Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3375/24.2T8ENT.E1
Relator: SÓNIA MOURA
Descritores: PERSI
EXTINÇÃO
COMUNICAÇÃO
REQUISITOS
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
CONHECIMENTO OFICIOSO
Data do Acordão: 10/30/2025
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:

1. O que se exige ao Banco na comunicação de extinção do PERSI é a “Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal”, nos termos da alínea a) do artigo 8.º do Aviso n.º 17/2012.


2. Aquela obrigação atinge também o fundamento legal de extinção que se consubstancia no decurso do prazo de 90 dias sobre a integração do cliente no PERSI (alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10), sob pena de se validar a eventual inércia do Banco durante os referidos 90 dias, o que contraria o disposto nos artigos 15.º e 16.º do mesmo diploma legal, onde se estabelecem, com detalhe e precisão, os comportamentos a adotar pelo Banco nesse período, assim como contraria o disposto no respetivo n.º 1 do artigo 4.º, que estabelece o dever da instituição de crédito atuar com diligência e lealdade.


3. A ineficácia da comunicação de extinção do PERSI implica que se considere verificada a exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, de falta de extinção do PERSI, o que constitui fundamento de indeferimento liminar do requerimento executivo.


4. A questão exposta pode ser oficiosamente suscitada no âmbito de uma execução fundada em livrança subscrita em branco e posteriormente preenchida pelo Banco, cujo crédito tenha sido transmitido ao exequente por via de contrato de cessão de créditos, na medida em que nos encontramos no domínio das relações imediatas.


(Sumário da responsabilidade do Relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil)

Decisão Texto Integral: ***

Apelação n.º 3375/24.2T8ENT.E1


(1ª Secção)


***


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


1. Eos Financial Solutions Portugal, S.A., instaurou execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum ordinário, contra AA e BB, apresentando como título executivo uma livrança.


Alegou a Exequente que:


“1. Por Contrato de Cessão de Carteira de Créditos, outorgado em 29 de junho de 2023, o Banco Santander Totta, S.A. cedeu à Fonteos, S.A. uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes, conforme contrato de cessão de créditos que se junta como Documento n.º 1 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.


2. Entre os créditos cedidos, encontra-se a operação n.º ...096, conforme listagem que se anexa e se dá por integralmente reproduzida (Documento n.º 2).


3. Cessão essa notificada aos Executados, nos termos do artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil, conforme Documento n.º 3.


4. Assim, a Exequente é a atual e única credora quanto ao crédito relativo ao contrato n.º ...096, celebrado em 09/11/2018, titulado pelos Executados (Documento n.º 4, que se anexa e se dá por integralmente reproduzido).


5. A Exequente é dono e legítima portadora de uma livrança preenchida pelo montante de € 14.473,57 (catorze mil, quatrocentos e setenta e três euros e cinquenta e sete cêntimos), que se junta como Documento n.º 5 e cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido para todos efeitos legais.


6. A referida livrança foi subscrita pelos ora Executados, no âmbito do contrato de crédito n.º ...096.


7. Ora, a referida livrança foi preenchida pelo € 14.473,57 (catorze mil, quatrocentos e setenta e três euros e cinquenta e sete cêntimos), com data de vencimento de 15 de outubro de 2024.


8. Do preenchimento e da data de vencimento da livrança foi dado conhecimento à Executada, através de carta de interpelação datada de 18 de setembro de 2024 (cf. Documento n.º 6 que ora se junta e se tem por integralmente reproduzido).


9. Até à presente data, os Executados não liquidaram os valores em dívida, pelo que se mantêm assim responsáveis pelo seu pagamento à Exequente, que tem, assim, direito a ser ressarcida dos valores de capital e juros de mora vencidos e vincendos em dívida resultantes do incumprimento e melhor descritos no campo “Liquidação da Obrigação".


10. Além do valor supra mencionado, a Exequente tem ainda direito ao pagamento dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, sobre o valor facial da livrança.


11. Pelo que, encontrando-se vencida e não paga a quantia relativa à Livrança supra referida, o Exequente, vem proceder a sua execução.”


2. Foi proferido, de seguida, o despacho que ora se transcreve:


“Analisados os teores dos documentos juntos pela exequente através da ref.ª 11194026 de 26-11-2024, faculto-lhe um adicional e improrrogável prazo de 10 (dez) dias para:


A) Documentar a comunicação da integração dos executados em PERSI em conformidade com a integralidade do disposto nos artigos 14.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e 7.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, maxime no que tange à junção do documento informativo elaborado em conformidade com o modelo constante do Anexo II ao mencionado Aviso; e


B) Exercer, querendo, o respetivo contraditório acerca da eventual adopção do entendimento de acordo com o qual as cartas de comunicação de extinção dos PERSI´s não são susceptíveis de traduzir o cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do citado Decreto-Lei n.º 227/2012 por não indicarem, de forma conveniente, as razões concretas razões de facto pelas quais foi considerada inviável a manutenção dos procedimentos.”


3. Após resposta do Exequente, foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:


“Na defluência de todo o conspecto fáctico-jurídico vindo de enunciar, julgo oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pela exequente “Eos Financial Solutions Portugal, S.A.”, da demonstração do válido cumprimento da obrigação de comunicação aos executados AA e BB da extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, indeferindo liminarmente o requerimento executivo – artigos 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º, e 726.º, n.º 2, alíneas b) e c), todos do Código de Processo Civil.”


4. Inconformado com a decisão acima indicada, veio o Exequente interpor recurso da mesma, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:


“A. A Recorrente deu entrada com Requerimento Executivo contra os Recorridos, tendo como Titulo Executivo uma Livrança, nos termos do artigo 703.º do Código de Processo Civil.


B. Veio o Tribunal a quo indeferir liminarmente tal Requerimento Executivo, invocando para tal que se encontra verificada a exceção dilatória inominada de falta de cumprimento das obrigações decorrentes do PERSI e, em consequência, absolve os Executados da instância.


C. Após ser notificada para o efeito, a Exequente procedeu à junção de diversas comunicações remetidas aos Executados, inclusive a integração e extinção de PERSI, remetidas pelo Banco Cedente.


D. Alega o Tribunal a quo que as comunicações juntas não são bastantes para provar que se extinguiu o procedimento PERSI.


E. A lei nada exige quanto as comunicações em causa, se não que sejam efetuadas em suporte duradouro.


F. Das missivas juntas, é facilmente apreendido pelos Executados, ainda que leigos em termos legais, que o motivo da extinção foi o decurso do prazo de 90 dias, sem que nada tenham indicado ou se tenham pronunciado por qualquer via quanto à situação de incumprimento.


G. Assim, não compreende a Exequente como lhe poderá ser exigível o envio de missiva com requisitos a que a lei não obriga e que não se entende de onde decorrem.


H. Pelo que, resta concluir que a junção das comunicações em suporte duradouro, tal como a Exequente efetuou, são prova bastante da integração e extinção dos Executados em PERSI.


Ademais, e caso assim não se entenda, cumpre esclarecer:


I. O n.º 3 do artigo 18.º do Diploma que regula o Procedimento PERSI, é claro, a cessionária apenas é obrigada a prosseguir com os PERSI que já se encontram instaurados ao momento da cessão de créditos.


J. O que não é o caso, uma vez que, resulta claro, da documentação junta pela Exequente, que o procedimento PERSI levado a cabo pela Cedente, foi extinto, após o decurso do prazo, sem que os Executados tenham demonstrado qualquer interesse na sua integração.


K. Não pode a cessionária prosseguir com um procedimento que já se encontra findo, nem estando esta obrigada a instaurar novo procedimento PERSI.


L. Pelo que, resta concluir, que o procedimeto PERSI foi integralmente cumprido pela Cedeente, Banco Santander Totta, S.A., não estando a cessionária/Exequente obrigada a fazê-lo.


M. Concluindo, assim, que, foram cumpridos todos os requisitos quanto ao procedimento PERSI, não estando em causa a exceção dilatória inominada de falta de cumprimento das obrigações decorrentes do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, pelo que deverá prosseguir a presente Execução retomando os seus normais trâmites.


N. Ainda assim, se ressalva que, o procedimento PERSI apenas obriga as instituições bancárias a integrar em PERSI os clientes bancários, sendo esse condição para a admissibilidade de ação executiva que tenha como titulo o contrato de crédito, com vista a que seja encetada uma fase de negociação, de modo a ajudar o seu cliente com o incumprimento.


O. Não sendo o cessionário uma instituição de crédito e, assim, não estando sujeito às proibições ou impedimentos elencados no artigo 18.º do Procedimento PERSI, pode obter de imediato a satisfação do crédito cedido.


P. O Procedimento PERSI é aplicável aos chamados clientes bancárias, na ótica de consumidores de produtos bancários, posição essa que os Executados perderam, pelo que o procedimento PERSI não seria a estes aplicável. Sendo tal reforçado, após, com a cessão de créditos em junho de 2023.


Q. Acresce ainda que, estamos perante uma execução que se funda e tem como titulo executivo um titulo de crédito, no caso uma Livrança. E sendo o título executivo uma livrança, nesta há que distinguir duas realidades: o negócio cartular e o negócio subjacente.


R. Na ação executiva a Exequente, portador do título, pode limitar-se a invocar a obrigação cambiária, cartular, que é literal e abstrata, sem necessidade de alegar quer os factos pertinentes a caracterizar o negócio subjacente e suas vicissitudes, quer a integração do devedor no PERSI no âmbito desse negócio subjacente.


S. No regime do PERSI previsto no Decreto Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, o seu artigo 21.º não abrange os avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento. (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-06-2019 (6470/14.2T8ALM.L1-6).


T. Resta concluir que a Exequente não estava obrigada a integrar os Executados em PERSI, tanto pela primeira não ser uma instituição de créditos, como pelos segundos não serem clientes bancários; como pelo Título Executivo se tratar de um titulo de crédito, in casu, uma livrança.”


5. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Questões a Decidir


O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).


Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).


Consequentemente, cumpre apreciar se a comunicação de extinção do PERSI ao Executado cumpre os respetivos requisitos legais; se a cessionária está obrigada a respeitar o aludido procedimento; se na execução fundada em livrança pode ser suscitada a questão da inobservância dos requisitos legais de extinção do PERSI.


III – Fundamentação


1. Os factos com relevo para a decisão são os que constam do relatório, e ainda os seguintes, extraídos da decisão sindicada:


1.1. O Exequente enviou as seguintes cartas aos Executados:


“1.ª - Carta com data de emissão de 06-04-2020 e tendo por destinatário o aqui executado AA:


«(…) Regularização Extrajudicial de Situações de Incumprimento.


Comunicação de início do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)


Refª: 0003....096.


No cumprimento do disposto no artº 14º, do D.L. 227/2012 de 25 de Outubro, comunicamos que o contrato de crédito acima identificado se encontra em incumprimento desde 2020-02-09 estando em dívida o montante total de 464,40 EUR, assim discriminado:


Capital Vencido Juros Vencidos Juros Mora Outros Encargos Vencidos


317,29 135,27 6,24 5,60


Verificado este incumprimento, determina o diploma legal acima referido que informemos, por esta via, que os seus créditos passaram a estar integrados no regime nele previsto e denominado Procedimento Extrajudicial de Regularização das Situações de Incumprimento (PERSI), com efeitos a partir desta data.


Em consequência desta situação, o Banco tem que proceder a uma avaliação da sua atual capacidade financeira tendo em vista a procura de uma eventual solução para resolução da situação de incumprimento. Para este efeito, deve dirigir-se ao Balcão acima identificado e facultar-nos, no prazo de 10 dias, informação detalhada sobre a sua atual situação financeira.


Para uma melhor e mais rigorosa avaliação da sua capacidade financeira, convidamo-lo a entregar desde já a seguinte documentação:


- Última certidão de liquidação do IRS disponível;


- Cópia de documentos comprovativos dos rendimentos auferidos a título de salário e/ou remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;


- Cópia de documentos comprovativos de encargos resultantes de contratos celebrados junto de outras instituições e de quaisquer outros que entenda relevantes para avaliação da sua capacidade financeira.


Nos termos da alínea d) do nº2 do artº 17º do D.L. 227/2012, de 25 de Outubro, já atrás referido, alertamos que, caso não sejam prestadas informações ou disponibilizados os documentos que forem solicitados, o presente Procedimento será considerado extinto.


Para que possa obter todas as informações que desejar, bem como negociar eventuais soluções para regularização da sua situação de incumprimento, deve contactar diretamente o balcão acima referido.


Ainda em cumprimento do mesmo diploma legal, enviamos em anexo, um documento informativo, cuja leitura aconselhamos. Poderá obter mais informações em www.santander.pt. (…)»;


2.ª - Carta com data de emissão de 06-04-2020 e tendo por destinatária a aqui executada BB:


«(…) Regularização Extrajudicial de Situações de Incumprimento.


Comunicação de início do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)


Refª: 0003....096.


No cumprimento do disposto no artº 14º, do D.L. 227/2012 de 25 de Outubro, comunicamos que o contrato de crédito acima identificado se encontra em incumprimento desde 2020-02-09 estando em dívida o montante total de 464,40 EUR, assim discriminado:


Capital Vencido Juros Vencidos Juros Mora Outros Encargos Vencidos


317,29 135,27 6,24 5,60


Verificado este incumprimento, determina o diploma legal acima referido que informemos, por esta via, que os seus créditos passaram a estar integrados no regime nele previsto e denominado Procedimento Extrajudicial de Regularização das Situações de Incumprimento (PERSI), com efeitos a partir desta data.


Em consequência desta situação, o Banco tem que proceder a uma avaliação da sua atual capacidade financeira tendo em vista a procura de uma eventual solução para resolução da situação de incumprimento. Para este efeito, deve dirigir-se ao Balcão acima identificado e facultar-nos, no prazo de 10 dias, informação detalhada sobre a sua atual situação financeira.


Para uma melhor e mais rigorosa avaliação da sua capacidade financeira, convidamo-lo a entregar desde já a seguinte documentação:


- Última certidão de liquidação do IRS disponível;


- Cópia de documentos comprovativos dos rendimentos auferidos a título de salário e/ou remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;


- Cópia de documentos comprovativos de encargos resultantes de contratos celebrados junto de outras instituições e de quaisquer outros que entenda relevantes para avaliação da sua capacidade financeira.


Nos termos da alínea d) do nº2 do artº 17º do D.L. 227/2012, de 25 de Outubro, já atrás referido, alertamos que, caso não sejam prestadas informações ou disponibilizados os documentos que forem solicitados, o presente Procedimento será considerado extinto.


Para que possa obter todas as informações que desejar, bem como negociar eventuais soluções para regularização da sua situação de incumprimento, deve contactar diretamente o balcão acima referido.


Ainda em cumprimento do mesmo diploma legal, enviamos em anexo, um documento informativo, cuja leitura aconselhamos. Poderá obter mais informações em www.santander.pt. (…)»;


3.ª - Carta com data de emissão de 06-07-2020 e tendo por destinatário o aqui executado AA:


«(…) Regularização Extrajudicial de Situações de Incumprimento


Comunicação de Extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)


Refª: 0003....096


Comunicamos que, por virtude de ter decorrido o 91º dia desde a data de integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) sem que tenha sido regularizado o incumprimento que determinou aquela integração do seu crédito, se extingue, com esta comunicação, o referido Procedimento, podendo o Banco a qualquer momento proceder à resolução do contrato de crédito e à consequente execução judicial.


Esta comunicação é feita por imposição do disposto na al. c) do nº 1 do artº 17º do D.L. 227/2012 de 25 de Outubro.


No caso de necessitar de algum esclarecimento ou informação complementar, poderá dirigir-se ao seu Balcão ou contactar-nos através do endereço eletrónico .... (…)»;


4.ª - Carta com data de emissão de 06-04-2020 e tendo por destinatária a aqui executada BB:


«(…) Regularização Extrajudicial de Situações de Incumprimento


Comunicação de Extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)


Refª: 0003....096


Comunicamos que, por virtude de ter decorrido o 91º dia desde a data de integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) sem que tenha sido regularizado o incumprimento que determinou aquela integração do seu crédito, se extingue, com esta comunicação, o referido Procedimento, podendo o Banco a qualquer momento proceder à resolução do contrato de crédito e à consequente execução judicial.


Esta comunicação é feita por imposição do disposto na al. c) do nº 1 do artº 17º do D.L. 227/2012 de 25 de Outubro.


No caso de necessitar de algum esclarecimento ou informação complementar, poderá dirigir-se ao seu Balcão ou contactar-nos através do endereço eletrónico .... (…)».”


2. O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.


A justificação da regulamentação legal indicada encontra-se exposta no respetivo preâmbulo: “A concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a atuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na aceção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril.


A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias.


Neste contexto, com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas.”


O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) encontra-se regulado nos artigos 12.º a 21.º do referido diploma legal, comportando três fases: a fase inicial, na qual o cliente bancário deve ser informado da mora e do valor da dívida, assim como deve ser apurado o motivo do incumprimento e integrado o cliente bancário no PERSI; a fase de avaliação, na qual é apreciada a solvabilidade do cliente bancário e é formulada uma proposta de regularização da dívida; a fase de negociação, na qual se diligencia o acordo do cliente bancário para a regularização da dívida (artigos 13.º a 16.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10).


A pendência do PERSI constitui impedimento à instauração de cobrança de dívida pela instituição bancária contra o cliente bancário (artigo 18.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10).


Assim, a observância do PERSI tem vindo a ser considerada uma condição objetiva de procedibilidade da execução, pelo que a sua falta consubstancia exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, determinante da extinção da instância executiva (neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.04.2021 (Graça Amaral), Processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1; do Tribunal da Relação de Évora de 26.05.2022 (Tomé de Carvalho), Processo n.º 829/17.0T8ENT-D.E1; do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.06.2022 (Cristina Neves), Processo n.º 172/20.8T8VLF-A.C1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 09.05.2024 (José Cravo), Processo n.º 306/22.8T8CMN-A.G1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.05.2024 (Rute Sobral), Processo n.º 1289/23.2T8PDL-A.L1-2; do Tribunal da Relação do Porto de 25.11.2024 (Eugénia Cunha), Processo n.º 1145/24.7T8PRT-A.P1; todos in http://www.dgsi.pt/).


Consequentemente, a alegação e prova da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção do procedimento competem ao credor exequente (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil).


3. No que tange à extinção do PERSI, matéria discutida no caso dos autos, a norma pertinente é o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, conjugadamente com o artigo 8.º do Aviso do Banco de Portugal de Portugal n.º 17/2012, atenta a data em que ocorreu a integração dos Executados no PERSI, à luz das cartas acima transcritas.


Preceitua o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, que:


“1 - O PERSI extingue-se:


a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;


b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento;


c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; ou


d) Com a declaração de insolvência do cliente bancário.


2 - A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que:


a) Seja realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor;


b) Seja proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;


c) A instituição de crédito conclua, em resultado da avaliação desenvolvida nos termos do artigo 15.º, que o cliente bancário não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, designadamente pela existência de ações executivas ou processos de execução fiscal instaurados contra o cliente bancário que afetem comprovada e significativamente a sua capacidade financeira e tornem inexigível a manutenção do PERSI;


d) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior;


e) O cliente bancário pratique atos suscetíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da instituição de crédito;


f) O cliente bancário recuse a proposta apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo anterior; ou


g) A instituição de crédito recuse as alterações sugeridas pelo cliente bancário a proposta anteriormente apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior.


3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.


4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.


5 – O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3.”


Releva ainda o respetivo artigo 15.º, atinente à “fase de avaliação e proposta”, onde se descreve a atuação imposta ao Banco neste âmbito:


“1 - A instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito.


2 - Para os efeitos previstos no número anterior, a instituição de crédito procede à avaliação da capacidade financeira do cliente bancário, podendo solicitar-lhe as informações e os documentos estritamente necessários e adequados, nos termos a definir, mediante aviso, pelo Banco de Portugal.


3 - Salvo motivo atendível, o cliente bancário presta a informação e disponibiliza os documentos solicitados pela instituição de crédito no prazo máximo de 10 dias.


4 - No prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a:


a) Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, sendo inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou


b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito.


5 - Na apresentação de propostas aos clientes bancários, as instituições de crédito observam os deveres de informação previstos na legislação e regulamentação específicas.”


E deve ter-se também presente o subsequente artigo 16.º, respeitante à “fase de negociação”:


“1 - Caso o cliente bancário recas propostas apresentadas, a instituição de crédito, quando considere que existem outras alternativas adequadas à situação do cliente bancário, apresenta uma nova proposta.


2 - Quando o cliente bancário proponha alterações à proposta inicial, a instituição de crédito comunica-lhe, no prazo máximo de 15 dias e em suporte duradouro, a sua aceitação ou recusa, podendo igualmente apresentar uma nova proposta, observando o disposto no n.º 7 do artigo anterior.


3 - O cliente bancário pronuncia-se sobre as propostas que lhe sejam apresentadas no prazo máximo de 15 dias após a sua receção.”


Consta, por fim, do referido artigo 8.º do Aviso do Banco de Portugal de Portugal n.º 17/2012 que:


“A comunicação pela qual a instituição de crédito informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, as seguintes informações:


a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal;


b) Consequências da extinção do PERSI, nos casos em que não tenha sido alcançado um acordo entre as partes, designadamente a possibilidade de resolução do contrato e de execução judicial dos créditos;


c) Quando esteja em causa um contrato de crédito à habitação, informação acerca do regime constante do Decreto-Lei nº 349/98, de 11 de novembro, na redação da Lei nº 59/2012, de 9 de novembro, relativamente à resolução e ao direito à retoma do contrato de crédito;


d) No caso de o cliente bancário estar abrangido pelo regime extraordinário de regularização do incumprimento de contratos de crédito à habitação, referência, quando tal decorra do referido diploma legal, ao direito do cliente bancário à aplicação de medidas substitutivas, bem como aos termos em que poderá solicitar a sua aplicação;


e) Identificação das situações em que o cliente bancário pode solicitar a intervenção do Mediador do Crédito mantendo as garantias associadas ao PERSI;


f) Indicação dos elementos de contacto da instituição de crédito através dos quais o cliente bancário pode obter informações adicionais ou negociar soluções para a regularização da situação de incumprimento.”


4. No Tribunal da Relação de Évora o PERSI tem suscitado debate, essencialmente quanto às causas de extinção, tendo-se desenvolvido o entendimento de que existem duas categorias, a saber, as que se mostram previstos no n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, que são de funcionamento automático, e as que se mostram previstos no n.º 2 do mesmo normativo, que implicam uma decisão da instituição bancária.


Desta diversidade foi extraída por alguma jurisprudência a conclusão de que a comunicação de extinção do PERSI por parte da instituição bancária não está sujeita ao mesmo grau de exigência nos dois casos, sendo maior nos casos previstos no n.º 2 e bastando-se, nos casos do n.º 1, com a mera invocação do facto determinante da extinção indicado na lei (neste sentido, entre outros, os Acórdãos de 09.02.2023 (Maria João Sousa e Faro), Processo n.º 3358/20.1T8ENT.E1; de 15.06.2023 (Tomé de Carvalho), Processo n.º 93/23.2T8ENT.E1; de 11.07.2023 (Isabel de Matos Peixoto Imaginário), Processo n.º 543/23.8T8ENT.E1; de 16.01.2025 (Manuel Bargado), Processo n.º 532/24.5T8ENT.E1; e de 30.01.2025 (Maria Domingas Simões), Processo n.º 2277/22.1T8ENT-A.E1, todos in http://www.dgsi.pt/).


Assim, decidiu-se no citado Acórdão de 09.02.2023 (Maria João Sousa e Faro) que:


“I. Para se apurar se a carta de extinção do PERSI cumpre os requisitos formais do nº3 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 e do Aviso do Banco de Portugal então em vigor (Aviso n.º 17/2012) ter-se-á de saber se ocorre um dos fundamentos de extinção enunciados no nº1 ou no nº2 daquela norma.


II. No primeiro caso, a tarefa informativa do Banco está facilitada já que aí se elencam, afinal, os fundamentos (automáticos) de extinção do PERSI pelo que nenhuma explicitação adicional é de exigir ao Banco quando esteja em causa uma das situações aí objectivamente definidas: pagamento ou extinção da dívida, obtenção de um acordo, decurso do prazo de 90 dias subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento ou declaração de insolvência do cliente bancário;


III. A explicitação das “razões da inviabilidade da manutenção do procedimento” só faz sentido quando a extinção do PERSI tenha por fundamento uma das situações em que o Banco decide pôr-lhe termo à luz do disposto no nº2 do mesmo artigo 17º, mormente nas elencadas nas alíneas c) e e) em que tal exigência se coloca com maior acuidade ( v.g. discriminação dos actos praticados pelo cliente bancário que no entender do Banco são susceptíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da mesma instituição de crédito).”


Não se trata, todavia, de entendimento unânime, porquanto outra jurisprudência subscreve a orientação de que também nos casos do n.º 1 terão de ser observados os ditames prescritos no n.º 3 do mesmo normativo, isto é, terão de ser descritos os factos que suportam a extinção e apontado o respetivo fundamento legal (neste sentido, entre outros, os Acórdãos de 24.11.2022 (Maria Adelaide Domingos), Processo n.º 824/22.8T8ENT.E1; de 11.01.2024 (Maria José Cortes), Processo n.º 192/23.0T8ENT.E1; de 20.02.2024 (Emília Ramos Costa), Processo n.º 2597/23.8T8ENT.E1; de 30.01.2025 (Ricardo Miranda Peixoto), Processo n.º 1481/23.0T8ENT.E1; de 30.01.2025 (José António Moita), Processo n.º 69/24.2T8ENT.E1; de 27.03.2025 (Susana da Costa Cabral), Processo n.º 177/24.0T8ENT.E1; e de 22.05.2025 (Filipe César Osório), Processo n.º 2180/24.0T8ENT.E1, todos in http://www.dgsi.pt/).


Assim, decidiu-se no citado Acórdão de 24.11.2022 (Maria Adelaide Domingos) que:


“I. Tendo a instituição bancária indicado genericamente como fundamento legal da extinção do PERSI, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, e tendo também indicado genericamente a causa da inviabilidade da manutenção do procedimento, referenciando tão só a falta de colaboração com a instituição de crédito e a falta de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, nada de concreto referiu quanto aos fundamentos da extinção do referido procedimento, seja por via da descrição dos factos que a tal determinaram, seja pela concretização dos fundamentos que, no seu entender, a tal levaram.


II. Essa forma de comunicação viola a ratio legis do citado diploma, bem como o disposto no artigo 17.º, n.º 3, do mesmo, e artigo 8.º, alínea a), do Aviso n.º 17/2012, do Banco de Portugal, aplicável ao caso dos autos, impedindo os clientes bancários de se defenderem, quer no plano factual, quer no plano legal, caso a entidade bancária venha instaurar procedimento judicial contra os mesmos para cobrança do crédito incumprido.


III. A violação do no n.º 3 do artigo 17.º do PERSI nos termos sobreditos, determina a ineficácia da comunicação da extinção do PERSI (n.º 4 do artigo mesmo artigo 17.º), mantendo-se o impedimento de instauração da ação executiva.”


Ora, salvo o devido e muito respeito por diversa orientação, entendemos que o n.º 3 do artigo 17.º submete todos os casos à regra imperativa da comunicação do “fundamento legal” e das “razões pela quais considera inviável a manutenção deste procedimento”, o mesmo fazendo o Banco de Portugal na alínea a) do artigo 8.º do seu Aviso, onde se assinala a dupla dimensão da comunicação de extinção do PERSI, concretamente, a “descrição dos factos” e a “indicação do respetivo fundamento legal”, sem qualquer distinção de casos.


Como se escreveu no voto de vencido lavrado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30.01.2025 (Processo n.º 2277/22.1T8ENT-A.E1):


“Decorre da conjugação destas duas normas que o dever de comunicação estabelecido no n.º 3 abrange, quer as hipóteses previstas no n.º 2, quer as previstas no n.º 1. Em todas elas, mesmo na prevista na al. b) do n.º 1, a comunicação é obrigatória. Além de obrigatória, a comunicação é condição da eficácia da extinção do PERSI em todas as hipóteses previstas no n.º 2 e naquelas que o são nas als. a), c) e d) do n.º 1, pois o n.º 4 apenas exclui a da al. b) deste número.


Portanto, sublinhamos, o disposto no n.º 3 do artigo 17.º acerca do conteúdo da comunicação é aplicável, por igual, a todas as hipóteses previstas nos n.ºs 1 e 2. Qualquer distinção que o intérprete faça dos termos em que tal aplicação tenha lugar, contraria o n.º 3, que expressamente consagrou um regime uniforme para todas as referidas hipóteses. O entendimento de que o n.º 3, na sua totalidade ou apenas na sua parte final, não é aplicável às hipóteses previstas no n.º 1, ou a alguma delas, consubstancia-se numa interpretação restritiva da norma. Ora, a legitimidade da interpretação restritiva de uma norma legal carece de fundamentação convincente. Coisa que, salvo o devido respeito, não vi até este momento.”


O Aviso constitui um elemento de apreciável relevo, porquanto produzido pela entidade reguladora e supervisora das instituições de crédito, sublinhando-se os termos em que esta função surge enunciada no n.º 1 do artigo 17.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal:


Compete ao Banco de Portugal exercer a supervisão das "instituições de crédito, sociedades financeiras e outras entidades que lhe estejam legalmente sujeitas, nomeadamente estabelecendo diretivas para a sua atuação e para assegurar os serviços de centralização de riscos de crédito, bem como aplicando-lhes medidas de intervenção preventiva e corretiva, nos termos da legislação que rege a supervisão financeira.”


Assim, do ponto de vista literal extrai-se inequivocamente das regras enunciadas que, por um lado, devem ser invocados os factos, isto é, a situação concreta de vida que se subsume ao preceito legal e justifica a extinção do PERSI, e, por outro lado, deve ser invocado esse mesmo preceito legal ao abrigo do qual se procede à extinção.


Para além do elemento literal, o contexto em que foi adotada a regulamentação corrobora e reforça esta leitura, porquanto como se deixou acima exposto o objetivo associado ao PERSI é acompanhar o endividamento das famílias e prevenir situações dramáticas derivadas da concessão de crédito para além da respetiva capacidade financeira ou que as leva a soçobrar perante imprevistos, pelo que há uma vertente humanizadora do sistema financeiro que assoma nesta regulamentação.


Ora, o regime legal evidenciado obriga o credor institucional a parar antes de pôr termo ao contrato ou de cobrar a sua dívida ao consumidor, para avaliar a situação e formular uma proposta de regularização, pelo que foi erigido como princípio a salvaguarda da estabilidade da família, em detrimento da prioridade absoluta da cobrança imediata do crédito.


5. Assim, revertendo ao caso dos autos e tendo presente o teor das cartas de extinção do PERSI acima transcritas, verificamos que é aí expressamente indicado, de forma completa, o suporte normativo invocado pelo Banco para operar a extinção do PERSI.


Contudo, no que respeita aos factos concretos que motivam essa extinção, e que constituem o outro elemento cuja transmissão ao cliente bancário é obrigatória, constata-se ser apontado apenas o decurso do prazo de 90 dias, o que, como acima se disse, tem sido considerado insuficiente para este efeito por uma das orientações que se desenvolveram a respeito da norma em causa, orientação esta que perfilhamos.


Advoga, no entanto, o Exequente que não sendo uma instituição de crédito, não está sujeito ao regime legal em apreço, nem, pela mesma razão, podem os Executados ser considerados clientes bancários.


Resulta de todo o acima exposto sobre os pressupostos de aplicação deste regime legal que no mesmo são impostas obrigações às instituições de crédito, e assim, nos termos do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10:


“1 - No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: (…)


c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou


d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.


2 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode: (…)


b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou


c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.


3 - Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.”


Todavia, na decisão sindicada não se afirma que estava o Exequente obrigado a iniciar um novo PERSI ou continuar o PERSI aberto pelo Banco, antes se discute a conformidade legal da extinção do PERSI efetuada pelo Banco, não obstando a esta apreciação a posterior cessão de créditos a favor do Exequente.


Aliás, nos casos de cessão de créditos, a prévia observância do PERSI pelo Banco é obrigatória, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.11.2024 (Fernando Baptista) (Processo n.º 451/14.3TBMTA-C.L2.S1, in http://www.dgsi.pt/):


“VI. Considerando que o legislador do Dec.-Lei n.º 227/12, de 25.10 teve o cuidado de plasmar todo um conjunto de garantias de defesa aos clientes em situações de mora ou incumprimento, maxime no artigo 18.º (Garantias do Cliente bancário), estando o mutuário/devedor em situação de lhe ser aplicado o PERSI, a entidade bancária não pode ceder o crédito a terceiro (instituição não bancária) sem ter previamente cumprido as exigências decorrentes do regime ínsito no regime decorrente do Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25.10.


VII. De outro modo, estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec.-Lei n.º 227/2012 (bastando que, em violação desse diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito, o que permitiria que este (cessionário) não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no art. 18º e pudesse obter de imediato a satisfação do crédito cedido),


VIII. o que representaria uma autêntica fraude à lei, pois era uma forma de deixar entrar pela janela o que o legislador proibiu que entrasse pela porta, frustrando-se completamente o objectivo prosseguido com a criação do PERSI.”


6. Alega também o Exequente que sendo o título executivo em causa um título de crédito, o artigo 21.º do regime legal do PERSI não abrange os avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento, invocando, a este respeito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.06.2019, proferido no Processo n.º 6470/14.2T8ALM.L1-6.


Efetivamente, decidiu-se no citado Acórdão (Maria de Deus Correia) (in http://www.dgsi.pt/) que:


“1- O regime do PERSI previsto no DL nº 227/2012, de 25.10, só se aplica a situações de incumprimento dos contratos de crédito referidos no seu art.º 2, nº 1, destinando-se apenas aos clientes bancários, enquanto consumidores na acepção da LDC, e aos fiadores destes que o requeiram, informados que sejam dessa possibilidade.


2- O art.º 21.º do referido diploma legal não abrange os avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento.”


Porém, compulsada a livrança apresentada como título executivo verifica-se que a mesma foi subscrita pelos dois Executados, e não avalizada.


Aliás, lido o “Contrato de crédito pessoal” apresentado pelo Exequente com o requerimento executivo constatamos que no mesmo figuram ambos os Executados na qualidade de “Mutuários”.


Ou seja, os dois Executados não são meros garantes, antes se constituíram devedores principais.


Sustenta, por último, o Exequente que nos encontramos no domínio da relação cartular, o que impede a invocação de exceções atinentes à relação subjacente.


Ora, cumpre ter presente que a livrança que constitui aqui o título executivo foi subscrita em branco, como decorre do teor da cláusula 7ª do contrato de crédito.


Assim, o Exequente juntou, com o requerimento executivo, a livrança e o contrato de crédito onde se contém o pacto de preenchimento (artigo 10.º, ex vi o 77º, § 1º da LULL).


Por outro lado, a cessão de créditos, a que alude o artigo 577.º, n.º 1 do Código Civil, constitui o contrato pelo qual o credor transmite a um terceiro uma parte ou a totalidade do seu crédito, independentemente do consentimento do devedor (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., Coimbra, 1999, p. 295), e, noutra formulação, constitui uma forma de transmissão do crédito, isto é, uma disciplina de efeitos jurídicos, que são desencadeados por um negócio jurídico, normalmente um contrato celebrado entre o credor e o terceiro, que tem eficácia translativa (Menezes Leitão, Cessão de Créditos, p. 285).


Essa transmissão do crédito, na falta de convenção em contrário, é acompanhada também da transmissão das garantias e outros acessórios do crédito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente (artigo 582.º, n.º 1 do Código Civil).


A cessão de créditos opera, assim, tão somente uma substituição subjetiva na relação jurídica, do lado ativo, pelo que o crédito em si permanece o mesmo (Almeida Costa, Direito das Obrigações, p. 269).


Por outro lado, os títulos de créditos são transmissíveis por endosso e por cessão ordinária de créditos, ainda que se deva afirmar que o endosso é, por definição, a forma típica de transmissão dos títulos de crédito (artigo 13.º, ex vi o 77º, § 1º da LULL).


Todavia, o endosso é um negócio abstrato, no sentido de que o devedor cambiário não pode opor ao portador endossado as exceções provenientes das suas relações pessoais com o portador anterior, a menos que ao adquirir o título de crédito o portador endossado tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor (artigo 17.º, ex vi o 77º, § 1º da LULL) (Antunes Varela, ob. cit., p. 299; Menezes Leitão, ob. cit., p. 291, nota 18).


Já a cessão de créditos é, diferentemente, um negócio causal, no sentido de que o devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão (artigo 585.º do Código Civil; Antunes Varela, ob. cit., p. 302; Menezes Leitão, ob. cit., p. 291).


Daqui decorre, pois, que apesar de ambas as figuras importarem a transmissão do título cambiário, o endosso implica que o portador endossado e o devedor cambiário se encontram no domínio das relações mediatas, mas já o devedor cambiário e o cessionário se encontram no domínio das relações imediatas, por força da cessão de créditos, como afirmam claramente Abel Delgado (Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças Anotada, 7ª ed., Lisboa, 1996, p. 110) e Ferrer Correia (Lições de Direito Comercial, reimp., Lisboa, 1994, pp. 449-450).


“Nas relações imediatas, isto é, nas relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato (relações sacador-sacado; sacador-tomador; tomador – 1º endossante, etc.), nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente de convenções extra-cartulares, tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta. Fica sujeita às excepções que nessas relações pessoais se fundamentem.


Esta diversidade de regimes decorre do art. 17.º E na situação do portador imediato está também o possuidor da letra que a tenha recebido por título diferente do endosso: cessão, sucessão mortis causa. Com efeito, trata-se aqui de um representante do transmitente e, portanto, são-lhe oponíveis todas as excepções que seriam oponíveis a este.” (no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04.06.2025 (Jorge Martins Ribeiro), Processo n.º 13972/23.8T8PRT-A.P1, in http://www.dgsi.pt/).


Na situação vertente, o Banco que celebrou com o contrato de crédito de onde decorre a dívida inscrita na livrança dada à execução cedeu aquele crédito ao Exequente, tendo ficado consignado em semelhante contrato de cessão que essa transmissão incluía as garantias do crédito.


Assim, o Exequente é portador legítimo da livrança dada à execução e, atenta a circunstância da transmissão do crédito ter operado pela via da cessão, deve considerar-se que se encontram Exequente e Executados no domínio das relações imediatas.


Logo, são oponíveis ao Exequente as exceções atinentes à relação pessoal do Banco com os Executados.


A comunicação do Banco de que se cura é, em conclusão, ineficaz, por não observar as regras que presidem à mesma (n.º 4 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10), pelo que se verifica a exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, da falta de extinção do PERSI.


Ocorre, deste modo, fundamento de indeferimento liminar do requerimento executivo, nos termos dos artigos 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º, e 726.º, n.º 2, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil, devendo, em conformidade, ser mantida a decisão recorrida.


6. As custas são suportadas pelo Recorrente, atenta a improcedência do recurso (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).


IV – Dispositivo


Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.


Custas pelo Recorrente.


Notifique e registe.


Sónia Moura (Relatora)


Manuel Bargado (1º Adjunto – vencido, conforme declaração de voto que junto)


Ana Pessoa (2ª Adjunta)


Declaração de voto:


Vencido. Revogaria a decisão recorrida, pois entendo, ressalvado o devido respeito pelo entendimento que fez vencimento, que a solução mais curial é a que resulta, entre outros, do Acórdão desta Relação de 23.05.2024, proc. 2578/23.1T8ENT.E1, in www.dgsi.pt, que subscrevi como 1º adjunto, no qual se lê:


«(…), notamos que o DL 272/2012 prevê, nos sues artigos 14.º, 15 e 16.º, diversas fases procedimentais, com uma fase inicial, seguida de uma fase de avaliação e proposta, e outra de negociação. Estas fases exigem também a colaboração do cliente bancário – maxime, prestando certas informações sobre a sua capacidade financeira ou propondo alterações às propostas apresentadas pela instituição de crédito, como resulta do artigo 15.º n.ºs 2 e 3 e do artigo 16.º n.º 2 e 3 – não se podendo assim afirmar que o PERSI é um procedimento unilateral da instituição de crédito.


E daí possa suceder que, sem a colaboração do cliente bancário, todo o procedimento fique votado ao insucesso, decorrendo os 91 dias apenas com a proposta inicial da instituição de crédito, sem qualquer resposta do cliente.


Por outro lado, os documentos apresentados devem ser interpretados no seu contexto, e certo é que foi remetida informação adicional aos executados, nomeadamente o documento informativo elaborado de acordo com o Anexo II do Aviso n.º 17/2012 do Banco de Portugal, esclarecendo que o PERSI se extinguia “no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo das partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário.”


Neste aspecto, a decisão recorrida não podia ignorar que os deveres de informação do Recorrente, no âmbito da comunicação de início do PERSI, foram cumpridos nos exactos termos exigidos pelo art. 7.º n.ºs 1 e 2 do mencionado Aviso do Banco de Portugal, ainda em vigor à data dos factos.


Neste quadro, ao enviar as cartas de extinção do PERSI invocando o decurso do prazo referido no art. 17.º n.º 1 al. c), não se pode afirmar, sem mais, que os executados não estavam informados que o decurso do aludido prazo era causa de extinção do procedimento.


Ademais, interpretando o art. 8.º al. a) do Aviso n.º 17/2012 do Banco de Portugal, a comunicação de extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, a descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respectivo fundamento legal, o que é compatível com os n.ºs 1 e 2 do art. 17.º do DL 272/2012, que incluem factos que automaticamente extinguem o procedimento – o pagamento, o acordo, o decurso do prazo legal ou a declaração de insolvência do cliente bancário – e outros que envolvem um processo decisório da instituição de crédito.


Nestes termos, não se pode dizer que as cartas que comunicaram a extinção do PERSI por decurso do prazo estipulado no art. 17.º n.º 1 al. c), não sejam suficientemente claras, rigorosas e legíveis, em especial quando o cliente já estava devidamente informado das consequências do decurso do prazo de 91 dias, através do envio, logo no início do procedimento, do documento informativo a que se refere o supra-referido Anexo II.


Acompanha-se, pois, a jurisprudência que esta Relação de Évora manifestou nos seus Acórdãos de 26.05.2022 (Proc. 18/22.2T8ENT.E1, com o mesmo Relator do presente), de 15.06.2023 (Proc. 93/23.2T8ENT.E1), de 07.11.2023 (Proc. 543/23.8T8ENT.E1), e de 23.11.2023 (Proc. 1195/22.8T8ENT.E1), todos publicados em www.dgsi.pt.


Reafirmando a ideia principal que norteia o primeiro dos arestos citados, repetimos o que se afirma no aresto de 15.06.2023: «Se o procedimento bancário ficar votado ao insucesso por falta de colaboração do cliente bancário e se este estava já informado que o PERSI se extinguia no 91.º dia após o seu início, pode a carta de extinção do procedimento limitar-se a invocar o decurso de tal prazo.»


Ponderando, finalmente, que nos encontramos perante um despacho liminar de indeferimento, que deve ser reservado para situações de manifesta e indiscutível improcedência do pedido, mesmo que subsistam dúvidas sobre a ocorrência de uma excepção dilatória inominada, a execução deve prosseguir, tanto mais que o processo admite aos executados a oportunidade de deduzir a sua oposição, podendo invocar todos os fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração – art. 731.º do Código de Processo Civil.».


Manuel Bargado