Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | EDGAR VALENTE | ||
Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES CRIME EXAURIDO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA MEDIDA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 01/06/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
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Sumário: | 1. Tendo-se apurado que o arguido praticou dois actos concretos de tráfico de estupefacientes, com um intervalo de 7 meses, não se referindo uma actividade de tráfico prolongada no tempo, sem que se apurasse qualquer circunstância que permita estabelecer uma conexão entre ambos os actos, reveladora de um mesmo propósito criminoso, é de afastar a unificação das condutas como um só crime. 2. A circunstância de o agente ser detido e ouvido em interrogatório judicial relativamente à prática dos actos de tráfico até aí cometidos tem a virtualidade de fazer cessar definitivamente o processo factual ocorrido preteritamente, correspondendo a prática ulterior de factos penalmente desvaliosos semelhantes, sustentado por um impulso subjectivo autónomo relativamente ao dolo inerente aos factos anteriores, a novo crime. Acordam os Juízes, após audiência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. Relatório. No 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Cartaxo corre termos o processo comum colectivo 13/09.7JELSB, no qual o arguido DG, solteiro, servente de pedreiro, …. nascido em 07 de Julho de 1978, residente na …, Quinta do Conde, Sesimbra, foi condenado, como autor material de dois crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artº 25º, al. a) do DL 15/93, de 22.01, um na pena de dois (2) anos e outro na pena de dois (2) anos e seis (6) de prisão, tendo sido, em cúmulo jurídico, condenado na pena única de três (3) anos e seis (6) [meses?] de prisão efectiva. Inconformado com tal decisão, o MP interpôs o presente recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1 - O crime de tráfico de estupefacientes é um crime exaurido, ou seja, em que a incriminação da conduta se esgota nos primeiros actos de execução, independentemente dos mesmos corresponderem a uma execução completa e em que a repetição dos actos com produção de sucessivos resultados é ou pode ser imputada a uma realização única. 2 - O arguido DG deve ser condenado por um único crime de tráfico de estupefacientes. 3 - À luz das regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e na ausência de uma explicação alternativa, a detenção (documentada em autos de apreensão cuja genuinidade ninguém impugnou) de dois telemóveis, cada um com seu cartão, e de dinheiro por um recluso, num estabelecimento prisional, acompanhada da posse de produtos estupefacientes, está comprovadamente – no sentido de que o homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente disso se apercebe – relacionada com esta posse, sendo os telemóveis instrumentos utilizados para a prática do ilícito e o dinheiro o seu produto ou o meio para a respectiva aquisição. 4 - O Acórdão recorrido enferma do vício do artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do CPPenal. 5 - Na falta de concretização de elementos que fundamentem a perigosidade do dinheiro e bens apreendidos – perigosidade que objectiva e obviamente não encerram –, a matéria de facto dada como provada é manifestamente insuficiente para a decisão do seu perdimento a favor do Estado. 6 - Da leitura do artigo 24.º não pode extrair-se que a elevação das penas nele prevista depende de quaisquer outras circunstâncias para além das que ali são taxativamente enumeradas, o que bem se entende, já estão em causa circunstâncias atinentes à ilicitude e, nessa medida, objectiváveis, porque conexionadas com o grau de desconformidade com os bens jurídicos tutelados pelo ordenamento e não com o nível de censura do agente. 7 - De todo o modo, mesmo que assim não se entenda, exigindo-se para o preenchimento dessa alínea a verificação da disseminação ou da intenção de disseminação dos produtos estupefacientes, sempre o tribunal teria de a considerar verificada, atenta a factualidade que deu como assente. 8 - Face à factualidade provada e àquela que por erro notório não se deu como assente – a detenção de estupefacientes em doses individuais no estabelecimento prisional, por um recluso com antecedentes criminais por ilícito de idêntica natureza, em duas ocasiões, acompanhada da posse de dinheiro e de dois telemóveis –, objectivamente reveladora de uma ilicitude assinalável, de uma displicência intolerável relativamente aos comandos penais, não pode ser imputado a DG o crime privilegiado do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93. Conclui pedindo que seja dado provimento ao recurso e substituído o Acórdão recorrido por um outro que, sanando os vícios do artigo 410º, nº 2, alíneas a) e c) do CPPenal, dê como provado que o dinheiro encontrado na posse do arguido era proveniente das cedências de produtos estupefacientes por ele já efectuadas e que os telemóveis apreendidos se destinavam a facilitar o exercício da sua actividade de cedência e o condene pela prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos artigos 21º, nº 1 e 24º, alínea h) do DL nº 15/93 ou, subsidiariamente, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º do mesmo diploma. O arguido respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do acórdão e pela improcedência do recurso. A Exmª PGA neste Tribunal da Relação acompanhou a posição do MP na 1ª instância, não tendo havido resposta. Procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a referida audiência, cumpre apreciar e decidir. Levaremos em conta os factos provados constantes da decisão recorrida (transcrição): ''Do inquérito n.º 13/09.7 JELSB 1 - No dia 06 de Janeiro de 2009, pelas 19 horas e 25 minutos, no Estabelecimento Prisional de Alcoentre, área desta comarca, foi efectuada busca à cela de habitação do arguido, recluso n.º ---/11808 do aludido Estabelecimento Prisional. 2 - Nessas circunstâncias de tempo e lugar, foram encontrados e apreendidos ao arguido DG, no seu armário: € 15 em dinheiro, quatro pacotes contendo heroína, com o peso líquido total de 2,163 gramas, e dois pedaços de cannabis (resina), com o peso líquido total de 2,924 gramas. Do inquérito n.º 381/09.0 JELSB 3 - No dia 31 de Agosto de 2009, pelas 19 horas e 10 minutos, no Estabelecimento Prisional de Alcoentre, área desta comarca, foi efectuada busca à cela de habitação do arguido, recluso n.º ---/11808 do aludido Estabelecimento Prisional. 4 - Nessas circunstâncias de tempo e lugar, foi encontrado e apreendido ao arguido DG, na parte inferior da porta da casa de banho da dita cela um telemóvel de marca “Nokia”, com o cartão da operadora TMN. 5 - Mais foram detectados e apreendidos ao arguido, dentro de uma meia: um telemóvel de marca “Sagem”, com cartão da operadora OPTIMUS, uma nota de € 50, outra de € 10 e um volume de plástico branco onde estavam oito pacotes contendo heroína, com o peso líquido total de 6,026 gramas. 6 - O arguido sabia, em todas as circunstâncias, que, ainda para mais no estabelecimento prisional, é proibido comprar, oferecer, ceder, vender, deter ou fazer transitar a substância apreendida, cuja composição química conhecia igualmente. 7 - Em ambas as circunstâncias, arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei, sendo capaz de a orientar de harmonia com esse conhecimento. 8 - O arguido antes de preso vivia com a mãe que é empregada de balcão; tem como habilitações literárias o 6.º ano de escolaridade; no E.P. não exerce qualquer trabalho. 9 - Por acórdão datado de 08.05.1998, proferido nos autos de processo comum colectivo n.º --/98, da 10.ª Vara Criminal da Comarca de Lisboa, por factos praticados em 04.08.97, o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos. 10 - Por acórdão datado de 31.10.1998, proferido nos autos de processo comum colectivo n.º --/98.8 GBSSB, do Tribunal de Circulo de Setúbal, por factos praticados em 22.01.98, 02.02.98 e 03.02.98, o arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo e dois crimes de furto qualificado, na pena única de 4 anos de prisão. 11 - Por acórdão datado de 29.01.1999, proferido nos autos de processo comum colectivo n.º ---/97.2 GSSB, do Tribunal de Círculo de Setúbal, por factos praticados em 27.10.97, o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão. 12 - Por acórdão datado de 24.03.1999, proferido nos autos de processo comum colectivo n.º --/98.5 TCSTB, da Vara Mista de Setúbal, por factos praticados em 16.04.96, o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena única de 5 anos e 9 meses de prisão. 13 - Por decisão proferida no processo n.º ---/99 do Tribunal de Execução de Penas, em 20.07.00, foi concedida a liberdade condicional ao arguido pelo período decorrente até 10.09.2002. 14 - Em 04.06.2003 foi revogada ao arguido a liberdade condicional que lhe havia sido concedida. 15 - Por acórdão datado de 20.06.2002, proferido nos autos de processo comum colectivo n.º ---/01.0 SNLSB, das Varas Criminais de Lisboa, por factos praticados em 22.12.2001, o arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22.01, na pena de 5 anos de prisão. 16 - Por sentença datada de 19.02.2004, proferida nos autos de processo comum singular n.º ---/00.0 GBSSB, do Tribunal de Sesimbra, por factos praticados em 12.12.2000, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência, na pena única de 4 meses de prisão. 17 - Por acórdão datado de 20.02.2004, proferido nos autos de processo comum colectivo n.º ---/03.9 TAOER, do Tribunal de Oeiras, por factos praticados em 08.08.2003, o arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 20 meses de prisão. 2.2. - Factos não provados Não se provaram os restantes factos descritos na acusação, designadamente, não se provou que: 1 - O dinheiro apreendido na posse do arguido, nas datas supra referidas, era proveniente das cedências de produtos estupefacientes por ele já efectuadas. 2 - Os telemóveis apreendidos ao arguido destinavam-se a efectuar chamadas para o exterior do estabelecimento prisional com vista à introdução naquele espaço de produtos estupefacientes, visando facilitar o exercício da sua actividade de cedência. 3 - O arguido destinava aqueles produtos estupefacientes que tinha na sua posse à venda com lucro no interior do mencionado Estabelecimento Prisional. ‘' 2. Fundamentação. A. Delimitação do objecto do recurso. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412º do Código de Processo Penal – CPP), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso. Contudo, apesar da delimitação do âmbito do recurso efectuada pelo recorrente, o tribunal ''ad quem'' deve oficiosamente[1] conhecer dos vícios referidos no artº 410º, nº 2 do CPP, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Esses vícios são: a - A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. (alínea a) b – A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão. (alínea b) c – O erro notório na apreciação da prova. (alínea c) O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – nº 3 do referido preceito. As questões a decidir no presente recurso, nos exactos termos suscitados pelo recorrente, são as seguintes: 1ª - A condenação do arguido por dois crimes de tráfico de estupefacientes, sendo este crime um crime exaurido; 2ª - O erro notório na apreciação da prova pelo tribunal a quo, ao dar como não provada a utilização dos telemóveis apreendidos ao arguido para facilitação da actividade de cedência de produtos estupefacientes e que o dinheiro detido pelo arguido era proveniente dessa actividade de cedência; 3ª - A insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada; 4ª - A exigência da disseminação ou da intenção da disseminação do produto estupefaciente no estabelecimento prisional pelo arguido para a verificação da agravante da alínea h) do artigo 24º do Decreto-Lei nº 15/93 e seu consequente afastamento; 5ª - A infundamentada subsunção dos factos praticados pelo arguido ao tipo privilegiado do artigo 25º do citado diploma legal. B. Decidindo. 1ª questão. (natureza do ilícito e respectivos reflexos na unidade/pluralidade do(s) crime(s)) Resulta doutrinaria e jurisprudencialmente pacífico que o crime de tráfico de estupefacientes é um crime exaurido[2], configurando-se o mesmo como um crime em que ocorre ''equiparação típica de tentativa e consumação''[3], ou seja, por outras palavras, um crime ''em que o resultado típico se alcança logo, com aquilo que surge por regra como realização inicial do “iter criminis”, tendo em conta o processo normal de actuação, envolvendo droga que se não destine exclusivamente a consumo.''[4] Esta natureza advém da circunstância de se tratar de um crime de perigo abstracto, em que se considera que a prática de quaisquer actos previstos na norma incriminadora já coloca em perigo o bem jurídico tutelado pela norma, ou seja, a saúde pública, nas suas complexas vertentes. No entanto, a questão de que nos ocupamos, ainda que se deva levar em consideração a natureza de crime exaurido do tráfico de estupefacientes (para efeito de considerar já consumado o crime - ou crimes - através da comissão de apenas uma fracção dos actos de execução visados pelo arguido, ainda que não se tenha chegado à realização completa destes) tem menos a ver com a tutela antecipada do bem jurídico em causa que aquela natureza traduz e mais com a valoração autónoma ou não de actos que preenchem a tipicidade do crime e que acontecem em momentos temporais diferenciados. Parece-nos inequívoco que determinados conjuntos de factos que integram o crime em causa praticados pelo mesmo agente ao longo de um período mais ou menos alargado de tempo podem e devem ser aglutinados como comissão de um único crime de tráfico de estupefacientes – ex: a prática de actos venda de droga durante meses a diversos consumidores. Estamos aqui perante a concretização de um mesmo propósito por parte do agente materializado em actos reiterados no tempo, o que nos poderá, inclusive, fazer cair na figura do chamado ''crime habitual'', definido como aquele em que ''a estrutura do facto criminoso se apresenta, ou, pelo menos, pode apresentar mais complexa do que habitualmente sucede e se desdobra numa multiplicidade de actos semelhantes que se vão praticando ao longo do tempo, mediando intervalos entre eles''[5]. Porém, deverão estes conjuntos de actos penalmente desvaliosos ser sempre aglutinados, considerando-se apenas e tão só a prática de um único crime? Impõe-se uma resposta negativa, sendo que nos parece existirem casos inequívocos de corte subsuntivo, como a existência de um julgamento ou, pelo menos, o trânsito em julgado de uma decisão condenatória: nestes casos, resulta quanto a nós evidente que os actos (idênticos) praticados após o julgamento por outros anteriores nunca poderão ser unificados como um único crime. Segundo o Acórdão do STJ de 18.04.1996 proferido no processo nº 254/96 in CJ, Tomo II, 1996[6], a unificação também não opera ''quando, por motivos de natureza processual, as diversas condutas do arguido, repetidas no tempo, vêm a ser apreciadas e julgadas em processos distintos, quer estes corram na mesma ou em diferentes comarcas. É que o facto de se tratar de crimes "exauridos" não é incompatível com a circunstância de as condutas que lhes estão subjacentes poderem traduzir actuações com intervalos temporais ou espaciais que permitam o desenvolvimento de processos autónomos, independentes entre si, conducentes a apreciações individualizadas, com julgamentos perfeitamente diferenciados, e, nesse caso, cada um deles tem a virtualidade de gerar condenações diversificadas e autonomizadas'' Tal entendimento, porém, não deve ser seguido, segundo se lê no mesmo aresto, ''quanto às situações em que as diversas condutas são judicialmente apreciadas num único processo e através da mesma decisão, uma vez que, neste caso, a obrigação legal de conhecimento conjunto de toda a actividade do arguido impõe a correspondente unificação. Desta forma, a circunstância de o arguido ser ou ter sido preso por mais de uma vez, no âmbito de um mesmo processo, por detenção de estupefacientes, praticada em datas diferentes, não contém, por si só, a virtualidade de conduzir à conclusão da prática de tantos crimes quantas as vezes em que se verificou a sua prisão.'' Salvo o devido respeito, discordamos deste entendimento. Desde logo, o critério da unificação ou não das diversas condutas num único crime consoante as mesmas sejam apreciadas no mesmo ou em processos distintos parece-nos de constitucionalidade duvidosa, tratando diferentemente situações substantivas idênticas apenas por razões estritamente processuais, o que violará o princípio da igualdade. Por outro lado, parece-nos que a circunstância de o agente ser detido e ouvido em interrogatório judicial relativamente à prática dos actos de tráfico até aí cometidos tem a virtualidade de fazer cessar definitivamente o processo factual ocorrido preteritamente, correspondendo a prática ulterior de factos penalmente desvaliosos semelhantes a novo crime, sustentado por um impulso subjectivo autónomo relativamente ao dolo inerente aos factos anteriores. Assim, caso a conduta do agente se pulverize ''numa pluralidade de eventos que, aglutinados pela unidade do preceito penal incriminador e por alguma conexão temporal, tiveram a sua génese numa sucessiva repetição do dolo, assegurado por reiteradas e autónomas resoluções criminosas'', tal situação aponta para ''um verdadeiro concurso real de infracções''[7] Igual conclusão se poderá retirar relativamente a situações em que o intervalo temporal entre os actos desvaliosos é especialmente acentuado. A este propósito, importa recordar as palavras de Eduardo Correia[8]: ''É preciso não perder de vista que a pluralidade de actos só não importa a pluralidade de determinações na medida em que cada um deles se analisar num puro explodir (déclencher) mais ou menos automático da carga volitiva correspondente ao projecto querido (…). Ora, a experiência e as leis da psicologia ensinam-nos que, em regra, se entre diversos actos medeia um largo espaço de tempo, a resolução que porventura inicialmente os abrangia a todos se esgota no intervalo da execução, de tal sorte que os últimos não são já a sua mera descarga, mas supõem um novo processo deliberativo. Daqui resulta então que se deve considerar existente uma pluralidade de resoluções sempre que se não verifique, entre as actividades do agente, uma conexão no tempo tal que, de harmonia com a experiência normal e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respectivo processo de motivação.'' Importando esta doutrina para situações concretas, no Acórdão do STJ de 12.06.2006 (proferido no processo nº 1709/06, CJ nº 192, Tomo II, 2006) afirma-se que ''a incidência do tempo naquela unicidade não pode deixar de se tomar em apreço, e até comprometê-la mesmo, se decorrer um largo hiato de tempo entre as múltiplas condutas; não já se interceder um momento volitivo a despoletá-las todas, que aglutine as primeiras e subsequentes, ainda dentro daquela volição, hipótese que exclui o concurso real de infracções, nos termos do artº 30º nº 1, do CP. Importará discernir então se entre os actos de tráfico é detectável um qualquer elo de ligação objectiva e subjectiva, sob a forma de resolução única que possa unificá-los na mesma conduta (neste sentido cfr. os Acs. deste STJ, de 14/2/2002 e 3/7/2002, Pºs nºs 4444/01 e 1533/02, das 5ª e 3ª Secções, respectivamente).'' Descendo ao caso dos autos, diremos: os factos nucleares em causa são a apreensão de droga na cela do arguido em duas ocasiões, uma em 06.01.2009 e a outra em 31.08.2009. A prisão é, como se sabe, uma instituição total, implicando, por natureza e definição, a privação da liberdade e a sujeição às normas que regem a reclusão, sendo legítimo afirmar que a aquisição e posse de droga é particularmente difícil, dadas precisamente aquelas realidades. Assim, não obstante ter sido o arguido surpreendido na posse de droga em 06.01.2009 (tendo sido interrogado, constituído arguido e sujeito a TIR em 25.02.2009 – cfr. fls. 83 e ss), veio a, decorridos quase 9 meses, encontrar ''engenho e arte'' para ultrapassar as dificuldades acrescidas de acesso a estupefacientes na prisão, praticando facto de idêntica natureza. Não se vislumbra qualquer ligação objectiva e subjectiva entre os dois factos, pelo que, necessariamente, estamos perante duas resoluções perfeitamente diferenciadas. Relativamente a situação com alguns pontos de contacto com a dos autos, escreveu-se no Ac. do STJ de 22.06.2005 proferido no processo nº 1669/05, CJ nº 184, Tomo II, 2005 o seguinte: ''Fundamental [para averiguar se existe um só crime ou um concurso real de crimes] é a verificação de uma ou mais resoluções criminosas. No caso apurou-se que o recorrente praticou dois actos concretos de tráfico, com um intervalo de 14 meses, não se referindo uma actividade de tráfico prolongada no tempo. O referido intervalo temporal entre os actos de tráfico, sem que se apurasse qualquer circunstância que permita estabelecer uma conexão entre ambos reveladora de um mesmo propósito criminoso, impede a unificação das condutas como um só crime. Assim, é de considerar que ocorreram duas resoluções criminosas, tendo a conduta do recorrente preenchido duas vezes o mesmo tipo de crime. O que, de harmonia com o preceituado no artigo 30º, nº 1, do Código Penal, conduz à dualidade de crimes. (v. acórdão deste Supremo Tribunal de 11.12.2003, proc. nº 3193/03, 3ª Secção). (…) É assim de concluir que o recorrente cometeu dois crimes, e não um, de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previstos e punidos pelo artigo 25º, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.'' Em síntese, entendemos que a decisão recorrida considerou correctamente a prática de dois crimes, não sendo fundamentada a pretendida pelo recorrente aglutinação das condutas do arguido num só crime, atenta a sua natureza ''exaurida''. 2ª questão (erro notório na apreciação da prova) Sobre o vício invocado pelo recorrente, dizem-nos Simas Santos e Leal-Henriques[9]: É uma ''falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível para o cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se tirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com o sendo comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis.'' Afirma o recorrente que à luz das regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e na ausência de uma explicação alternativa, a detenção de dois telemóveis, cada um com seu cartão, e de dinheiro por um recluso, num estabelecimento prisional, acompanhada da posse de produtos estupefacientes, está comprovadamente – no sentido de que o homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente disso se apercebe – relacionada com esta posse, sendo os telemóveis instrumentos utilizados para a prática do ilícito e o dinheiro o seu produto ou o meio para a respectiva aquisição. Quanto a tal aspecto, diremos o seguinte: resulta claro que está vedada aos reclusos a posse de dinheiro e de telemóveis. (artº 28º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, sendo que à data dos factos, o diploma em vigor era de conteúdo teleologicamente semelhante) Porém, inferir de tal proibição que o dinheiro encontrado na posse do arguido era proveniente das vendas de droga já efectuadas e que os telemóveis se destinavam a efectuar comunicações com o exterior visando a introdução de estupefacientes na prisão é, sem quaisquer elementos de prova complementares que corroborem tal proveniência e fim, actividade que as regras de apreciação da prova não consentem. Com efeito, tais proveniência e fim são, de acordo com as regras da experiência comum, apenas possíveis, mas também se podem descortinar, obedecendo às mesmas regras, proveniências e fins diferentes. Dar como provados determinados factos apenas com base em meras possibilidades é conclusão que a necessidade da certeza da convicção do julgador não autoriza de todo. Inexiste, pois, este vício. 3ª questão. (insuficiência da fundamentação). Sobre este vício, dizem-nos (de novo) Simas Santos e Leal-Henriques[10]: É uma ''lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher. ‘' Segundo o recorrente, a matéria de facto dada como provada é manifestamente insuficiente para a decisão de perdimento do dinheiro e dos telemóveis apreendidos ao arguido. Vejamos. Segundo o artº 35º, nº 1 do DL 15/93, de 22.01, são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos. São também perdidos a favor do Estado, nos termos do nº 2 do artº 36º do mesmo diploma, os objectos, direitos e vantagens que, através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem. O pressuposto do perdimento é que (1) os objectos tenham servido ou estivessem destinados a servir (2) para a prática de uma infracção prevista no diploma[11]. Uma vez que não se provou que o dinheiro apreendido na posse do arguido fosse proveniente das cedências de produtos estupefacientes por ele já efectuadas e que os telemóveis àquele apreendidos se destinassem a efectuar chamadas para o exterior do estabelecimento prisional com vista à introdução naquele espaço de produtos estupefacientes, visando facilitar o exercício da sua actividade de cedência, temos a considerar que não se provou que aquele dinheiro fosse uma vantagem adquirida através do crime ou que os telemóveis tenham servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática. Assim, com os factos dados como provados e não provados não era possível atingir-se a decisão de direito (perdimento dos objectos/dinheiro) a que se chegou, existindo, efectivamente, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Porém, a existência de tal vício não tem a consequência processual pela qual o recorrente pugna, ou seja, que se dê como provada a ligação daqueles dinheiro/objectos ao crime de tráfico de estupefacientes e respectivo perdimento a favor do Estado. Com efeito, esta ligação só poderia vir a ser dada como provada caso ocorresse erro notório na apreciação da prova (o que não é o caso, como vimos supra) ou tivesse sido impugnada a matéria de facto, nos exactos termos recortados no artº 412º, nº 3, o que também não se verifica. Consequentemente, uma vez que se nos afigura ser possível ''decidir da causa''[12], quanto a esta específica questão, há apenas que decidir revogar a decisão de perdimento do dinheiro/telemóveis, uma vez que não tem qualquer substrato fáctico que a suporte. 4ª questão. (A exigência da disseminação ou da intenção da disseminação do produto estupefaciente no estabelecimento prisional pelo arguido para a verificação da agravante da alínea h) do artigo 24º do Decreto-Lei nº 15/93 e seu consequente afastamento) Vejamos, antes de mais, o quadro legal aplicável: Artigo 21.º[13] Tráfico e outras actividades ilícitas 1 - Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos. (...) Artigo 24.º Agravação As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: (…) h) A infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional [14], unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações; (...) Nesta questão, trata-se especificamente de recortar a forma de integração concreta da qualificativa, ou seja, deve esta ser de aplicação ''automática'' (no sentido de que, desde que a conduta seja praticada no interior de um Estabelecimento Prisional – EP - deve considerar-se preenchida a qualificativa) ou se, complementarmente, é necessária a disseminação ou intenção de disseminar a droga no interior daquele. Segundo Fernando Lobo[15] ''a própria e simples prova de um recluso deter droga, que não se destina ao seu consumo, dentro de um estabelecimento prisional, é inegavelmente o necessário e suficiente para firmar a presunção natural de que a destina ao tráfico e à disseminação nesse local, privado que está de liberdade de desenvolver qualquer outra actividade prevista no tipo base, que não seja essa.'' Por outro lado, importa referir o seguinte: Segundo o Acórdão do STJ de 07.07.2009 (proferido no processo nº 52/07.2PEPDL.S1-3ª e disponível em www.dgsi.pt), o escopo agravativo quando a conduta tem lugar no interior de um EP repousa na perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e no grave transtorno da ordem e organização das prisões que o tráfico de estupefacientes acarreta. Por outro lado, pode ler-se no Acórdão do STJ 02.05.2007 (proferido no processo nº 1013/07-3.ª, e também disponível em www.dgsi.pt) o fim do legislador ao prever a agravante em causa é o de preservar de forma reforçada a saúde física e psíquica de sectores específicos da população, por estarem mais expostos aos riscos e perigos de contacto com os estupefacientes e não o de defesa da autoridade do Estado dentro de certos territórios. (neste sentido, vide também os Acórdãos do mesmo Tribunal de 06.06.2006 (proferido no processo nº 2034/06-5ª in CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 204) e de 28.06.2006 (proferido no processo nº 1796/06-3ª in CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 230), onde se lê que a razão de ser da agravante assenta no desrespeito pelos fins de prevenção e reinserção visados pelo cumprimento das penas e prosseguidos pela instituição prisional). Atendendo ao acima exposto, lê-se no Acórdão do STJ de 22.02.2010 (proferido no processo 59/06.7GAPFR.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt.) que '' é uniforme o entendimento de que a circunstância de a infracção ter sido cometida em estabelecimento prisional não produz efeito qualificativo automático[16], antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da acção, a concreta infracção justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador – acórdãos de 14-07-2004, processo n.º 2147/04-3ª; de 30-03-2005, processo n.º 3963/04-3ª, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 224; de 21-04-2005, processo n.º 1273/05-5ª; de 28-06-2006, processo n.º 1796/06-3ª; de 06-07-2006, processo n.º 2034/06-5ª; de 12-10-2006, processo n.º 2427/06-5ª; de 28-06-2006, processo n.º 1796/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 230; de 06-07-2006, processo n.º 2034/06-5ª; de 29-11-2006, processo n.º 2426/06-3ª; de 02-05-2007, processo n.º 1013/07-3.ª; de 12-07-2007, processo n.º 3507/06-5ª; 16-01-2008, processo 4638/07-3.ª; de 06-11-2008, processo n.º 2501/08-5.ª; de 21-01-2009, processo n.º 4029/08-3ª (a detenção de droga, no interior de um estabelecimento prisional, por um recluso, em cumprimento de pena, não é circunstância bastante de per se que agrave automaticamente a punição, qualificando o crime. É preciso que resulte do facto verificado que essa detenção de estupefaciente se traduz numa conduta dolosa do agente com vista a potencial produção do resultado desvalioso que levou o legislador a autonomizar o especial agravamento.)'' Parece-nos esta última a melhor solução. Com efeito, se é indiscutível que o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstracto, a específica agravação prevista no artº 24º, alínea j) assenta na criação de um perigo concreto[17] para os conjuntos populacionais frequentadores dos espaços ali definidos. Desta forma, apesar deste último perigo não se concretizar (nos casos em que conduta desvaliosa tenha lugar nos mencionados locais) sempre restará o perigo abstracto[18] que a integração da conduta no artº 21º representa inilidivelmente. No caso dos autos, não se provou que o arguido destinasse aqueles produtos estupefacientes que tinha na sua posse à venda com lucro no interior do mencionado Estabelecimento Prisional. Poderá defender-se que a não prova deste facto é inócua para a existência daquele perigo, uma vez que a apreensão ocorreu na zona prisional considerando a potencialidade de acesso à droga por outros reclusos, sendo o destino venda da mesma apenas um plus qualificado do mencionado perigo. No entanto, apesar da normalidade das coisas apontar nesse sentido, entendemos que, em matéria de tão transcendental importância para os direitos, liberdades e garantias do cidadão como é a subsunção criminal, o recurso a critérios de normalidade para recortar uma determinada realidade fáctica fundamental para a integração de categorias normativas agravantes da punição não é admissível, exigindo-se a certeza da materialidade dos factos. Neste sentido, a agravante só poderia em concreto funcionar se tivessem sido apurados factos concretizadores do mencionado perigo (p. ex. a partilha da cela e o acesso de outro(s) recluso(s) aos produtos estupefacientes), o que não aconteceu. Consequentemente, entendemos que o escopo agravativo (perigo concreto para a saúde da população prisional) não se mostra preenchido pela factualidade provada. Assim, entendemos que a agravante em causa não é, concretamente, operativa, não merecendo censura, neste ponto, a decisão recorrida. 5ª questão. (A infundamentada subsunção dos factos praticados pelo arguido ao tipo privilegiado do artigo 25º do citado diploma legal). Defende o recorrente que as circunstâncias das condutas do arguido dadas como provadas traduzem uma ''ilicitude assinalável'', nunca se podendo traduzir a prática de um crime de tráfico de menor gravidade previsto no artº 25º do DL 15/93. Vários Acórdãos do STJ afirmam não existir qualquer obstáculo à possibilidade de integrar condutas previstas no artº 21º do DL 15/93 praticadas em EP na previsão do artº 25º do mesmo diploma, ou seja, considerando existir apenas um crime de tráfico de menor gravidade. Assim, pode ler-se no Acórdão do STJ de 07.07.2009 proferido no processo 52/07.2PEPDL.S1 (disponível em www.dgsi.pt.): ''O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no artigo 25º, do DL 15/93, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, ou seja, ao crime do artigo 21º, do DL 15/93. Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime-tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude do facto, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações. É pois a partir do tipo fundamental, concretamente da ilicitude nele pressuposta, que se deve aferir se uma qualquer situação de tráfico se deve ou não qualificar como de menor gravidade. Tal aferição, consabido que a ilicitude do facto se revela, essencialmente, no seu segmento objectivo, com destaque para o desvalor do resultado, deverá ser feita a partir das circunstâncias que em concreto se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito do ponto de vista do resultado. Assim e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do artigo 25º, do DL n.º 15/93, já atrás citados, há que ter em conta todas as demais circunstâncias susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) ao tipo privilegiado do artigo 25º, do DL 15/93, como vem defendendo este Supremo Tribunal, torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir, como já atrás se consignou, os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade justificativa do crime-tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência (ausência) daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades contemplados no crime-tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime-tipo.'' No caso concreto apreciado por este Acórdão conclui-se que a mera detenção dos estupefacientes, a pequena quantidade detida e o facto de o arguido ser consumidor, justificavam a integração da conduta no artº 25º do DL 15/93.[19] Muito embora concordemos com algumas das considerações acima transcritas, salvo o devido respeito, não podemos concordar com a conclusão a que se chegou. Com efeito, como resulta expressamente do texto normativo, a aplicação do artº 25º do DL 15/93 depende da ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações. Pergunta-se: como pode a ilicitude do facto (previsto no artº 21º) mostrar-se não só diminuída como consideravelmente diminuída se o agente do crime, mesmo no interior do EP onde cumpre pena (pena que, recorde-se, lhe foi imposta visando a sua reintegração na sociedade, nos termos do artº 40º, nº 1 do C. Penal) trafica droga? O Acórdão do STJ de 21.01.2009 proferido no processo 08P4029 e disponível em www.dgsi.pt[20] faz precisamente eco desta perplexidade ao afirmar que a circunstância do tráfico ser exercido em estabelecimento prisional é suficientemente forte para impedir que a imagem global do facto seja de uma ilicitude acentuadamente diminuída[21], uma vez que menospreza, desde logo, a natureza e objectivos funcionais desse estabelecimento penal. De qualquer das formas, mesmo entendendo que a circunstância de as condutas terem ocorrido em EP, só por si, não seria suficiente para afastar a operatividade do artº 25º, sempre diremos que, quer a diversidade (heroína e cannabis), quer a qualidade (heroína), quer o fraccionamento dos diversos tipos de estupefacientes apreendidos ao arguido impediriam que as condutas se pudessem subsumir ao crime de tráfico de menor gravidade. Neste sentido, pode ver-se o Acórdão do STJ de 22.02.2010 (proferido no processo 59/06.7GAPFR.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt.): ''Sendo de afastar como se afasta a qualificativa [do artº 24º, alínea j)], cai-se na previsão do crime base, do artigo 21.º, não colhendo a pretensão expressa pelo recorrente BB de integração no tipo privilegiado do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, atendendo a que se tratava de dois tipos de droga, sendo uma delas heroína, não podendo considerar-se diminuída a ilicitude.'' Nestes termos, entende-se que o arguido praticou, não dois crimes de tráfico de menor gravidade p. e p. p. artº 25º do DL 15/93, mas sim dois crimes de tráfico de estupefacientes p. e p. p. artº 21º do mesmo diploma. De acordo com o artº 71º, nº 1 do C. Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. ''A redacção dada ao nº 1 harmonizou esta norma com a do novo artº 40º: o texto anterior podia sugerir que se atribuía à culpa um papel preponderante na determinação da medida da pena, possibilitaria mesmo, contra a filosofia que era já a do Código, uma leitura que apontasse no sentido da afirmação da retribuição como fim das penas; poderia ser entendido como atribuindo às exigências de prevenção um papel secundário, meramente adjuvante, naquela determinação, que não é, de modo algum, o que agora expressamente se lhes assinala.''[22] Deste modo, resulta expressamente do normativo citado a necessidade da consideração da díade culpa / prevenção na determinação do quantum punitivo. Relativamente à culpa, entende-se como inequívoco que se trata de um conceito chave do Código Penal de 1982, constando do ponto 2 do respectivo Preâmbulo que ''toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta''. A eleição legal de um verdadeiro princípio da culpa cinde-se em duas realidades diferentes, a saber, a culpa como fundamento da pena e a culpa como fundamento da medida da pena [23], sendo desta última que agora nos ocuparemos. De que forma pode a culpa determinar a medida concreta da pena, articulando-se harmoniosamente nessa função com as citadas exigências de prevenção? A jurisprudência alemã[24] desenvolveu a chamada ''teoria do espaço livre'': segundo esta, não é possível determinar-se de modo exacto uma pena adequada à culpa, sendo apenas possível delimitar uma zona dentro da qual deve situar-se a pena para que não possa falhar a sua função de levar a cabo uma justa compensação da culpabilidade do autor; esta relação imprecisa entre a culpa e a pena pode ser aproveitada pelo tribunal para a prevenção especial, fixando a sanção entre o limite inferior e superior do ''espaço livre'' da culpa, de acordo com os efeitos que possam esperar-se daquela para a integração social do autor do ilícito.[25] Segundo Jorge de Figueiredo Dias,[26]a finalidade primordial visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada (prevenção geral positiva ou prevenção de integração). Esta ideia traduz a convicção de que existe uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena visa alcançar. Porém, tal como na anteriormente aludida ''teoria do espaço livre'' esta medida óptima de prevenção geral positiva também não fornece ao juiz um quantum exacto de pena. Assim, de acordo com este entendimento é a prevenção geral positiva (não a culpa) que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem actuar considerações de prevenção especial de socialização. Quer consideremos a ''teoria do espaço livre'', quer a teoria da ''moldura de prevenção'' (o texto do nº 1 do artº 71º, quanto a este aspecto, é de uma desdogmatização normativa exemplar, sem que se possa apontar uma preferência legal por qualquer das teorias), existe algum consenso no sentido de que, dentro dos limites mínimo e máximo de tais sub-molduras punitivas, são considerações relativas à chamada prevenção especial que operam no último estádio hermenêutico que leva à concretização exacta de uma dada pena. ''Dentro da “moldura de prevenção” (…) actuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que que devem aqui ser valorados todos os factores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza; seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou de inocuização.''[27] Quanto às exigências de prevenção ''pode-se distinguir entre prevenção especial negativa e positiva. A primeira traduz-se na intimidação do agente em concreto. A prevenção especial positiva é representada pela ressocialização.'' [28] Em concreto, que circunstâncias devemos valorar para definir exactamente a pena? As circunstâncias que, nuclearmente, devem ser levadas em conta são as que dizem respeito ao facto ilícito praticado:''os danos ocasionados, a extensão dos efeitos produzidos, em suma, o “efeito externo”, determinam então para o juiz, no momento da fixação da pena, o significado do facto para a ordem jurídica violada.''[29] Tais efeitos externos dos factos ilícitos encontram correspondência legal nos factores de determinação da medida da pena previstos nas primeiras alíneas do nº 2 do artº 72º do C. Penal. Assim, é de sublinhar: A) São elevadas as exigências de prevenção geral. B) Grau de ilicitude e modo de execução do facto – o grau de ilicitude, não chegando, como acima vimos, para privilegiar o crime, é, mau grado a diversidade dos estupefacientes (num dos crimes), baixo, atendendo à respectiva quantidade e, por outro lado, a mera detenção configura um dos modos de execução menos gravosos. C) Intensidade do dolo – O crime em causa é, necessariamente, doloso: ''As formas mais graves do ilícito subjectivo funcionam como circunstância agravante e as menos graves como circunstância atenuante, assim, o dolo directo é mais grave do que o dolo necessário ou o dolo eventual e o dolo necessário é mais grave do que o dolo eventual.''[30] Uma vez que o recorrente agiu com dolo directo, (facto provado 17) e artº 14º, nº 1 do C. Penal), estamos perante a forma mais grave do tipo subjectivo, entendendo-se o mesmo mais intenso no segundo crime, dada a persistência demonstrada na assunção de condutas penalmente desvaliosas durante o cumprimento da pena. E) Conduta do agente anterior ao facto: o arguido tem numerosos antecedentes criminais, alguns por crimes homótropos, tendo já cumprido penas de prisão, tendo-lhe sido, inclusivamente, sido revogada uma liberdade condicional, o que demonstra um notório desproveitamento das oportunidades que lhe são concedidas. Deste modo, valora-se uma certa preponderância das circunstâncias atenuantes, em particular das circunstâncias relativas ao facto, pelo que a pena concreta aplicada há-de tal realidade reflectir. Entende-se, pelo exposto, adequado fixar as seguintes penas: 1º crime (praticado a 06.01.2009) – 4 anos e 3 meses de prisão. 2º crime (praticado a 31.08.2009) – 4 anos e 6 meses de prisão. Medida da pena única. Fixemos o quadro normativo: Artigo 77º Regras da punição do concurso 1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. No caso em apreço, a moldura penal do concurso tem como limites: 1 ) limite mínimo – pena mais grave: 4 anos e 6 meses de prisão. 2 ) limite máximo – soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – 8 anos e 9 meses de prisão. Resulta do nº 1 da norma acima reproduzida que na determinação da medida da pena deve atender-se à díade conjunto dos factos / personalidade do agente. ''Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência[31](ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).''[32] Começando pela avaliação da personalidade do arguido, dados os antecedentes criminais gravíssimos registados, alguns homótropos, pode afirmar-se que os mesmos indiciam uma determinada tendência (ou ''carreira'') criminosa, não sendo passíveis de redução a uma mera pluriocasionalidade. Relativamente à ponderação conjunta ''dos factos'', entendemos que esta terá de passar, necessariamente, pela ponderação de cada uma das penas suportadas pelos mesmos. Assim, ''com essa (…) dissolução ou confusão da pena numa punição global, o crime integra-se num conjunto de crimes e, simultaneamente, perde a sua correspondência directa que, de acordo com a norma incriminadora, lhe era proporcionada, para a encontrar apenas numa “quota ideal” da punição global que o agente na realidade vai cumprir, o que (…) põe em questão a proporção entre crime e pena que resultava da norma incriminadora singular. Importa apurar se e em que medida essa proporção se mantém nessa integração e, por isso, se a pena única resulta proporcionada ao crime enquanto integrado no concurso. Isto só pode apurar-se consideradas as coisas na perspectiva de cada crime e da pena singular que lhe corresponde.''[33] In casu, temos a considerar o seguinte, atenta a moldura punitiva abstracta dos crimes, que as penas parcelares foram fixadas abaixo do ¼ do intervalo punitivo. Assim, entendemos que, atenta a proporção acima referenciada das penas parcelares e o efeito agravante da análise da personalidade do arguido, bem como a ponderação do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (tendo demonstrado, como vimos, um evidente desrespeito pelos fins que estiveram na base da aplicação da pena parcialmente cumprida anteriormente), a pena única deve fixar-se em 6 anos de prisão. 3. Dispositivo. Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso, e, em consequência: I - Revogam a decisão recorrida na parte em que: A – Declara perdidos a favor do Estado o dinheiro e os telemóveis apreendidos; B – Condena o arguido como autor material de dois crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artº 25º, al. a) do DL 15/93, de 22.01, um na pena de dois anos e outro na pena de dois anos e seis de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de três anos e seis meses de prisão efectiva, e II – Condenam o arguido, como autor material de dois crimes de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22.01, um (o praticado a 06.01.2009) na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão e o outro (o praticado a 31.08.2009), na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, condenando-se aquele, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos de prisão efectiva, mantendo-se a decisão recorrida quanto ao demais. Sem custas. (Processado em computador e revisto pelo relator) Évora, 06 de Janeiro de 2011 ------------------------------------------------------------- (Edgar Valente) --------------------------------------------------------------- (Sénio Alves) _________________________________________________ [1] . Cfr. Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência nº 7/95, de 19.10.1995 in DR I Série –A, de 28.12.1995. [2] . Ou, cfr. Jorge de Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2007, página 315, crimes de empreendimento ou atentado. A doutrina alemã denomina-os de delitos de empreendimento (unternehmen): Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Comares, Granada, Dezembro de 2002, páginas 565/6. [3] . Jorge Carlos de Almeida Fonseca in Crimes de Empreendimento e Tentativa, Almedina, 1986, página 51. [4] . Cfr. Acórdão do STJ de 16.04.2009, proferido no processo 08P3375 e disponível em www.dgsi.pt. [5] . José Lobo Moutinho in Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, Universidade Católica Editora, 2005, página 619. [6] . No mesmo sentido, vide o acórdão do STJ de 18.06.1998 proferido no processo nº 256/98 in CJ, Tomo III, 1998. [7] . Acórdão do STJ de 24.05.2000 in CJ ASTJ, Ano VIII, Tomo II, página 203. [8] . Eduardo Correia in A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Unidade e Pluralidade de Infracções; Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Almedina, 1983, páginas 96/7. [9] . Recursos em Processo Penal de Acordo com o Código de Processo Penal Revisto, 7ª edição, Maio de 2008, pág. 77. [10] . In ob. cit. página 72. [11] . Neste sentido, vide Fernando Gama Lobo in Droga, Legislação, Notas, Doutrina e Jurisprudência, 2ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2010, página 131. [12] . Não sendo, consequentemente, caso de reenvio, cfr. artº 426º, nº 1 do CPP. [13] . Do acima referido DL 15/93, pertencendo ao mesmo normativo a referência normativa ulterior. [14] . Itálico e bold da nossa autoria. [15] . In ob. cit. página 76. [16] . Itálico e bold da nossa autoria. [17] . Pensemos, por exemplo, numa transacção de droga (indiscutivelmente prevista no artº 21º, nº 1) efectuada meramente por acaso nas instalações de uma instituição de acção social ou da DGRS, de madrugada, fora do período de funcionamento das mesmas e sem que ali se encontrasse qualquer outra pessoa. Trata-se de uma situação em que não faz qualquer sentido o funcionamento da agravante, uma vez que, em concreto, não foi colocado em perigo, no sentido recortado pela norma, o conjunto de pessoas frequentadoras daqueles locais. [18] . Assim se afastando uma das objecções colocadas por Fernando Lobo na ob. cit. página 76. [19] . No mesmo sentido, vide (entre outros no mesmo citados) o Acórdão do STJ de 02.05.2007 proferido no processo 07P1013 e disponível em www.dgsi.pt. [20] . Citado na motivação de recurso. [21] . A idêntica conclusão chega Fernando Lobo, in ob. cit. página 68, quando afirma que, ''podemos dizer, sem grande risco de erro, que, verificadas as circunstâncias agravantes deste artigo, sempre indiciariamente excluída estaria a menor ''ilicitude do facto'' a que alude o art.º 25.º.'' [22] . José Gonçalves da Costa, Revisão do Código Penal - Implicações Judiciárias mais Relevantes da Revisão da Parte Geral, CEJ, Lisboa, 1996, p. 29. [23] . Sobre esta distinção fundamental, pode ver-se Claus Roxin in Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Editorial Civitas, Madrid, 1997, páginas 813 e 814, onde se afirma que a culpa como fundamento da pena diz respeito à imputabilidade ou capacidade de culpa, bem como à possibilidade de conhecimento da proibição, sendo que a culpa como fundamento da medida da pena é uma realidade susceptível de fixação em concreto através da consideração de circunstâncias (cfr. o nº 2 do artº 71º do C. Penal). [24] . A norma do C. Penal Alemão equivalente ao artº 71º do Código Penal Português tem a seguinte estrutura: o § 46 I daquele diploma contém o enunciado de que na individualização da pena se devem tomar em consideração os fins da mesma e no nº II enumeram-se as circunstâncias que , em benefício ou em prejuízo do autor , devem ser levadas em consideração para o aludido desiderato . [25] . Assim, Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Tratado de Derecho Penal – tradução da 5ª Edição do Lehrbuch des Strafrechts, All. Teil - Comares, Granada, Dezembro de 2002, páginas 948 e 949. Sabemos que Eduardo Correia (com a concordância da Comissão Revisora) defendia, nas suas linhas essenciais, este conceito, ao afirmar ''é claro que, em absoluto, a medida da pena é uma certa; simplesmente, qual ela seja exactamente é coisa que não poderá determinar-se, tendo, pois, o aplicador de remeter-se a uma aproximação que, só ela, justifica aquele ''spielraum'', dentro do qual podem ser decisivas considerações derivadas da pena prevenção.'' (BMJ nº 149, página 72) [26] . Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, páginas 105 a 107. [27] . Acórdão do STJ de 24.05.1995 in CJ, ASTJ, Ano III, Tomo 2, página 214. [28] . Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação Concreta da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1995, página 323. [29] . Anabela Miranda Rodrigues in ob. cit., página 481. [30] . Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, página 230. [31] . Contra esta valoração, José Lobo Moutinho in ob. cit., página 1285), nos seguintes termos: ''É que, de duas uma, ou isso [essa tendência] se reflectiu nas perpetração dos diversos crimes (e naturalmente de modo crescente nos sucessivos crimes) - e então deve ser e é ponderada na sua inerência como que adverbial a cada crime – ou isso não se reflectiu em qualquer dos sucessivos factos criminosos – e então, mesmo admitindo a sua verificação, num Direito penal do facto é penalmente irrelevante''. Discordamos deste entendimento pelas seguintes ordens de razões: é verdade que, em circunstâncias ideais, na determinação da pena correspondente a cada crime deve ser ponderado o seu comportamento anterior, ou seja, cada pena deverá valorar o passado criminal do agente. Contudo, no mundo da aplicação concreta do Direito, nem sempre as coisas se passam assim, podendo não ser valorado um passado criminal indiciador de uma clara tendência criminosa, simplesmente porque tal passado ainda não foi investigado / julgado (caso do concurso superveniente). Mesmo que assim aconteça, só na determinação da pena conjunta se pode ter uma imagem global das características da personalidade do agente, estruturalmente diferente do julgamento retrospectivo parcelar que é efectuado aquando da fixação de cada pena. Por outro lado, poderá descortinar-se essa tendência no julgamento conjunto de uma miríade de factos que a sustentem, não sendo aí, obviamente, possível a avaliação retrospectiva conjunta dos delitos cometidos, dada a simultaneidade da determinação das respectivas penas. [32]. Jorge de Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias, Lisboa, 1993, página 293. [33]. José Lobo Moutinho in ob. cit., página 1331. | ||
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Decisão Texto Integral: |