Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DOMINGAS SIMÕES | ||
Descritores: | TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE PRAZO PARA A RECLAMAÇÃO TRÂNSITO EM JULGADO | ||
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Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I. A apresentação pela parte, na sequência da notificação da conta e no prazo de que dispunha para dela reclamar, de requerimento a solicitar a dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça, é intempestivo, face ao que dispõe o n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que o exercício do direito a tal dispensa/redução fica precludido com o trânsito em julgado da decisão final do processo. II. Tal entendimento não viola o artigo 20.º da CRP. (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1901/21.8T8EVR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Évora Juízo Central Cível e Criminal de Évora – Juiz 4 I. Relatório Inconformada com o despacho proferido em 1 de Julho de 2024, no segmento em que, apreciando a reclamação da conta que apresentara, indeferiu a requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, veio a autora Herdade da (…), Lda. interpor o presente recurso, cuja alegação rematou com as seguintes conclusões: “1. A recorrente foi notificada da conta de custas, na pessoa da sua mandatária, em 11.03.2024 (ref.ª 33873973). 2. Cabendo-lhe pagar a quantia de € 176.868,00 (cento e setenta e seis mil e oitocentos e sessenta e oito euros). 3. Por requerimento de 25.03.2024 (ref.ª 3950908), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, requereu a A. a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. 4. O tribunal recorrido não se pronunciou sobre o requerido por entender estar precludido o direito da recorrente o fazer. 5. Nenhuma razão ou argumento aduziu para tal entendimento, limitando-se a acolher o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2022. 6. A preclusão do direito a requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça, nada tendo sido decidido a respeito, tem lugar nos dez dias subsequentes à notificação da conta de custas. A recorrente faz suas as seguintes ilações: “Fazer incidir sobre a parte o cumprimento de um prazo que a lei não prescreve, nem impõe ao Juiz que o acate, estar-se-ia a criar uma dualidade decisória de sentido oposto, de difícil explicação e compreensão jurídica: o tribunal pode usar os seus poderes / deveres oficiosos, mas as partes, apenas os podem suscitar, caso aqueles não sejam exercidos oficiosamente, num prazo pré-estabelecido”. 7. O requerimento da recorrente é assim tempestivo. 8. O tribunal recorrido fez uma errada interpretação do n.º 7 do artigo 6.º do RCP. 9. Tal interpretação da norma é ilegal e inconstitucional por violação do disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. 10. Deve, pois, revogar-se a decisão em crise, julgando-se tempestiva a requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. 11. E, atentos os argumentos vertidos em tal requerimento, deve dispensar-se a recorrente do pagamento de tal taxa. Não foram oferecidas contra alegações. * Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objeto do recurso, constitui única questão a decidir determinar se a dispensa/redução do remanescente da taxa de justiça pode ainda ser requerida no prazo legal de reclamação da conta e, na afirmativa, se deve tal pretensão ser, no caso vertente, deferida, ou antes, por intempestiva, deve, com tal fundamento, ser rejeitada, conforme foi entendido na decisão apelada. * II. Fundamentação De facto Releva para a decisão a seguinte factualidade, a qual se tem por adquirida face aos elementos constantes dos autos: 1. A autora instaurou contra (…), Empresa de Gestão e Desenvolvimento Florestal, SA e Lagar do (…) – Produção e Transformação de Azeite, Lda. a presente acção declarativa que caracterizou como de simples apreciação, requerendo a final fosse declarado: a) Que o contrato de arrendamento de 1 de Junho de 2011, da primeira R. à A., é um contrato de arrendamento rural agrícola, cujo prazo é de sete anos (prazo mínimo legal nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro, L.A.R.) e se renovou pelo período de sete anos em 1 de Junho de 2018 (nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro, L.A.R.) mantendo-se, actualmente, em vigor até 1 de Junho de 2025; b) Que a A. manifestou, válida e eficazmente, a sua intenção de exercer o direito de preferência na compra, mantendo, consequentemente, intacto o seu direito de preferência na venda dos prédios: “Herdade da (…)”, com a inscrição matricial n.º (…), da secção (…); “Herdade dos (…)”, com a inscrição matricial n.º (…), da secção (…); “Herdade do (…)”, com a inscrição matricial n.º (…), da secção (…); c) Que o contrato de arrendamento rural de campanha celebrado entre as duas RR. em 1 de Fevereiro de 2021 é ineficaz para a A., nos termos do artigo 407.º do C.C.; d) Que o contrato de arrendamento rural é nulo, nos termos do artigo 240.º do C.C., por se tratar de um negócio simulado com o objectivo de prejudicar o direito de preferência da A., ou, alternativamente, nos termos do n.º 1 artigo 280.º e 294.º do C.C., porque o seu objecto é contrário à lei e legalmente impossível nos contratos de arrendamento de campanha; e) Que, nos termos do n.º 1 do art. 241.º do C.C., ou, alternativamente, nos termos do n.º 1 artigo 293.º do C.C. este contrato é válido para arrendamento rural florestal e agrícola da “(…)”, por trinta anos, para todos os fins agrícolas nomeadamente de regadio, incluindo plantações intensivas. f) Que a A. mantém o seu direito de preferência a qualquer arrendamento válido, e eficaz, que a primeira R. venha a celebrar, durante cinco anos após o termo do actual contrato de arrendamento rural com a A., seja por novo contrato, seja por alteração judicial ou convencional, expressa ou tácita, ao contrato celebrado com a segunda R.”, tendo atribuído à ação o valor de € 235.000,00. 2. A Ré (…) contestou e deduziu contra a A. pedido reconvencional, peticionando a condenação da reconvinda no pagamento da quantia de € 199.055,50. 3. Teve lugar audiência prévia e nela foi fixado à ação o valor de € 14.716.965,00, a que se somou o valor do pedido reconvencional, tendo o valor da ação sido fixado no montante de € 14.916.020,50, decisão que, na sequência da desistência por banda da Ré (…), Empresa de Gestão e Desenvolvimento Florestal, SA do recurso que oportunamente apresentara, se mostra transitada em julgado. 4. Após realização de julgamento foi proferida em 5 de Março de 2023 sentença que, tendo decretado a improcedência da ação, com a consequente absolvição das RR dos pedidos formulados e também do pedido reconvencional, com a consequente absolvição da reconvinda, determinou quanto a custas que as mesmas ficassem “a cargo da autora e das rés, na proporção do respetivo decaimento – cfr. artigo 527.º, n.º 1, do CPCiv.”. 5. A sentença, notificada às partes, transitou em julgado e, tendo os autos sido remetidos à conta, a sra. funcionária contadora apurou de taxa de justiça em dívida a cargo da autora o montante de € 176.868,00. 6. A recorrente foi notificada da conta de custas, na pessoa da sua mandatária, em 11.03.2024 (ref.ª 33873973). 7. Por requerimento de 25.03.2024 (ref.ª 3950908), a A. requereu a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. 8. Apreciando o requerido foi proferido em 1 de Julho a decisão ora recorrida, com o seguinte exato teor: “Reclamação de conta de 25-03-2024 – Autora Herdade da (…), Lda.. Veio a Autora reclamar da conta sustentando que “tendo em conta o objecto do processo, as diligências tomadas, e as obrigações decorrentes do mesmo para cada uma das partes, não se considera justificável o valor apresentado a título de taxa de justiça” e que o critério do artigo 6.º, n.º 7, do RCP não foi observado. Conclui requerendo a “correcta aplicação do artigo 6.º, n.º 7, do RCP e, aplicando os critérios da proporcionalidade e razoabilidade, dispensar o pagamento de uma percentagem do valor da taxa de justiça indicada, uma vez que a mesma na sua totalidade excede o valor limite tabelado de € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros).” O Ministério Público promoveu o indeferimento do requerido pela Autora, por extemporaneidade, de harmonia com o decidido no Acórdão do STJ de fixação de jurisprudência n.º 1/2022, de 03-01, que determinou que “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”. Cumpre apreciar. O requerimento em análise remete-nos para uma questão, amplamente debatida na jurisprudência, nomeadamente, saber qual o momento processual limite para as partes requererem a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do RCP? Sobre esta matéria debruçou-se, com especial pormenor, o Acórdão do STJ de fixação de jurisprudência n.º 1/2022, de 03-01, segundo o qual: “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”. Este Tribunal concorda integralmente com os fundamentos que conduziram à fixação da assinalada jurisprudência, para onde remetemos atenta a natureza e amplitude da análise, incluindo, ao nível da constitucionalidade da posição perfilhada. Consequentemente, entendemos que, não sendo apreciada oficiosamente na sentença, a eventual dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser requerida pela parte até à data do trânsito em julgado da decisão final. Após este termo, preclude o direito de pedir a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente. Observada a reclamação da conta da Autora, concluímos que a mesma não se prende com qualquer erro material. Na verdade, a Autora não reclama da conta apresentada, antes requer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, do RCP. Ora, uma vez que a sentença foi notificada às partes em 06-03-2023, concluímos, sem margem para dúvidas, que à data do ora requerido, há muito se tinha esgotado o prazo para o efeito. Em face do exposto, ao abrigo do mencionado AUJ, pelos fundamentos ali vertidos e que aqui damos por integralmente reproduzidos, indefiro a requerida dispensa do pagamento da taxa de justiça por extemporaneidade do pedido e, consequentemente, indefiro a reclamação da conta deduzida pela Autora. Notifique.” * De Direito Da tempestividade do pedido de dispensa/redução do remanescente da taxa de justiça. Não questionando a apelante que pretendia apenas e só requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça contada ou, no limite, a sua redução, não imputando à conta elaborada qualquer erro, a questão colocada respeita exclusivamente, antes de mais, e tal como a sra. juíza enunciou na decisão recorrida, à tempestividade da formulação de tal pretensão. Com efeito, a reclamação efetuada ao abrigo da alínea a) do n.º 3 do artigo 31.º do RCP visa permitir à parte que requeira, e eventualmente obtenha, a reforma da conta elaborada pela secretaria, com fundamento em desconformidade com as condenações quanto a custas ou com as normas legais aplicáveis – o que não é o caso, conforme a apelante reconhece –, e não a pedir a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça. Não estando em causa propriamente uma reclamação da conta, e tendo a sra. juíza entendido que a pretensão fora extemporaneamente apresentada, prejudicada estava a apreciação do seu fundamento material, pelo que sobre ele não se pronunciou, nem tinha que pronunciar. A questão de saber até quando podia a parte requerer a dispensa/redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida suscitou desencontradas decisões judiciais, divergência nunca superada que obrigou à intervenção uniformizadora do STJ, o que veio a fazer através do invocado AUJ n.º 1/2022, de 03-01, segundo o qual: “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”. Argumenta a recorrente, com razão, que os acórdãos de uniformização de jurisprudência não são vinculativos, podendo os juízes adotar solução diversa. Concordando-se com a apelante quanto ao caráter não vinculativo dos acórdãos uniformizadores -não têm decerto força obrigatória geral, não sendo sequer a sua doutrina de seguimento obrigatório- haverá no entanto que lhe reconhecer a natureza de precedente persuasivo, o que encontra respaldo, não só na sua qualificada proveniência, como em normas processuais de admissibilidade dos recursos (como é o caso da alínea b) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC), visando “a natural aceitação e acatamento da respectiva jurisprudência pelos tribunais inferiores e pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça (cfr. acórdão do STJ de 24 de maio de 2022, proferido no processo 1562/17.9T8PVZ.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt, e que incidiu justamente sobre a questão que ora nos ocupa). Conforme aí se refere, não obstante não se encontrar dotada de obrigatoriedade, “a jurisprudência uniformizada deve ser respeitada pelos tribunais de instância e pelo próprio STJ, uma vez que a aplicação do direito não pode ser alheada dos valores da igualdade, da segurança e da certeza jurídicas, pressupostos da própria legitimação da decisão”, maneira que “A linha interpretativa fixada nos acórdãos uniformizadores só deverá ser objecto de desvio, no âmbito do mesmo quadro legal, perante diferenças fácticas relevantes e/ou (novos) argumentos jurídicos que não encontrem base de ponderação nos fundamentos que sustentaram tais arestos”. E com tal fundamentação concluiu-se no mesmo aresto que “Estando em causa nos autos determinar o momento a partir do qual se mostra precludido o direito de a parte requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, impõe-se ter presente e acatar o sentido interpretativo que foi fixado pelo AUJ n.º 1/2022 ao artigo 6.º, n.º 7, do RCJ”. Foi esse o sentido da decisão apelada, do qual não vemos razão, nem à luz da factualidade relevante, nem dos argumentos esgrimidos pela apelante – que se apoia nos doutos votos de vencido ao acórdão uniformizador, sem adiantar inovadora fundamentação – para dissentir, concluindo-se, também aqui, pela intempestividade da apresentação da pretensão que se aprecia. Em respeito pelos fundamentos do recurso, que diz ser tal interpretação violadora do artigo 20.º da CRP, cabe ainda acrescentar que tal entendimento, submetido que foi ao crivo do Tribunal Constitucional, mereceu um juízo de não desconformidade à Lei fundamental, aceitando, pois, aquele Tribunal a interpretação segundo a qual «é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas» (Acórdão n.º 527/2016). E nem numa formulação mais exigente a interpretação da norma em causa fixada no AUJ mereceu censura por banda do TC, valendo a pena aqui recordar o percurso argumentativo do acórdão deste Tribunal com o n.º 324/2022, de 28 de Abril de 2022[1]. No recurso ali apreciado, as recorridas haviam, à semelhança do que se verificou nos presentes autos, reclamado da conta de custas e, alegando desproporção entre o valor exigido e o serviço prestado, pediram a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do inciso final do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento de Custas Processuais. Tais reclamações foram indeferidas em 1.ª instância, com fundamento na extemporaneidade do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Tendo as reclamantes recorrido para o TRL, veio a ser proferido acórdão datado de 4 de Junho de 2020 – anterior, portanto, ao AUJ – que, reconhecendo a “possibilidade de se proceder a uma excecional formulação de um juízo de inconstitucionalidade face a intolerável desproporção do valor da taxa de justiça exigida pela aplicação do regime legal ordinário”, entendeu “desaplicar o regime decorrente do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, conjugado com o disposto no artigo 31.º do RCP, na medida em que tais normas negam à parte o direito de requererem a dispensa ou a redução da taxa de justiça remanescente, na sequência da notificação da conta de custas, em casos em que a taxa de justiça excede de forma gritante, intolerável, a proporção entre o serviço de justiça prestado pelo Estado e a contrapartida pecuniária exigível dos sujeitos processuais”. Foi assim o TC novamente chamado a ajuizar da (des)conformidade à Lei Fundamental do «regime decorrente do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento de Custas Processuais, conjugado com o disposto no artigo 31.º do RCP” numa interpretação que recusasse a possibilidade reconhecida no acórdão, tendo definido como objeto do recurso a “(…) norma resultante da interpretação conjugada do n.º 7 do artigo 6.º com o n.º 1 do artigo 31.º do RCP, com o sentido de que a parte que tenha sido notificada da conta de custas não pode requerer a dispensa ou redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça no prazo para a reclamação daquela nos casos em que a taxa de justiça calculada em função do valor da causa exceda de forma gritante ou intolerável a equivalência com o serviço de justiça prestado”. Mas nem assim a resposta foi no sentido pugnado pelo ora apelante. Não cabendo aqui fazer a transcrição da desenvolvida argumentação do acórdão, nele se concluiu que “a norma que constitui o objeto do presente recurso não ofende o princípio da proibição do excesso, uma vez que restringe de forma adequada, necessária e proporcional o direito de acesso aos tribunais, com o fito de promover a racionalidade processual de que, em última análise, depende a capacidade do sistema judicial de dispensar uma tutela efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos”. De volta ao caso dos autos, sem embargo de se reconhecer que a taxa de justiça apurada se afigura exceder largamente o valor do serviço de justiça que foi desenvolvido -o processo conheceu uma tramitação regular, tendo as partes conduzido a sua atuação de forma correta e diligente, não tendo havido sequer recurso da decisão final- a verdade é que à data em que foi proferida a sentença já havia sido até publicado o AUJ 1/2022, não desconhecendo nenhum dos intervenientes no processo que, atendendo ao elevadíssimo valor que havia sido fixado à causa, com facilidade o remanescente da taxa de justiça atingiria, como atingiu, milhares de euros. E se é certo que a sra. juíza podia, oficiosamente, ter procedido à redução ou até à dispensa do seu pagamento, também à apelante bastaria requerer, no prazo de que para tanto dispunha, a reforma da sentença quanto a custas, alegando para o efeito a verificação dos pressupostos da dispensa ou redução prevista no segmento final do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, pelo que, não tendo feito uso de tal faculdade, o resultado é-lhe imputável. Conforme se refere no acórdão do TC citado, «pelo menos após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exato conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça prevista na Tabela I do RCP, por referência ao valor da ação», de modo que, «ressalvada a ocorrência de situações anómalas excecionais (…), a parte não pode afirmar-se surpreendida pelo valor da taxa de justiça refletido na conta: esta joga com dados quantitativos à partida conhecidos». Este conhecimento é indispensável para que a parte condenada em custas possa requerer a dispensa ou redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos processos em que seja aplicável, no prazo para a reforma da sentença quanto a custas. Demonstra ainda que a eventual desproporcionalidade entre o valor da conta e o serviço prestado não é em caso algum imputável ao regime legal, que confere ao interessado um prazo razoável para exigir a aplicação do «mecanismo moderador» (Acórdão n.º 361/2015) previsto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP. Ao invés, aí onde se venha a verificar, tal desproporcionalidade deve-se exclusivamente ao efeito combinado da incúria do juiz no exercício de um poder-dever de controlo oficioso e da parte que negligencia a condenação em custas até ao momento da notificação para o respetivo pagamento. Em suma, o sacrifício imposto pela lei ao interessado não é o pagamento de uma taxa de justiça exorbitante, mas um ónus de diligência na defesa da sua posição, sendo certo que «a gravidade da consequência (…) é ajustada ao comportamento omitido», não se vendo «que pudesse ser outra: se a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal» (Acórdão n.º 527/2016)”. Resulta do que se deixou dito que a apresentação do requerimento pela apelante, apresentado no prazo de que dispunha para reclamar da conta, é intempestivo, face ao que dispõe o n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que o direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ali prevista fica precludido com o trânsito em julgado da decisão final do processo. Improcedentes os fundamentos do recurso, impõe-se manter a decisão recorrida. * Sumário: (…) * III. Decisão Acordam as juízas da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida. As custas do recurso, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, são da responsabilidade da apelante (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Processo Civil e 7.º, n.º 6, do RCP). * Évora, 10 de Julho de 2025 Maria Domingas Simões Eduarda Branquinho Cristina Dá Mesquita __________________________________________________ [1] proc. 644/2020, acessível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20220324.html. |