Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1918/24.0T8PTM.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
DIFERIMENTO DE DESOCUPAÇÃO DE IMÓVEL
OPOSIÇÃO
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Sumário: 1. Independentemente do juízo que se realize acerca da aplicabilidade da actual redacção do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 13/2019, de 12/02, aos contratos pré-existentes, se foi concedido um prazo de renovação de cinco anos, idêntico ao prazo de duração inicial do contrato, deve ser considerada válida a oposição à renovação do contrato de arrendamento para habitação comunicada pelo senhorio.
2. Da actual redacção do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil resulta que o prazo de renovação deverá respeitar o mínimo de três anos, podendo ser superior, neste caso de cinco anos, se esse tiver sido o prazo estipulado para a duração inicial do contrato.
3. A suspensão e diferimento da desocupação do locado, à qual se aplica o regime previsto nos artigos 863.º a 865.º do Código de Processo Civil, é um incidente aplicável à fase de execução da decisão de despejo.
4. O diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação por razões sociais imperiosas, só pode ser concedido desde que se verifique algum dos fundamentos previstos nas duas alíneas do artigo 864.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
5. O fundamento previsto na alínea a) do n.º 2 do referido artigo 864.º, tem carácter excepcional, não comportando aplicação analógica, nem admitindo interpretação extensiva aos casos em que a cessação do contrato de arrendamento ocorre por oposição à renovação do contrato pelo senhorio.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Sumário: (…)



Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Central Cível de Portimão, (…) demandou (…), pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a fracção autónoma identificada nos autos, a sua restituição à posse da A., a indemnização pelos prejuízos resultantes do seu uso ilegítimo, nos termos do artigo 1045.º, n.º 2, do Código Civil, no valor de € 620,00 mensais, desde a data do termo do contrato até à restituição livre de pessoas e bens.
Alegou a celebração de um contrato de arrendamento habitacional com a Ré, em 28.05.2014, e a oposição à renovação do contrato que ocorreria em Maio de 2024.
Na contestação, a Ré alega ser idosa e doente, não tendo outro local onde morar. Pede prazo adicional para a desocupação do locado e a estipulação de uma compensação justa e adequada, mensal, calculada com base na renda mensal estipulada no contrato, pelo período de ocupação.
Após audiência prévia, a sentença decidiu o seguinte:
a) condenar a Ré a, no prazo de dois meses, entregar, livre de pessoas e bens, à A. a fracção autónoma identificada nos autos;
b) condenar a Ré a proceder ao pagamento à A. de indemnização até efectiva entrega no valor de € 310,00 por mês.

Inconformada, a Ré recorre e conclui:
1. A ora Recorrente não se conforma com a Douta sentença proferida pela Mma. Juiz do Tribunal a quo, que julgou parcialmente procedente a acção instaurada contra si.
2. Na douta sentença ora colocada em crise, entendeu o MM. Juiz do Tribunal a quo que “Não se tendo renovado o contrato, a ré deixou de ter título para se manter a habitar a fracção “P” desde 1 de Junho de 2024. Com efeito, findo o contrato, o arrendatário tem a obrigação de restituir a coisa – artigo 1038.º, alínea i), do mesmo Código”.
3. Entendeu o tribunal a quo “Condenar a ré (…) a, no prazo de dois meses, entregar, livre de pessoas e bens, à autora (…) a fracção autónoma designada pela letra “P” destinada a habitação, tipologia T1.
4. Não teve o tribunal a quo em consideração um direito que é legitimo e está consagrado constitucionalmente.
5. O que aqui está em causa é o direito à habitação da recorrente, direito este consagrado constitucionalmente no artigo 65.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
6. A recorrente, embora não tenha conseguido entregar o locado no prazo previsto, manteve sempre a procura activa de nova habitação e continuou a cumprir com os pagamentos da renda à recorrida, mantendo assim a relação contratual de facto.
7. A recorrente sempre informou a recorrida da sua dificuldade em encontrar nova casa para habitar e nunca isso demoveu a recorrida, nem sequer deu a hipótese de entrar em acordo com a recorrente, alargando o prazo de entrega, alegando que “não era a Santa Casa da Misericórdia”.
8. Embora este seja um facto evidente, não deixa de ser evidente também, que a recorrente de tudo tem feito ao seu alcance, para conseguir um novo arrendamento dentro das suas possibilidades.
9. Inclusive o fato de estar inscrita para o Arrendamento Apoiado junto do Município de Albufeira.
10. Razão pela qual a recorrente pede mais prazo para a entrega do imóvel, como se demonstrou na tentativa de acordo que se designou pelo tribunal a quo.
11. O tribunal a quo, não teve todos esses factos em consideração, decidindo um prazo de 2 meses para entregar o imóvel, quando perante os factos apresentados é consabido que será manifestamente insuficiente.
12. A derradeira oportunidade de que a recorrente dispõe para não se tornar sem abrigo, foi única exclusivamente desconsiderada.
13. O direito à habitação de que a mesma dispõe, foi-lhe coarctado, não assiste à Recorrente o direito a uma habitação, com dignidade?
14. Ocorre questionar, um cidadão que se encontra nas condições acima descritas, deverá ser despejado da sua residência?
15. Há uma colisão de direitos, qual deverá ser o direito a prevalecer, o direito à propriedade da Recorrida ou o direito à habitação com dignidade da Recorrente?
16. A Recorrente é uma pessoa de idade avançada, portadora de graves doenças, que a limitam no seu dia a dia, se a mesma for despejada, isso constituiria uma verdadeira sentença de morte para a Recorrente, como decorre da experiência da vida, da qual os tribunais não se devem afastar.
17. O bem a que o legislador concede maior protecção é a vida e a dignidade da vida humana.
18. Portugal é um estado de direito, artigo 2.º da CRP, assente na dignidade da pessoa humana.
19. Retirar a Recorrente da habitação face ao quadro clínico que apresenta equivale a decretar-lhe antecipadamente o atestado de óbito, pois impede-a de terminar a sua vida com a dignidade a que todo o ser humano tem direito, o que colide com os princípios basilares no nosso ordenamento jurídico, assentes na dignidade da pessoa humana, e do direito comunitário, sendo o Estado Português signatário dessas convenções.
20. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reconhece um amplo catálogo de direitos aos cidadãos e residentes na União, a Carta inclui direitos civis e políticos, direitos económicos, sociais e culturais, onde se inclui fazer cumprir a lei e as garantias consagradas no direito internacional, com o qual o nosso país se comprometeu, onde se inclui a garantia que nenhuma pessoa ficará sujeita à condição de sem-abrigo em resultado de um desalojamento ou despejo.
21. O que se pretende é proporcionar à recorrente é um final de vida com dignidade e sem riscos de vida antecipados, o que sucederá se o despejo se concretizar no prazo estipulado na douta sentença, conforme decorre da experiência da vida.
22. A Recorrente não dispõe de outro imóvel para habitar nem tem capacidade económica para fazer face às rendas altíssimas e abusivas que actualmente se praticam, o que lhe causa grande aflição e sofrimento.
23. O direito da Recorrente prevalece sobre o direito da Recorrida, entendimento que encontra suporte na legislação a que atrás se fez referência, cumprindo destacar que as Convenções que versam os Direitos Humanos, quando confrontados, com situações como a presente, decidem invariavelmente a favor da dignidade da pessoa humana em detrimento do direito de propriedade, direito que é atendível, é certo, mas quando confrontado com o direito à vida e dignidade da pessoa humana deverá ceder.
24. A dignidade do ser humano constitui não só um direito fundamental em si mesmo, mas também a própria base dos direitos fundamentais.
25. A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 consagrava a dignidade do ser humano no seu preâmbulo: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.
26. E no acórdão de 9 de Outubro de 2001, no processo C-377/98, Países Baixos contra Parlamento Europeu e Conselho, Colect. 2001, pág. I-7079, nos pontos 70 a 77, o Tribunal de Justiça confirmou que o direito fundamental à dignidade da pessoa humana faz parte do direito da União.
27. Resulta daí, que nenhum dos direitos consignados na presente Carta poderá ser utilizado para atentar contra a dignidade de outrem e que a dignidade do ser humano faz parte da essência dos direitos fundamentais nela consignados.
28. Não pode, pois, ser lesada, mesmo nos casos em que um determinado direito seja objecto de restrições.
29. O alegado em sede de contestação e documentos clínicos e probatórios da procura activa de habitação, juntos aos autos não mereceram por parte do tribunal a quo qualquer tipo de pronúncia, uma vez que aquele tribunal o entendeu como “matéria irrelevante, de mera impugnação, repetida, conclusiva ou de direito”.
30. Incorreu a Douta sentença na violação do disposto nos artigos 2.º e 8.º e seguintes da C.R.P. e artigos 2.º, 6.º, 8.º e 25.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, entre outros, motivo pelo qual a douta decisão ora posta em crise se mostra, assim inquinada, devendo, pois, ser revogada a mesma e concedido à Recorrente, um prazo não inferior a pelo menos seis meses, atenta o supra referido.
31. De forma a que sejam garantidos os direitos fundamentais da Recorrente, a uma habitação digna, ou à oportunidade para a conseguir, tendo mais prazo para o efeito.
Termos em que, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser concedido integral provimento ao recurso interposto e revogada parcialmente a douta sentença, substituindo por outra que conceda um prazo não inferior a seis meses para entrega do imóvel.

Não foi oferecida resposta.
As partes foram notificadas, por despacho do Relator, para se pronunciarem acerca da natureza imperativa do prazo de renovação do contrato de arrendamento habitacional, de três anos, previsto no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na versão introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12/02.
Apenas a Ré veio aos autos, pugnando pela renovação automática do contrato de arrendamento por períodos de três anos, pelo que o pedido da Autora deve ser julgado improcedente.
Cumpre-nos agora decidir.

O elenco fáctico provado foi assim estabelecido:
1. A Autora é a actual dona e legítima proprietária da fracção autónoma designada pela letra “P” destinada a habitação, tipologia T1, no 2º andar, do prédio sito na Rua do (…), Lote 33-A, freguesia de (…), concelho de Albufeira, descrita na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…) e inscrita na matriz predial da respectiva freguesia com o artigo (…).
2. Em 28 de Maio de 2014, por documento escrito e assinado pelas partes, a Autora cedeu o gozo e fruição da fracção autónoma acima identificada à Ré, mediante o pagamento de uma renda, destinando a mesma para habitação.
3. O contrato foi celebrado com duração limitada, pelo prazo de 5 (cinco) anos, com início em 01 de Junho de 2014 e termo em 31 de Maio de 2019, renovando-se automaticamente no seu termo por períodos de 1 (um) ano, sem prejuízo do direito de as partes se oporem à sua renovação.
4. Sendo que a renda se computava, depois das actualizações legais, em € 310,00, mensais, a qual deveria ser paga por transferência ou depósito bancário no NIB indicado no contrato, até ao dia 12 do mês imediatamente anterior àquele a que dissesse respeito.
5. A Autora por carta registada com aviso de recepção, datada 30 de Outubro de 2023, comunicou à Ré a sua oposição à renovação automática do contrato de arrendamento, cumprindo assim o prazo legal estipulado (antecedência mínima de 120 dias relativamente à data do seu termo inicial ou das suas renovações).
6. Findo o prazo estabelecido, a autora não deu o seu consentimento, por qualquer forma, de ocupação/uso da fracção em causa.
7. Findo o prazo da duração do contrato – 31 de Maio de 2024 – a fracção não foi entregue pela Ré devoluta de pessoas e bens.
8. Devido à presença da Ré, a Autora está impedida de gozar exclusivamente a sua fracção.
9. À Ré foi-lhe atribuída uma comparticipação de ajuda de habitação pelo Município de Portimão e que essa mesma entidade efectua depósitos directos para a conta da Autora. Quanto ao restante valor em falta relativamente às rendas são efectuados pela Ré depósitos autónomos na conta da Caixa Geral de Depósitos, não se mostrando até ao momento valores em dívida.

Aplicando o Direito.
Da renovação do contrato de arrendamento para habitação
Acerca da discussão sobre a natureza do prazo de renovação do contrato de arrendamento habitacional previsto no artigo 1096.º, n.º 1, segunda parte, do Código Civil, na versão introduzida pela Lei n.º 13/2019, reconhece-se que a jurisprudência sobre a aludida norma não é uniforme, mas a orientação dominante no Supremo Tribunal de Justiça afirma o seu carácter imperativo.
De acordo com esta orientação, podem as partes convencionar a não renovação do contrato, mas admitindo essa renovação, esta deverá ter uma duração mínima de três anos (mesmo que o prazo de duração inicial do contrato seja inferior, pois o artigo 1095.º, n.º 2, permite prazos de duração inicial não inferior a um nem superior a 30 anos; contudo, tendo sido estipulado um prazo de duração inicial inferior a três anos, a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produzirá efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data – artigo 1097.º, n.º 3, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 13/2019).
Neste sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça nos seguintes Acórdãos, indicados a título meramente exemplificativo e publicados no endereço da DGSI:
· de 17.01.2023 (Proc. n.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1);
· de 20.09.2023 (Proc. n.º 3966/21.3T8GDM.P1.S1) – com o voto de vencido do Cons.º Jorge Arcanjo;
· de 12.12.2024 (Proc. n.º 138/20.8T8MDL.G1.S1);
· de 13.02.2025 (Proc. n.º 907/24.0YLPRT.L1.S1) – com o voto de vencido da Cons.ª Maria de Deus Correia;
· de 13.03.2025 (Proc. n.º 1395/24.6YLPRT.L1.S1) – também com o voto de vencido da Cons.ª Maria de Deus Correia;
· de 03.07.2025 (Proc. n.º 1482/24.0YLPRT.L1.S1);
Esta é também a posição dominante nesta Relação de Évora, manifestada nos seus Acórdãos de 10.11.2022 (Processo n.º 126/21.7T8ABF.E1), também de 10.11.2022 (P. 983/22.0YLPRT.E1), de 25.01.2023 (Proc. n.º 3934/21.5T8STB.E1), de 18.12.2023 (Proc. n.º 607/22.5YLPRT.E1), de 08.02.2024 (Proc. nº 1120/23.9YLPRT.E1), de 11.07.2024 (Proc. nº 39/24.0YLPRT.E1), e de 16.01.2025 (Proc. n.º 78/24.1T8LAG.E1), todos publicados na página da DGSI.
Para os que seguem a linha jurisprudencial que nega esse carácter imperativo ao artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, o uso da expressão “salvo estipulação em contrário” significa a possibilidade de as partes convencionarem prazos de renovação distintos dos nele previstos, designadamente de duração inferior a três anos.
Seguindo esta interpretação, cita-se, por todos, o Acórdão da Relação do Porto de 09.10.2023 (Proc. n.º 1467/22.1YLPRT.P1), igualmente publicado na página da DGSI.
O caso dos autos tem, porém, uma especificidade que importa ponderar: foi celebrado no tempo da anterior redacção da norma que estamos a discutir, pelo prazo de cinco anos, com início em 01.06.2014 e termo em 31.05.2019, estipulando-se a renovação automática no seu termo por períodos de um ano, sem prejuízo do direito de as partes se oporem à sua renovação.
Nesta Relação tem sido defendido – embora de forma não unânime – o seguinte:
1. “A Lei n.º 13/2019, na parte em que introduziu uma nova redacção ao artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, não tem eficácia retroactiva pelo que não impôs o alargamento dos prazos de renovação acordados pelas partes ao abrigo da lei antiga.
2. A Lei n.º 13/2019 não se abstrai do facto que dá origem à relação jurídica, pois continua a permitir, nos novos contratos de arrendamento para habitação, que as partes estipulem a não renovação do contrato, não ocorrendo assim a excepção prevista no artigo 12.º, n.º 2, segunda parte, do Código Civil.
3. Nada justifica que, após duas renovações por prazos anuais ocorridos ao abrigo da lei antiga, se sigam renovações por prazos mais alargados, de três anos, ao contrário do que foi expressamente estipulado pelas partes” – Acórdão de 07.03.2024 (Proc. n.º 780/23.5YLPRT.E1), com o mesmo Relator do presente e tirado por maioria.
Em sentido idêntico, o Acórdão de 12.07.2023 (Proc. n.º 786/22.1T8PTM.E1), também tirado por maioria.

Expostos os termos da discussão, resulta dos autos que o prazo inicial do contrato teve o seu termo num momento em que a actual redacção do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil já estava em vigor, e a comunicação da não renovação do contrato foi efectuada para o termo do quinto ano de renovação do contrato.
Ora, independentemente do juízo que se realize acerca da aplicabilidade da nova lei aos contratos celebrados ao abrigo da anterior lei, é preciso notar que foi concedido um prazo de renovação de cinco anos, idêntico ao prazo de duração inicial do contrato.
Sendo assim, mesmo para os que defendem a aplicação da Lei n.º 13/2019 aos contratos pré-existentes, o prazo de renovação deverá respeitar o mínimo de três anos, podendo ser superior, neste caso de cinco anos, se esse tiver sido o prazo estipulado para a duração inicial do contrato – foi esta a solução que se adoptou no Acórdão desta Relação de Évora de 16.01.2025, supra citado.
Daí que não vislumbre ilegalidade na oposição à renovação do contrato efectuada pela senhoria, pois foi concedido um prazo de renovação do contrato idêntico ao da duração inicial do contrato e superior aos três anos previstos na actual redacção do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil.

Nas suas alegações, a Ré pede o diferimento do prazo de desocupação do locado pelo prazo de seis meses.
O artigo 15.º-M do NRAU – Lei n.º 6/2006, de 27/02 – estipula que à suspensão e diferimento da desocupação do locado aplicam-se, com as devidas adaptações, o regime previsto nos artigos 863.º a 865.º do Código de Processo Civil.
Trata-se de um incidente aplicável à fase de execução da decisão de despejo, mas há a notar que o artigo 864.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ao regular o diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação por razões sociais imperiosas, só pode ser concedido desde que se verifique algum dos fundamentos previstos nas alíneas do respectivo n.º 2, ou seja:
a) “Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção;
b) Que o arrendatário é portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %”.
Quanto à alínea b), nada está comprovado, ainda, nos autos, e quanto à alínea a), deve afirmar-se que a mesma tem carácter excepcional, não comportando aplicação analógica, nem admitindo interpretação extensiva aos casos em que a cessação do contrato de arrendamento ocorre por oposição à renovação do contrato pelo senhorio.
Como se afirmou no Acórdão da Relação do Porto de 08.04.2024 (Proc. n.º 22142/23.4T8PRT.P1, publicado na DGSI), “a diversa causa de cessação do contrato de arrendamento é bastante para que se justifique e compreenda o também diverso tratamento das possibilidades de diferimento da desocupação, tendo o legislador optado por uma protecção do locatário no caso de resolução por falta de pagamento de rendas – caso único em que a sua situação económica pode justificar tal diferimento –, diversa da aplicável a outras causas de cessação do contrato”.
No mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Guimarães de 04.05.2023 (Proc. n.º 799/21.0T8VNF-C.G1) e da Relação de Coimbra de 11.12.2024 (Proc. 3188/24.1T8LRA.C1), publicados no mesmo local.
De todo o modo, está em causa um incidente aplicável à fase de execução do despejo, pelo que nesse local se tratará do efectivo preenchimento dos requisitos do n.º 2 do artigo 864.º do Código de Processo Civil, em especial da sua alínea b).

Para terminar, o direito à habitação tem natureza programática, dirigindo-se ao Estado, que o assegura através de diversos instrumentos. Apesar daquele “direito ser um direito fundamental, de natureza social, o mesmo não pode ser conseguido à custa da violação da lei e de direitos legítimos de outrem, sendo o assegurar daquele direito incumbência do Estado, não de particulares” – Acórdão da Relação do Porto de 23.09.2024 (Proc. n.º 2018/23.6YLPRT.P1).
As dificuldades de natureza social e da saúde da Ré são atendíveis, mas a tarefa de garantia do seu direito à habitação assiste ao Estado.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 2 de Outubro de 2025
Mário Branco Coelho (relator)

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho (com a seguinte declaração de voto)
Voto a decisão, mantendo, no entanto, a posição já assumida no processo n.º 786/22.1T8PTM.E1, designadamente no ponto IV do sumário ali vertido, por a solução aqui alcançada, corresponder àquela que considero ser justa e adequada para a solução do caso concreto.

Maria Domingas Simões (vencida, apresentando a seguinte declaração)
Vencida quanto ao 1º segmento decisório
Reconhecendo embora as muitas dificuldades interpretativas colocadas pelo artigo 1096.º do CC e a valia da argumentação que fez vencimento, afigura-se que, tal como decidido no aresto deste mesmo TRE de 8/2/2024 (processo n.º 1120/23.9YLPRT.E1) por mim relatado, na esteira do acórdão do STJ de 20/9/2023 (processo n.º 3966/21.3T8GDM-P1.S1), ambos acessíveis em www.dgsi.pt, que incidiu sobre caso em tudo idêntico ao que nos ocupa, “Tendo o contrato sub judice a duração inicial de cinco anos, com início em 01.01.2015 e termo em 31.12.2019, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, que ocorreu em 13.02.2019 (artigo 16.º da Lei), o prazo de renovação aplicável passou a ser o determinado pela nova redação”. Deste modo, não se opondo o legislador à fixação de um prazo de renovação inferior ao inicialmente previsto para a duração do contrato, impede contudo que seja estipulado um prazo inferior a 3 anos, caso em que será este o aplicável. Tal como se verifica ter ocorrido no caso dos autos.
Do entendimento expresso resulta que o contrato ajuizado, por se encontrar a decorrer a segunda renovação, teria a sua vigência estendida até 2025.