| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | SÓNIA MOURA | ||
| Descritores: | PROMITENTE-COMPRADOR TRADIÇÃO DA COISA POSSE DETENÇÃO EMBARGOS DE TERCEIRO | ||
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| Data do Acordão: | 10/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
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| Sumário: | Sumário: 1. No caso do promitente comprador beneficiário da tradição da coisa, a existência de posse, por oposição à mera detenção, radica na definitividade da entrega, isto é, na sua irreversibilidade, significando que o promitente vendedor se desligou da coisa, que passou a considerar como sendo já do promitente comprador, apesar de não ter ainda ocorrido a formalização do negócio. 2. Se, porém, na data em que o Embargante iniciou a ocupação do imóvel estavam inscritas duas penhoras sobre o mesmo, tendo sido acordada a venda “livre de quaisquer ónus, encargos ou de responsabilidades”, e se a sociedade Embargada nunca deu conhecimento destas penhoras ao Embargante, não pode afirmar-se que aquela entrega o tenha sido a título definitivo, logo, não há aqui posse, mas mera detenção. (Sumário da responsabilidade do Relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil) | ||
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| Decisão Texto Integral: | *** Apelação n.º 1124/25.7T8STB-B.E1 (1ª Secção) *** I - Relatório 1. AA deduziu os presentes embargos de terceiro, por apenso ao procedimento cautelar de arresto que BB instaurou contra CC, Construções Unipessoal, Lda., pedindo que seja ordenado o levantamento do arresto decretado sobre o prédio urbano correspondente a um terreno para construção, sito em Local 1, lote 14 - Vila 1, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o n.º 5853. Alegou o Embargante que celebrou com a sociedade Embargada, em 12.10.2022, um Contrato Promessa de Compra e Venda de Bem Futuro, no qual a sociedade Embargada prometeu vender, e o Embargante prometeu comprar, uma moradia, de tipo unifamiliar, para habitação, com área total de 142,28 m2, ainda por construir, no prédio urbano correspondente a um terreno para construção, sito em Local 1, Lote 14, ... Vila 1, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 9400, da união da freguesias de Vila 1), concelho e distrito de Cidade 1, e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o n.º 5853, pelo valor global de € 465.000,00. Nesse mesmo dia, o Embargante pagou, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 232.500,00. Entretanto, o Embargante foi procedendo a reforços do sinal e a pagamentos a fornecedores da sociedade Embargada, para que a obra prosseguisse, em termos de, ao momento, já ter pago a quantia de € 449.859,54. Em aditamento ao CPCV celebrado em 20.03.2023, as partes acordaram em reduzir o valor da venda para € 460.000,00, pelo que só falta pagar a importância de € 10.140,46, o que deveria suceder no ato da celebração da escritura de compra e venda. No dia 19.04.2024, a sociedade Embargada procedeu à entrega das chaves da moradia construída no terreno acima identificado, tendo o Embargante passado a habitar na mesma. Durante o mês de outubro de 2024, o Embargante tomou conhecimento que a licença de utilização para o imóvel estava em vias de ser emitida pela Câmara Municipal de Cidade 1, sendo esse o último elemento necessário para que fosse possível a outorga da escritura de C/V. Na sequência de ter solicitado à Empresa de mediação que o assessorava que diligenciasse pela marcação da escritura de CV, esta, no dia 25.10.2024, após consulta simplificada do registo predial, informou o Embargante que o imóvel se encontrava onerado com quatro penhoras e um arresto, circunstância que até então lhe era totalmente desconhecida. Em ordem a tentar ultrapassar tal situação, o Embargante tentou promover o registo do CPCV, estando prevista a nova outorga de CPCV, agora junto de cartório, para que tenha eficácia real. Ainda assim, o Embargante tem a posse do imóvel e já pagou quase a totalidade do preço, pelo que é um verdadeiro possuidor do imóvel, agindo como seu verdadeiro proprietário, e o arresto ofende a sua posse. 2. Os embargos foram admitidos e determinou-se a suspensão dos termos do processo quanto ao imóvel em causa. 3. Citadas as partes do procedimento cautelar, a Embargada ali Requerente apresentou contestação, onde alegou que, de acordo com o próprio Embargante, o mesmo sabia que a promitente vendedora estava a passar por dificuldades financeiras, sendo que sobre o lote de terreno em causa estão registadas várias penhoras e o arresto foi registado em 20.09.2024. A petição de embargos deu entrada em 22.11.2024, pelo que sendo o registo público, não é crível que o Embargante não tivesse tido conhecimento da situação registral do imóvel em momento anterior ao que antecede os 30 dias da propositura dos embargos, em face do que suscita a caducidade dos mesmos. No mais, alega que o arresto do terreno não é incompatível nem ofende a posse do Embargante, que pode viver e habitar o imóvel como se do proprietário de tratasse, ficando apenas na dependência da escritura e do registo dessa aquisição, e que o promitente vendedor e requerido nos autos de arresto, liquide o seu crédito para com a Embargada, como igualmente liquide as dívidas para com os exequentes das penhoras. Concluiu pela procedência da exceção da caducidade e improcedência dos embargos. 4. O Embargante pugnou pela improcedência da exceção, reiterando o que havia antes alegado a este respeito e acrescentando que intentou outros quatro embargos de terceiros junto dos processos a que respeitam os outros ónus registados, e outorgou com a sociedade Embargada um novo contrato-promessa de compra e venda com eficácia real, no dia 26.11.2024, que incide sobre o bem imóvel penhorado nos autos. 5. Realizou-se a audiência prévia, procedeu-se ao saneamento da causa, tendo sido relegado o conhecimento da exceção da caducidade para final, identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas de prova, após o que se realizou a audiência de julgamento. 6. Foi, a final, proferida sentença, que julgou improcedente a exceção de caducidade e julgou os embargos improcedentes. 7. Inconformado com a sentença, o Embargante interpôs recurso da mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “1- Julgou o Tribunal a quo, na sentença ora recorrida, os embargos de terceiro improcedentes, por não provados, concluindo que o Recorrente não é titular de posse com qualidade ao sucesso dos mesmos. 2- Salvo o devido respeito, a referida sentença proferida pelo Tribunal a quo interpreta, e aplica, entre outros, erradamente os artigos 342º, nº 1, do Código de Processo Civil e 1251º do Código Civil, inobservou, com o rigor que lhe era devido, o nº 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil, e viola o artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil e o artigo 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que extrapola, na sua decisão, os Tema da Prova e o Objeto do Litigio fixados em sede de despacho saneador, sem observância do princípio do contraditório. 3- Veja o douto Tribunal ad quem que em sede de audiência prévia, datada de 23.04.2025 (com a ref.ª 101825641), no âmbito da prolação do despacho a que alude o artigo 596º do Código de Processo Civil, o qual não foi objeto de reclamação ou de alteração oficiosa, o tribunal a quo: a. enunciou o objeto do litígio como sendo o seguinte: “Nos autos importa apurar se os embargos enfermam de caducidade e na negativa, se os mesmos devem proceder.” – sublinhado nosso. b. E selecionou como Temas da Prova/Instrução (art. 596º, nº 1 in fine do CPC), tendo ficado estabelecido que: “Tendo em vista que o embargo não impugna as quantias que o embargante alega ter entregue no âmbito do contrato promessa ou o facto de este residir na casa, a instrução da causa terá por objeto apurar: 1. Ónus que impendem sobre o imóvel em questão e a data do seu registo; 2. Quando é que o embargante teve conhecimento da existência do arresto.”– sublinhado nosso. 4- Assim, Mmª Juiz identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova, reduzindo-o, aos ónus que impedem sobre e imóvel e à exceção da caducidade dos embargos, atendendo ao facto de a Requerida CC, Construções Unipessoal, Lda., Lda., não ter apresentado contestação e a Recorrida BB ter invocado a exceção perentória de caducidade dos embargos, 5- Mas não colocou em causa os demais factos alegados pelo Recorrente, entre eles a invocação da posse efetiva do imóvel desde momento anterior ao arresto, e de o Recorrente exercer um direito que lhe é próprio, na medida em que se considera proprietário de facto do mesmo. 6- Destarte, a falta de impugnação dos factos leva à sua admissão, como sendo aqueles verdadeiros ou exatos, e dispensa o autor dos embargos, aqui Recorrente, da prova desses factos, pois esses nunca seriam controvertidos (cfr. artigo 490º, nº 2, primeira parte, do Código de Processo Civil). 7- Aliás, igual entendimento pareceu ter o Tribunal a quo, aquando da audiência prévia, datada de 23.04.2025 (com a ref.ª 101825641), se olharmos para os temas da prova, o que permite concluir, facilmente, que a sua organização pende, somente, para a discussão sobre as questões de direito decidendas, que, no caso concreto, passaria pela verificação, ou não, da exceção da caducidade invocada pela Recorrida BB. 8- Tendo-se consolidado estabilizado o que seria discutido em sede de audiência de discussão e julgamento, ou seja: quais os ónus que impendem sobre o imóvel em questão e a data do seu registo; e quando é que o embargante teve conhecimento da existência do arresto (não tendo o referido despacho sido impugnado ou objeto de qualquer reclamação, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 596º, do Código de Processo Civil). 9- Ora, são os temas da prova que asseguram às partes saber com o que contam quanto à instrução, permitem-lhe estruturar a estratégia e adequar os meios probatórios ao seu dispor na medida da matéria em discussão e são a garantia de que o que neles não se enquadra nunca poderá servir de base fáctica à decisão. - cfr. art. 410º do Código de Processo Civil. 10- Pelo que, não formando um condicionalismo imutável da produção de prova, que o julgador sempre poderá ampliar ou restringir, até àquele momento, é o indicador para as partes do que é controvertido e do que lhes cabe provar!! 11- Aliás, tanto assim o é que os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Recorrente versaram sobre a matéria desses mesmos temas, i.e. sobre no sentido de se provar a tempestividade dos embargos, obstaculizando assim à procedência da exceção de caducidade invocada (cfr. art. 516º, nº 1 do Código de Processo Civil) 12- Conforme consta das suas declarações gravadas no sistema Habilus, tomadas em sede de julgamento (no dia 28.05.2025), tendo a testemunha DD, prestado depoimento dos minutos 10:32 a 10:49, EE, prestado depoimento dos minutos 10:49 a 11h01, a testemunha FF, dos minutos 11m04 a 11h13, e a testemunha GG, dos minutos 11:13 a 11:21. 13- No entanto, em muito extrapolou o douto Tribunal a quo a sua decisão, excedendo, na medida em que se pronunciou mais do que aquilo que era alvo de discussão em sede de instrução, ao dar como não provado que “O Embargante age com a convicção de que exercer um direito que lhe é próprio” (facto A) dos não provados), o que lhe levou à conclusão de não verificação do elemento subjetivo da posse, concluindo que “(...) o Embargante não é titular da posse com qualidade ao sucesso dos embargos, que assim improcedem.” 14- Decidindo erradamente, o que ora se pretende corrigir, o douto Tribunal a quo pela improcedência da exceção da caducidade, o que deveria ter levado, necessariamente, à procedência dos embargos atendendo ao objeto do litigio. 15- Por conseguinte, ao decidir sobre a posse do Recorrente, não sendo este o objeto do litigio e dos temas da prova, a douta sentença configura uma decisão-surpresa, fundamentada em factos de ponderação imprevisível, face à delimitação previamente introduzida. 16- Não tendo o douto Tribunal a quo emitido qualquer despacho no sentido da ampliação dos temas da prova ou da alteração dos temas dados como assentes, de forma necessariamente explicita ou indicativa, antes do início da audiência, comunicado às partes a eventualidade de vir a conhecer acerca da aludida posse do Recorrente. 17- Não houve qualquer contraditório no que concerne à prova da posse do Recorrente e os elementos que a integram, com vista a formar a convicção do Tribunal a quo que o Recorrente age com a convicção de que exerce um direito que lhe é próprio (propriedade). 22 Neste sentido, a título de exemplo, o Ac. da Relação de Guimarães, datado de 29.01.2025, e o Ac. Da Relação do Porto, datado de 02.12.2019, ambos ob. cit. 18- É manifesto que o Tribunal a quo incorreu na violação do princípio do contraditório consagrado no art.º 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o qual reza que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.” 19- Não cumprindo o Tribunal a quo o principio do contraditório, conducente à prolação de decisão-surpresa, tal determina a prática a de uma irregularidade que, podendo influir no exame ou na decisão da causa – cfr. artigo 195º do Código de Processo Civil, se transmuta em nulidade processual, dado ter sido omitia a prática de uma formalidade legalmente prescrita. 20- Mais se dirá, ainda, que não tivesse o douto Tribunal a quo decidido em excesso, outra não poderia ter sido a sentença que não fosse o provimento dos embargos de terceiro com a consequência do cancelamento do arresto sobre o bem imóvel em questão, uma vez que deu com assentes – por provados – os factos 19), 20), ou seja que o conhecimento do arresto só ocorreu no dia 25 de outubro de 2024, e os factos 29), 30), 31), 33), 34), 35), 36), que respeitam aos ónus que impedem sobre o imóvel. 21- Apesar da aludida violação do principio do contraditório e da sua consequência, considera o Recorrente que a matéria de facto dada como provada e a demais prova produzida em audiência de discussão e julgamento, são bastante o suficiente para que o Tribunal ad quem possa concluir que o Recorrente é titular da posse, assim se evitando as implicâncias da anulação da decisão proferida na 1.ª instância, à luz do disposto no artigo 662º, nº 2, al. c) do Código de Processo Civil, sob pena de repetição de atos para prova de matéria que o Recorrente considera já se encontrar suficientemente plasmada nos autos. 22- Salvo o devido respeito, que é muito, as motivações em que o douto Tribunal a quo alicerçou a sua decisão para decidir que o Recorrente não é titular da posse, dando como não provados os factos A) e B), encontram-se não só em total contradição com os factos provados e a prova produzida, padecendo de uma incongruência atroz com as regras da experiência (cfr. artigo 607º, nº 4 do Código de Processo Civil), 23- Como também fazem transparecer uma interpretação errónea do artigo 1251º do Código Civil, o qual prevê a conceção da posse, em oposição com a mera detenção (cfr. 1253º do Código Civil), a par com os pressupostos da tutela legal do possuidor, à luz do nº 1, do artigo 342º do Código de Processo Civil. 24- No que respeita às motivações para dar como não provado a al. B), cumpre referir confunde o douto Tribunal a quo despesas de conservação ordinária e extraordinária, não fazendo entre elas distinção. 25- Note o Tribunal ad quem que as despesas de conservação ordinárias referem-se aos gastos necessários para manter um imóvel em condições normais de uso e habitualidade, incluindo as suas reparações e limpezas regulares. 26- Ora, atendendo aos os factos dados como provados nos pontos 15), conjugadas com a prova documental de fls. 48, no ponto 25) e 27), fundamentada com as declarações do Recorrente, conjugadas com a prova documental de fls. 64 a 70, e às declarações do Recorrente gravadas em sede de audiência de julgamento (28.05.2025), nos minutos 14:08 a 14:19 e dos minutos 35:24 a 36:00, 27- Parece-nos claro que deverá o Tribunal ad quem reapreciar a matéria de facto, alterando a mesma da seguinte forma: e. Deverá o facto provado nº 15 ser alterado, desde já passando a ter a seguinte formulação: “No dia 25.04.2024 a Requerida procedeu à entrega das chaves da moradia situada no terreno para construção acima identificado, tipo familiar ao Embargante, encontrando-se este a habitar no local desde esse momento.” f. Deverá facto B) da relação dos não provados, ser dado como provado no que concerne às despesas de conservação realizadas pelo Recorrente, devendo este passar a integrar a relação dos factos dados como provados nessa medida. 28- Relativamente às motivações para dar como não provado a al. A) deixa denotar o douto Tribunal a quo uma clara desatenção ao alegado pelo Recorrente nos seus embargos, uma vez que o Recorrente ao longo de toda a sua arguição dos factos, deixa bem claro o direito de que se arroga (tal depreende-se claramente do artigo 44º, mas também como se consegue deduzir dos artigos 41º, 42º, 43º, do próprio 44º, do 45º, 46º, 47º, 50º e seguintes, dos seus embargos). 29- Debruçando-nos sobre as motivações do Tribunal a quo, verifica-se que a mesmas são se poderão aplicar à casuística do caso em juízo, se observamos e considerarmos toda a prova aqui constante. 30- Naturalmente que o direito que o Recorrente exerce, na convicção de ser próprio, é o direito de posse, manifestado pela sua atuação perante o imóvel, de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade (do terreno arrestado e da moradia ali edificada), o que lhe permite o GOZO DA TUTELA POSSESSÓRIA, 31- Aliás, que outro direito é que haveria de ser, atendendo ao facto de ter lançado mão dos Embargos de Terceiro precisamente por considerar que todos os seus pressupostos se encontram preenchidos?! 32- Para demonstrar a posse do Recorrente, deverá o douto Tribunal ad quem tomar em consideração os factos provados nos pontos 1), 2), 3), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 15), 16), 23), 24), 25), 26), 27), 40), 41), da douta sentença, para os quais se relega a leitura (sob pena de articulados exaustivos e prolixos), os quais se aqui se consideram aqui integralmente reproduzidos, e aos depoimentos gravados das declarações de parte do Recorrente (minutos 14:22 a 16:20) e das testemunhas EE (minutos 10:43 a 11:50) e DD (03:57 e 07:04), os quais nos merecem credibilização, por terem respondido de forma isenta, clara e tranquila, com a pretensão de transmitir ao Tribunal o seu conhecimento dos factos. 33- Sustentando a argumentação do Recorrente na prova sobredita, ter-se-á que concluir o seguinte: a. O Recorrente pagou até 04.11.2023 ao promitente-vendedor (Requerida CC, Construções Unipessoal, Lda.), o valor de €362.500,00; b. E efetuou pagamentos diretamente a fornecedores da Requerida até à conclusão da empreitada (25.04.2025) no valor de €87.359,54, por forma a que a obra não fosse suspensa. c. Aquando da propositura dos embargos, já tinha liquidado quase integralmente o preço acordado com o promitente-vendedor (€449.859,54 dos €460.000,00 definidos). d. O Recorrente pagou as faturas de fornecimento de material e serviços diretamente aos prestadores, por forma a que fosse possível terminar a construção da moradia situada no terreno para construção arrestado nos presentes autos, no montante de €87.359,54 (oitenta e sete mil, trezentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos). e. O Recorrente habita na moradia construída desde 25.04.2024, altura em que lhe foram entregues as chaves do imóvel, que se localiza no terreno arrestado, pelo promitente-vendedor (Requerida CC, Construções Unipessoal, Lda. Lda), ali vivendo diariamente, tratando-se o mesmo da sua habitação própria e permanente e da única que dispõe para viver, pagando água, luz, e todas as demais despesas decorrentes da sua ocupação, entre elas as de conservação ordinária. f. O Recorrente encetou todos os seus esforços para a obtenção da licença de utilização do imóvel, após a sua edificação, juntamente com a agência imobiliária. g. O Recorrente celebrou um contrato-promessa com eficácia real, no dia 26.11.2024, onde referem as partes (promitente vendedor e comprador) que pretendem conferir eficácia real ao contrato promessa anteriormente celebrado, ou seja ao CPCV datado de 12.08.2022. h. Desde da data do conhecimento da situação de facto em que se encontra o imóvel, o Recorrente tem tomado todas as diligências possíveis para tentar minimizar os dados e solucionar o problema (tentou, no dia 08.11.2024 promover ao registo do CPCV, e as suas adendas, junto da Conservatória do Registo Predial de Cidade 2 e intentou, para além da presente ação, outros quatros embargos). 34- Bem sabe o Recorrente que o contrato-promessa outorgado em 12.08.2022, sem eficácia real, produz, regra geral, efeitos meramente obrigacionais. No entanto, e tal como tem sido entendimento maioritário da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, existem casos excecionais em que se deverá considerar que o promitente-comprador é um verdadeiro possuidor da coisa objeto do contrato celebrado. 35- E quais são esses casos excecionais? 36- Precisamente os casos em que o promitente-comprador pagou integralmente, ou quase integralmente, o preço acordado, e em que o promitente-vendedor entrega a coisa para que aquele atue sobre a mesma como se já fosse sua, 37- Apresentando-se perante a comunidade jurídica como seu proprietário, possuindo-a em nome próprio, sendo a celebração do contrato definitivo apenas uma formalização da transmissão que, em termos materiais, já ocorreu. 38- Não é esta a situação do Recorrente?! CLARO QUE É!! 39- Ora, não se considerasse o Recorrente dono, e possuir, da coisa, porque motivo despenderia o Recorrente capitais próprios diretamente a terceiros, substituindo-se ao promitente-vendedor, se não considerassem – ambos!! – que o Recorrente se assumia como proprietário do imóvel?! 40- Não é plausível que uma pessoa que não se considera como dona, e possuidora, de um terreno para construção, e do imóvel ali a ser edificado, diligenciasse, à suas expensas, pela conclusão célere da mesma. 41- Também não é crível que um promitente-vendedor entregue as chaves de um imóvel já construído para o promitente-comprador ali ir habitar, sem considerar que o promitente-vendedor é, na prática, o proprietário do imóvel. 42- Obviamente que o promitente-vendedor (Requerida CC, Construções Unipessoal, Lda.) entregou as chaves do Recorrente porque sabia, e tinha plena consciência, que o Recorrente, com o pagamento praticamente na integra, já era o dono e possuidor do terreno para construção e da moradia familiar ali edificada, o que pressupõe a intenção da transmissão da posse do promitente-vendedor para o Recorrente, como não poderia deixar de ser!!!! 23 Neste sentido, Ac. da Relação de Lisboa, proc. 4542/12.7TBOER-A.L2.2, Tribunal da Relação de Guimarães, proc. nº 3037/18.0T8BRG-C.G1, Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., vol. II, págs. 6 e 7; Acs. STJ., de 11/03/1999, CJ/STJ., 1999, t. 1º, pág. 137; 17/04/2007, Proc. 07...; 13/09/2007, Proc. 07...; 05/03/2009, CJ/STJ, 2009, t. 1ª, pág. 136; 25/10/2012, Proc. 3637/07....; RC. de 15/01/2013, Proc. 511/10.0TBEI-E.C1, RP. de 27/11/2017, Proc. 909/15. – todos ob. cit. 43- Já no que respeita à obtenção da licença, não poderá o Tribunal ad quem considerar que o Recorrente tomasse tais diligências, para conseguir celebrar o contrato definitivo, se não se considerasse dono e possuidor, sendo esta uma função que compete, em regra, ao promitente-vendedor. 44- Por muito boa-fé que o Recorrente tenha, e por muito que pratique e desenvolva a sua vida guiado por valores e princípios morais exemplares, procurando servir e construir um ambiente justo e harmonioso, a verdade é que o Recorrente, apesar de tudo, não é nenhum bom samaritano!!! 45- O Recorrente assim agiu em seu beneficio próprio, como age um proprietário na defesa dos seus direitos, exercendo, na convicção de ser próprio, é o direito de posse, manifestado pela sua atuação perante o imóvel, de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade (do terreno arrestado e da moradia ali edificada). 46- E certo também é que a Requerida CC, Construções Unipessoal, Lda., (promitente-vendedor), sempre teve a intenção de transmitir a posse ao Recorrente, como ficou expresso no contrato-promessa celebrado a 26.11.2024. 47- Por último, questiona o Recorrente qual é o promitente-comprador que intenta, para além da presente ação, outros quatros embargos, e ainda se dá ao trabalho de outorgar um novo contrato-promessa com eficácia real por forma a acautelar-se a respeito de situações futuras, e imprevisíveis? Será um promitente-comprador que se acha, somente, detentor de um imóvel ou um promitente-comprador que considera – por legitimo – ter a posse e a propriedade do mesmo?! 48- Mais uma vez a resposta parece-nos óbvia!!! Só um VERDADEIRO POSSUIDOR se daria ao trabalho se agir como o Recorrente agiu, sentindo-se OFENDIDO na sua posse – e na propriedade, inclusive – com o arresto efetuado no âmbito destes autos, e as penhoras no âmbitos dos demais em curso!! 49- Tem, da análise casuística efetuada, a POSSE DO IMÓVEL, do qual, naturalmente, e nessa qualidade, usufruiu! 50- Destarte, outra não poderá ser a conclusão que não o facto de o Recorrente ser um verdadeiro e real possuidor do imóvel arrestado, gozando de tutela possessória, uma vez que o “corpus” da posse é acompanhado do “animus possidendi”, porquanto o Recorrente age com a convicção, certa, de que exercer um direito que lhe é próprio. 51- Face ao exposto, afigura-se-nos ser inquestionável que quando, em 20.09.2024, o dito imóvel foi arrestado no âmbito desta ação, o Recorrente tinha a sua posse, em nome próprio, sendo por isso prejudicado pela diligência em causa. 52- Resulta demonstrado que o arresto preventivo, nos autos, ofende o direito do Recorrente que com aquele é incompatível!! 53- Destarte, a conclusão não poderá ser outra que não um erro de julgamento de facto, porquanto a prova obtida à materialidade impugnada não poderia conduzir se não à procedência dos embargos de terceiro, por provados. 54- Por conseguinte, deverá o douto Tribunal ad quem alterar, e ampliar, a matéria de facto, uma vez que os factos tidos como assentes e a prova produzida assim o impõem (cfr. artigo 662º, nº 1 do Código de Processo Civil), nos seguintes termos: a. Deverá aditar-se à matéria dos factos provados, os seguintes: i. O Embargante encetou todos os seus esforços para a obtenção da licença de utilização para o imóvel, após a sua edificação, juntamente com a agência imobiliária. ii. Desde da data do conhecimento da situação de facto em que se encontra o imóvel, o Embargante tem tomado todas as diligências possíveis para tentar minimizar os dados e solucionar o problema, iii. E, bem assim, tendo-se acautelado para futuros ónus ou encargos que possam, eventualmente, vir a incidir sobre o bem imóvel, tentando proteger-se de situações posteriores, e imprevisíveis. iv. Em 20.09.2024, aquando do registo do arresto, o Embargante tinha na sua posse do imóvel objeto dos autos. b. Deverá o facto A) da relação dos não provados, ser dado como provado no que concerne ao gozo da tutela possessória, devendo este passar a integrar a relação dos factos dados como provados. c. Deverá o facto provado nº 15 ser alterado, desde já passando a ter a seguinte formulação: “No dia 25.04.2024 a Requerida procedeu à entrega das chaves da moradia situada no terreno para construção acima identificado, tipo familiar ao Embargante, encontrando-se este a habitar no local desde esse momento.” d. Deverá facto B) da relação dos não provados, ser dado como provado no que concerne às despesas de conservação realizadas pelo Recorrente, devendo este passar a integrar a relação dos factos dados como provados nessa medida. 55- Verificando-se preenchidos todos os pressupostos para a procedência dos embargos, i.e. o Recorrente está em tempo, tem legitimidade e o arresto ofende a sua posse. – cfr. artigo 342º, nº 1 do Código de Processo Civil. 56- Salvo o devido respeito, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo interpreta, e aplica, entre outros, erradamente os artigos 342º, nº 1, do Código de Processo Civil e 1251º do Código Civil, inobservou, com o rigor que lhe era devido, o nº 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil, e viola o artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil e o artigo 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que extrapola, na sua decisão, os Tema da Prova e o Objeto do Litigio fixados em sede de despacho saneador, sem observância do princípio do contraditório. 57- A par do mais, na douta sentença verificou-se uma deficiente análise da prova, o que levou à falha na apreciação da matéria de facto e na fixação dos factos provados, e, por conseguinte, o erro na interpretação leva, naturalmente, ao erro de julgamento. Termos em que, deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, por provado, e, consequentemente: a. Ser declarada a nulidade da douta sentença recorrida, ordenando- se a baixa aos autos ao Tribunal de 1ª instância para suprimento da nulidade acima arguida; Se assim não se entender, sem conceder: b. Alterada a matéria de facto julgada como provada, nos termos acima requeridos e atentos os meios de prova indicados pela Recorrente, revogando-se a douta decisão recorrida e alterando-se a mesma no sentido de julgar totalmente procedentes os Embargos; Se assim não se entender, sem conceder c. Revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que julgue totalmente procedentes os Embargos, determinando o cancelamento do arresto.” 8. A Embargada requerente no procedimento cautelar apenso contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. 9. Neste Tribunal da Relação foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 656.º do Código de Processo Civil, por se afigurar simples a questão a decidir, na qual se julgou improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida. 10. Nesta sequência, veio o A. requerer a submissão do processo à conferência, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 3 do Código de Processo Civil. 11. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – Questões a Decidir O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil). No caso em apreço importa apreciar as seguintes questões: a) nulidade da decisão por violação do princípio do contraditório; b) impugnação da decisão de facto; c) impugnação da decisão de direito. III – Fundamentação de facto 1. O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos: “1. Em 12.08.2022, o Requerido CC, Construções Unipessoal, Lda., na qualidade de primeiro outorgante e o Requerente AA, na qualidade de segundo outorgante, celebraram o “Contrato Promessa de Compra e Venda de Bem Futuro”, cuja cópia está junta a fls. 11 a 14 e aqui se dá por inteiramente reproduzido, em que, além do mais consta: “Cláusula Primeira l - O Promitente Vendedor declara ser dono e legítimo possuidor do prédio urbano, correspondente a um terreno para construção, sito em Local 1, lote 14, ... Vila 1 inscrito na matriz urbana sob o artº 9400 da união das freguesias de Vila 1), concelho e distrito de Cidade 1, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o nº 5853/20080116, com o registo de aquisição a favor do Promitente Vendedor pela Ap. 5901 de 2022/07/21. 2 - Para o prédio urbano descrito no número anterior foi entregue em 05/08/2022, pela empresa CC, Construções Unipessoal, Lda., o requerimento para comunicação prévia de construção, registado com o Nº EDlF 320/22, com o Requerimento Nº 6964, registado pela Câmara Municipal de Cidade 1 (...), destinado à Construção de uma moradia do Tipo Unifamiliar para Habitação, com a área total de 142.28 m2. 3 - No prédio urbano a que se refere o nº1 o Promitente Vendedor promete vender ao Promitente Comprador e este promete comprar a moradia familiar descrita no número anterior de que o Promitente Vendedor se obriga a construir e concluir (tipo chave na mão). 4 - A fase de conclusão encontra-se prevista para o mês de Setembro de 2023. 5 - A referida moradia/habitação, será entregue ao Promitente Comprador pronta a habitar (tipo chave na mão), conforme consta do Mapa de Acabamentos e Plantas, os quais fazem parte integrante do presente contrato como anexo I a II, sendo da responsabilidade do Promitente Vendedor a. sua finalização e legalização junto de todas entidades públicas e privadas.”. 2. E da cláusula Segunda consta: “Pelo presente contrato o Promitente Vendedor promete vender ao Promitente Comprador e este promete comprar, livre de quaisquer ónus, encargos ou de responsabilidades e pronta a habitar (tipo chave na mão) a moradia identificada na cláusula primeira e tudo o que demais a compõe construída no lote de terreno identificado no nº 1 da cláusula primeira pelo preço global de 465.000€ (quatrocentos e sessenta e cinco mil euros). 3. Nesse mesmo dia, o Embargante pagou, a título de sinal e principio de pagamento, a quantia de €232.500,00 (duzentos e trinta e dois mil e quinhentos euros). 4. Tendo sido convencionado que a restante parte do preço € 232.500,00, seria pago no ato da escritura de compra e venda. 5. E ficado estabelecido na Cláusula Quinta: “ Os outorgantes acordam que a escritura de compra e venda será realizada no prazo de 14 (catorze) meses a contar da assinatura do presente contrato, podendo este prazo ser automaticamente ampliado até ao dia 31/12/2023 caso a referida moradia aqui prometida vender ainda não se mostre devidamente concluída, finalizada, pronta a habitar e legalizada junto de todas entidades publicas e privadas. A não outorga da escritura pública no prazo estipulado e por motivos não imputáveis e ou outros eventos que sejam da responsabilidade do Promitente Vendedor, designadamente a não emissão do Alvará de Utilização e respetiva Ficha Técnica por parte da câmara no prazo referido, não poderá ser interpretado ou considerado, por qualquer forma, como incumprimento ou mora do presente contrato pelo Promitente Comprador”. 6. Da Cláusula Sexta consta, além do mais: “1 - A referida escritura será marcada pelo Promitente Comprador ou por quem este indicar que avisará ao Promitente Vendedor através de carta registada com aviso de receção a enviar para a morada acima indicada, com 08 (oito) dias de antecedência em relação à data da referida escritura de compra e venda (e/ou documento particular). 2 - Caso o Promitente Comprador não proceda à marcação da escritura de compra e venda, a mesma será marcada pelo Promitente Vendedor nas mesmas condições referidas no número anterior. 3 - Caso alguma das partes não compareça no ato notarial do contrato prometido, a sua não comparência será considerada como incumprimento do contrato…”. 7. Já na Cláusula Nona foi estipulado: “1 - Caso qualquer uma das partes não compareça na data marcada para a realização do titulo definitivo de compra e venda, conforme estipula a cláusula quinta do presente contrato-promessa, fica desde já agendada neva marcação para o 10º dia posterior, e caso se mantenha a falta de alguma das partes ora Outorgantes, poderá, desde logo, a parte não faltosa invocar o seu incumprimento definitivo, aceitando, os Outorgantes, o mero decurso desse lapso de tempo como necessário e suficiente para extrair tal consequência. 2 - Em caso de incumprimento do presente contrato por causa imputável ao Primeiro Outorgante, o Segundo Outorgante poderá exigir a restituição em dobro do valor dos sinais entregues. 3 - Se o incumprimento definitivo do presente contrato, for por causa imputável ao Segundo Outorgante, o Primeiro Outorgante fará suas as quantias até aí recebidas. 4 - Fica expressamente acordado entre os Outorgantes a faculdade de qualquer deles, em alternativa à resolução do presente contrato promessa com as consequências previstas na presente clausula, requerer a execução especifica deste contrato promessa, nos termos previstos no artigo 830° do Código Civil. 5 - Ambos os Outorgantes acordam que não é considerado incumprimento do presente contrato por parte do Promitente Vendedor se for exercido o direito legal de preferência estabelecido para qualquer entidade pública ou privada, sendo que em caso de exercício de tal direito o presente contrato resolve-se automaticamente obrigando-se ao Promitente Vendedor apenas a devolver em singelo e sem juros ao Promitente Comprador todas as quantias que destes tiver recebido a titulo de sinal e princípio de pagamento do preço, não havendo lugar a qualquer outra indemnização ou compensação adicional…”. 8. Em 20.03.2023 o Embargante e o Requerido celebraram o primeiro aditamento ao CPCV, onde acordaram a alteração do valor da venda para €460.000,00. 9. Em ato subsequente, o Embargante pagou ao Requerido, como reforço de sinal, a quantia de €115.000,00, tendo ficado acordado que a restante parte do preço, de € 112.500,00, seria pago no ato da escritura de compra e venda. 10. No dia 04.11.2023 foi celebrado novo aditamento ao CPCV, onde ficou acordado novo reforço de sinal, no valor de €15.000,00, pago em duas tranches de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros). 11. Também ficou reconhecido que, até àquele momento, já haviam sido entregues € 44.098,48 (quarenta e quatro mil, noventa e oito euros e quarenta e oito cêntimos), que correspondiam a pagamentos efetuados pelo Embargante diretamente a fornecedores do Requerido por forma a que a obra não fosse suspensa e previram a possibilidade de serem pagos outros valores, todos qualificados como como reforço de sinal. 12. O Embargante efetuou outros pagamentos até à conclusão da empreitada, sendo o seu valor total de € 87.359,54. 13. À data da propositura dos embargos o Embargante já havia pago à Requerida o valor de € 449.859,54. 14. O remanescente de €10.140,46, deveria ser pago no ato da celebração da escritura de compra e venda. 15. No dia 19.04.2024 o Requerido procedeu à entrega das chaves da moradia situada no terreno para construção acima identificado, tipo familiar, ao Embargante, encontrando-se este a habitar no local desde esse momento. 16. Durante o mês de outubro de 2024, o Embargante tomou conhecimento, que a licença de utilização para o imóvel estava em vias de ser emitida pela Câmara Municipal de Cidade 1. 17. Documento que entendia ser o último para que fosse possível outorgar-se o contrato de C/V. 18. Em meados de outubro de 2024, o Requerente interpelou a agência imobiliária, que desde o início o assessorou, informando-os de tal facto e pedindo que começassem a diligenciar pela documentação necessária à escritura. 19. No dia 25 de outubro de 2024, após consulta simplificada do registo predial, a agência imobiliária tomou conhecimento de que o imóvel se encontrava onerado com quatro penhoras e um arresto, do que deu posteriormente conhecimento ao Embargante. 20. Circunstância que até então lhe era totalmente desconhecida. 21. E para a qual nem o Requerido nem a agência imobiliária o haviam elucidado aquando da adenda ao CPCV de 04.11.2023, altura em que o imóvel já se encontrava onerado com 2 penhoras. 22. O Embargante socorreu-se da agência imobiliária para que lhe apresentasse uma solução. 23. Após o conhecimento da situação do imóvel o Embargante ficou transtornado, incrédulo, surpreso e em pânico. 24. O Embargante despendeu as economias de uma vida para a construção da sua casa de sonho, tendo-se reformado com o intuito de usufruir da mesma nessa fase da vida. 25. Sendo tal moradia a sua habitação permanente e a única que dispõe para viver. 26. No dia 08.11.2024 o Embargante tentou promover o registo do CPCV a as suas adendas, junto da CRP de Cidade 2. 27. O Embargante celebrou os contratos de fornecimento de energia e água e tem pago as despesas de limpeza. 28. Na 1ª CRP de Cidade 1, freguesia de Vila 1, encontra-se descrito sob o nº 5853/200800116, uma parcela de terreno para construção urbana, lote 14, que confronta a norte com o lote 13 e a sul com o lote 15, nascente caminho público e poente lote 19 inscrito na matriz urbana nº 9400, da freguesia de Vila 1), cuja aquisição a favor de CC, Construções Unipessoal, Lda. está averbada pela ap. 5903, de 21.07.2022, por compra a HH e outra. 29. Pela ap. 2822, de 02.05.2023 está averbada uma penhora, no âmbito de um processo de execução do serviço de finanças de Vila 2, sendo a quantia exequenda de € 24.783,07. 30. Pela ap. 3291, de 25.05.2023 está averbada uma penhora, no âmbito de um processo de execução do J2 – Juízo de Execução de Cidade 1, sendo a quantia exequenda de € 7.041,10. 31. Pela ap. 3075, de 23.10.2023 está averbada uma penhora, no âmbito de um processo de execução fiscal do serviço de finanças de Vila 2, sendo a quantia exequenda de € 29.579,56. 32. Pela ap. 100, de 07.06.2023 está averbado o cancelamento da ap. 2822. 33. Pela ap. 2757, de 28.08.2024, está averbada uma penhora, no âmbito de um processo de execução fiscal do serviço de finanças de Vila 2, sendo a quantia exequenda de € 50.259,32. 34. Pela ap. 4190, de 20.09.2024, está averbada um arresto, no âmbito do pº nº 4169/24.0..., sendo a quantia garantida de € 107.156,00. 35. Pela ap. 1356, de 04.10.2024, está averbada uma penhora, no âmbito do pº nº 138/24.9..., sendo a quantia exequenda de € 13.739,29. 36. Pela ap. 3900, de 27.11.2024, está averbada uma hipoteca legal, cujo sujeito ativo é a Autoridade Tributária e Aduaneira – Direção de Finanças de Cidade 1, sendo a quantia exequenda de € 119.482,77 mais juros. 37. Pela ap. 5912, de 28.11.2024 está registada a promessa de alienação, sendo o sujeito ativo II e passivo CC, Construções Unipessoal, Lda. 38. Pela ap. 4988, de 19.05.2025 está averbado o cancelamento da ap. 3291. 39. A petição de embargos foi apresentada em 22.11.2024. 40. No dia 26.11.2024 o embargante e CC, Construções Unipessoal, Lda., celebraram um contrato promessa com eficácia real, junto a fls. 58 vº e ss., aqui dado por inteiramente reproduzido, onde, além do mais, referem que pretendem conferir eficácia real ao contrato promessa anteriormente celebrados e estipulam que a escritura de compra e venda será celebrada no prazo de 10 anos livre de ónus ou encargos. 41. O Embargante intentou, para além da presente ação, outros quatro embargos (em 22 e 25 de novembro de 2024) que correm termos nos seguintes tribunais: a. Tribunal Judicial da Comarca de Cidade 1 – Juízo de Execução de Cidade 1 – Juiz 2, processo nº 2915/23.9...-B; b. Tribunal Judicial da Comarca de Cidade 1 – Juízo de Execução de Cidade 1 – Juiz 1, processo nº 138/24.9...-A; c. Tribunal Administrativo e Fiscal de Cidade 3 – Unidade Orgânica 2, processo nº 854/24.5...; d. Tribunal Administrativo e Fiscal de Cidade 3 – Unidade Orgânica 2, processo nº 853/24.7...” 2. E julgou não provados os seguintes factos: “A) O Embargante age com a convicção de que exerce um direito que lhe é próprio. B) O Requerente passou a pagar os impostos referentes à moradia e às despesas de conservação.” 3. Factos A) e B) 3.1. Invoca o Embargante a nulidade da decisão sindicada, com fundamento na violação do princípio do contraditório, em virtude do Tribunal a quo não ter indicado que a matéria da posse integrava os temas da prova e, na sentença, ter julgado uma parte dessa matéria controvertida e não provada, concretamente, aquela que se mostra vertida sob A) e B). Mais aduz o Embargante que essa matéria não é controvertida, porquanto se mostra admitida por acordo. Advoga ainda o Embargante que, ainda que assim se não entenda, a prova produzida em audiência, conjugadamente com a prova documental, é suficiente para que aqueles factos sejam julgados provados. Assim: a) deve primeiramente indagar-se se se os factos aludidos sob A) e B) estão admitidos por acordo; b) na eventualidade de se concluir que aqueles factos estão, efetivamente, controvertidos, importará avaliar se ocorre violação do princípio do contraditório, por não terem sido integrados nos temas da prova; c) se se concluir que não se verifica a invocada nulidade, deve apreciar-se a impugnação da decisão de facto, verificando se a prova produzida nos autos é suficiente para julgar aqueles factos provados. 3.2. Ora, os factos não provados sob A) e B) provêm dos artigos 44. e 60. da petição de embargos. A Embargada requerida no procedimento cautelar apenso não contestou, e a Embargada requerente no procedimento cautelar contestou, mas deduziu apenas defesa de direito, não tendo impugnado os factos alegados na petição. Aplicam-se ao incidente de embargos de terceiro os efeitos cominatórios previstos para a ação declarativa comum, pelo que se consideram admitidos por acordo os factos que não tenham sido impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito (artigos 348.º, n.º 1 e 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). No que respeita ao facto não provado sob B), inclui-se no mesmo a afirmação do pagamento de impostos, tendo o Tribunal a quo motivado a sua resposta negativa com a falta de apresentação de prova documental. Efetivamente, decidiu-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 07.07.2005 (Dulce Neto) (Processo n.º 00023/03, in http://www.dgsi.pt/) que: “3. A prova do pagamento de contribuições ou impostos apenas se pode efectuar através da via documental, não podendo essa prova ser feita por testemunhas face ao preceituado nos arts. 395º e 393º nº 1 do Código Civil entre si conjugados, sabido que as obrigações tributárias se constituem pelo acto tributário da liquidação, o qual é obrigatoriamente reduzido a escrito por força do disposto no art. 122º do CPA e que, por isso, tanto ele como os respectivos actos extintivos (como é o pagamento) necessitam de ser provados através do respectivo documento escrito, razão por que a prova do pagamento tem de ser feita através de um dos documentos referidos no art. 94º do CPPT.” (no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13.07.2023 (Luísa Soares), Processo n.º 482/17.1BELRS, in http://www.dgsi.pt/). Assim, porque carecido de prova documental, não pode este facto considerar-se admitido por acordo. No mais, devem o facto não provado sob A) e a segunda parte do facto não provado sob B), atinente às despesas de conservação, ser considerados admitidos por acordo. Não podem, consequentemente, os factos admitidos por acordo ser objeto de produção de prova, porquanto a instrução da causa abrange apenas os factos controvertidos (artigo 410.º do Código de Processo Civil), e, quanto ao facto que não se mostra admitido por acordo, por carecer de prova documental, não pode sobre o mesmo incidir prova testemunhal. Em conclusão, devem o facto não provado sob A) e a segunda parte do facto não provado sob B), atinente às despesas de conservação, ser transferidos para o elenco dos factos provados, passando a constituir os factos 42. e 43., respetivamente. 3.3. Em face da decisão ora proferida, e tendo presente o que acima dissemos sob 3.1., fica prejudicado quer o conhecimento da nulidade invocada pelo Embargante, quer o conhecimento da impugnação da decisão de facto quanto aos aludidos factos. 4. Facto 15. Sustenta o Embargante que, em face da prova produzida em audiência, deve ser alterada a redação do facto provado sob 15., no sentido de se julgar provado que o Embargante habita o imóvel desde o dia 25.04.2024. Porém, este facto provém do artigo 16. da petição de embargos, e, atento o que se disse acima sobre a ausência de impugnação dos factos alegados na petição e o efeito cominatório do incidente, conclui-se que o facto deve manter-se exatamente como se encontra redigido, porquanto é assim que o mesmo se mostra alegado na petição. 5. Ampliação da matéria de facto 5.1. Requer o Embargante que este Tribunal da Relação proceda à ampliação da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aditando os seguintes factos ao elenco da matéria de facto provada: “i. O Embargante encetou todos os seus esforços para a obtenção da licença de utilização para o imóvel, após a sua edificação, juntamente com a agência imobiliária. ii. Desde da data do conhecimento da situação de facto em que se encontra o imóvel, o Embargante tem tomado todas as diligências possíveis para tentar minimizar os dados e solucionar o problema, iii. E, bem assim, tendo-se acautelado para futuros ónus ou encargos que possam, eventualmente, vir a incidir sobre o bem imóvel, tentando proteger-se de situações posteriores, e imprevisíveis. iv. Em 20.09.2024, aquando do registo do arresto, o Embargante tinha na sua posse do imóvel objeto dos autos.” 5.2. No referido n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, norma atinente à “modificabilidade da decisão de facto”, prescreve-se que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” O objeto do processo em apreço reconduz-se a saber se deve ser levantado o arresto sobre um imóvel, decretado no processo principal, por virtude da posse invocada pelo Embargante, com fundamento em contrato promessa de compra e venda desse imóvel. Ora, no que tange aos factos aludidos sob i) a iii), reportam-se a matéria que já se encontra vertida na decisão de facto sob 16. a 18., 22. e 40. a 41., logo, não se revela necessário proceder ao aditamento proposto pelo Embargante. No mais, isto é, quanto ao facto aludido sob iv), depreende-se que a intenção subjacente à integração desta matéria no elenco dos factos provados é a de afirmar aí a existência de posse, por oposição a uma situação de mera detenção. Ora, tem vindo a ser entendido pela jurisprudência que a palavra “posse”, apesar de constituir um conceito jurídico, pode também ser utilizada com o seu sentido fáctico corrente de “exercício de poderes materiais” sobre uma coisa (entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 13.11.2000 (Caimoto Jácome), Processo nº 0051219, in http://www.dgsi.pt/). Todavia, se a existência de posse constituir o tema em discussão nos autos, não deve utilizar-se essa palavra na decisão de facto, porquanto a mesma, nesse contexto, assume natureza conclusiva, antecipando na decisão de facto aquilo que está reservado à decisão de direito, isto é, a subsunção ao conceito jurídico de posse dos factos provados atinentes ao exercício de poderes materiais sobre a coisa (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de (Carlos Castelo Branco), Processo n.º 10662/20.7T8LSB-A.L2-2, in http://www.dgsi.pt/). Entendemos, em conclusão, que não se justifica a inclusão dos factos propostos pelo Embargante na decisão de facto constante da sentença. IV – Fundamentação de direito 1. Na petição de embargos de terceiro, instaurados por apenso a procedimento cautelar de arresto, veio o Embargante peticionar o reconhecimento de posse em nome próprio sobre o imóvel objeto do contrato, visando, desse modo, obter o levantamento do arresto decretado sobre tal imóvel. Alega, para tanto, que celebrou contrato promessa de compra e venda do referido imóvel com a Embargada que é requerida no procedimento cautelar, e que pagou a quase totalidade do preço acordado, foram-lhe entregues as chaves do imóvel e é aí que habita, contratou o fornecimento de energia e água, suporta os custos com a sua limpeza e conservação, bem como os respetivos impostos. Na sentença julgaram-se os embargos improcedentes, considerando-se, essencialmente, não estar verificado o elemento subjetivo da posse. Sustentou-se esta decisão na jurisprudência, afirmando-se que, por regra, o promitente comprador não é possuidor, mas em alguns casos excecionais é defensável essa qualificação, os quais se reconduzem àqueles em que já se encontra paga a totalidade do preço ou em que as partes têm o propósito de não realizar a escritura e a coisa foi entregue ao promitente comprador a título definitivo. Assim, diz-se na sentença, apesar de ter sido entregue o imóvel ao Embargante e de este estar aí a residir, não foi alegada a intenção com que foi feita semelhante entrega ou a intenção com que o Embargante habita o imóvel, nem a intenção com que o Embargante contratou os serviços de água e eletricidade, o que não se presume. Acrescentou-se que não ficou provado que o Embargante tivesse a convicção de exercer um direito próprio. Referiu-se, por fim, que o facto do Embargante se encontrar a diligenciar pela celebração da escritura, contraria a ideia de que a entrega do bem o foi a título definitivo. Em sede de recurso advoga o Embargante que os embargos de terceiro devem ser julgados procedentes, porquanto a sua situação relativamente ao imóvel deve ser qualificada como de posse e não de mera detenção, ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal a quo. 2. O incidente de embargos de terceiro está previsto no artigo 342.º do Código de Processo Civil, em cujo n.º 1 se afirma que “Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.” Vemos, assim, que a defesa consentida por este normativo é suportada por dois fundamentos distintos e autónomos: uma situação de posse sobre um bem objeto de diligência judicial de apreensão ou entrega; a titularidade de um direito incompatível com a realização ou o âmbito daquela diligência. No que tange à posse, deverá tratar-se de uma posse em nome próprio (Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Executivo, 5ª ed., Coimbra, 2024, p. 440). Relativamente ao direito incompatível com a diligência, deverá tratar-se de um direito que obste à venda executiva do bem ou que não se extinga com a venda executiva (ibidem). 3. Quanto ao caso específico do promitente comprador, Miguel Mesquita (Apreensão de bens em processo executivo e oposição de terceiro, 2ª ed., Coimbra, 2001, pp. 177-188) analisa a respetiva posição sob as duas perspetivas: i) A Posse: O promitente comprador não é um possuidor, antes exerce a posse em nome alheio (artigo 1253.º, alínea c) do Código Civil), mas em casos excecionais pode ser-lhe reconhecida essa qualidade, a saber, quando mostre ter pago a totalidade ou a quase totalidade do preço e se comporte como um proprietário. Assim, se ficar demonstrado que o promitente comprador exige ao promitente vendedor a celebração do contrato, tal facto revela que o promitente comprador não tem a convicção de ser o proprietário da coisa, não sendo os embargos viáveis neste caso. ii) O direito incompatível: - A tradição confere ao promitente comprador um direito pessoal de gozo, mas este não é oponível ao titular de um direito real, pelo que os embargos não são viáveis. - Se o contrato promessa tem eficácia meramente obrigacional, não pode o promitente comprador obter a execução específica, a menos que proceda ao registo da ação de execução específica antes do registo da alienação ou oneração do bem objeto do contrato, assistindo-lhe aqui a faculdade de deduzir embargos de terceiro, cujo sucesso se encontra dependente do sucesso da ação de execução específica. - Se o contrato promessa tem eficácia real, o direito à execução específica está salvaguardado, independentemente do registo da respetiva ação, pelo que neste caso os embargos são viáveis. Ora, a primeira conclusão enunciada, relativa aos casos excecionais em que se entende existir posse do promitente comprador, é consensual na doutrina e na jurisprudência, apontando-se como exemplos de atos que revelam a posse, conjugadamente com a tradição e o pagamento do preço, a requisição em nome próprio de ligação de água e energia elétrica, o pagamento de despesas de condomínio e impostos, a realização de obras de remodelação (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., Coimbra, 1987, pp. 6-7; Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lisboa, 1998, p. 310; Armando Triunfante, Comentário ao Código Civil: direito das coisas, coord. de Henrique Sousa Antunes, Lisboa, 2021, p. 29; Marco Carvalho Gonçalves, idem, p. 463-464). Essencial é a ideia de que globalmente a situação deve expressar, de forma inequívoca, a intenção das partes de antecipar o cumprimento do contrato prometido (Lebre de Freitas, A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra, 2014, p. 326, nota 24). A este respeito escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.04.2007 (Alves Velho) (Processo n.º 07A480, in http://www.dgsi.pt/), que “Naquela primeira situação, de verdadeira posse, poder-se-ão integrar, eventualmente entre outros, casos como os do promitente-comprador que pagou a totalidade ou quase totalidade do preço, ou em que a entrega da coisa lhe é feita pelo promitente-vendedor “como se sua fosse já” e aquele como tal passa a agir, ou ainda em que a tradição seja motivada ou acompanhada de circunstâncias que, por incompatíveis com acto de mera tolerância, revelem ou consolidem uma expectativa da irreversibilidade da situação (…) Numa palavra hão-de ser o acordo de tradição e as circunstâncias relativas ao elemento subjectivo a determinar a qualificação da detenção.” Por outro lado, Miguel Teixeira de Sousa (idem, p. 309) e Marco Carvalho Gonçalves (idem, pp. 461-464) divergem, no entanto, do quadro acima traçado quanto ao promitente comprador no âmbito de contrato dotado de eficácia real, com fundamento em que o respetivo direito deve ser exercido na ação executiva, onde lhe é reconhecida a faculdade de adquirir diretamente a coisa (artigo 831.º do Código de Processo Civil), não lhe assistindo, por isso, a faculdade de embargar de terceiro (no mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, 3ª ed., Coimbra, 2024, p. 436). O tema tem vindo também a ser abundantemente versado na jurisprudência, citando-se, em adição ao aresto acima indicado, os seguintes arestos (todos in http://www.dgsi.pt/): - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.02.2017 (José Rainho) (Processo n.º 724/09.7TBAMT.P2.S1): “III. O contrato promessa não é suscetível de, por si só, transmitir a posse ao promitente-comprador. Se, através de um acordo (que se resolve num contrato atípico ou inominado, diferenciado em si mesmo do contrato promessa e constitutivo de um direito pessoal de gozo) paralelo à promessa, o promitente-comprador obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus mas não adquire o animus possidendi, ficando pois na situação de mero detentor ou possuidor precário. IV. Porém, o promitente-comprador pode assumir em certos casos, excecionais, a qualidade de verdadeiro possuidor, conforme revelado pela ponderação casuística das circunstâncias de facto inerentes à relação negocial estabelecida (termos e conteúdo do negócio, circunstâncias que o rodearam e vicissitudes que se seguiram à sua celebração). V. Mostrando-se que o promitente-vendedor se desinteressa em benefício do promitente-comprador dos poderes inerentes à sua qualidade de proprietário, passando o promitente-comprador, que pagou quase todo o preço da venda, a praticar atos sobre a coisa que se esperam normalmente apenas de um proprietário, então estamos perante um desses casos excecionais.” - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 31.01.2012 (Francisco Caetano) (Processo n.º 1675/09.0T2AGD-A.C1): “III - Tendo a promitente-compradora efectuado parte do pagamento do preço do apartamento à imobilária e tendo-lhe esta entregue as chaves para passar a habitá-lo, o que ocorreu, mobilando-o e para ele levando todos os sues haveres e dos 2 filhos menores consigo conviventes, requisitando em seu nome e pagando o fornecimento de água, luz e gás, aí fazendo a sua vida e recebendo os amigos, como quem exerce plenos poderes sobre coisa que lhe pertence, detém a posse em nome próprio (corpus e animus) que a legitima a embargar de terceiro, por arresto posteriormente convertido em penhora sobre o imóvel; IV – O arresto, registado, não produz efeitos relativamente à posse da promitente-compradora com tradição do apartamento, na medida em que esta não é terceira relativamente ao arrestante (art.º 5.º, n.ºs 1 e 4, do CPR).” - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.06.2012 (Pedro Martins) (Processo n.º 5962/07.4TCLRS-B.L1-2): “I – Parte da doutrina admite que aquele que promete adquirir um imóvel num contrato-promessa a que não foi atribuída eficácia real (art. 413 do CC), mas que é susceptível de execução específica (arts 410/3 e 830/3, ambos do CC) pode embargar de terceiro numa execução em que executado seja o promitente-vende-dor proprietário do imóvel, se tiver intentado acção de execução específica e a tiver registado antes da penhora. (…) III – Aquele a quem é entregue, aquando de um contrato-promessa, o imóvel que promete comprar, pode, se passar a ter posse em termos de propriedade, embargar de terceiro (na execução movida contra o proprietário), mas, como não está acompanhado do direito de fundo, não tem garantias de procedência dos embargos.” - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25.06.2015 (Cristina Cerdeira) (Processo nº 707/14.5TBBNV.E1): “III) - O contrato-promessa não é, por si só, susceptível de transmitir para o promitente comprador a posse, já que o que normalmente sucede é o contrato-promessa transmitir apenas o elemento material (corpus), mas não o elemento psicológico (animus) da posse verdadeira e própria. IV) - Em determinadas circunstâncias, a averiguar casuisticamente, obtido o corpus por via da entrega da coisa, no âmbito de convenção autónoma que acompanha o contrato-promessa, o promitente comprador pode ter uma verdadeira posse, em que a prática de actos materiais sobre a coisa é feita com a intenção de exercer um direito próprio (animus) – neste caso, a posse exercida pelo promitente comprador que detém a coisa é uma posse boa para usucapião e susceptível, portanto, de levar à aquisição do direito de propriedade, justamente por se mostrar em concreto revestida do mencionado elemento psicológico, isto é, da intenção de agir como dono da coisa.” - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.06.2019 (Judite Pires) (Processo n.º 2586/15.4T8LOU-B.P1): “I - Os embargos de terceiro constituem o meio processual idóneo para a efectivação de qualquer direito do embargante incompatível com uma diligência de cariz executório, não tendo que ter, necessariamente, por fundamento a posse, mas a existência de qualquer direito incompatível com a diligência judicial ordenada. II - Não tem sido tratada consensualmente a questão de se saber se o contrato-promessa, existindo tradição, transmite para o promitente-comprador a posse sobre o bem que prometeu adquirir. III - Tal questão deve ser analisada casuisticamente, em função da forma como age o promitente-comprador em relação à coisa objecto do contrato, pressupondo sempre, todavia, a tradição da mesma.” - Acórdão do Tribunal da Relação do Guimarães de 28.11.2024 (José Carlos Duarte) (Processo n.º 3523/20.1T8VCT-C.G1): “Tendo o embargante, promitente-comprador, em contrato-promessa de compra e venda com eficácia meramente obrigacional, pago a totalidade do preço devido pela aquisição da fracção autónoma e, nessa sequência, obtido a tradição da mesma, e tendo, a partir daí, passado a praticar actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade sobre a dita fracção, com a intenção de exercer tal direito em nome próprio, o mesmo tem o direito de, mediante embargos de terceiro, defender procedentemente a sua posse contra a penhora daquela fracção autónoma na execução intentada contra o promitente vendedor e, desse modo, obter o levantamento da mesma.” 4. Revertendo ao caso concreto, verificamos que o fundamento erigido pelo Embargante para os presentes embargos de terceiro é a posse. Dos factos julgados provados decorre que o Embargante celebrou um contrato promessa de compra e venda, sem eficácia real, com a Embargada requerida no procedimento cautelar; que o Embargante pagou, a título de sinal e adiantamento do preço, a quantia de € 449.859,54, remanescendo em dívida a quantia de € 10.140,46, a pagar aquando da escritura; que as chaves do imóvel objeto da escritura lhe foram entregues, encontrando-se o Embargante a residir aí desde o dia 19.04.2024, e que esta é a única habitação de que dispõe; que o Embargante celebrou os contratos de fornecimento de energia e água e tem pago as despesas de limpeza e de conservação; que tem tentado que a Embargada requerida no procedimento cautelar celebre a escritura, e outorgou contrato promessa com eficácia real, posteriormente à inscrição do arresto no registo; e que age na convicção de exercer um direito próprio (factos provados sob 15., 25., 27., 42. e 43.). Ora, como indica o Tribunal a quo, o momento relevante para a aferição dos pressupostos do decretamento dos embargos de terceiro é a data da prática do ato alegadamente ofensivo da situação do Embargante, o que torna irrelevante o registo da promessa com eficácia real, que é posterior ao registo do arresto. Por outro lado, não está provado que o Embargante tenha instaurado e registado ação de execução específica, mas o Embargante declara que pretende celebrar a escritura, sendo essa a única interpretação possível do facto de ter sido, entretanto, celebrado novo contrato promessa de compra e venda, com um prazo de 10 anos para a outorga da escritura (facto provado sob 40.). Quanto à menção na sentença de que o Embargante não identificou o direito a que respeita a posse que invoca, menção da qual o Embargante dissente nas suas alegações (conclusão 30.), importa assinalar que foi alegado no artigo 47. da petição de embargos que o Embargante vem “Agindo como o verdadeiro dono e proprietário do objeto prometido vender e arrestado nos presentes autos”. Nesta linha, argumenta a Embargada requerente no procedimento cautelar apenso, na sua contestação, que: “42º O arresto do terreno em causa, não é incompatível nem ofende a posse do imóvel por parte do embargante. 43º Que pode viver e habitar o imóvel como se do proprietário de tratasse.” Ou seja, o Embargante alega que exerce poderes de facto sobre o imóvel correspondentes aos de um proprietário, tendo sido essa a interpretação da Embargada que contestou, como resulta do exposto. A este respeito é particularmente importante a distinção entre posse causal e posse formal, ou seja, a “posse que acompanha o direito a cujo exercício corresponde” e a posse “que existe independentemente do direito a cujo exercício corresponde”, respetivamente (Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 4ª ed., Lisboa, 2020, pp. 468-469). É essencialmente a esta última que se refere o citado n.º 1 do artigo 342.º do Código de Processo Civil (Augusta Ferreira Palma, Embargos de Terceiro, Coimbra, 2001, p. 50, nota 107). A posição do promitente comprador beneficiário da tradição da coisa e que se comporta como se fosse seu dono assenta, assim, na expectativa de aquisição do direito de propriedade, reforçada pelas circunstâncias em que ocorreu a tradição da coisa. Aduz-se, porém, na sentença sindicada que não é alegado o contexto em que ocorreu a tradição e, na verdade, o Embargante limita-se a afirmar a entrega das chaves e o facto de a partir desse momento ter feito do imóvel a sua residência, sem especificar a motivação que presidiu a essa entrega. Como explica Menezes Cordeiro (A Posse: perspetivas dogmáticas actuais, 3ª ed., Coimbra, 2000, pp. 77-78), “Tudo depende da vontade das partes: haverá, pois, que interpretar o acordo relativo à traditio usando, para isso e se necessário, todos os demais elementos coadjuvantes. Em abstracto, temos as seguintes hipóteses possíveis: - a traditio visou antecipar o cumprimento do próprio contrato definitivo; trata-se duma hipótese frequente nos casos em que o preço esteja todo ou quase todo pago; o promitente adquirente é, então, desde logo, investido num controlo material semelhante ao do proprietário, podendo falar-se em posse em termos de propriedade; - a entrega da coisa é um favor feito pelo promitente alienante; não houve pagamento do preço ou algo que dele se possa aproximar; o alienante, não obstante, por obsequiosidade ou por gentileza, entregou antecipadamente a coisa: desta feita temos algo de semelhante a um comodato, pelo que a posse do promitente adquirente se deve situar no âmbito do artigo 1133º/2; - a entrega da coisa, não sendo uma antecipação do cumprimento do definitivo não surge, porém, como mero favor; por exemplo, ela é subsequente a um “reforço” de sinal, tendo, assim, um cariz remuneratório; desta feita, surge gozo remunerado, a aproximar da locação: impõe-se uma posse tipo artigo 1037º/2. Estas distinções são importantes. No primeiro caso, a posse é boa para usucapião, podendo proporcionar, por essa via, a aquisição do domínio. Nos segundo e terceiro casos, a posse é interdictal: ela dá azo às defesas possessórias, mas não à usucapião: as situações de fundo que corresponde não são usucapíveis.” A entrega da coisa objeto do contrato não consubstancia, pois, uma situação unívoca, podendo assumir diferentes significados, em função das respetivas circunstâncias. No caso em apreço está provado que houve sucessivos reforços de sinal, em decorrência dos quais se encontra paga a quase totalidade do preço, faltando pagar apenas o correspondente a 2,2% do preço (factos provados sob 8. e 14.), o que constitui um valor pouco significativo; o Embargante procedeu ao pagamento direto de quantias a fornecedores, com vista à conclusão da construção (facto provado sob 11.); a emissão da licença de utilização foi anunciada para data muito próxima daquela em que o Embargante foi habitar o imóvel de modo permanente (factos provados sob 15., 16. e 25.), revelando que a sua construção estava, naquela data, terminada; o Embargante celebrou contratos de fornecimento de energia e água e está a pagar as despesas de limpeza e de conservação do imóvel (factos provados sob 27. e 43.), atuação que corresponde à de um proprietário. Porém, devemos ainda deter-nos nos factos provados sob 30. e 31., dos quais resulta que na data em que o Embargante iniciou a ocupação do imóvel estavam inscritas duas penhoras sobre o mesmo; no facto provado sob 2., onde se afirma que foi acordada a venda “livre de quaisquer ónus, encargos ou de responsabilidades”; e nos factos provados sob 18. a 23., dos quais se retira que a sociedade Embargada nunca deu conhecimento destas penhoras ao Embargante. Ora, disse-se acima que a existência de posse assenta na definitividade da entrega, isto é, na sua irreversibilidade, significando que o promitente vendedor se desligou da coisa, que passou a considerar como sendo já do promitente comprador, apesar de não ter ainda ocorrido a formalização do negócio. É emblemática, neste sentido, a factualidade provada no acima citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25.06.2015, onde ficou demonstrado que o promitente vendedor outorgou a favor do promitente comprador uma procuração irrevogável, mandatando-o para a celebração da escritura definitiva consigo próprio, afirmando-se aí que “ao passar uma procuração irrevogável a favor de HH, nos termos em que o fez, a requerente abdicou dos poderes juridicamente resultantes da sua qualidade de proprietária do imóvel em benefício do promitente comprador.” Ou seja, os casos excecionais em que se pode qualificar como posse a posição do promitente comprador beneficiário da tradição da coisa são aqueles em estando reunidas todas as condições para que o negócio seja formalizado, as partes não o fazem, mas agem como se o tivessem feito. Regressando ao caso vertente, vemos que na data em que foram entregues as chaves ao promitente comprador, o promitente vendedor não se encontrava em condições de cumprir o contrato, atentas as penhoras inscritas sobre o imóvel e a obrigação que sobre si impendia de outorgar uma venda livre de ónus ou encargos. Por outro lado, tendo ficado demonstrado que o promitente vendedor omitiu por completo esta situação ao promitente comprador e sendo evidente que uma penhora pode conduzir à venda do imóvel na execução correspondente, vemos que não pode afirmar-se que a situação correspondesse a um acordo das partes no sentido de se tratar de uma entrega definitiva, irreversível. Acrescente-se que a convicção do Embargante de exercitar um direito próprio não tem a virtualidade de ultrapassar os factos expostos, uma vez que o contexto não corrobora aquela convicção. Em conclusão, o Embargante não é um possuidor, logo, deve manter-se a decisão sindicada, julgando-se improcedente o recurso. O Coletivo revê-se, assim, na decisão proferida pela Relatora, entendendo mantê-la. 5. Sem custas, atendendo a que a reclamação para a conferência constitui um direito da parte nos casos em que a decisão sumária respeita a matéria da competência originária do coletivo (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 8ª ed., Coimbra, 2024, p. 351). V - Dispositivo Nos termos expostos, decide-se, em conferência, manter a decisão reclamada, pelo que se julga improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Sem custas. Notifique e registe. Sónia Moura (Relatora) Filipe Aveiro Marques (1º Adjunto) Maria Adelaide Domingos (2ª Adjunta) |