Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
97/25.0T8RMZ-A.E1
Relator: SÓNIA MOURA
Descritores: PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA
LEGITIMIDADE
FORÇA PROBATÓRIA
Data do Acordão: 08/12/2025
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:
1. A legitimidade para o incidente de produção antecipada de prova afere-se pelo mesmo critério previsto para a correspondente ação, isto é, serão partes legítimas no procedimento os titulares da relação material controvertida, nos termos da sua descrição efetuada pelo autor, em conformidade com o n.º 3 do artigo 30.º do Código de Processo Civil.

2. Quanto à força probatória do meio de prova produzido antecipadamente, trata-se de questão a apreciar no âmbito da futura ação, sendo certo que a prova produzida antecipadamente se encontra sujeita às regras gerais de apreciação da prova, pelo que está submetida à livre apreciação do julgador.

Decisão Texto Integral: Apelação n.º 97/25.0T8RMZ-A.E1

(1ª Secção)


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Ao abrigo do disposto no artigo 656.º do Código de Processo Civil, por se afigurar simples a questão a decidir, profere-se decisão sumária.


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I - Relatório


1. AA instaurou o presente incidente de produção antecipada de prova contra BB, peticionando a realização de perícia colegial de arbitramento, por três peritos, ao prédio urbano sito na Rua 1, n.º 1, em Vila 1, e indicando, para tanto, o seu perito e o objeto da perícia.


Para tanto, alega a Requerente que contratou o Requerido para realizar obras de remodelação no mencionado imóvel, as quais foram concluídas com vários defeitos, que foram comunicados ao Requerido, no entanto, até à presente data, não os corrigiu.


Ademais, alega a Requerente que os defeitos existentes no imóvel tendem, com o decurso do tempo, a estragar, desgastar e a alterar a conformidade dos materiais e a sua consistência, ao que acresce o facto de a Requerente pretender reparar os aludidos defeitos com a máxima urgência, uma vez que necessita de utilizar o imóvel.


Por fim, alega a Requerente que irá intentar uma ação contra o Requerido cujo pedido consistirá na indemnização correspondente ao valor da reparação dos defeitos decorrentes da má execução da empreitada no imóvel sua propriedade, acrescido do valor da compensação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da privação do pleno uso deste e que tal ação terá por fundamento o deficiente cumprimento do contrato de empreitada.


2. O Requerido pugnou pelo indeferimento da perícia, alegando que é parte ilegítima, porquanto a Requerente contratou com a sociedade «J... Construção e Reabilitação, Ld.ª».


Alega, igualmente, que a Requerente não identificou o contrato celebrado, a obra realizada, nem os alegados defeitos, sendo que os mesmos, a existirem, não se perderão no tempo, antes agravar-se-ão, ao que acresce o facto de a prova por arbitramento requerida não se encontrar prevista no Código de Processo Civil.


3. Foi proferida decisão que, concedendo provimento ao requerido, ordenou a realização da perícia.


4. Inconformado com aquela decisão, veio o Requerido interpor recurso da mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:


“1- O procedimento antecipado de prova, antes da propositura de uma ação apenas pode ser requerido contra quem vier a figurar como parte na dita ação.


2- O Recorrente seria parte ilegítima numa ação de indenização emergente de um contrato de empreitada porque nenhum contrato celebrou com a Recorrida uma ação a propor.


3- No douto despacho recorrido, convoca-se uma resolução do contrato e empreitada que não foi alegado pela Recorrida e um justo receio não assente em nenhum facto


4- A Recorrida ao intentar o presente procedimento contra a Recorrente atuou com manifesta má-fé processual pelo que deve ser condenada em multa e indemnização condigna.


5- Na decisão proferida, viola-se por erro de interpretação aplicação, o disposto nos artigos 3º, 11º, 30º, 419 e 420 º do CPC.”


5. Não foram apresentadas contra-alegações.


6. O recurso é o próprio, foi tempestivamente apresentado, e o efeito e modo de subida mostram-se corretamente fixados, nada obstando ao seu conhecimento.


II – Questões a Decidir


O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).


Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).


No caso em apreço importa apreciar se deve ser revogado o despacho que ordenou a realização da prova pericial.


III – Fundamentação


1. Os factos relevantes são os que constam do relatório que antecede.


2. A produção antecipada de prova, incidente cautelar previsto no artigo 419.º do Código de Processo Civil, destina-se a prevenir o risco de perda de meios de prova antes do momento próprio para a sua produção no âmbito da ação onde devam ser apresentados, podendo preceder a propositura desta ação ou ter lugar no seu decurso.


É, assim, requisito da produção antecipada de prova a existência de periculum in mora, embora não reportado ao objeto da ação, mas antes ao próprio meio de prova, isto é, competirá ao requerente demonstrar que o decurso do tempo é apto a tornar impossível ou dificultar gravemente a produção do meio de prova (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., Coimbra, 2024, p. 537).


Por outro lado, “não é exigível a demonstração da probabilidade da existência do direito em causa” (ibidem; no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.05.2021 (Fátima Andrade), Processo n.º 3710/20.2T8MTS-A.P1, in http://www.dgsi.pt/).


Os meios de prova que podem ser objeto desta medida cautelar são os depoimentos, a perícia e a inspeção, sublinhando-se, no que à perícia concerne, que a sua realização antecipada “pode constituir a única via para lhe conferir utilidade, tendo em conta o risco de desaparecimento ou de erosão dos elementos materiais suscetíveis de sustentar o relatório pericial” (idem, p. 536).


3. No caso em apreço começa o Requerido por sustentar que não é parte legítima, porquanto o contrato de empreitada em causa não foi celebrado consigo, mas antes com uma sociedade comercial.


No despacho sindicado escreveu-se, a este propósito, que “Na produção antecipada de prova não se exige a alegação e a demonstração da probabilidade séria da existência do direito, mas tão só do «periculum in mora» aferido pela prova que se pretende produzir, ou seja, não se exige que o Tribunal adquira a segurança completa de que o mesmo existe, bastando que a justificação apresentada pela Requerente o habilite a formar um juízo de probabilidade ou de verosimilhança.


Não é, assim, relevante neste âmbito o alegado pelo Requerido de que é parte ilegítima nestes autos, não tendo a Requerente contratado consigo e, portanto, foi incorretamente identificada a pessoa contra quem se pretende fazer uso da prova, pois tal factualidade apenas será útil na ação principal a propor.”


Sufragamos este entendimento, entendendo ser suficiente que o requerente da produção antecipada de prova descreva os factos que sustentam a pretensão a deduzir em futura ação, em moldes que tornem verosímil a existência do direito de que se arroga titular.


Ora, no requerimento inicial diz-se que:


“2. A requerente contratou o requerido para realizar obras de remodelação do imóvel identificado no art.º 1.º da presente peça processual;


3. O requerido, no exercício da sua atividade, realizou obras de remodelação do prédio identificado no artigo 1 da presente peça processual; (…)


6. Por motivos que a requerente ignora e não tem obrigação de conhecer, o requerido passou a faturar e a emitir recibos de quitação das quantias recebidas pela execução da empreitada em nome da sociedade - J... CONSTRUÇÃO E REABILITAÇÃO, LDA. NIF: ..., com sede na Estrada 1 da qual o requerido é sócio-gerente;


7. No entanto, foi com requerido que o contrato de empreitada em crise foi efetivamente celebrado e a ele que a respetiva obra foi adjudicada”.


Assim, a Requerente afirma de modo claro e inequívoco o estabelecimento da relação contratual com o Requerido, refutando, desde logo, que tenha contratado com a sociedade comercial aludida pelo Requerido.


Deste modo, para este efeito do incidente de produção antecipada de prova deve operar-se com o critério aferidor da legitimidade adjetiva que se mostra plasmado no n.º 3 do artigo 30.º do Código de Processo Civil, isto é, têm legitimidade para o incidente os titulares da relação material controvertida nos termos em que a mesma é configurada pelo autor.


No mais, isto é, quanto à força probatória do meio de prova produzido antecipadamente, trata-se de questão a apreciar no âmbito da ação a intentar pela Requerente, sendo certo que a prova produzida antecipadamente se encontra sujeita às regras gerais de apreciação da prova, pelo que está submetida à livre apreciação do julgador.


Logo, não assiste razão ao Requerido no que à legitimidade diz respeito.


4. Advoga também o Requerido que o despacho sindicado se reporta a matéria não alegada pela Requerente, concretamente, a resolução do contrato de empreitada e o justo receio.


Vejamos o que se diz no requerimento inicial:


“10. O requerido, ao não concluir efetivamente a obra e ao não reparar os defeitos, os danos e os estragos provocou e provoca prejuízos materiais e morais à requerente que a seu tempo serão revindicados nos termos legais através da competente ação judicial;


11. No entanto, os defeitos detetados tendem, com o decurso do tempo, a estragar, desgastar e alterar a conformidade dos materiais e até a própria consistência dos mesmos;


12. Os defeitos/danos/estragos causados e a imperfeita conclusão da obra carecem de uma análise às patologias detetadas no imóvel, decorrentes da deficiente execução da empreitada, a realizar por técnico(s) credenciado(s);


13. Nomeadamente, às madeiras degradadas e esburacadas pelo bicho da madeira, aos soalhos apodrecidos, às infiltrações de água, à conformidade técnica das canalizações de água e das canalizações elétricas, às humidades nos tetos e nas paredes, à degradação da pintura e dos rebocos, ao cheiro a mofo, aos bolores, e ao aparecimento de fissuras nas paredes;


14. A requerente tem justo receio que venha a perder-se a possibilidade de determinar o estado em que o primeiro requerido deixou as obras no seu imóvel; (…)


21. Acresce que requerente pretende reparar os defeitos decorrentes da deficiente execução da obra em causa com a máxima urgência;


22. Uma vez que a delonga na reparação dos defeitos de execução da empreitada está a causar à requerente grandes incómodos;


23. Necessitando esta de utilizar, nas devidas condições, o seu imóvel, para efeitos de trabalho e de lazer”.


A Requerente desenvolve, pois, no requerimento inicial, não só os factos concretos atinentes ao incumprimento do contrato de empreitada, que erige como causa de pedir em futura ação, como também os factos que suportam a sua alegação de que se não for de imediato avaliado o estado do imóvel, existe o real e sério risco de não mais ser possível proceder à aferição dos defeitos e danos que invoca.


O despacho sindicado está, assim, ancorado em factos concretos alegados pela Requerente, os quais satisfazem as exigências previstas no artigo 420.º do Código de Processo Civil.


Consequentemente, não assiste, de igual modo, razão ao Requerido quanto a esta questão.


5. Peticiona, por fim, o Requerido a condenação da Requerente por litigância de má fé.


Do exposto decorre, porém, que o recurso deve ser julgado improcedente, nada se vislumbrando na atuação processual da Requerente que seja merecedor de censura.


Deve, pois, este pedido ser julgado improcedente.


6. As custas são suportadas pelo Requerido, atenta a improcedência do recurso (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).


IV – Dispositivo


Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.


Custas pelo Recorrente.


Notifique e registe.


(Sónia Moura)