Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MARIA DOMINGAS SIMÕES | ||
| Descritores: | PRESTAÇÃO DE CONTAS OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO CABEÇA DE CASAL SALDO DISPONÍVEL DISTRIBUIÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | I. A obrigação de prestar contas decorre da obrigação de informação consagrada genericamente no artigo 573.º do CC, cuja constituição exige a verificação cumulativa de dois pressupostos: a dúvida fundada, do titular de um direito, sobre a sua existência ou o seu conteúdo; a existência de outrem em condições de prestar as informações necessárias. II. A obrigação de prestação de contas filia-se no amplo dever de informação que onera aquele que gere o que não é seu, que o obriga a dar informação detalhada das receitas e despesas efetuadas, acompanhada dos documentos justificativos (cfr. artigo 944.º, n.ºs 1 e 2); o direito de exigir que outrem lhe preste contas provém do facto desse terceiro estar investido na administração de bens que lhe não pertencem, podendo resultar da lei ou dos próprios termos do negócio celebrado. III. O artigo 2093.º faz recair sobre o cabeça de casal o dever de prestar contas anualmente. IV. Por força do disposto no n.º 3 do mesmo artigo 2093.º, na falta de acordo de todos os interessados, o cabeça de casal em inventário encontra-se obrigado a proceder à distribuição do saldo apurado, com ressalva apenas “do que for necessário para assegurar os encargos do novo ano”, o que obriga a justificar o montante reservado, integrando ainda a obrigação de prestação de contas. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 25/23.8T8ADV.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Beja Juízo de Competência Genérica de Almodôvar Relatório: (…) instaurou contra (…) a presente ação com processo especial de prestação de contas, pedindo a final que a demandada, na sua qualidade de cabeça de casal, prestasse contas da administração da herança aberta por óbito de (…), ocorrido em 14 de Agosto de 2019, e procedesse à entrega das quantias a que proporcionalmente a autora tem direito. Em fundamento alegou, em síntese, que a falecida (…) deixou em testamento todos os seus bens, móveis e imóveis, aos herdeiros testamentários (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…), que vêm, desde então, a ser administrados pela ré, na sua qualidade de cabeça de casal, a qual não tem apresentado as correspondentes contas. Citada, a Ré contestou, peça na qual arguiu a ilegitimidade da autora por preterição de litisconsórcio necessário, exceção que se mostra sanada pela intervenção dos restantes herdeiros, e, tendo reconhecido a sua obrigação de prestar contas, invocou que a mesma se mostra cumprida, porquanto, pondo a autora em causa apenas e só a proposta de distribuição do saldo relativo ao ano de 2022, tal pressupõe a aprovação das mesmas. Teve lugar audiência de julgamento em cujo termo foi proferida sentença que, na procedência da ação, julgou reconhecida a obrigação de prestação de contas por parte da Ré aos Autores entre os anos de 2019 e 2023, tendo determinado, ao abrigo do preceituado no artigo 942.º, n.º 5, do CPC, a notificação da cabeça de casal para as prestar no prazo de 20 dias, sob pena de não lhe ser permitido contestar aquelas que os Autores vierem a apresentar. Inconformada, apelou a Ré do decidido e, tendo desenvolvido na alegação apresentada os fundamentos da sua discordância, condensou-os a final nas seguintes conclusões: “a) Incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto; b) Fê-lo, quando relativamente ao ponto 3 da matéria de facto não deu como provado que “Desde então, a Ré, no exercício das funções de cabeça de casal, tem auferido receitas e incorrido em despesas”, redação que deverá ser adotada, c) bem como quando no ponto 7, deveria ter sido dado como provado que “Em 2022, na sequência da questão levantada pela requerida em distribuir metade do saldo apresentado, a requerente discordou, pugnando pela distribuição da sua totalidade”, e ainda quando d) não deu como provado que “8 – Caso a requerida tivesse distribuído a totalidade do saldo apresentado, a requerente não teria ficado com dúvidas nas contas apresentadas”, facto que deverá ser aditado. e) Errou igualmente no julgamento feito na matéria de direito. f) O Tribunal recorrido entendeu que a não apresentação dos documentos comprovativos das receitas e das despesas constitui motivo para não se considerarem as contas prestadas pela cabeça de casal como válidas. g) É inegável que a cabeça de casal não fez acompanhar os documentos justificadores das diferentes rubricas de receitas ou despesas apresentadas. h) Contudo, o Tribunal a quo descorou que a apelada, na sequência da apresentação pela apelante da conta corrente especificada, com movimentos a crédito e a débito, diz que não ficou com dúvidas caso a apelante tivesse distribuído a totalidade do saldo apresentado. i) Acrescentando que, caso a apelante tivesse distribuído a totalidade do saldo, não só não teria ficado com dúvidas, como dar-se-ia por satisfeita, nada justificando a instauração da presente ação; j) A apelada, face a descrito comportamento, renunciou à apresentação dos documentos comprovativos; ela não quer os documentos justificativos; só almeja a distribuição da totalidade do saldo. k) Renúncia que é operativa, face à disponibilidade do direito. l) Por outro lado, retira-se que a apelada não tem dúvidas fundadas acerca do conteúdo da informação da administração da herança prestada. m) A apelada, ao aceitar, sem reservas, aquele saldo em específico (note-se que é a própria que refere – “nessas contas não”) é por que aceitou e aprovou as contas apresentadas pela apelante nas referidas tabelas de excel; n) A reclamação da distribuição da totalidade daquele saldo, pressupõe a sua aprovação, e logicamente das diferentes rubricas que compõem a receita e a despesa. o) A apelada ao pedir a distribuição da totalidade daquele saldo em específico é porque não ficou com duvidas fundadas, premissa da presente ação. p) Pelo que deverá dar-se como procedente a invocada exceção peremptória de cumprimento ou , mesmo que assim não se considere, à cautela de patrocínio sempre se dirá que se mostra preenchida uma outra exceção peremptória – renúncia. q) Por último, a apelada ao vir agora, depois de ter aceite e aprovado (tanto que, repita-se, exige a distribuição da totalidade do saldo – único ponto de que discorda), bem como prescindindo da apresentação dos documentos comprovativos, alegar a sua falta (ponto 20 da resposta às excepções) para fundamentar o direito à prestação de contas, atua em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, exceção de conhecimento oficioso, que importa conhecer e julgar procedente. r) Ao assim não ter decidido, violou o Tribunal a quo os artigos 573.º e 334.º do Código Civil”. Conclui pela revogação da sentença recorrida e consequente absolvição da apelante. Não foram oferecidas contra alegações. * Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objeto do recurso, constitui questão a decidir determinar se ocorreu erro no julgamento dos factos e, em função dele, erro na aplicação do direito, devendo entender-se que a autora prestou validamente as contas da sua administração. * i. impugnação da matéria de facto Alega a recorrente que o tribunal incorreu em erro de julgamento, tendo-se limitado a dar como assente em 3 que “Desde então, a Ré tem administrado os bens que compõem a herança na qualidade de cabeça de casal”, o que é insuficiente para fundamentar a obrigação de prestar contas, devendo ser aditado que, no exercício dessas funções, tem auferido despesas e incorrido em despesas. A impugnante tem, quanto a este aspeto, razão, uma vez que resulta do acordo das partes o recebimento de receitas, tendo ainda a autora, nas declarações de parte que prestou, confirmado que nas “tabelas” envidas pela irmã e aqui ré vinham mencionadas despesas, aludindo a impostos e deslocações várias. E se é verdade que expressou dúvida quanto ao facto da cabeça de casal ter discriminado todas as receitas, ao invés do que considerou quanto às despesas, em relação às quais disse que certamente não faltava nenhuma, resultando ainda inequívoco que algumas lhe mereciam reservas, não deixou contudo de aceitar a existência de outras. Assim, e no que respeita ao impugnado ponto 3, concede-se o requerido aditamento. Pretende ainda a ré impugnante a alteração do ponto 7, em ordem a dele passar a constar que “no ano de 2002, na sequência da questão levantada pela requerida em distribuir metade do saldo apresentado, a requerente discordou, pugnando pela distribuição da sua totalidade”, aditando-se um ponto 8., com aquele conexo, e o seguinte teor: “Caso a requerida tivesse distribuído a totalidade do saldo apresentado, a requerente não teria ficado com dúvidas nas contas apresentadas”. Em fundamento da sua pretensão modificativa indicou as passagens das declarações prestadas pela autora, que localizou e transcreveu. Antes de mais, e a respeito do valor probatório das declarações prestadas pela autora, importa esclarecer que às mesmas não pode ser atribuído valor de confissão. Com efeito, vista a ata relativa à sessão da audiência que teve lugar no dia 20 de Fevereiro, na qual foram ouvidas em declarações de parte autora e ré, verifica-se que nada ficou dela a constar como correspondendo a assentada. Ora, sendo entendimento jurisprudencial constante, de que não se conhece divergência, o de que as declarações confessórias da parte, para valerem como confissão, terão de ser reduzidas a escrito, “a desconsideração dessa formalidade implica que a declaração confessória da parte, mesmo que se encontre gravada, ao invés de ter o valor probatório de prova plena contra o confitente, que lhe atribui o n.º 1 do artigo 358.º do CC, passa a ser livremente apreciada pelo tribunal, nos termos do n.º 4 do mesmo normativo e ainda do artigo 361.º da mesma codificação, que rege sobre o valor do reconhecimento não confessório de factos desfavoráveis” (acórdão deste TRE de 15/12/2022, no processo n.º 378/17.5T8CTX.E1, acessível em www.dgsi.pt). Feito tal prévio, mas cremos que necessário, esclarecimento, e sem pôr em causa a fidelidade da transcrição que pela recorrente foi feita das passagens julgadas relevantes das declarações prestadas pela autora, ouvidas que foram na sua totalidade, não vemos razão, antecipa-se, para alterar a decisão proferida. Com efeito, da sua audição integral resultou evidente que a declarante tem dúvidas quanto à divulgação pela cabeça de casal da totalidade das receitas e despesas da herança, tendo declarado e repetido diversas vezes que não sabe de nada. Perguntada a respeito dos rendimentos da herança, tendo reconhecido que o único imóvel que integra atualmente o acervo hereditário se encontra arrendado e das tabelas enviadas consta informação das rendas recebidas, quanto ao mais, e designadamente no que se refere a uns certificados de aforro, eventualmente geradores de juros, declarou não saber, “até agora não sei o que é que há da herança, até agora nada sei”, tendo ainda declarado não saber se existem seguros que constituem encargo da herança ou que outras despesas existirão. Faz-se ainda notar que, tendo embora reconhecido que a sua discordância incidiu sobre a proposta de distribuição dos dinheiros acumulados feita pela irmã e aqui ré, no seguimento da instância da Sra. Juíza que vem transcrita pela apelante, não deixou a autora de acrescentar que “Se me apresentassem as contas como deviam de ser não tinha dúvidas”. E tendo a Sra. Juíza insistido se apresentar as contas como deviam de ser implicava distribuir a totalidade da quantia acumulada, respondeu “É dizer o que há e dividir as coisas por todos”, evidenciando a subsistência de dúvida sobre as informações prestadas pela cabeça de casal. Face ao teor das declarações prestadas, apreciadas na sua globalidade, não se vê que imponham a modificação da decisão proferida sobre os factos nos termos preconizados pela apelante, improcedendo, neste segmento, a impugnação deduzida. * II. Fundamentação De facto Estabilizada, é a seguinte a factualidade a atender: 1. (…) faleceu no dia 14 de Agosto de 2019; 2. Fez testamento, no qual deixou todos os seus bens, móveis e imóveis, a (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…) – Autores e Ré nestes autos; 3. Desde então, a Ré tem administrado os bens que compõem a herança na qualidade de cabeça-de-casal, recebendo receitas e incorrendo em despesas; 4. A Ré enviou aos demais herdeiros e, concretamente quanto à Autora (…), por e-mail, nos dias 15 de Agosto de 2021 e 31 de Agosto de 2022, tabelas das quais constavam inscrições com a denominação «crédito» e «débito»; 5. Tais tabelas não foram acompanhadas dos respectivos documentos comprovativos; 6. No dia 4 de Março de 2023 no caso do herdeiro (…) e 9 de Março de 2023, no caso das herdeiras (…), (…), (…) e (…) assinaram um documento no qual se lê que declaram: «-ter recebido de (…) as contas da administração da herança de (…), prestadas desde 15/08/2019 até 22/08/2022, onde figuram um crédito no valor total de € 37.799,69 e, a débito, um valor global de € 17.733,30, com um saldo líquido de € 20.066,39; - as aceitou e aprovou; - aceitou que fosse distribuído a quantia global de € 8.000,00 (oito mil euros), cabendo-lhe € 1.000,00 (mil euros), de que deu quitação». 7. A Autora … discordou da proposta de distribuição de saldo efectuada pela Ré em 2022. * De Direito Da obrigação da prestação de contas e do seu (in)cumprimento A autora instaurou a presente ação visando impor a sua irmã, aqui ré, a qual, na sequência do óbito da tia comum (…), falecida no dia 14 de Agosto de 2019, assumiu o cabeçalato, vindo desde então a administrar a herança, que prestasse aos demais herdeiros as devidas contas. Nos termos do artigo 941.º do CPC, a ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las, tendo por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se. Face ao dispositivo da lei, têm legitimidade para instaurar a ação de prestação de contas, quer o onerado com a sua prestação, quer aquele que tem o direito de as exigir, sendo seu pressuposto a administração de bens alheios de que tenha resultado a realização de receitas e a obtenção de despesas, e tendo por finalidade o apuramento de um saldo que é desconhecido. A obrigação de prestar contas, conforme a nosso ver com acerto se observou na decisão apelada, decorre de uma obrigação de carácter mais geral e que é a obrigação de informação consagrada genericamente no artigo 573.º do CC, concordando doutrina e jurisprudência que “a constituição dessa obrigação de informação exige a verificação cumulativa de dois pressupostos: a dúvida fundada, do titular de um direito, sobre a sua existência ou o seu conteúdo; a existência de outrem em condições de prestar as informações necessárias (artigo 573.º do Código Civil)”. Tem-se, pois, por assente que, por um lado, a obrigação de prestação de contas se filia no amplo dever de informação que onera aquele que gere o que não é seu, que o obriga a dar informação detalhada das receitas e despesas efetuadas, acompanhada dos documentos justificativos (cfr. artigo 944.º, n.ºs 1 e 2) e, por outro, que o direito de exigir que outrem lhe preste contas provém do facto desse terceiro estar investido na administração de bens que lhe não pertencem, podendo resultar da lei ou dos próprios termos do negócio celebrado, assentando na ideia básica de que quem administra os bens estará em posição de saber e provar quais os créditos e as despesas da sua administração. O artigo 2093.º faz recair sobre o cabeça de casal o dever de prestar contas anualmente, prevendo o n.º 3 que, havendo saldo positivo, “é distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano”. Face ao assim preceituado, resulta evidente que as contas alegadamente prestadas pela apelante não observaram o formalismo legal, fazendo-se ainda notar que o disposto no agora transcrito n.º 3 do preceito não autoriza a cabeça de casal a proceder à distribuição do saldo quando quiser e na medida que entender, antes impondo, na falta de acordo de todos os interessados, a sua distribuição, com ressalva apenas “do que for necessário para assegurar os encargos do novo ano”, obrigando assim a justificar o montante reservado. O que não se verificou no caso em apreço, donde assistir razão à autora quando exerceu o seu direito à prestação de contas pela cabeça de casal, nada havendo a censurar à sentença recorrida, que o reconheceu. Argumenta a apelante que, tendo a autora aprovado as contas tal como foram apresentadas, renunciou à apresentação dos documentos de suporte, renúncia que se deverá ter como válida; quando assim se não entenda, incidindo a discordância apenas sobre a distribuição do saldo, o que pressupõe a aprovação das contas, sempre teria de se considerar que atua em abuso de direito. No que respeita à alegada renúncia, não tendo sido arguida pela ré na contestação, atendendo ao princípio da concentração da defesa consagrado no artigo 573.º do CPCiv, precludida ficou a sua invocação. Acresce que, estando vedado a este Tribunal de recurso conhecer de questões novas, não colocadas perante a 1ª instância, o conhecimento desta nova exceção perentória encontra-se subtraído aos poderes de cognição deste Tribunal, pelo que sobre ela não nos pronunciaremos. Finalmente, e no que respeita à exceção do abuso de direito, sendo de conhecimento oficioso, sempre este tribunal estaria vinculado a pronunciar-se sobre a mesma, atendendo a que a apelada teve oportunidade de exercer o contraditório nas contra alegações. Vejamos, então, se a factualidade apurada permite concluir que a autora exerce abusivamente o seu direito. Nos termos do artigo 344.º, o exercício de um direito é ilegítimo quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico destes. O abuso, sendo um instituto puramente objetivo, não dependente da culpa do agente nem da verificação de qualquer elemento específico subjetivo, surgindo como concretização da boa fé, apresenta-se afinal como uma “constelação de situações típicas em que o Direito, por exigência do sistema, entende deter uma actuação que, em princípio, se apresentaria como legítima”[1]. “Dizer que, no exercício dos direitos, se deve respeitar a boa-fé, equivale a exprimir a ideia de que, nesse exercício, se devem observar os vectores fundamentais do próprio sistema que atribui os direitos em causa”[2]. Uma das modalidades em que se concretiza a figura é a do “venire contra factum proprium”, por violação do princípio da confiança, e que se pode basicamente delinear como sendo o caso de o direito ser exercido contra alguém que, com base em convincente conduta, positiva ou negativa de quem o podia exercer, confiou em que tal exercício não ocorresse e programou em conformidade a sua actividade. Dir-se-á, nessa hipótese, que o titular do direito opera o seu exercício no confronto de outrem depois de a este fazer crer, por palavras ou actos, que o não exerceria, ou seja, depois de gerar uma situação objectiva de confiança em que ele não seria exercido”[3]. De volta ao caso dos autos, verifica-se que nada no acervo factual apurado permite afirmar que a autora veio a juízo exigir da cabeça de casal a prestação de contas, quando com elas tinha concordado e previamente aprovado. Pelo contrário, os factos provados revelam que a apelante não observou, nas contas que prestou, o formalismo que a lei impõe, desde logo pela omissão da apresentação dos documentos de suporte, que permitem o controlo das receitas e despesas efetuadas. Depois, reteve quantia superior a 50% dos saldos acumulados sem justificação bastante, a qual se torna essencial quando se considere que, a fazer fé no alegado e não desmentido, a herança não tem conta bancária, processando-se todos os movimentos em conta titulada pela cabeça de casal em seu nome pessoal, sendo que a discordância quanto à distribuição das quantias acumuladas seria suscetível, por si, de fundamentar o pedido de prestação de contas. Em suma, verificando-se que a arguição do abuso de direito assentou num pressuposto de facto que não se verificou, ou seja, que a autora tinha aprovado as contas, ainda que implicitamente, reclamando apenas da distribuição dos saldos acumulados, impõe-se concluir pela sua improcedência. Improcedentes os fundamentos recursivos, é de manter a sentença recorrida, a despeito da modificação introduzida ponto 1 dos factos assentes. * III. Decisão Acordam os juízes da 2ª secção cível em julgar improcedente o recurso, mantendo a sentença recorrida. Custas a cargo da apelante, que decaiu (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). * Sumário: (…) * Évora, 30 de Outubro de 2025 Maria Domingas Simões Vítor Sequinho dos Santos Isabel de Matos Peixoto Imaginário __________________________________________________ [1] Na síntese do Prof. Menezes Cordeiro, “Do abuso do direito: estado das questões e perspectiva”, ROA 2005, ano 65, vol. II, acessível on line. [2] Idem. [3] Ac. do S.T.J., de 20/02/06, proc. n.º 06B2110, em www.dgsi.pt. |