida com base numa interpretação e valoração (ainda que discutíveis) fundamentadas nas provas produzidas contida no espaço definido pela livre apreciação das provas e pela convicção por elas criada no espírito do juiz, não pode ser alterada, a menos que contra ela se apresentem provas irrefutáveis, já existentes nos autos e desconsideradas ou supervenientes.

Por outras palavras: a sindicância da decisão de facto deve limitar-se à aferição da sua razoabilidade em face das provas produzidas …

… A segunda instância em matéria de facto não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas tão só apreciar se a convicção expressa pelo tribunal a quo na decisão da matéria de facto tem suporte razoável …»

Esta é, com o devido respeito, a situação dos autos.

O depoimento do ofendido produzido em Audiência, supra descrito e o modo como, por diversas vezes, identifica o arguido A. como autor dos crimes de que foi vítima, descrevendo, pormenorizadamente, a sua dinâmica criminosa, leva a concluir que devia o tribunal a quo ter dado como provado que o mesmo praticou os factos constantes da acusação, em co-autoria e comunhão de esforços com o arguido C, devendo ser condenado pela prática dos crimes de roubo e violação de domicílio pelos quais vinha acusado, sem prejuízo, naturalmente, da necessária apreciação jurídico-criminal quanto ao efectivo preenchimento dos dois ilícitos em causa, designadamente, em sede de concurso efectivo.

Houve assim, nesta parte, uma errada apreciação e valoração das provas, o que se reconduz a um erro de julgamento da matéria de facto, verificável pela ponderação concertada das provas produzidas e respectivo exame crítico, de onde não resulta a formulação do juízo efectuado pela instância sindicada.

A decisão, nesta matéria, do tribunal recorrido, desprezou uma interpretação e valoração que, baseada em meios de prova credíveis e seguros, apresentam força bastante para desenharem, com a consistência necessária, um juízo condenatório em relação ao arguido A., razão pela qual, merecendo essa censura, deve ser alterada.

Não pode assim este Tribunal ad quem deixar de julgar procedente a impugnação alargada da matéria de facto efectuada pelo recorrente e em consequência, proceder à alteração da factualidade dada por provada em função do que resulta do atrás exposto.

Assim sendo, e dispondo os autos de todos os elementos que o permitem, irá este tribunal proceder à alteração da decisão de facto da 1ª instância, de forma a dar por assente toda a factualidade imputada na acusação pública, ao arguido A.

Desse modo, devem os autos baixar à instância recorrida para que a mesma, face ao exposto, decida da(s) pena(s) concreta(s) a aplicar ao arguido A., em face dos crimes que lhe são imputados, operação em que, se entender, poderá socorrer-se da reabertura da Audiência para determinação da sanção, nos termos dos Artsº 369 e 371, ambos do CPP, porquanto, da factualidade apurada, nada consta em relação às condições pessoais daquele arguido.

É certo que, poderia esta Relação, atentas as alterações efectuadas, decidir da(s) pena(s) a aplicar ao arguido A, mas se assim optasse, estaria a preterir um grau de jurisdição, desse modo o podendo prejudicar, pois aquele, poderá, eventualmente, não se conformar com o que vier a ser determinado pela 1ª instância.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se dar provimento ao recurso e em consequência, revoga-se a decisão recorrida nas seguintes parcelas:

- Nos Artsº, 1, 3 a 7, 9, 11 e 13 da factualidade apurada, determina-se a substituição da expressão, pessoa cuja identidade se não logrou apurar, por «arguido A»;

- Mais se determina que se adite aos factos provados, como consta da acusação, que o arguido A. também foi interceptado pela GNR, uns momentos depois, junto a jardim.

- Em função do atrás decidido, deve ser proferida nova sentença que proceda à imputação jurídico-criminal ao arguido A. dos crimes referidos na acusação, podendo, para tanto e se entender, reabrir a Audiência de Julgamento, para apuramento das suas condições pessoais com vista à determinação da sanção.

No mais, mantêm-se o decidido pela 1ª instância.

Sem custas.

xxx
Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi integralmente revisto e elaborado pelo primeiro signatário.

Évora, 25 de Março de 2014
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(Renato Damas Barroso)
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(António Manuel Clemente Lima)