Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | RENATO BARROSO | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA REVOGAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 05/20/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I - Se o que está em causa, com a suspensão da execução da pena de prisão, é, naturalmente, a integração comunitária do agente, então a suspensão só deve ser revogada se as finalidades da punição não forem conseguidas, sendo que para estas assumem especial privilégio as de prevenção especial, com o desiderato do afastamento do delinquente da criminalidade. II - O que importa saber é se, apesar da prática, pelo arguido, de ilícitos no período de suspensão, ou do incumprimento dos deveres a que a suspensão da execução da pena estava condicionada, ainda é possível formular um juízo de prognose positiva em relação ao seu futuro, evitando-se, desse modo, a revogação daquela, que só deve ter lugar quando se concluir que tal juízo é inalcançável, estando assim irremediavelmente comprometidas as esperanças de reintegração social que estiveram na base da aplicação da uma pena de prisão suspensa na sua execução. III - A revogação da suspensão da execução da pena de prisão só deve ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências previstas no artigo 55º do Código Penal, sendo necessário demonstrar, fora de qualquer dúvida, que a situação financeira do condenado lhe permitia cumprir a condição que lhe foi imposta para a suspensão da execução da pena. IV - De outro modo, a não se ter este cuidado na apreciação dos factos, a decisão de revogação de uma suspensão da execução da pena poderia redundar numa prisão por dívidas, a qual, como se sabe, não é legalmente admitida. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo comum nº 700/10.7TASTR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Central Criminal de Santarém, Juiz 4, o arguido J, foi condenado, por sentença transitada em julgado em 01/09/16, como autor material de um crime de falsificação e um crime de abuso de confiança, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, acrescido do dever de entregar a M e P, a quantia de € 35.000,00, enquanto princípio de pagamento da indemnização de € 45.000,00 devida aos mesmos, mediante a realização de depósito à ordem dos presentes autos, até ao termo do período de suspensão da execução da pena. Por despacho de 09/01/25, foi esta suspensão revogada e em consequência, determinado o cumprimento efectivo daquela pena de prisão. B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição): a) O presente recurso vem interposto do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de 4 anos e 6 meses de prisão aplicada a J, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º e 56.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, do Código Penal e artigo 495.º, do Código de Processo Penal. b) O presente recurso aborda a inadmissibilidade da declaração de urgência num incidente pós-decisório, a violação do direito ao contraditório, a inadmissibilidade da decisão de revogação pelo longo prazo decorrido e a violação do princípio de proibição de desfavorecimento do condenado por ter recorrido e a falta de fundamento de facto e de direito para a revogação. Inadmissibilidade da Declaração de Urgência: c) O tribunal a quo declarou indevidamente a urgência do procedimento, contando prazos e praticando atos em férias judiciais, com o que frustrou o direito do condenado ao contraditório. d) Na fase pós-decisória do processo, a lei não permite a declaração de urgência do mesmo, assim se devendo interpretar e aplicar o artigo 103.º n.º 2 al. c) do CPP, conforme inter alia a jurisprudência do Acórdão da RE de 22.06.2021 Violação do Direito ao Contraditório: e) A ilegal tramitação urgente do processo prejudicou gravemente o arguido, que não pôde exercer o contraditório sobre a promoção do Ministério Público e dos demandantes. f) O artigo 103.º n.º 2 al. c), conjugado com o artigo 495.º n.º 2 ambos do CPP, deve ser interpretado e aplicado no sentido de que, realizada a audição do condenado, a urgência procedimental declarada anteriormente cessa, devendo, por isso, e o quanto mais não seja, ser revogada a decisão recorrida. Decisão Proferida sem decurso do prazo legal: g) O tribunal a quo proferiu a decisão recorrida sem aguardar o decurso do prazo legal para o exercício do contraditório, por parte do condenado, postergando o direito ao contraditório e violando, até, o caso julgado formal formado pelo anterior despacho de 09.12.2024 que o havia ordenado. Com efeito, h) Após a audição, o condenado recorrente foi notificado da promoção do MP por carta com data certificada a 16.12.2024, que se presume efetuada a 19.12.2024, pelo que os 10 dias para se pronunciar terminaram a 13.01.2025, sendo que podia ainda lançar mão do disposto no artigo 107.º-A do CPP o que diferia o prazo para 16.01.2025. De todo o modo, e sem conceder: Prazo excessivo para a decisão: i) A decisão de revogação da suspensão da pena é ilegítima, pois foi tomada mais de três anos e oito meses após o início do procedimento, o que é considerado inadmissivelmente tardio. j) Na verdade, a acórdão condenatório transitou a 01.09.2016, pelo que o período da pena suspensa terminou no dia 01.03.2021, tendo o MP instaurado o presente incidente a 20.05.2021 e a decisão recorrida foi proferida a 09.01.2025. k) Pelo que entre esta e aquele decorreram mais de 3 anos, tendo sido violados os princípios da proporcionalidade e da necessidade da pena que, aliás, cobrem todo o processo aplicativo e subsistem até à extinção da sanção imposta. l) O condenado em nada contribuiu para a morosidade do incidente, posto que nos 2 recursos que interpões – que, aliás, se trata de um direito fundamental e, portanto, não lhe podia ser assacado como expediente dilatório – obteve provimento em toda a linha. m) É inconstitucional, por violar o artigo 18.º n.º 2 da Constituição a norma resultante do disposto no artigo 56.º do Código Penal na interpretação de que o tribunal pode revogar a suspensão da execução da pena de prisão, decorridos mais de 3 anos após o início do respetivo incidente sem que a mora possa ser imputada ao condenado. Violação do princípio non reformatio in pejus: n) O condenado não pode ser prejudicado por ter recorrido de uma decisão que, aliás, na parte em que lhe é favorável, formou caso julgado e, por isto, a decisão recorrida não podia deixar de prorrogar a suspensão pelo menos por igual período de 7 meses. o) Houve uma primeira decisão do tribunal a quo neste incidente datada de 23 de maio de 2021 que decidiu prorrogar o período da suspensão de execução da pena de prisão do arguido, até ao dia 31 de dezembro de 2021 sob condição do arguido, nesse prazo, proceder ao pagamento integral das indemnizações aos lesados impostas em sede de Acórdão. p) É que o recurso de 30.06.2021 apresentado pelo condenado, foi limitado à questão do montante do valor a depositar (agravado naqueloutro despacho) e da falta de fundamentação da decisão para esse agravamento, mantendo- se incólume quando prorrogou o prazo por um período de 7 meses. 92. O Ministério Público não recorreu da decisão na parte em que foi prorrogado o prazo e, portanto, dessa forma, formou-se caso julgado formal e parcial que não pode mais ser modificado e tem de ser cumprido, por, aliás, ter sido o proferido em primeiro lugar, assim se devendo interpretar e aplicar o disposto no artigo 625.º n.º 1 do CPC ex vi artigo 4.º do CPP. q) E não se diga que o prazo concedido até 31.12.2021 está decorrido, posto que uma vez interposto o competente recurso, o mesmo interrompeu-se e só volta a correr a partir que a decisão final seja proferida e transitada, o que não se verifica. r) Ainda assim, cumpre referir que de acordo com o princípio constitucional in bonam partem, se se entender que o prazo de suspensão da pena não pode ser superior aos 5 anos, então sempre ao condenado assiste o direito à prorrogação para mais 6 meses. s) Isto na medida em que o tempo que está decorrido são os 4 anos e seis meses fixados no acórdão condenatório e cujo decurso se interrompeu com o requerimento do Ministério Público e só volta a decorrer transitado que seja o despacho que definitivamente resolva a questão do montante que, aliás, é oportuno lembrar, era – e é – àquela data a única em aberto e que carecia de fundamentação na parte em que se decidiu pelo agravamento da condição. t) É inconstitucional, por violar os artigos 2.º, 18.º n.º 1 e 2, 20.º n.º 4, 29.º n.º4 e 32.º n.º 1 da Constituição a norma resultante do artigo 50.º n.º 5 ex vi artigo 55.º al. d) do Código Penal, na interpretação de que no julgamento do incidente para revogação da pena suspensa o tribunal não está vinculado à sua anterior decisão que havia prorrogado o prazo de suspensão da pena por mais 7 meses e que formou caso julgado parcial, por não ter havido recurso do Ministério Público nessa parte. O cometimento de novo crime: u) Vimos já que o termo do período da pena suspensa de 4 anos e meio, deu-se no dia 01.03.2021 e, portanto, a prática do novo crime deu-se na devida janela temporal. v) A prática de um novo crime durante o período de suspensão não pode fundamentar ou constituir um dos fundamentos para a revogação da suspensão da pena se a condenação foi em pena de multa, e não em prisão efetiva. - Cfr. Ac. da RE de 02.10.2018 w) Não podendo relevar a referida condenação para a decisão de revogação é de eliminar a mesma da factualidade considerada relevante e, consequentemente, ordenar a extinção da pena, nos termos do artigo 57.º n.º 1 do Código Penal. Erro na fixação dos factos relevantes: x) O tribunal a quo cometeu um erro ao fixar os rendimentos do condenado em 2019, o que é relevante para determinar a capacidade financeira de cumprir com a condição imposta. Com efeito, y) Vem provado que na declaração de rendimentos referente ao ano de 2017 auferiu 17.020,80€; no ano de 2018: 1.362,00€; no ano de 2019: 17.093,72€; no ano de 2020: 115.282,52€; no ano de 2021: 11.308,07; no ano de 2022: 23.768,90€; no ano de 2023: 101.276,12€.”, conforme pág. 3. Mas, z) Depois, na pág. 6, vem sentenciado que “Por seu turno, quando se olha para os rendimentos declarados, não se alcança como, pelo menos, em 2019 e em 2022, com rendimentos de 115.282,52€ e 101.276,12€, respetivamente, não logrou cumprir o determinado judicialmente e liquidar os 35.000,00€.” aa) Como se vê do antes exposto pelo tribunal a quo, os rendimentos no ano de 2019, foram de apenas 17 093,72€ em vez dos 115 282,52€ posteriormente valorados para a decisão recorrida. bb) E este erro é relevante porque o ano de 2017 se situa a meio do decurso do prazo de suspensão da pena e, portanto, bastante indiciador que o recorrente não tinha disponibilidade de cumprir com a condição cc) É, aliás, facto notório que o custo da estrutura de funcionamento de um escritório de advocacia é bastante elevado, passando por encargos fixos significativos como em qualquer atividade v. g. rendas, funcionários, economato, fornecimento de energia elétrica, água, esgotos, recolha de lixo e telecomunicações, viaturas, taxas e impostos. Falta de fundamento legal para a revogação: dd) A decisão recorrida não evidencia ter havido infração grosseira ou repetida dos deveres impostos, quando por imposição constitucional e legal necessário se torna demonstrar que o condenado tinha condições económicas para cumprir a condição. ee) Assinala-se que percecionamos na decisão recorrida a ideia do tribunal a quo de que o condenado nas sua declarações faltou à verdade, e, assim, não tendo sido credíveis, delas significou para o tribunal a quo uma outra verdade: que o recorrente teve possibilidade de efetuar o depósito da quantia de 35 000,00€ e só não o fez porque não quis. ff) Verdade é que “Não há qualquer disposição legal que faça recair sobre o condenado o ónus da prova de que o incumprimento do dever que condiciona a suspensão da pena não foi culposo.” – Ac. da RP de 11.01.2012. gg) Neste conspecto, a eventual falta de eloquência, serenidade e objetividade nas declarações do condenado não fazem presumir que está a faltar à verdade, pois esse estado emocional de incerteza e insegurança é próprio ou conatural ao humano que se vê naquela posição processual. hh) Ademais, impõe-se a revogação da decisão recorrida, pois assentou na ideia de que o rendimento do condenado referente ao ano 2019 foi de 115.282,52€ quando, ao invés, foi de 17 093,72€. ii) Este baixo rendimento demonstra a incapacidade financeira do recorrente para cumprir com a condição imposta, lembrando que para receber e declarar 17 093,72€ o recorrente teve despender muito mais, pois, como dito, os custos de manutenção do escritório em funcionamento é elevado. jj) Se é verdade que referente ao ano de 2022 o recorrente declarou rendimentos no valor de 101.276,12€, não menos verdade é que o condenado explicou que, não obstante ter emitido as faturas-recibos (de forma automática no Portal da AT), não o havia recebido na totalidade. kk) Além de que tais rendimentos percecionados no ano de 2022 foram já fora do período de suspensão da pena que – recorda-se – ocorreu a 01.03.2021, a que acresce que o condenado estava na legítima expetativa de aguardar que o tribunal, na sequência do acórdão de 25.10.2022 fixasse de forma fundamentada e definitiva qual o efetivo montante a depositar e em que prazo. Expectativa legítima do condenado: ll) O condenado estava na expectativa legítima de que o tribunal fixasse de forma definitiva o montante a ser depositado, e não se provou que ele teve meios para cumprir a condição de forma culposa. mm) A decisão recorrida não demonstra ter havido uma infração grosseira ou repetida dos deveres a que o recorrente havia sido condenado no que toca quer ao não pagamento da quantia imposta como e. g., ao plano de social de recuperação elaborado pelo Instituto de Reinserção Social que, aliás, e relembre-se, veio aos autos informar ter o mesmo decorrido sem qualquer incumprimento. nn) É certo que o condenado assume postura algo errática nas suas declarações (ao avançar com prazos que depois não cumpre), mas que se justifica pela ansiedade de querer efetuar o depósito fixado com condição da suspensão da pena. Mas, oo) O juízo de prognose a título póstumo sobre o incumprimento da condição, deve ser efetuado de forma rigorosa a apurar se, no período da suspensão, o condenado obteve ou podia ter obtido rendimentos suficientes para cumprir com a condição. pp) E a verdade é que não se provou que durante o período de suspensão que o condenado teve meios e oportunidade para cumprir com a condição e não o fez de forma culposa, i. e., que devia e podia ter agido doutro modo. qq) Bem pelo contrário, o que se verifica é que logo que teve oportunidade de cumprir, ainda que parcialmente, o condenado efetuou um depósito parcial o que demonstra uma vontade incompatível com uma abstinência culposa. rr) Por todo o exposto e sem prejuízo do que separadamente se concluiu em relação a outras normas, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 50.º e 56.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, do Código Penal e artigo 495.º, do Código de Processo Penal, devendo estas normas serem interpretadas e aplicadas no sentido expresso. Nestes termos e nos melhores de Direito, E sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a decisão recorrida, substituindo-se por outra que declara extinta a pena, ou quando assim se não entenda, prorrogado o prazo para cumprimento da condição pelo período de 7 meses contados a partir do trânsito em julgado, com o que farão costumada e esperada JUSTIÇA C – Resposta ao Recurso Na sua resposta o M.P. pronunciou-se pela improcedência do recurso, concluindo da seguinte forma (transcrição): 1. O recorrente não esclarece, de modo algum, nenhuma das suas proposições: nem a da inadmissibilidade da declaração de urgência do procedimento, nem a da inevitabilidade de frustração do contraditório por causa dela. 2. Transitado em julgado um acórdão condenatório, ou seja, estando indeclinavelmente formada a culpa do arguido, o interesse punitivo do Estado demanda que este expie a sua pena. 3. Tal interesse não pode ser exercido a todo o transe, mas pode e deve materializar-se numa declaração de urgência do procedimento, a qual não afecta minimamente o contraditório, apenas estabelece que tem de ser exercido em períodos temporais que transcendem os previstos no artigo 103.º, n.º 1 do CPPenal. 4. Atentos o interesse punitivo do Estado e a sucessiva aproximação do termo do prazo de prescrição da pena, é perfeitamente admissível declarar a urgência do procedimento, mesmo após o julgamento. 5. No sentido propugnado pela signatária, pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 569/2015 e n.º 158/12. 6. Sendo admissível a declaração da natureza urgente do processo, o termo do prazo considerado para o recorrente exercer o contraditório, atenta a data da sua notificação e da respectiva Mandatária, em 16 de Dezembro de 2024, foi estritamente observado, não merecendo a decisão de proferir despacho de revogação da pena substitutiva no dia 9 de Janeiro de 2025 qualquer reparo. 7. Não olvidando as decisões de 23 de Maio de 2021 e de 27 de Março de 2023, contra as quais, e bem, o recorrente se insurgiu e cuja prolação e tramitação dos respectivos recursos envolveu as inerentes delongas, cumpre outrossim não perder de vista que foi o arguindo quem, procrastinando a entrega da quantia a que estava obrigado, diferiu para este momento, a tomada de decisão legítima de revogação da suspensão, precisamente com o propósito de se poder vir a fazer valer do anacronismo de tal decisão. 8. Se algum prazo excessivo existe para a decisão ora tomada quanto ao arguido, tal prazo sibi imputet, pelo que o Sr. Dr. Joaquim Patrício não pode prevalecer-se desse prazo. 9. Depois de observadas todas as determinações do Venerando Tribunal da Relação de Évora, sendo o artigo 55.º do CPenal inaplicável, atentos o tempo decorrido e a insistente e grosseira violação pelo arguido do dever a que ficou subordinada a suspensão, o despacho recorrido não viola, de modo algum, o princípio da proibição da reformatio in pejus, antes surgindo, no termo de novo incidente de incumprimento, como normal corolário dessa insistente e grosseira violação. 10. É o recorrente quem incorre em erro quanto aos factos relevantes para a decisão, porquanto a declaração de rendimentos entregue em determinado ano se reporta aos que foram auferidos no ano transacto, logo, os € 115 282,52 declarados em 2020 foram efectivamente auferidos em 2019, assim como os € 101 276,12 declarados em 2023 foram recebidos em 2022. 11. No âmbito do último incidente de incumprimento encetado, que, no fundo, se desenrolou em dois momentos, o Sr. Dr. J estribou invariavelmente a sua impossibilidade, que não falta de vontade, de cumprir o dever imposto na insuficiência de rendimentos para fazer face a diferentes compromissos, a seu ver, mais prioritários do que o de obstar à respectiva reclusão. 12. Se já as declarações do arguido foram pouco convincentes quanto à inviabilidade do cumprimento do dever – designadamente ao afirmar que não dispunha de tempo para o patrocínio oficioso e, ao mesmo tempo, que não obtinha rendimentos satisfatórios do exercício da advocacia, ou ao se queixar da falta de pagamento de clientes, mas justificar a decisão de não intentar acções de honorários com a possibilidade de os perder, porque, como é bom de ver, tais clientes são naturalmente de manter, ou ainda ao declarar rendimentos e suportar o respectivo IRS que, afinal, partilhou com terceiros –, ensaiando o Sr. Dr. J uma descrição de apuro financeiro, quando cotejadas com os demais elementos coligidos nos autos, resultam perfeitamente inverosímeis e demonstrativas da sua atitude refractária relativamente a esse cumprimento. 13. O artigo 55.º não é inaplicável ao caso dos autos, visto que, por um lado, considerados o dever em apreço e a sua inobservância, se não antolha como recorrer às alíneas a), b) e c) desse artigo e, por outro, atentando ao tempo volvido sobre o termo da suspensão da execução da pena, de nada vale já prorrogá-lo. 14. De outra parte, não quedam dúvidas de que o incumprimento reiterado do arguido decorreu de culpa sua: o dever imposto pelo acórdão condenatório era-lhe e é-lhe razoavelmente exigível. 15. Na verdade, apesar de haver sido condenado nestes autos em pena de prisão suspensa e de estar ciente de que se incumprisse o dever imposto e/ou se violasse novamente os comandos penais, podia ter de cumprir prisão efectiva, o arguido desconsiderou esse dever reiteradamente e não se absteve de cometer outro crime, permitindo concluir que a iminência de tal prisão não alcançou as finalidades da punição e que, na sequência oportunidade que lhe foi concedida neste processo, mais não resta ao tribunal que impor o cumprimento efectivo dessa pena. 16. O Sr. Dr. J tem antecedentes por crimes de natureza idêntica à dos ilícitos objecto dos presentes autos, o mesmo sucedendo com o crime que praticou no decurso do período de suspensão da execução da pena. 17. Não pode ainda descurar-se a profissão liberal exercida pelo arguido, de Advogado, que dita um especial dever de obediência à lei e cuja inobservância não pode deixar de se entender como manifestação da verificação de elevadas necessidades de prevenção especial, espelho de um sentimento de impunidade, a que importa pôr cobro. 18. Sendo possível formular, relativamente ao Sr. Dr. J, um juízo de certeza negativo, no sentido que a mera censura do facto e a ameaça da prisão não permitiram, nem permitem, realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, bem andou o Mmo. Juiz a quo ao revogar a suspensão da execução da pena e determinar o cumprimento de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) e b) n.º 2 do CPenal. 19. A revogação da pena de substituição é a inelutável solução para que os expedientes do recorrente – incluindo o depósito de somente 1/7 da quantia imposta – não procedam, estando sobejamente demonstrado nos autos que a sua “abstinência” foi dolosa. 20. O despacho recorrido não violou quaisquer normas, nem está ferido de qualquer nulidade. Termos em que, negando provimento ao recurso, farão Vossas Excelências, como sempre, JUSTIÇA. D – Tramitação subsequente Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exº Procurador-Geral Adjunta, que apôs o seu visto no processo. Efectuado o exame preliminar, determinou-se que este fosse julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir. 2. FUNDAMENTAÇÃO A – Objecto do recurso De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente retira das respectivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação. Assim sendo, são as seguintes as questões levantadas pelo recorrente: 1) Inadmissibilidade da declaração da natureza urgente do processo 2) Violação do direito ao contraditório 3) Prazo excessivo para a decisão 4) Violação do princípio non reformatio in pejus 5) Erro na fixação dos factos relevantes 6) Falta de fundamento legal para a revogação B – Apreciação Definida a questão a tratar, importa apreciar, desde já, do despacho recorrido, que reza da seguinte forma (transcrição): §1- Realizada a audiência a que alude o disposto no artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o Ministério Público promove que os autos prossigam os seus termos, com revogação da suspensão da execução da pena. Os autos foram instruídos com os elementos probatórios que o Tribunal oficiosamente determinou por despacho [97480176]. Os Demandantes nada disseram com relevância para a apreciação da questão, omitindo qualquer pronúncia analítica quanto à prova que se encontra junta. Foi cumprido o contraditório. Cumpre apreciar e decidir. §2- J foi, por acórdão transitado em julgado a 01.09.2016, condenado pela prática de um crime de falsificação de documento e um crime de abuso de confiança fiscal qualificado, na pena de prisão de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova e acrescido do dever de entregar a M e P a quantia de 35.000,00€, enquanto princípio de pagamento da indemnização de 45.000,00€ devida aos mesmos, mediante a realização de depósito à ordem dos presentes autos, até ao termo do período de suspensão da execução da pena. Com relevância para a decisão, constata-se que: (i) [98293488] Do certificado do registo criminal, consta averbamento referente ao processo n.º 45/21.7IDSTR, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Torres Novas, onde, por sentença datada de 04.10.2022 e transitada a 04.11.2022 e prolatada em processo sumaríssimo, foi condenado “numa pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de €12,00 (doze euros), perfazendo o valor global de €2.160,00 (dois mil cento e sessenta euros), pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo pelo artigo 105.º do RGIT com as alterações introduzidas pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, com referência aos artigos 14.º, n.º 1, 26.º do Código Penal e artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, al. b) do CIVA”, cuja consumação ocorreu no trimestre de julho a setembro de 2020, porquanto “para pagamento dos honorários enquanto advogado, o arguido emitiu a fatura/recibo número 64 datada de 08/07/2020 no montante de 2 000,00€ (dois mil euros) a que acrescem 460,00€ (quatrocentos e sessenta euros) a titulo de IVA à taxa de 23% e a fatura/recibo número 65 datada de 21/08/2020 no montante de 100 000,00€ (cem mil euros) a que acrescem 23 000,00€ (vinte e três mil euros) a título de IVA à taxa de 23%, perfazendo o total de 23 460,00€ (vinte e três mil quatrocentos e sessenta euros) de IVA”, assim se consignando a consulta eletrónica dos autos a correr termos sob o número 45/21.7IDSTR. A pena foi declarada extinta pelo cumprimento, por despacho datado de 20.06.2024. (ii) [11114366] Na declaração de rendimentos referente ao ano de 2017 auferiu 17.020,80€; no ano de 2018: 1.362,00€; no ano de 2019: 17.093,72€; no ano de 2020: 115.282,52€; no ano de 2021: 11.308,07; no ano de 2022: 23.768,90€; no ano de 2023: 101.276,12€. (iii) (…) a AT prestou informação “confirmando a inexistência de registo de qualquer imóvel em nome do mesmo sujeito passivo”. (iv) [10390166] J realizou um pagamento de 5.000,00€, no dia 05.02.2024, por conta da indemnização determinada nestes autos. (v) [11205837] J, de 69 anos de idade, advogado, natural de Torres Novas, vive em situação análoga à dos cônjuges, desde há sensivelmente 20 anos, com Catarina Estrela, de 50 anos de idade, secretária no escritório de advocacia do arguido, e com o filho em comum, JP, de 19 anos de idade, estudante e atleta de competição de hipismo.(…) tem o seu percurso profissional associado ao exercício da atividade de advocacia, que se encontra a exercer na atualidade, sendo detentor de escritório próprio, verbalizando que teve uma experiência profissional como assessor jurídico de um grupo parlamentar europeu, no período de 1986/1994. (…) a sustentabilidade económica do agregado familiar, alicerça-se sobretudo nos seus rendimentos e da companheira, sendo estes de 3.500,00€ mensais, apresentando como despesas do agregado o valor global mensal de 1.500,00€, onde se incluem os consumos com bens essenciais, nomeadamente, abastecimento de água, gás e eletricidade. (…) verbaliza que é detentor de dívidas, nomeadamente fiscais, que resultam de um empreendedorismo realizado há alguns anos relacionado com um investimento numa empresa em sociedade que realizou na área dos curtumes, no concelho de Alcanena, da qual não obteve liquidez suficiente para a sua continuidade, ficando com perdas avultadas. (…) relativamente à imposição judicial do presente processo do pagamento de indemnização no valor de 45.000,00€, menciona encontrar-se a aguarda o pagamento de honorários, que lhe permitirão sanar de forma parcial o remanescente do valor, até ao final do ano. (vi) [11235580] A Ordem dos Advogados veio informar “que o Sr. Dr. J, titular da cédula profissional nº 5724L, encontra-se com a Inscrição no Ativo desde 26-02-2021”. (vii) [7649286]: A Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais concluiu no relatório final do plano de reinserção social que “J tem consciência plena da sua situação judicial tendo colaborado com estes serviços de reinserção social no atinente à reflexão dos temas relacionados com o presente processo”. A matéria de facto atrás referenciada e com relevância para a decisão decorre da avaliação crítica da documentação junta aos autos e devidamente referenciada, assim como do relatório social, das declarações do Condenado, assim como do conhecimento funcional do Tribunal quanto à sentença proferida no processo sumaríssimo em conformidade com o certificado do registo criminal. J prestou declarações, aduzindo que mostra vontade em pagar e que tal só ainda não aconteceu, porque está a aguardar o pagamento de honorários. Por outro lado, invoca a existência de várias despesas, as quais não comprova minimamente, sendo estas a causa de nos anos fiscais em que auferiu rendimentos mais avultados não ter conseguido liquidar qualquer valor a importar na indemnização devida. O Tribunal não reputa as declarações como particularmente credíveis, pois que exibem um claro pendor desculpabilizante e, sobretudo, sem qualquer preocupação quanto à concretização das alegadas dívidas e das alegadas dificuldades financeiras. §3- Feito o enquadramento fáctico, importa prosseguir. Dispõe o artigo 56.º, do Código Penal, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. Resulta evidente e inequívoco que J incumpriu a condição que o sujeitara ao pagamento da quantia de 35.000,00€, enquanto princípio de pagamento da indemnização de 45.000,00€ devida aos Demandantes, procedendo, somente, ao pagamento no valor de 5.000,00€. Ao longo do processo, o Condenado foi ensaiando várias justificações ao mesmo tempo que prometia pagamentos futuros, ora fosse no relatório final da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, datado de 26.04.2021, quando afirma que “não pagou a(s) quantia(s) fixada(s) no douto acórdão tendo afirmado incapacidade financeira que foi agravada com a situação pandémica – Covid 19. Contudo, e, no caso de lhe ser prorrogado o período de tempo pretende pagar €10.00,00 nos próximos seis meses e o restante no prazo de um ano”, ora no requerimento por si apresentado e datado de 06.02.2024, no qual, juntando o comprovativo do pagamento de 5.000,00€, logo informa “que no próximo mês de Março procederá ao pagamento de igual montante de 5.000€ e fará mensalmente pagamentos subsequentes até ao pagamento integral do montante que foi condenado a pagar aos ofendidos”, ora no relatório social da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, datado de 29.11.2024, no qual diz “que se encontra a aguardar pagamento de honorários, que lhe permitirão sanar de forma parcial o remanescente do valor, em princípio € 15.000,00, até ao final do ano”, o que vem a reiterar em Tribunal, durante a respetiva audição. Com efeito, tem razão o Ministério Público quando refere que “ora foi o negócio de família dos curtumes que ruiu, ora o pagamento das despesas com o tratamento da doença de sua mulher já falecida, ora a falta de pagamentos avultados pelos clientes, ora – até, pasme-se – as suas dívidas astronómicas a empresas de telecomunicações”, tudo servindo para justificar a falta de pagamento determinada como condição da suspensão. Na verdade, o Condenado, por infortúnio dos infortúnios, nunca consegue prover aos compromissos que o próprio assume, conquanto sempre vê goradas as expectativas que veicula sobre as possibilidades de pagamento, seja de 10.000€ no prazo de seis meses em abril de 2021, seja a de pagamentos recorrentes em março de 2024, seja, assim se teme, os 15.000,00€ agora devidos de honorários. Por seu turno, quando se olha para os rendimentos declarados, não se alcança como, pelo menos, em 2019 e em 2022, com rendimentos de 115.282,52€ e 101.276,12€, respetivamente, não logrou cumprir o determinado judicialmente e liquidar os 35.000,00€. É que o Condenado não evidenciou qualquer facto sério e consistente para a falta de pagamento. Mais, tendo auferido tais rendimentos, só em 2024 procede timidamente ao pagamento de 5.000,00€, menos de 15% do devido. Além do aludido e escalpelizado incumprimento, J praticou crime durante o período da suspensão, ademais inteiramente correlacionado com o praticado nos presentes autos, seja abuso de confiança fiscal, pois que partilhando iguais coordenadas quanto ao bem jurídico prevalecente, não se aferindo como minimamente atenuada ou menos relevante pelo facto de a condenação ter sido proferida em processo sumaríssimo, isto é com a concordância do próprio. Resulta, pois, do acima expendido que as finalidades pressupostas aquando da decretada suspensão da execução da pena de prisão não lograram qualquer êxito, tendo sido frustradas pela conduta posterior do condenado, com manifesto e grosseiro desrespeito pelo desvalor e gravidade do seu ato, bem como pela oportunidade e confiança dadas pelo Tribunal, que, ao invés de terem representado um estímulo para arrepiar caminho, constituíram um mero aviso compreendido como não sério. Com efeito, no que tange com o incumprimento, o mesmo só pode ser imputável à conduta do Condenado e advém de um desrespeito grosseiro do dever imposto, pois não só não se antolham quaisquer razões objetivas e consistentes para o pagamento não ter ocorrido, como se intui, pelas regras do normal acontecer, que o Condenado vai antes e sempre, imbuído de reserva mental, procurando justificações implausíveis e a invocação de promessas não sérias, de modo a protelar o cumprimento que sabe ser possível e devido. Ao antedito acresce, enquanto reforço da evidência já notada, a prática durante o período da suspensão de crime contra o património, integrando bem jurídico da mesma natureza, seja num caso o património privado, seja no outro o erário público, assim demonstrando, com clareza, o desprezo pela condenação judicial e, outrossim, pela nula interiorização do desvalor da conduta subjacente. O mesmo é dizer que a ameaça de prisão não serviu o seu propósito e não o reconhecer mais não seria que uma inadmissível indulgência. Por outro lado, não se vislumbra que a imposição de deveres ou regras de conduta, de harmonia com o disposto no artigo 55.º, do Código Penal, satisfaçam os desideratos preventivos e os acautelem de forma razoável e adequada. §4- Em face das sobreditas razões, o Tribunal decide revogar a suspensão da execução da pena de 4 anos e 6 meses de prisão aplicada a J, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º e 56.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, do Código Penal e artigo 495.º, do Código de Processo Penal. Notifique. Após trânsito: (i) remeta boletins à Direção de Serviços de Identificação Criminal (conferir artigo 374.º, n.º 3, alínea d), do Código de Processo Penal e artigo 6.º, alínea a), da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio). Secundados os termos da douta promoção [98356234], diligencie pelo pagamento requerido pelos Demandantes [11234728]. Antes de analisarmos as questões suscitadas pelo recorrente, importa aferir da questão prévia relacionada com a junção efectuada por este dos documentos comprovativos do pagamento da indemnização que foi fixada como condição da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado. Ora, como decorre da lei e é amplamente ensinado pela jurisprudência, os documentos devem ser juntos até ao encerramento da audiência, não podendo, por isso, serem considerados em sede de recurso, o que se compreende, na medida em que, nesta fase, apreciando-se do mérito da decisão recorrida, apenas se pode considerar o material probatório que o tribunal recorrido tinha ao seu dispor no momento em que prolatou a decisão sindicada. Assim sendo e para efeitos do presente recurso, os ditos documentos não serão tidos em conta. Aprecie-se então, da bondade do recurso. B.1 Inadmissibilidade da declaração da natureza urgente do processo Alega o recorrente que a declaração da natureza urgente proferida nestes autos é inadmissível por tal não lhe permitir o disposto no Artº 103 nº2 al. c) do CPP. Independentemente dos argumentos apresentados pelo recorrente, a verdade é que, como bem já havia notado a instância recorrida em 14/02/225, o despacho que declarou a natureza urgente do processo transitou em julgado, trânsito este, já exarado nos autos. Assim sendo, é a presente questão inapreciável em sede de recurso, o que acarreta que soçobre, neste domínio. B.2. Violação do direito ao contraditório Alega depois o recorrente que essa declaração urgente o prejudicou no exercício do seu direito ao contraditório, sem que, contudo, especifique em que é que se concretizou tal prejuízo. Ora, o recorrente foi regularmente notificado, precisamente, para o exercício do contraditório, na pessoa da sua Ilustre Defensora, da promoção do MP, no sentido de ser declarada a natureza urgente do processo e nada disse nem requereu, não se vislumbrando, assim, qualquer razoabilidade na sua argumentação, que, inevitavelmente, não pode proceder e com ela, o recurso, também nesta parte. B.3 Prazo excessivo para a decisão Sustenta também o recorrente que a decisão de revogação da suspensão da execução da pena é ilegítima por ter sido tomada mais de três anos e oito meses após o início do procedimento, prazo este, excessivamente tardio. Ora, a verdade é que os autos em causa foram alvo de um recurso do arguido, que se insurgiu contra uma decisão da 1ª instância que lhe prorrogou o período da suspensão agravando-lhe as respectivas condições, dela tendo recorrido e obtido provimento, o que contribuiu, decisivamente, para o decurso do tempo. Por outro lado, o próprio arguido, ao não pagar a indemnização em que foi condenado também provocou esse dilatamento do prazo, não podendo agora, sob pena de uso indevido dos mecanismos legais, utilizar esse argumento para o sucesso da sua pretensão. Improcede, deste modo, ainda aqui, o recuso. B.4. Violação do princípio non reformatio in pejus Com o devido respeito, mal se compreende o recurso do arguido, nesta parte. A proibição da reformatio in pejus relaciona-se, como é bem sabido e no que aqui poderia relevar, com o facto de não ser possível que, anulada uma decisão em recurso da defesa, na subsequente decisão a proferir pelo tribunal recorrido, não possa o arguido ser condenado numa pena mais severa do que aquela que lhe havia sido aplicada antes dessa anulação. Ora, essa não é a situação nos autos, na medida em que sobre essa matéria – o agravamento das condições da suspensão – o arguido não se conformou e obteve merecimento, revogando-se, então o despacho que assim havia decidido. Agora, na presente instância recursiva, trata-se apenas de aferir do mérito do despacho recorrido, que entendeu que estavam reunidos os pressupostos para revogar a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido, pelo seu incumprimento culposo na obrigação da qual estava dependente a aludida suspensão. Improcede, por assim, neste segmento, o recurso. B.5. Erro na fixação dos factos relevantes Defende ainda o recorrente, que o tribunal a quo cometeu um erro ao fixar os rendimentos do condenado em 2019, o que é relevante para determinar a capacidade financeira de cumprir com a condição imposta, na medida em que, ao contrário do que foi tido em conta, auferiu rendimentos referente ao ano de 2017 de 17.020,80€; no ano de 2018 de 1.362,00€; no ano de 2019 de 17.093,72€; no ano de 2020 de 115.282,52€; no ano de 2021 de 11.308,07; no ano de 2022 de 23.768,90€ e no ano de 2023 de 101.276,12€. Na verdade, é o recorrente quem labora em erro, porquanto a declaração de rendimentos entregue em determinado ano reporta-se aos que foram auferidos no ano anterior, nesta medida, os € 115.282,50 declarados em 2020 foram efectivamente recebidos em 2019 e os € 101.276,12 declarados em 2023, foram percebidos em 2022. Não há, portanto, da parte do tribunal recorrido, qualquer erro na fixação desses factos, improcedendo, manifestamente, o recurso, neste domínio. B.6 Falta de fundamento legal para a revogação Por fim, considera o recorrente inexistir fundamento legal para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, quer porquanto o crime por si cometido durante o período de suspensão apenas deu origem a uma pena de multa, quer porque não decorre dos autos a violação grosseira dos deveres a que estava adstrito, como fundamento para se concluir que não foi merecedor da oportunidade ressocializadora. Diz o nº1 do Artº 56 do C. Penal que «A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente, os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas». Acrescenta o nº2 do citado artigo que “a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (…)”. É pacificamente entendido, doutrinária e jurisprudencialmente falando, que a revogação da suspensão da execução da pena não funciona ope legis, não bastando para a sua verificação o mero incumprimento dos deveres ou regras de conduta que foram impostos ao condenado. Nesta medida, está afastado um cenário frio e positivista, do qual decorra, automática e necessariamente, do incumprimento dessas regras, a revogação da suspensão, na medida em que esta só deverá ser decretada se for de concluir, do dito incumprimento, que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena não foram alcançadas. Se o que está em causa, com a suspensão da execução da pena é, naturalmente, a integração comunitária do agente, então a sua suspensão só deve ser revogada se as finalidades da punição não forem conseguidas, sendo que para estas assumem especial privilégio as de prevenção especial, com o desiderato do afastamento do delinquente da criminalidade. No fundo, o que importa saber é se, apesar da prática, pelo arguido, de ilícitos no período de suspensão, ou do incumprimento dos deveres a que a suspensão da execução da pena estava condicionada, ainda é possível formular um juízo de prognose positiva em relação ao seu futuro, evitando-se, desse modo, a revogação daquela, que só deve ter lugar quando se concluir que tal juízo é inalcançável, estando assim irremediavelmente comprometidas as esperanças de reintegração social que estiveram na base da aplicação da uma pena de prisão suspensa. Como dizem Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, I Vol., 3ª Ed., pág 711, “As causas de revogação não devem, pois, ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena”. Como se disse no Acórdão da Relação de Évora, de 10/04/02, no Proc. 307/03.3GESTB.E1, «Daí que sejamos a entender que só a rebeldia intolerável do arguido e a inultrapassável obstinação em manter-se no crime, bem como o fracasso da esperada emenda cívica resultante da suspensão, justifiquem a revogação da suspensão da execução da pena. Pelo que as causas de revogação da suspensão da execução da pena não deverão ser entendidas formalmente, antes deverão perfilar indiciariamente o fracasso, em definitivo, da prognose inicial que determinou a sua aplicação, a infirmação, certa, da esperança de, por meio daquela, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade». O que é garantido é que o tribunal deve ponderar a possibilidade de manutenção da ressocialização em liberdade, esgotando os meios legais de intervenção penal fora da prisão como garantia das finalidades da punição, importando não olvidar que o momento pelo qual essa aferição é feita se reporta à precisa data em que se decide da revogação, ou não revogação, da suspensão da execução da pena. Daí que se exija ao julgador a ponderação destes critérios, fazendo depender a decisão de eventual revogação da suspensão da execução da pena, da audição do condenado e de parecer prévio do M.P., prevendo até a possibilidade de recolha de prova, tudo como estipulado nos termos do Artº 495 nº2 do CPP. Descendo ao concreto da situação sub judice, parece haver alternativa à conclusão, retirada pelo tribunal a quo, que a postura processual do arguido coloca definitivamente em causa as finalidades que fundaram a suspensão da execução da pena de prisão. É certo que o legislador não desconhece que a prática de novos crimes, cometidos durante o período de suspensão, podem, à partida e desde logo, indiciar que o arguido desaproveitou a oportunidade ressocializadora que lhe foi concedida com a suspensão da execução da pena, sendo por isso motivo, para, em princípio, se quisermos, se produzir uma decisão revogatória daquela suspensão. Mas uma coisa não leva, necessária e automaticamente, à outra, sendo que a formulação do comando legal supra descrito é bem claro ao afastar uma decisão meramente formal, exigindo que a nova condenação coloque definitivamente em causa as finalidades de integração comunitária que estiveram na base da suspensão da execução da pena. Como diz Figueiredo Dias, in Direito Penal, As Consequências jurídicas do crime, 2005, pág. 306, «Da versão da norma introduzida na revisão de 1995, passou a resultar que mesmo o cometimento de novo crime no decurso do período da suspensão de pena é insuficiente, só por si, para determinar a revogação da pena de substituição. Pôs fim à anterior redacção profundamente criticável do ponto de vista politico-criminal». Pode assim afirmar-se, sem rebuço de errar, que em princípio e tendo em conta o atrás exposto, só uma efectiva pena de prisão – e não a condenação subsequente numa pena de prisão suspensa ou numa pena substitutiva das elencadas no C. Penal, como é o caso presente, de uma pena de multa – é que pode gerar, por si só, a desconfiança séria e ponderosa quanto ao comprometimento irreversível dos fins punitivos que estiveram na base da primitiva suspensão da execução da pena (Cfr, neste sentido, entre outros, Acs. da Relações, do Porto de 02/12/09, no Proc. 425/06.8PTPRT.P1, de Lisboa de 24/09/15, no Proc. 4/01.6GDLSB.L1-9 e de Coimbra, de 07/04/16 no Proc. 26/14.7GCTND). Todavia, em nenhum destes arestos, nem em qualquer outro onde se expressa posição idêntica, se defende que não se pode revogar a suspensão da execução da pena nos casos em que a nova condenação do arguido é em pena não detentiva, mas apenas que, em tais situações, essa revogação deverá assumir um carácter excepcional, de onde a casuística do caso revele, sem margem para dúvidas, o falhanço da pretendida ressocialização. Por outro lado, é importante notar que nenhum dos tribunais – o da primeira e o da segunda condenação – se vinculam, um ao outro, no seu poder jurisdicional, ou seja, se nada impede o tribunal da segunda condenação de voltar a suspender a execução da pena ao arguido apesar de este ter cometido um novo crime no período de uma suspensão anterior, também esta circunstância não condiciona o tribunal da primeira condenação para, se assim entender, revogar a suspensão da execução da pena anteriormente aplicada. Nesta medida e na esteira de inúmeros arestos neste sentido, também entendemos que uma segunda condenação em pena de multa demonstra, em regra, que o tribunal da nova condenação fez ainda um juízo de prognose favorável ao arguido, o que já aconteceria se o tivesse condenado em pena efectiva de prisão. Nessa medida, a condenação do arguido durante o período de suspensão, concretizada numa pena de multa, não releva para a revogação da mesma. É certo que o arguido, à data da prolação da decisão recorrida, apenas tinha pago uma pequena parte da quantia a que estava obrigado (tendo liquidado em sede de recurso, todo o restante valor), mas não basta alegar o não pagamento por parte do arguido, sendo necessário demonstrar que tal incumprimento ocorreu por culpa deste e que esta conduta revela uma falta grosseira, que lhe é imputável, no sentido de colocar em causa os fins que estavam presentes na decisão de suspender a execução da pena (Cfr. neste sentido Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, pág. 355). Esse especial cuidado e critério na apreciação da culpa do arguido na revogação da suspensão da pena, é particularmente sensível, quando foi condicionada ao pagamento de uma importância de valor assinalável como foi aquele que, in casu, o ora recorrente foi condenado a liquidar. A revogação da suspensão da pena só deve ter lugar como última ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências previstas no Artº 55 do C. Penal, sendo necessário demonstrar, fora de qualquer dúvida, que a situação financeira do condenado lhe permitia cumprir a condição que lhe foi imposta como suspensão da execução da pena (Cfr, neste sentido, entre outros, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 12/01/11 (Proc. 5376/97.2JAPRT-B.Pl) do Tribunal da Relação de Coimbra de 06/03/13 (Proc 15/07.8GCGRD.C2) e do Tribunal da Relação de Évora de 05/03/13 (Proc. 1144/05.8TASTB.E1), todos publicados em www.dgsi.pt.). De outro modo, a não se ter este cuidado na apreciação dos factos, a decisão de revogação de uma suspensão da execução da pena poderia redundar numa prisão por dívidas, a qual, como se sabe, há que não é legalmente admitido Com o devido respeito por opinião contrária, entende-se que não foi feita a demonstração de que o incumprimento é imputável ao arguido, o mesmo é dizer, que houve culpa sua nesse incumprimento e que as finalidades da punição não puderam ser alcançadas, no sentido de se considerar aquele como uma infracção grosseira do dever a que estava o obrigado, como exige a al. a) do Artº 56 do C. Penal, para determinar a revogação da suspensão da execução da pena. Não há, na conduta do ora recorrente, aquela atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, de que fala Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 201, que justifique, com suficiência, a revogação de uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão. A apreciação da conduta do arguido não revela aquele desprezo pelas limitações da sentença condenatória, o qual, por ser revelador de desresponsabilização criminal e de desinteresse da sorte dos autos, é inconciliável com as finalidades de integração comunitária que estiveram na raiz da oportunidade de ressocialização que o tribunal lhe concedeu através da suspensão da execução da pena. Não há, da parte do arguido, pelo menos de uma forma evidente e manifesta, uma ausência absoluta de interiorização social da gravidade do seu comportamento, que evidencie um claro e grosseiro desrespeito da sua parte, de uma decisão judicial que o havia condenado a uma efectiva pena de prisão, suspensa na sua execução sob uma determinada condição. Nessa medida, não é possível afirmar que o arguido colocou em crise, de modo irreversível, a sua reintegração social e a formulação de um juízo de prognose favorável, no sentido de não voltar a delinquir e de, no futuro, pautar o seu comportamento pela conformação com as normas comunitárias. Não está demonstrado um flagrante desrespeito pela censura contida na sentença condenatória, de onde decorra uma quebra da confiança ínsita na suspensão da execução da pena. Por outro lado, se não deve ser esquecida a natureza do crime em causa, acredita-se que o juízo que esteve na base da suspensão da execução da pena de prisão ainda se mantém, tanto mais que as consequências de uma eventual revogação seriam claramente contraproducentes, nomeadamente, no que respeita à situação pessoal e familiar do ora recorrente, considerando, ainda, a sua idade e integração social e sendo sabido que não seria legalmente admissível a sua substituição por qualquer outra forma de cumprimento que não a prisão efectiva. Com efeito, como é ampla e pacificamente defendido pela doutrina e jurisprudência, a suspensão da execução da pena de prisão é, em si própria, uma pena de substituição, pelo que a sua revogação, à semelhança das demais penas de substituição, determina o cumprimento da pena principal, ou seja, como diz o nº2 do Artº 56 do C. Penal «determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença» Daí que a pena a cumprir na sequência de revogação da suspensão da execução da pena de prisão inicialmente aplicada não possa ser executada nas modalidades previstas nos Artsº 44 a 46 do C. Penal. A ponderação global dos valores em jogo e a avaliação exigida pelo Artº 56 do C. Penal, face ao circunstancialismo do caso concreto, não devem implicar a conclusão retirada pelo tribunal a quo, com profundas implicações na vida familiar e social do arguido e que não parece justificar-se, tendo conta que ainda é possível a formulação de um juízo de prognose favorável para a sua futura conduta. Nesta medida, e já não sendo legalmente admissível a prorrogação do prazo da suspensão da execução da pena e entendendo-se inexistir motivos que conduzam à sua revogação, determinar-se-á, nos termos do Artº 57 nº1 do C. Penal, a extinção da pena. Procede, deste modo, o recurso. 3. DECISÃO Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso e em consequência, revogar o despacho recorrido, determinando-se a extinção da pena aplicada nos presentes autos ao ora recorrente. Sem custas. xxx Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94, nº 2, do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários. Évora, 20 de maio de 2025 Renato Barroso Maria Gomes Perquilhas Maria José Cortes |