Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | RENATO BARROSO | ||
Descritores: | DEFICIÊNCIAS DA GRAVAÇÃO DA PROVA NULIDADE REGIME DE ARGUIÇÃO SANAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 02/25/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I - A deficiente gravação das declarações constitui nulidade, sujeita ao regime de arguição e de sanação, composto pelos Artsº 105.º, nº1, 120.º nº1 e 121.º, todos do CPP, conjugados com o Artº 9.º do D.L. 39/95 de 16/02. II – É extemporânea a arguição dessa nulidade em 1.ª instância, após o decurso do prazo de dez dias, contados desde o momento em que se presume que o recorrente dela teve conhecimento, ou seja, desde a data em que o suporte informático, com as gravações do julgamento, lhe foi disponibilizado. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo comum singular nº 195/10.5GFELV.E1, do 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Elvas, o arguido A. foi condenado como autor material de um crime de sequestro agravado, p.p. pelos Artsº 158 nsº1 e 2 al. e), 22 e 23, todos do C. Penal, na pena de pena de 2 ( dois ) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, com a condição de entregar à instituição “Os Cucos”, sita em Elvas, no prazo de 10 meses, a quantia de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros). Tendo sido entregue ao arguido, a seu pedido, a gravação da prova produzida em Audiência de Julgamento, pelo mesmo foi deduzido nos autos um requerimento ( Cfr. Fls. 262 ), onde solicitava a restauração do som relativo a vários depoimentos testemunhais, ou, no caso de tal não se mostrar possível, a repetição dos depoimentos em causa, com a suspensão do respectivo prazo do recurso, na medida em que, pretendendo recorrer da matéria de facto os referenciados depoimentos não eram perceptíveis. Tal requerimento foi indeferido pela Mmª Juiz “por entender que os depoimentos postos em causa pelo arguido, não eram imperceptíveis. B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição): 1.º Em sede de Julgamento de 12 de Setembro de 2012, nos presentes autos, foi documentada a prova consubstanciada pelas declarações do Arguido e pelos depoimentos da Ofendida e Testemunhas, por via de gravação em suporte fonográfico digital. 2.º O Arguido, pretendendo recorrer da douta Sentença emitida no âmbito dos autos, requereu a entrega da gravação da prova apresentada em sede de Audiência de Julgamento, que lhe foi entregue pelos serviços da Secretaria Judicial. 3.º Ao proceder à audição das declarações e depoimentos prestados, constantes da gravação que lhe foi entregue, o Arguido verificou que: 4.º As declarações do Arguido A., registadas entre as 9:55:28 e 10:23:17 horas do dia 12-09-2012, são imperceptíveis na gravação, pelo volume extremamente reduzido com que foi efectuada a gravação da sua voz, bem como pela existência de um ruído permanente na gravação. 5.º As declarações da Ofendida B., registadas entre as 10:24:41 e 10:44:17 horas do dia 12-09-2012, são imperceptíveis na gravação, pelo volume extremamente reduzido com que foi efectuada a gravação da sua voz, bem como pela existência de um ruído permanente na gravação. 6.º As declarações da Testemunha, mãe da Ofendida, C, registadas entre as 11:15:14 e 11:19:00 horas do dia 12-09-2012, são imperceptíveis na gravação, pelo volume extremamente reduzido com que foi efectuada a gravação da sua voz, bem como pela existência de um ruído permanente na gravação. 7.º A douta Sentença emitida ao abrigo dos presentes autos, na Motivação da Decisão de Facto, declara ter formado a sua convicção nas declarações do Arguido, nas declarações da Ofendida, B, nas declarações da testemunha, mãe da Ofendida, C e nas declarações da testemunha D. 8.º A douta Sentença emitida ao abrigo dos presentes autos reconhece que a testemunha D não foi capaz de identificar positivamente o arguido. 9.º Apenas a Ofendida B e sua mãe, C., foram capazes de identificar positivamente o arguido como autor dos factos que lhe foram imputados. 10.º As declarações do Arguido e os depoimentos da Ofendida e da testemunha B. são fulcrais para a fundamentação da sentença e para a matéria de facto que o Arguido pretendia ser reapreciada em sede de Recurso. 11.º A deficiente gravação de declarações prestadas em Julgamento, sem que se consiga discernir o conteúdo das mesmas, resulta na nulidade da prova, nos termos dos artigos 363.º, 118.º, 119.º e 120.º do Código de Processo Penal. 12.º Tal entendimento encontra-se consagrado na Jurisprudência dos Tribunais da Relação e Supremo Tribunal de Justiça Portugueses. 13.º A correcta gravação dos depoimentos prestados em Julgamento, é garante dos direitos de defesa em Processo Criminal, mormente do direito ao Recurso, previsto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. 14.º O Arguido atravessou nos autos requerimento, informando da deficiência da gravação, propondo a remessa da mesma para empresa especializada no tratamento de som, de forma a que esta seja restaurada, tornando perceptíveis os depoimentos em falta. 15.º O Arguido arguiu a nulidade da prova, nos termos do artigo 363.º do Código de Processo Penal, caso não seja possível proceder à restauração da gravação e tornar os depoimentos e declarações perceptíveis. 16.º O despacho ora recorrido indefere o peticionado pelo Arguido, não se pronunciando pela nulidade da prova, porquanto considera serem os depoimentos em apreço “(…)suficientemente audíveis (…)”, com recurso ao “(…) uso de auscultadores (…)” e a colocação do “(…) som do computador no volume máximo (…)”, apesar do reconhecido “(…) o aludido ruído de fundo(…)”. 17.º O Arguido não se conforma com tal despacho. 18.º O mandatário do Arguido tentou discernir as palavras dos intervenientes em apreço, dentro das suas capacidades físicas e das condições técnicas do seu equipamento de escritório, sem que tenha obtido sucesso. 19.º O colocar o volume no máximo e usar auscultadores, salvo melhor opinião, não faz com que seja possível discernir as declarações do Arguido, Ofendida e Testemunha. 20.º Na gravação em apreço existe um ruído de fundo permanente e ouvem-se perfeitamente as perguntas efectuadas pelo Juiz, Procurador do Ministério Público e Mandatário do Arguido. 21.º Colocar o “(…) som do computador no volume máximo (…)”, salvo melhor opinião, faria com que as perguntas do Juiz, Procurador do Ministério Público e Mandatário do Arguido, bem como o ruído de fundo, se ouvissem em volume excessivo, colocando em perigo a saúde auditiva de quem proceda a tal tentativa. 22.º Ainda assim, não é possível discernir as declarações em apreço. 23.º Os meios técnicos utilizados para proceder à gravação da prova sem sede de Julgamento encontravam-se defeituosos, procediam a uma documentação da prova deficiente, fazendo com que as declarações não fossem perceptíveis, o que invalida a prova constante de tal gravação, nos termos do artigo 363.º do Código de Processo Penal. 24.º O despacho ora recorrido, ao manter em vigor dos autos prova nula, que foi fundamento da condenação em Sentença, restringe de forma ilícita as garantias constitucionais previstas no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. 25.º A nulidade da prova, não sanada pelo despacho ora recorrido, torna nulos todos os actos que da prova dependerem, como é a sentença nos presentes autos. 26.º O Arguido encontra-se impossibilitado de recorrer da sentença, porquanto a mesma depende de acto nulo, cuja nulidade não foi sanada pelo despacho ora recorrido, tornando-se ela mesma inválida, nos termos do n.º 1 do artigo 122.º do Código de Processo Penal. 27.º Requer-se que a parte da prova documentada, cuja gravação é imperceptível, ser declarada nula, nos termos conjugados dos artigos 363.º, 118.º, 119.º e 120.º do Código de Processo Penal. 28.º Requer-se que sejam declarados inválidos todos os actos posteriores que dependeram da prova nula, nos termos do n.º 1 do artigo 122.º do Código de Processo Penal. 29.º Requer-se que seja ordenada a repetição da prova declarada nula. Pelo exposto, requer-se a V. Exas. que revogando o despacho de que ora se recorre, sendo substituído por outro, que declare nula a prova documentada, cuja gravação é imperceptível, bem como todos os actos posteriores que dependeram da mesma, ordenando-se a sua repetição em sede de Audiência de Julgamento C – Resposta ao Recurso O M. P, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, apesar de não ter apresentado conclusões. D – Tramitação subsequente Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmo Procurador-geral Adjunto, que se pronunciou pela improcedência do recurso, ainda que em sentido diverso do manifestado por esta Magistratura em sede de 1ª instância. Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta. Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir. 2. FUNDAMENTAÇÃO A – Objecto do recurso De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente retira das respectivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação. Assim sendo, importa tão só apreciar se existe razão ao recorrente na questão que suscita e que pode ser sintetizada, da seguinte forma: Sendo imperceptíveis alguns dos depoimentos produzidos em Audiência, a prova assim obtida deve ser declarada nula, nos termos combinados dos Artsº 118, 119, 120 e 363, todos do CPP, com a sua necessária repetição, na medida em que os actos posteriores são inválidos, incluindo a sentença produzida pelo tribunal a quo? B – Apreciação Definida a questão a tratar, importa atentar, desde já, no despacho que recorrido, que reza da seguinte forma (transcrição): O tribunal procedeu à audição da gravação da prova em causa e verificou que, pese embora esteja presente o aludido ruído de fundo, com recurso ao uso de auscultadores e colocando o som do computador no volume máximo, as declarações do arguido e os restantes depoimentos de testemunhas são suficientemente audíveis, pelo que não cumpre realizar qualquer restauração do som da gravação, na medida em que os depoimentos não são imperceptíveis, e consequentemente não há lugar à suspensão do prazo de recurso, assim se indeferindo o requerido por infundado. Notifique. Esta matéria tem sido apreciada e decidida, de forma algo dispersa e divergente pela jurisprudência, verificando-se, fundamentalmente, duas correntes. Uma primeira, que defende que a situação em causa consubstancia uma mera irregularidade, sujeita ao regime do Artº 123 do CPP, devendo ser arguida, por isso, perante o tribunal de julgamento, ou no próprio acto, ou, nele não sendo detectada, no prazo de 10 dias a partir do momento em que as respectivas actas acompanhadas dos suportes técnicos com o registo das gravações ficaram à disposição dos sujeitos processuais. Não sendo arguida em tal prazo, o vício considera-se sanado, não podendo ser conhecido pelo tribunal de recurso. Uma segunda posição, entende que tal vício deve ser submetido ao regime do nº2 do Artº 123 do CPP, podendo e devendo ser conhecida oficiosamente pelo tribunal se recurso, só se sanando com a realização de um novo julgamento. Com a devida vénia, transcreve-se, no que aqui importa, o teor do Acórdão proferido por esta Relação, em 14/02/12, no Proc. 90/08.0GAGLG.E1, disponível em www.dgsi.pt, em que foi relator o Exmo Srº Desembargador António Latas e cujos ensinamentos se acolhem na íntegra: «Quanto à natureza do vício de incompletude ou deficiência de documentação das declarações orais, parece dever entender-se que tal vício se reconduz à nulidade cominada no art. 363º do CPP, desde que a parte viciada da gravação afete a sua reprodução em parte necessária para assegurar o direito do interessado ao recurso em matéria de facto, fim primeiro da obrigatoriedade de documentação das declarações orais, como vimos. À omissão deverá ser equiparada a documentação de tal forma deficiente que impeça a captação do sentido das declarações gravadas, pois em tal caso é como se não tivesse havido registo do depoimento - cfr Ac STJ de 24.02.2010, sumário acessível em www.dgsi.pt (relator: Maia Costa). …Sobre o dies a quo do prazo de arguição da nulidade, parece-nos inquestionável que não pode atender-se ao momento da gravação, porque o vício não é manifesto ou aparente, sendo-lhe inaplicável o disposto no art.º 120º nº3 do CPP, como vimos, mas antes ao momento em que o interessado se apercebe ou pode aperceber do vício da gravação, o que pressupõe a possibilidade da sua audição pelo interessado A este respeito, entendeu-se, por todos, no citado Ac STJ de 24-02-2010, que o art. 101.º, nomeadamente o seu n.º 3, introduzido pela Lei 48/2007, de 29-08, ao permitir aos interessados o acesso à documentação da audiência a todo o tempo, atribui-lhes concomitantemente a responsabilidade de controlar os vícios da documentação em tempo oportuno, pelo que deve o interessado invocar o vício a contar da data de entrega da cópia da gravação pelo funcionário judicial, após a disponibilização do suporte técnico necessário (art. 101.º, n.º 3, do CPP). Caso o não faça, conclui aquele acórdão, adota um procedimento negligente que não recebe proteção legal, sanando-se o vício. Afigura-se-nos, porém, com todo o respeito pelo entendimento diverso, que na falta de disposição legal expressa não pode entender-se que nestes casos de deficiência da gravação o legislador imponha aos diversos interessados o ónus de verificar julgamento a julgamento, sessão a sessão, a integridade e percetibilidade da gravação da prova sob pena de sanação da respetiva nulidade, em prazo contado desde cada um desses momentos. A obrigatoriedade de documentação da prova parece indiscutivelmente instrumentalizada ao direito de recurso em matéria de facto, pelo que não pode dissociar-se o dies a quo do prazo de arguição daquela mesma finalidade. O que sucederá na normalidade dos casos é que apenas quando pretenda recorrer em matéria de facto - e no momento em que tenha de fazê-lo - o interessado carece da gravação da prova pessoal, que solicitará nos termos do art. 101º do CPP, embora sem prejuízo de o poder fazer em momento anterior. A questão está em que não tem que fazê-lo em momento anterior, nomeadamente após cada sessão de julgamento. Por outro lado, esta normalidade de situações que invocamos aqui como argumento interpretativo - não esqueçamos que o legislador de 2007 não regulou detalhadamente esta matéria nas suas diferentes nuances -, parece-nos ser a que melhor corresponde a opções de eficácia e economia processuais, pois de outro modo obrigar-se-iam os interessados e os tribunais a dispêndio de tempos e outros recursos como forma de assegurar a tempestividade da arguição, ainda que nunca viesse a ser interposto recurso em matéria de facto. Claro que no caso de o interessado requerer cópia de gravação da prova em momento anterior à conclusão da audiência de julgamento, será a partir desse momento que se contará o prazo de arguição, como resulta dos apontados princípios da diligência e boa fé. Nestes casos, o prazo de arguição da nulidade que, na falta de disposição expressa será o prazo geral de 10 dias (cfr art. 105º do CPP), contado da data da entrega da cópia de gravação solicitada pelo interessado, nos termos do art. 101º nº3 do CP, sanando-se o vício se o interessado o não arguir naquele prazo.” Em sede de qualificação jurídica deste vício, a questão ficou, de algum modo, resolvida com a alteração introduzida pela Lei nº 48/07 de 29/08 no Artº 363 do CPP, ao plasmar a imperatividade da documentação da prova oralmente recolhida na audiência em todas as formas de processo, sob pena de nulidade, assim se considerando caducada a jurisprudência fixada no Acórdão do STJ nº 5/02, que definia o aludido vício como uma irregularidade, a qual, tendo sido sendo sanada, por não ter sido arguida no prazo legal, tornava inviável o se conhecimento pelo tribunal de recurso. Legalmente definido o vício decorrente da omissão de documentação da prova oralmente prestada em audiência, como uma nulidade, parece claro que tal natureza deve abranger, quer os casos de absoluta falta de documentação da prova, quer também nas situações em que a mesma se revela deficiente, por inaudível ou incompreensível. Com efeito, uma deficiente documentação da prova, designadamente, por imperceptibilidade da gravação, traduz realidade exactamente igual à traduzida pela sua falta ou omissão. Em ambas as situações, o que está em causa é a garantia de um efectivo duplo grau de jurisdição no recurso em matéria de facto, que só pode ser assegurada se o tribunal superior estiver em condições de ouvir as declarações das testemunhas que levaram o tribunal recorrido à decisão que é alvo de censura pelo recorrente. Assim sendo, a deficiente gravação das declarações constitui nulidade, sujeita ao regime de arguição e de sanação, composto pelos Artsº 105 nº1, 120 nº1 e 121, todos do CPP, conjugados com o Artº 9 do D.L. 39/95 de 16/02. A documentação da prova gravada em perfeitas condições é essencial para uma eficaz impugnação da matéria de facto, nos termos do nsº3 e 4 do Artº 412 do CPP, sendo que essa relação de instrumentalidade, já apontada no aresto citado, demanda que apenas se verifique a apontada nulidade quando a deficiência da gravação respeita a declarações relevantes para a decisão, em face do ataque que à mesma é formulado pelo recorrente, de tal modo, que o tribunal de recurso se encontre impossibilitado de proceder à reapreciação da prova gravada da forma exigida por aquele. Na verdade, na ausência da prova gravada, ou de prova gravada em condições de poder ser ouvida de modo integral e perceptível pelo tribunal de recurso, não é possível sindicar a convicção do tribunal de julgamento. Ora, o que até aqui se vem expondo deve ser conjugado com a especificidade do presente recurso, em que o recorrente, ao invés de atacar a sentença condenatória, invocando, nessa medida, a inaudibilidade dos depoimentos nos quais o tribunal a quo fundou a sua condenação, se limita a sindicar o despacho pelo qual foi indeferida a pretendida repetição dos depoimentos considerados inaudíveis. Na verdade, não se tratando essa invalidade dos depoimentos de uma nulidade insanável, na medida em que não consta do elenco do Artº 119 do CPP, terá a mesma de ficar sujeita ao regime geral das nulidades, cuja sanação está dependente da sua atempada arguição, a efectuar no prazo de 10 dias após o seu conhecimento, nos termos das disposições combinadas dos Artsº 363, 120 nº1 e 105 nº1, ambos do CPP. Com efeito, não se tratando de um recurso interposto da decisão final, mas, ao invés, de um recurso interlocutório, em que esta matéria é a única em apreciação, não pode o recorrente beneficiar do alargamento do prazo de arguição de nulidades, que se aceita quando o recurso é interposto da decisão final e nele, procurando impugnar-se a factualidade assumida pela instância recorrida, se concede como tempestivamente arguida a dita nulidade se a mesma constar das respectivas motivações de recurso. Mas essa não é, como se disse, a situação sub júdice, porquanto – como bem assinala o M.P. da 1ª instância na sua resposta ao recurso – o recorrente vem deduzir o dito vício perante a 1ª instância muito depois de terem decorridos os 10 dias legalmente estipulados para a sua arguição, contados desde o momento em que se presume que o recorrente dela teve conhecimento, ou seja, desde a data em que o suporte informático, com as gravações do julgamento, lhe foi disponibilizado. Se assim é, outra solução não pode haver que não seja considerar que o dito vício se sanou pela intempestividade na sua arguição em 1ª instância pelo ora arguido, nada havendo, em consequência, a censurar ao despacho recorrido. Improcede, pois, o recurso. 3. DECISÃO Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e em consequência, confirmar o despacho recorrido. Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade das questões suscitadas, em 3 UC, ao abrigo do disposto nos Arts 513 nº 1 e 514 nº 1, ambos do CPP e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa. Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi integralmente revisto e elaborado pelo primeiro signatário. Évora, 25 de Fevereiro de 2014 Renato Damas Barroso António Manuel Clemente Lima |