Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | JOÃO CARROLA | ||
| Descritores: | LIBERDADE CONDICIONAL REQUISITOS INTERIORIZAÇÃO CRÍTICA RELATIVAMENTE AO CRIME E À PENA | ||
| Data do Acordão: | 09/26/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | 1. Face ao disposto no artigo 62º, n.º 2, al. a), e nº 3, do Código Penal, encontrando-se cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses (como acontece no caso destes autos), o condenado a prisão é colocado em liberdade condicional se “for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”. 2. Essa concessão da liberdade condicional consiste na antecipação da liberdade ao condenado que cumpre pena privativa de liberdade, desde que cumpridas determinadas condições, medida que serve como estímulo à reintegração na sociedade daquele que aparenta ter experimentado uma suficiente recuperação na última etapa do cumprimento da pena privativa de liberdade, representando uma transição entre a prisão e a vida livre, dependendo não apenas de pressupostos formais, mas também de requisitos materiais, estes ligados ao comportamento e à personalidade do recluso. 3. A liberdade condicional aos 2/3 do cumprimento da pena depende de razões de prevenção especial, para além da vontade subjectiva do condenado, o que releva é a capacidade de readaptação do mesmo, analisada por parâmetros objectivos e objectiváveis, de modo a poder concluir-se que as expectativas de reinserção são superiores aos riscos que a comunidade suportará com a antecipação da restituição à liberdade do condenado. 4. Na análise do caso concreto, o acento tónico da decisão reconduz-se à valorização das necessidades de prevenção especial (mais concretamente prevenção especial positiva), que o caso suscita em função da natureza do crime em questão nos autos e a fraca e inconsistente interiorização do desvalor da sua conduta que o condenado revela nas suas atitudes face ao crime praticado e às suas consequências. 5. A falta de interiorização crítica, quer do crime quer da pena, mais impressivo ainda quando a vítima continua a ser algo “negligenciada” pelo recluso, traduz na realidade uma não evolução da personalidade, sendo, portanto, um forte factor de risco de reincidência e inviabiliza a concessão da liberdade condicional, mormente numa situação de delito grave e socialmente lesivo, como é o caso do crime contra a vida em cuja presença nos encontramos. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. Por despacho, datado de 26-09-2022 proferido no P.º 572/19.6TXEVR, o Tribunal de Execução de Penas ... negou a concessão da liberdade condicional ao recluso AA. Inconformado com tal decisão, dela recorreu o recluso arguido, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes (transcritas) conclusões: “I) Antes de mais, o presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Juízo de Execução ... – Juiz ..., pertencente ao Tribunal de Execução ..., datada de 30/06/2023, que decidiu não conceder a liberdade condicional ao Recorrente. II) Tendo o Tribunal a quo entendido que não se encontram reunidos os requisitos substanciais da liberdade condicional, por ser ainda, alegadamente, insuficiente a reflexão que o Recluso realiza sobre o desvalor do seu comportamento criminoso e sobre a sua responsabilização criminal, revelando-se ainda a sua libertação neste momento ofensiva das exigências de prevenção especial, o que improceder quer de facto, quer de Direito, não pode o mesmo merecer o acompanhamento e o aplauso do Recorrente em qualquer medida. III) Contudo, encontram-se vários elementos nos autos que apontam para a verificação integral dos requisitos formais e substanciais para que a figura da liberdade condicional possa ser concedida ao recluso. IV) De harmonia com as sábias palavras do Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, págs. 528 e 542, o instituto da liberdade condicional visa eliminar ou, pelo menos, esbater o efeito criminógeno de tal pena e o consequente aumento das dificuldades dos condenados em regressarem, de forma integrada, ao seio da comunidade a que pertencem, terminando que seja o respectivo cumprimento. V) Tratando-se, assim, a figura da liberdade condicional como um incentivo e auxílio ao condenado, uma vez colocado em meio livre, a não recair na prática de novos delitos, permitindo-lhe uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais. VI) Por sua vez, o facto de se encontrar a correr um processo disciplinar contra o Recorrente, o mesmo não se apresenta ainda com qualquer decisão final e transitada em julgado, pelo que a sentença recorrida, ao fundamentar a sua decisão de não verificação dos requisitos substanciais da liberdade condicional nesse facto não pode deixar de ser violadora do princípio da presunção de inocência, consagrado constitucionalmente. VII) Em todo o caso, também não se pode ser feita qualquer comparação entre o meio prisional e o contexto da vida em liberdade, quando é consabido que as circunstâncias do meio prisional apresentam características que são propiciadoras à ocorrência de agressões entre reclusos, diversamente do que sucede da vida em liberdade. VIII) Na realidade, tal como bem refere o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, págs. 538 e 539, decisivo é “(…) não o «bom» comportamento prisional «em si» - no sentido de obediência aos (e do conformismo com) os regulamentos prisionais -, mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de ressocialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade.” IX) Efectivamente, de harmonia com o entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/07/2018, acessível in www.dgsi.pt: “(…) A liberdade condicional não é um “prémio”, não se baseia exclusivamente no bom comportamento prisional ou na existência de apoio no exterior. O condenado deve demonstrar que consegue ter um comportamento adequado em meio livre, aprofundando a sua capacidade reflexiva quanto aos actos anteriormente praticados.” X) No caso concreto, o Recorrente tem mantido, no geral, um comportamento prisional adequado, tendo sido colocado anteriormente em regime aberto no interior e beneficiado de três licenças de saída jurisdicionais e três licenças de curta duração, sem que tenha ocorrido qualquer incidente, tendo merecido pareceres favoráveis à liberdade condicional nos relatórios dos Serviços Prisionais e no relatório dos serviços da D.G.R.S.P. XI) Por seu lado, como resulta do facto provado 10) da sentença recorrida, o Arguido tem aproveitado o seu tempo de reclusão para adquirir novas competências, encontrando-se o mesmo a trabalhar como faxina da ala desde 12/04/2022, tendo anteriormente frequentado cursos no Estabelecimento Prisional. XII) Assim sendo, sempre se dirá que o percurso de flexibilização da pena vivenciado até ao momento pelo recluso permite demonstrar uma razoável solidez e consistência quanto à formulação de um juízo positivo acerca do seu comportamento futuro em sociedade. XIII) Por seu turno, quando sair da prisão, o Arguido pretende viver com a sua progenitora, que o tem visitado regular e frequentemente no Estabelecimento Prisional ..., apresentando aquele ainda promessa de trabalho outorgada por um anterior patrão que lhe assegura o exercício de actividade profissional como trabalhador agrícola. XIV) Ademais, apesar de o Tribunal a quo não o ter julgado como provado, o certo é que o Recorrente, por mais de uma vez e de forma sincera e sem reservas, mostrou e revelou aquando da sua audição o seu arrependimento, aceitando a pena que lhe foi aplicada e os factos pelos quais foi julgado e condenado. XV) Além disso, o Arguido formulou ainda de forma clara um juízo de auto-crítica, reconhecendo a necessidade de no futuro ponderar de forma mais criteriosa as suas opções, bem como a sua problemática com o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, tendo aceitado a submeter-se a tratamento e acompanhamento especializado para o efeito, como decorre do teor do facto provado 11). XVI) De facto, em sentido contrário do entendimento que foi sufragado pelo Tribunal a quo, a reflexão e o juízo de auto-crítica que o Arguido realiza sobre o desvalor do seu comportamento criminoso e quanto à sua responsabilização criminal é suficiente. XVII) Neste sentido, do teor do relatório dos Serviços Prisionais, resulta que o Recorrente “(…) Avalia com sentido crítico os seus atos e as respetivas consequências, demonstrando-se ciente dos efeitos nocivos e incontroláveis que a igestão de bebidas alcoólicas exerce sobre o respetivo comportamento, assumindo como necessário manter-se abstinente.” (Sublinhado nosso). XVIII) Deste modo, estes elementos não foram valorados devidamente pelo Tribunal recorrido, os quais claramente apontam que o Arguido manifesta o seu arrependimento sincero e sem reservas, refere e assume o dever de ressarcir os danos sofridos pela vítima do crime que cometeu e não se desculpabiliza pelos actos praticados por se encontrar influenciado no momento pelo consumo de álcool. XIX) Na verdade, o Arguido formulou e tem formulado um juízo de auto-crítica relativamente às condutas que adoptou no seu passado e que conduziram à sua reclusão, não se vislumbrando assim uma razão impeditiva do reconhecimento, sem reservas, de o mesmo tem condições para conduzir a sua vida de modo responsável e sem o cometimento de novos crimes. XX) Por outro lado, não podemos deixar de acompanhar o entendimento plasmado no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17/03/2021, referente ao Proc. n.º 305/14.3TXCBR-P.L1-3, acessível in www.dgsi.pt, onde se pode ler: “(…) IV – A análise global do seu percurso de vida nestes 7 anos que já leva de reclusão (...) demonstra um pensamento virado para o futuro, para uma vida em liberdade, em que o recluso se procurou antecipadamente preparar para a poder viver de acordo com as regras que regem a vida em sociedade. Há aqui um projecto, um esforço e um investimento. Se ele se concretizará ou não, está nas mãos do recluso, pois de si depende agir de acordo com o direito, como depende da vontade de cada um de nós. Mas, se apenas uma seguríssima confiança nas capacidades normativas de cada um determinasse a possibilidade de se poder viver em liberdade, mostrar-se-ia praticamente impossível a formulação de qualquer juízo de prognose favorável. Efectivamente, este juízo basta-se com uma expectativa favorável, não com uma certeza futurológica que, obviamente, não é humanamente alcançável.” (Sublinhados nossos). XXI) Neste sentido, ainda que o recluso possa apresentar algumas fragilidades, não se pode descurar que o instituto da liberdade condicional não é um regresso, tout court, à liberdade, sendo um regime no qual o Tribunal de Execução das Penas pode decidir em que condições fica sujeita a concessão dessa liberdade condicional, podendo, assim, este Tribunal, mesmo à distância e fora do E.P., controlar o recluso com o auxílio dos serviços da D.G.R.S.P., sendo o mesmo vinculado ao cumprimento de obrigações e regras de conduta. XXII) Assim sendo, desde que está em reclusão, o Arguido tem encetado esforços e adoptado comportamentos que exteriorizam a sua vontade de mudança, encontrando-se a trabalhar, a participar em actividades e a procurar valorizar-se profissionalmente. XXIII) Resultando ainda do facto provado 13) da sentença recorrida que o mesmo “(…) Diz- se mudado pela prisão sofrida, e determinado a não cometer erros semelhantes, pois não deseja voltar à prisão. Afirma pretender pagar a indemnização que deve, logo que em meio livre comece a trabalhar.” XXIV) Em bom rigor, é de sublinhar que o Recorrente assumiu o crime cometido e manifestou a necessidade de no futuro orientar a sua vida de forma normativa, tudo apontando para uma evolução positiva da sua personalidade durante a sua reclusão. XXV) Por outra banda, demonstra-se que a libertação do Recorrente é compatível com a defesa da ordem e da paz social, ou seja, com as necessidades de prevenção geral que se possam fazer sentir no caso concreto, a que alude a alínea b) do n.º 2 do artigo 61.º do C.P. XXVI) Com efeito, as avaliações que foram efectuadas ao Arguido, resulta que o mesmo apresenta condições favoráveis aos níveis familiar, habitacional, laboral e económico que poderão afigurar-se como factores de protecção na sua futura reinserção social. XXVII) Em bom rigor, como se escreveu no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19/01/2022, relativo ao Proc. n.º 1322/10.8TXCBR-V.P1, relatado pelo Exmo. Desembargador Pedro Vaz Pato, disponível in www.dsgi.pt: “(…) III - No entanto, daí não pode decorrer a impossibilidade de concessão de liberdade condicional, mesmo que esteja em causa a prática sucessiva do mesmo crime, pois que não é isso que decorre da lei, logo não legitima o juiz para assim proceder. IV – De resto, a gravidade acrescida que resulta da condenação anterior, ou da eventual reincidência, foi seguramente já tida em consideração na determinação da medida concreta da pena em causa, pelo que não poderá ser motivo para, por si só, impedir a concessão da liberdade condicional.” (Sublinhados nossos). XXVIII) Por seu turno, como resulta do facto provado 11), o Recorrente reconhece que consumia bebidas alcoólicas em excesso, estando disponível para, em liberdade, ser sujeito a acompanhamento especializado para prevenir futuros excessos. XXIX) Assim, o Arguido reconhece devidamente os consumos excessivos de álcool que praticou e revela sentido crítico quanto aos comportamentos que adoptou no passado, pelo que sempre se verifica uma atenuação das exigências de prevenção especial por esta via. XXX) Ora, como se assinalou no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12/06/2019, referente ao Proc. n.º 3371/10.7TXPRT-M.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Vasques Osório, pesquisável in www.dgsi.pt: “(…) IV - A atenuação das exigências de prevenção especial conjugada com os esforços que o condenado vem desenvolvendo, no cumprimento da pena, para refazer a sua vida em termos sociais e laborais, aqui se incluindo o seu consentimento para continuar a ser sujeito a tratamento da sua adição, não obstante o seu “deficitário” relacionamento com o crime cometido e as reduzidas perspectivas de enquadramento familiar e profissional, permite formular um juízo sobre o seu comportamento futuro no sentido de que o fará de forma responsável e sem o cometimento de novos factos típicos.” (Sublinhado nosso). XXXI) Nesta conformidade, no decurso da liberdade condicional, o Recorrente poderá, gradualmente, adaptar-se à vida em liberdade, adequando a sua conduta aos padrões sociais, no que poderá ser apoiado, vigiado e fiscalizado pelos serviços da D.G.R.S.P., o que seguramente terá resultados muito mais proveitosos para a sua reinserção social, do que o cumprimento total da pena de prisão em que foi condenado e a sua posterior colocação em meio livre sem qualquer período de apoio institucional. XXXII) Efectivamente, o recluso encontra-se preparado para, em liberdade, assumir uma conduta conforme o direito e sem cometer crimes, de forma socialmente responsável, o que, por sua vez, justifica que possa beneficiar no presente da liberdade condicional. XXXIII) Na realidade, todos estes elementos apontam para se poder concluir, com segurança, que o recluso tem adequado o seu comportamento às regras institucionais, que interiorizou o desvalor da sua conduta, que formula juízo de auto-crítica e que, em liberdade, procurará orientar-se de acordo com as regras vigentes, permitindo-se assim verificar um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro e de que não existe perigo ou quebra das exigências de prevenção geral que se façam sentir no caso concreto. XXXIV) Aqui chegados, encontram-se totalmente preenchidos no caso concreto os pressupostos formais e materiais para a concessão ao Recorrente da liberdade condicional, sendo o mesmo sujeito ao controlo da D.G.R.S.P. e ao cumprimento de obrigações e regras de conduta, devendo, segundo o disposto no artigo 61.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3 do C.P., ser-lhe concedida a liberdade condicional sujeita à observância de condições.” Termina no sentido de ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, concedendo-se ao Recorrente a liberdade condicional, por seencontrarem observados integralmente os seus pressupostos formais e materiais, sendo o mesmo sujeito ao controlo dos serviços da D.G.R.S.P. e ao cumprimento de obrigações e regras de conduta. O M.º P.º respondeu, concluindo que: “1. O recorrente/recluso discorda da decisão judicial proferida pelo tribunal a quo e que aqui se dá integralmente por reproduzida, a qual não lhe concedeu a liberdade condicional atingido o marco dos 2/3 da pena. 2. Para tanto, o recorrente sustenta, resumidamente que se encontram “totalmente preenchidos no caso concreto os pressupostos formais e materiais para a concessão ao Recorrente da liberdade condicional”, pugnando, pois, pela concessão da liberdade condicional. 3. O tribunal a quo, por decisão datada de 30-06-2023, não concedeu a liberdade condicional ao recorrente, mantendo, em consequência, o cumprimento da pena. 4. Tal decisão veio a ser proferida após a realização da instrução prévia. 5. O Conselho Técnico emitiu, por unanimidade dos seus membros, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional. 6. Também o Ministério Público foi desfavorável a tal concessão. 7. Todos os elementos probatórios foram considerados e apreciados pelo tribunal a quo, como resulta expressamente do Capitulo II – Fundamentação – subcapítulo C – O Direito, retirando-se da sentença proferida que “No caso dos autos os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional estão reunidos: os 2/3 da pena já se mostram cumpridos, e o recluso continua a aceitar a liberdade condicional. 8. Mas, o mesmo ainda não sucede quanto aos requisitos substanciais da liberdade condicional. 9. Assim, e ainda que já satisfeitas as exigências de prevenção geral reclamadas no caso, verificou-se retrocesso no percurso do recluso, marcado pela abertura de incidente disciplinar, ainda pendente de decisão final. 10. Tal circunstância leva a que, pelo menos até à referida decisão, o gozo de medidas de flexibilização da pena fique suspenso, aspecto que necessariamente prejudica a consolidação daquele que vinha sendo o trajecto já iniciado pelo recluso (e para cuja importância se havia feito notar em anterior decisão de não concessão da liberdade condicional). 11. Acresce dizer que notamos ainda reduzida evolução do recluso no que respeita a uma reflexão crítica e de autoanálise quanto à sua própria responsabilidade criminal. Isto é, e se bem que o recluso afirme reconhecer o dever de indemnizar a vítima, e que errou, parece-nos que ainda não se consciencializou do efectivo alcance negativo do seu comportamento, da violência empregue, e que tudo a si se deve, sem desculpabilizações. A vítima continua a ser algo “negligenciada” pelo recluso, não se tendo sentido sincera e forte interiorização dos efectivos danos que naquela foram provocados. 12. Existindo, assim, aspectos que carecem de uma evolução e de melhor avaliação, subsistem fragilidades associadas à pessoa do recluso e ao seu percurso, e que, não sendo minoradas ou mais trabalhadas, continuarão a potenciar o risco de reincidência no futuro.” 13. Foi com base nestes elementos carreados para os autos, as circunstâncias dos crimes e respectiva natureza que o tribunal a quo veio proferir a decisão recorrida, após a realização de um juízo de prognose tendente à concessão da liberdade condicional – o qual se afigurou negativo e desfavorável ao recorrente. 14. Ainda assim, a decisão respeitante à referida concessão não poderá deixar de ter em consideração a natureza e as circunstâncias em que o condenado praticou o(s) crime(s) pelo(s) qual(is) se encontra a cumprir pena (cfr. artigo 61º, n.º 2, alínea a) ex vi artigo 62º, n.º 3 ambos do Código Penal). 15. Ora, foi justamente a ponderação destes requisitos, em conjugação com os elementos reunidos e carreados para o processo que o tribunal a quo concluiu que, não se encontrava preenchido o requisito a que alude a alínea a) do nº 2 do artigo 61º do Cód. Penal. 16. Face à avaliação e apreciação conjugada da prova produzida, resulta que a decisão de não concessão da liberdade condicional não padece de qualquer vício, não merecendo qualquer censura, tendo o tribunal a quo decidido em obediência ao princípio geral no âmbito da apreciação das provas - princípio fundamental da livre apreciação das provas. 17. Com efeito, da análise de todos os elementos aportados para os autos, em obediência às finalidades e pressupostos que subjazem aos artigos 40.º e 61º ambos do Código Penal e acima transcritos, outra não poderia ser a decisão judicial proferida.” Termina no sentido de ser negado provimento ao recurso. Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos, elaborando parecer em que, aderindo aos fundamentos de facto e de direito, enunciados e constantes da decisão recorrida, bem como à resposta ao recurso apresentada, propugna a improcedência do recurso. Foi dado cumprimento ao artigo 417.º n.º 2 do C.P.Penal, tendo sido oferecida resposta ao parecer por parte do recorrente em que reitera o que já alegara no recuso interposto, repetindo essa alegação, terminando no mesmo sentido de que se encontram totalmente preenchidos no caso concreto os pressupostos formais e materiais para a concessão ao Recorrente da liberdade condicional, sendo o mesmo sujeito ao controlo da D.G.R.S.P. e ao cumprimento de obrigações e regras de conduta, devendo, segundo o disposto no artigo 61.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3 do C.P., ser-lhe concedida a liberdade condicional sujeita à observância de condições.. II. Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir. No caso dos autos, a única questão evidenciada no recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto nos artigos 412º, n.º 1, do C. P. Penal e 179º n.º 1 do CEPMPL, necessária e unicamente à apreciação da questão de saber se estão preenchidos os pressupostos de concessão da liberdade condicional atingidos já os 2/3 da pena imposta. Da decisão recorrida consta, na parte ora relevante: “O presente processo de liberdade condicional reporta-se a AA (melhor identificado nos autos), recluído no Estabelecimento Prisional .... Tendo em vista a apreciação dos pressupostos da liberdade condicional, agora por referência aos 2/3 da pena em execução, de novo foram realizados e juntos aos autos os relatórios previstos no art.º 173 n.º 1 do Código de Execução das Penas. O Conselho Técnico reuniu, emitindo o respectivo parecer, e foi ouvido o recluso. Também o Mº Pº emitiu o seu parecer. II – FUNDAMENTAÇÃO A – OS FACTOS Julgo provados os seguintes factos com relevância para a causa: 1 - Por decisão proferida no Proc. 100/19.... da Secção ... (Juiz ...) da Instância Central ..., e por factos de Outubro de 2019, o recluso foi condenado, pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; 2 – Na referida decisão foi dado como provado que, na sequência de uma discussão mantida entre o recluso e a vítima, num café, aquele foi ao seu veículo automóvel buscar o machado que usava para extrair cortiça e, com ele, desferiu um golpe na face e orelha esquerdas da vítima, tendo agido com o propósito de lhe tirar a vida; 3 – Reportado o início do cumprimento da pena a 15/10/2019 (esteve inicialmente em prisão preventiva, seguindo-se a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação desde 26/10/2019 a 1/3/2021) cumpriu metade da mesma em 15/7/2022, os 2/3 em 15/6/2023, prevendo-se o seu termo em 15/4/2025; 4 – O recluso regista anterior condenação pela prática dos crimes de resistência e coacção sobre funcionário e detenção de arma proibida, sendo a primeira vez que cumpre pena efectiva de prisão; 5 – O recluso declarou aceitar a liberdade condicional, bem como compreender o seu significado; 6 – O Conselho Técnico emitiu, por unanimidade dos seus membros, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional ; 7 – Também o Mº Pº foi desfavorável a tal. ** 8 – O recluso regista uma punição disciplinar de repreensão, por factos de Maio de 2021 (agressão a outro recluso). Encontra-se agora pendente novo procedimento disciplinar por factos de 18/5/2023 (alegada agressão a outro recluso), em fase de impugnação; 9 – O recluso começou a usufruir de licenças de saída jurisdicional em Julho de 2022, altura em que também passou a cumprir a pena em regime aberto para o interior. Por via dos factos referidos em 8 foi suspenso do regime aberto para o interior e do trabalho; 10 – Em reclusão frequentou cursos de informática e de artes, tendo trabalhado como faxina da ala desde 12/4/2022 até 18/5/2023; 11 – Reconhece que consumia bebidas alcoólicas em excesso, estando disponível para, em liberdade, ser sujeito a acompanhamento especializado para prevenir futuros excessos; 12 – Em liberdade pretende viver com a progenitora, apresentando promessa de trabalho por conta de anterior patrão, como trabalhador agrícola; 13 – Sobre os factos que se lhe imputam, afirma ter agido sem controlo e que talvez tenha havido excesso de consumo de bebidas alcoólicas de ambas as partes. Diz-se mudado pela prisão sofrida, e determinado a não cometer erros semelhantes, pois não deseja voltar à prisão. Afirma pretender pagar a indemnização que deve, logo que em meio livre comece a trabalhar. B – CONVICÇÃO DO TRIBUNAL Para prova dos factos descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos, analisados de forma objectiva e criteriosa: a) Certidão da decisão condenatória e da liquidação da pena; b) Certificado do Registo Criminal; c) Relatório dos serviços de educação e ficha biográfica do recluso; d) Relatório dos serviços de reinserção social; e) Esclarecimentos obtidos em reunião do Conselho Técnico, realizado no dia 14/6/2023; f) Declarações do recluso, ouvido no dia 14/6/2023. C – O DIREITO Segundo o n.º 9 do Preâmbulo do D.L. nº 400/82 de 23 de Setembro, a liberdade condicional tem como objectivo “…criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”. Este instituto tem, pois, uma “finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização”1. Segundo o art.º 61 do Código Penal, são pressupostos (formais) de concessão da liberdade condicional: 1 - Que o recluso tenha cumprido metade da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou dois terços da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou ainda 5/6 da pena, para os casos de penas superiores a 6 anos; 2 - Que aceite ser libertado condicionalmente; São, por outro lado, requisitos (substanciais) indispensáveis: A) Que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes; B) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (requisito que não se mostra necessário aquando dos 2/3 da pena, conforme resulta do disposto no n.º 3 do preceito em causa). Relativamente a estes requisitos, resulta claro que o primeiro se prende com uma finalidade de prevenção especial, visando o segundo satisfazer exigências de prevenção geral 2 . Assim, e considerando que a condução da vida do libertado condicionalmente de modo socialmente responsável e sem o cometimento de novos crimes constitui o objectivo da liberdade condicional, a possibilidade de, no caso concreto, tal escopo ser efectivamente alcançado há-de revelar-se através dos seguintes aspectos: 1) As circunstâncias do caso (valoração do crime cometido - seja quanto à sua natureza, seja quanto às circunstâncias várias que estiveram na base da determinação concreta da pena, nos termos do art.º 71 do Código Penal – e da medida concreta da pena em cumprimento); 2) A vida anterior do agente (relaciona-se com a existência ou não de antecedentes criminais); 3) A sua personalidade (para além de uma valoração fundamentalmente estatística decorrente dos antecedentes criminais [quantos mais, mais se indicia uma personalidade não conforme ao direito e potencialmente não merecedora da liberdade condicional], considera-se a possibilidade de o recluso ter enveredado para um percurso criminoso por a isso ter sido conduzido, ou não, por circunstâncias que não controlou ou não controlou inteiramente); 4) A evolução desta durante a execução da pena de prisão (essa evolução deve ser perceptível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica do recluso, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre). Deve sublinhar-se que a evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão não se exterioriza nem se esgota necessariamente através de uma boa conduta prisional, muito embora haja uma evidente identidade parcial. Assim, os referidos padrões poderão revelar-se quer em termos omissivos (através da ausência de punições disciplinares ou de condutas especialmente desvaliosas, como o consumo de estupefacientes, quando não motive as referidas punições), quer activamente (através do empenho no aperfeiçoamento das competências pessoais – laborais, académicas, formativas) ao longo do percurso prisional do recluso. * No caso dos autos os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional estão reunidos: os 2/3 da pena já se mostram cumpridos, e o recluso continua a aceitar a liberdade condicional.Mas, o mesmo ainda não sucede quanto aos requisitos substanciais da liberdade condicional. Assim, e ainda que já satisfeitas as exigências de prevenção geral reclamadas no caso, verificou-se retrocesso no percurso do recluso, marcado pela abertura de incidente disciplinar, ainda pendente de decisão final. Tal circunstância leva a que, pelo menos até à referida decisão, o gozo de medidas de flexibilização da pena fique suspenso, aspecto que necessariamente prejudica a consolidação daquele que vinha sendo o trajecto já iniciado pelo recluso (e para cuja importância se havia feito notar em anterior decisão de não concessão da liberdade condicional). Acresce dizer que notamos ainda reduzida evolução do recluso no que respeita a uma reflexão crítica e de autoanálise quanto à sua própria responsabilidade criminal. Isto é, e se bem que o recluso afirme reconheçer o dever de indemnizar a vítima, e que errou, parece-nos que ainda não se consciencializou do efectivo alcance negativo do seu comportamento, da violência empregue, e que tudo a si se deve, sem desculpabilizações. A vítima continua a ser algo “negligenciada” pelo recluso, não se tendo sentido sincera e forte interiorização dos efectivos danos que naquela foram provocados. Voltamos, pois, a apelar no sentido de, em abordagens mais individualizadas, se trabalhar no recluso o desenvolvimento de uma consciência crítica mais assertiva e menos centrada na sua própria pessoa. Existindo, assim, aspectos que carecem de uma evolução e de melhor avaliação, subsistem fragilidades associadas à pessoa do recluso e ao seu percurso, e que, não sendo minoradas ou mais trabalhadas, continuarão a potenciar o risco de reincidência no futuro. III – DECISÃO Pelo que, não concedo a liberdade condicional a AA.” Apreciando: Alega o recorrente recluso, em suma, que o tribunal recorrido fez um erro de julgamento ao proferir decisão de recusa de concessão da liberdade condicional baseada unicamente no facto de o recluso ter pendente procedimento disciplinar, o que viola o principio da presunção de inocência, por ser ainda, alegadamente, insuficiente a reflexão que realiza sobre o desvalor do seu comportamento criminoso e sobre a sua responsabilização criminal. Mais alega que tem mantido, no geral, um comportamento prisional adequado, tendo sido colocado anteriormente em regime aberto no interior e beneficiado de três licenças de saída jurisdicionais e três licenças de curta duração, sem que tenha ocorrido qualquer incidente, mereceu pareceres favoráveis à liberdade condicional nos relatórios dos Serviços Prisionais e no relatório dos serviços da D.G.R.S.P., tem aproveitado o seu tempo de reclusão para adquirir novas competências, encontrando-se o mesmo a trabalhar como faxina da ala desde 12/04/2022, tendo anteriormente frequentado cursos no Estabelecimento Prisional, pelo que deveria ter sido proferida decisão que concedesse a liberdade condicional ao recluso recorrente. Cumpre apreciar e decidir. De harmonia com o disposto no artigo 62º, n.º 2, al. a), e nº 3, do Código Penal, encontrando-se cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses (como acontece no caso destes autos), o condenado a prisão é colocado em liberdade condicional se “for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”. A concessão da liberdade condicional consiste na antecipação da liberdade ao condenado que cumpre pena privativa de liberdade, desde que cumpridas determinadas condições, medida que serve como estímulo à reintegração na sociedade daquele que aparenta ter experimentado uma suficiente recuperação na última etapa do cumprimento da pena privativa de liberdade, representando uma transição entre a prisão e a vida livre. Como decorre do preceituado no artigo 61º do Código Penal, a liberdade condicional em sentido próprio (também chamada liberdade condicional facultativa), prevista nos nºs 2 e 3 de tal normativo, depende não apenas de pressupostos formais, mas também de requisitos materiais, estes ligados ao comportamento e à personalidade do recluso. Assim, as razões de prevenção geral e de prevenção especial não são privativas do momento da determinação da medida concreta da pena de prisão, continuando a estar presentes na fase de execução dessa mesma pena de prisão. No primeiro momento de apreciação da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu metade da pena de prisão, faz-se depender a concessão da liberdade condicional dessas razões de prevenção (geral e especial) - artigo 61º, n.º 2, als. a) e b), do Código Penal -, isto porque se admite a possibilidade de o cumprimento de metade da pena de prisão poder não ser suficiente para satisfazer as finalidades de prevenção geral. O mesmo já não ocorre no segundo momento de apreciação da concessão da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu dois terços da pena (artigo 61º, nº 3, do Código Penal) - como acontece no caso dos autos. Na situação colocada nos autos, já se entende que o cumprimento parcial (2/3) da pena de prisão satisfaz razões de prevenção geral, e, por isso, neste segundo momento de apreciação, preocupa-se o legislador apenas com as exigências de prevenção especial. Ou seja, a liberdade condicional agora em apreciação (aos 2/3 do cumprimento da pena) depende tão-só de razões de prevenção especial. Como bem se escreve no Ac. da Relação do Porto de 16-01-2008 (in www.dgsi.pt), “para efeitos do disposto no art. 61º, nº 3, deve efectuar-se um prognóstico individualizado e favorável de reinserção social, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o condenado em liberdade adopte um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal”. A esta luz, para além da vontade subjectiva do condenado, o que releva é a capacidade de readaptação do mesmo, analisada por parâmetros objectivos e objectiváveis, de modo a poder concluir-se que as expectativas de reinserção são superiores aos riscos que a comunidade suportará com a antecipação da restituição à liberdade do condenado. Daí que não seja elemento essencial (decisivo) o bom comportamento prisional do condenado, devendo atender-se a todos os índices de ressocialização revelados pelo mesmo, índices que devem ser aferidos de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso, nomeadamente olhando-se à conduta anterior e posterior à condenação, à própria personalidade do condenado, ao seu modo de vida, aos seus antecedentes criminais e aos seus laços sociais e familiares. Revertendo ao caso destes autos: O recorrente encontra-se condenado a uma pena e 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de homicídio na forma tentada. O início do cumprimento da pena mostra-se reportado a 15/10/2019 (esteve inicialmente em prisão preventiva, seguindo-se a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação desde 26/10/2019 a 1/3/2021) cumpriu metade da mesma em 15/7/2022, os 2/3 em 15/6/2023, prevendo-se o seu termo em 15/4/2025; Regista anterior condenação pela prática dos crimes de resistência e coacção sobre funcionário e detenção de arma proibida, sendo a primeira vez que cumpre pena efectiva de prisão. O recluso regista uma punição disciplinar de repreensão, por factos de Maio de 2021 (agressão a outro recluso), encontrando-se pendente novo procedimento disciplinar por factos de 18/5/2023 (alegada agressão a outro recluso), em fase de impugnação. O recluso começou a usufruir de licenças de saída jurisdicional em Julho de 2022, altura em que também passou a cumprir a pena em regime aberto para o interior. Por via dos factos referidos em 8 foi suspenso do regime aberto para o interior e do trabalho. Mostrando-se posto o cerne da decisão e da discordância do recorrente na questão de reconhecer os erros que praticou, arrepender-se de os ter praticado, compreender e reconhecer que fez mal à vítima e está consciente que de o erro foi seu e não de terceiros, até pode ser no caso compreensível face à postura que o recorrente teve na sua audição, como é reconhecido na sentença, facto provado 133 [ Sobre os factos que se lhe imputam, afirma ter agido sem controlo e que talvez tenha havido excesso de consumo de bebidas alcoólicas de ambas as partes. Diz-se mudado pela prisão sofrida, e determinado a não cometer erros semelhantes, pois não deseja voltar à prisão. Afirma pretender pagar a indemnização que deve, logo que em meio livre comece a trabalhar.]. Como muito esclarecida e adequadamente diz a decisão recorrida, fazendo ligação a esse facto, “…notamos ainda reduzida evolução do recluso no que respeita a uma reflexão crítica e de autoanálise quanto à sua própria responsabilidade criminal. Isto é, e se bem que o recluso afirme reconheçer o dever de indemnizar a vítima, e que errou, parece-nos que ainda não se consciencializou do efectivo alcance negativo do seu comportamento, da violência empregue, e que tudo a si se deve, sem desculpabilizações. A vítima continua a ser algo “negligenciada” pelo recluso, não se tendo sentido sincera e forte interiorização dos efectivos danos que naquela foram provocados. Voltamos, pois, a apelar no sentido de, em abordagens mais individualizadas, se trabalhar no recluso o desenvolvimento de uma consciência crítica mais assertiva e menos centrada na sua própria pessoa. Existindo, assim, aspectos que carecem de uma evolução e de melhor avaliação, subsistem fragilidades associadas à pessoa do recluso e ao seu percurso, e que, não sendo minoradas ou mais trabalhadas, continuarão a potenciar o risco de reincidência no futuro.” Ao contrário do que o recorrente pretende transmitir da leitura que fez da decisão recorrida e dos fundamentos vertidos na mesma que conduziram ao indeferimento da sua pretensão, o acento tónico desta decisão reconduz-se à valorização das necessidades de prevenção especial (mais concretamente prevenção especial positiva), que o caso suscita em função da natureza do crime em questão nos autos e a fraca e incosistente interiorização do desvalor da sua conduta que o condenado revela nas suas atitudes face ao crime praticado e às suas consequências. Acresce que a abertura de procedimento disciplinar por uma pretensa agressão a outro recluso – note-se que se menciona no facto provado 8 que se encontra pendente tal procedimento – para alem de não representar qualquer violação do princípio da presunção de inocência pois em momento algum de diz que o recluso cometeu efectivamente a alegada agressão e que incorreu em medida disciplinar, não pode deixar de apresentar o retrocesso indicado na sentença. Em suma, não se vê que o recluso esteja munido de inibidor endógeno, pelo que não pode formular-se um juízo de prognose favorável ao nível da prevenção especial negativa. De resto, a falta de interiorização crítica, quer do crime quer da pena, mais impressivo ainda quando a vítima continua a ser algo “negligenciada” pelo recluso, traduz na realidade uma não evolução da personalidade, sendo, portanto, um forte factor de risco de reincidência e inviabiliza a concessão da liberdade condicional, mormente numa situação de delito grave e socialmente lesivo, como é o caso do crime contra a vida em cuja presença nos encontramos. Perante este dual argumento, concordando, pois, com os fundamentos da decisão recorrida que se mostram equilibrados e criteriosos, somos de confirmar a mesma, sendo por conseguinte, o recurso de improceder. III. Tudo visto e ponderado, decide-se negar provimento ao recurso interposto pelo recluso AA, confirmando-se a decisão recorrida. Sem custas. Feito e revisto pelo 1º signatário. Évora, 26 de Setembro de 2023. João Carrola Carlos Campos Lobo Maria Beatriz Borges |