Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOSÉ CORTES | ||
Descritores: | INTERNAMENTO PREVENTIVO ANOMALIA PSÍQUICA MEDIDA DE COAÇÃO HOMICÍDIO TENTADO | ||
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Data do Acordão: | 09/16/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I - Sofrendo o arguido de anomalia psíquica, e visto o disposto no artigo 202º, nº 2, do C. P. Penal, deve ser imposta ao mesmo, em lugar da prisão preventiva, a medida de coação de “internamento preventivo em hospital psiquiátrico”. II - O Tribunal, dessa forma, determinando o internamento do arguido em estabelecimento adequado, permite que o arguido beneficie do tratamento e da segurança necessários à sua doença mental, ao invés do que sucede se for submetido a prisão preventiva (medida de coação que é, por regra, prejudicial para a condição de anomalia psíquica detetada). III - Do facto de o arguido padecer de debilidade mental não resulta, automaticamente, que esteja afetado de inimputabilidade, nem resulta estar vedada a aplicação de uma medida coativa ou de segurança (tal como não é a circunstância de ser inimputável que é impeditiva de ser julgado e de lhe ser aplicada, nessa sede, uma medida de segurança - embora não uma pena de prisão -, conforme resulta do disposto no artigo 91º do Código Penal). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, as Juízas que integram a 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO 1.1. No âmbito do Inquérito n.º 51/25.2GBADV, do qual foi extraída a certidão que constitui os presentes autos, por despacho judicial de 26 de junho de 2025, após interrogatório judicial, foi determinada a sujeição do arguido à medida de coação de Termo de Identidade e Residência (TIR) perante a inexistência de indícios da prática, pelo mesmo, de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art.º 152.º n.º 1, alínea d) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, e de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e art.ºs 22.º, 23.º e 73.º, do Código Penal, antes existindo indícios da prática de dois (2) crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. no art.º 145.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, com referência ao art.º 132.º, n.º 1 e 2, alínea a), todos do Código, e por inexistirem perigos para acautelar, não se verificando o perigo de continuação da atividade criminosa, o perigo de perturbação do inquérito, nem de perturbação da paz e tranquilidade públicas. * 1.2. Não se conformando com esta decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes CONCLUSÕES (transcrição): “i. Resulta fortemente indiciada nos presentes autos de inquérito, a prática pelo arguido E de um crime de violência doméstica agravado p. e p. pelo artigo 152.º n.º 1 alínea d) e n.º 2 alínea a) do Código Penal; e um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1 e 2, alínea a), e artigos 22.º, 23.º e 73.º do Código Penal contra a vítima Maria Isaura Francisco Candeias (mãe do arguido). ii. O Ministério Público não se conformando com a medida de coação de mero termo de identidade e residência aplicada no Douto despacho recorrido ref.ª citius nº 35557688 de 26.06.2025, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido vem do mesmo interpor recurso. iii. O objeto do presente recurso reconduz-se às seguintes questões: I. Do erro notório a apreciação da prova - artigo 410.º n.º 2 alínea c) do C.P.P.; II. Da contradição insanável da fundamentação - artigo 410.º n.º 2 alínea b) do C.P.P. III. Da verificação dos perigos do artigo 204.º C.P.P. e da insuficiência do TIR para os debelar. iv. Antes de mais, consigna-se que uma vez que a numeração dos factos considerados indiciados pelo Tribunal a quo, não corresponde - a partir do ponto 5. - à ordem/numeração dos factos constantes no despacho de apresentação, faremos referência à numeração dos factos especificando se se trata da numeração dos factos considerados indiciados pelo Tribunal a quo ou se são referentes aos constantes no despacho de apresentação. v. Salvo o devido respeito, consideramos que a Douta decisão recorrida enferma do vício do erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º n.º 2 alínea c) do C.P.P. vi. Resulta de cada elemento de prova constante, até a data, do inquérito seguinte: vii. Do teor do auto de notícia da GNR ref.ª 3048225 de 05.06.2025 resulta que no dia 02.06.2025 os Militares foram chamados pela vítima à sua residência. A vítima foi questionada pelos Militares se precisava de apoio hospitalar e a mesma respondeu que precisava apenas para o seu filho. Os Militares constaram que a vítima tinha um hematoma no braço direito e fizeram o relatório fotográfico. viii. Do auto de declarações da vítima (ref.ª 3048225 de 05.06.2025) é explicado pela vítima que o arguido padece de psicose aguda e esquizofrenia. Descreveu a vítima que também a sua irmã M, com eles residente, foi agredida pelo arguido. Afirmou a vítima que, na sequência de ter agarrado o arguido pela t-shirt para evitar que este fugisse de casa, o arguido empurrou a vítima para o chão e agrediu-a com chapadas nos braços, tentando também estrangulá-la, que gritou por socorro e vieram em seu auxílio os vizinhos. Mais referiu a vítima que já tinha sido agredida pelo arguido noutras ocasiões e que nunca informou as autoridades por vergonha da situação. Que a primeira agressão aconteceu há cerca de 4/5 anos, no meio do verão, onde o arguido lhe desferiu chapadas nos braços. Que após, existiu uma pausa nas agressões de cerca de dois anos. Passados dois anos, no inverno, o arguido desferiu chapadas na vítima e pela primeira vez, tentou estrangulá-la. Afirmou ainda a vítima que o arguido tem vindo a tornar-se muito mais agressivo nestas últimas duas semanas, não só para com ela própria, mas também com a sua irmã M. Que desde a primeira vez que o arguido a tentou estrangular, a vítima diz que não consegue dormir descansada. Que está desesperada e que teme pela sua vida. ix. Do fotograma dos hematomas na vítima (ref.ª 3048225 de 05.06.2025) é visível não apenas a nódoa negra no braço direito da vítima, mas é percetível que a mesma é obesa, e como tal, a mesma não tem a agilidade física necessária para fazer face ao arguido, e ainda para mais, em ciclos de descompensação. x. Da documentação clínica da ULSBA (ref.ª 3053921 de 13.06.2025) resulta que o arguido deu ali entrada no dia 02/06/2025 20:06:32 com “Alto risco de agressão a terceiros”, que estava “descompensado” e vinha acompanhado pela PSP e Bombeiros “por agressão à mãe com vassoura há cerca de 1 hora”. Mais consta na nota de 02-Jun-2025 20:30:30 pelo Dr. A (Atendimento Geral): “Portanto, novo episódio de heteroagressividade dirigido à mãe, semelhante a episódios anteriores, em contexto de debilidade intelectual e dificuldade no controlo de impulsos já conhecida”. Esta informação reforça a ideia de que é costume o arguido ter este tipo de comportamento fisicamente agressivo para com a vítima sua mãe. Na nota datada de 03-Jun-2025 15:58:03, pela Dr. Y (Psiquiatria) consta que o arguido é “Hiperfrequentador de SU por episódios de comportamentos disruptivos e agressivos, que ocorrem sempre com a família (mãe, tia)”, pelo que, os factos constantes do despacho de apresentação não se trataram de episódios pontuais, e daqui decorre que também a tia já foi vítima de agressões por parte do arguido. xi. Da documentação clínica da ULSBA (ref.ª 3053921 de 13.06.2025) é percetível a falta de autonomia do arguido relativamente à vítima sua mãe na nota datada de 03-Jun-2025 19:49:06 pela Dr. Y (Psiquiatria): “Foi contactada família do doente pela AT de SU para informar sobre a alta do doente. O número da mãe foi atendido pela tia, que disse que a mãe do doente está em Évora até a próxima 6a feira e não vai poder recebê-lo em casa até regressar.”; também na nota de 6.ªf. 04-Jun-2025 21:35:55 da Dr. P (Medicina) “Segundo informação verbal na passagem de turno, a mãe virá buscá-lo na próxima 6.ªf.”; e na nota de 06-Jun-2025 11:52:15 da Dr. P (Medicina) “Teve alta por parte da Psiquiatria no dia 03/06/2025, mas por a mãe estar ausente apenas seria possível o seu regresso ao domicilio hoje dia 06/06.” xii. Infere-se também da nota de 06-Jun-2025 11:52:15 da Dr. P (Medicina) que o arguido é seguido em Psiquiatria “Doente com seguimento em Psiquiatria (PDI e alterações do comportamento), avaliado por mais um episódio de heteroagressividade para com a mãe no dia 02/06.” xiii. Consta também na referida documentação clínica da ULSBA ref.ª 3053921 de 13.06.2025 a informação que o arguido ficou internado no dia 02.06.2025 e teve alta a 06.06.2025. xiv. Da prova supra citada, não se concebe, que da mesma não se considerem como fortemente indiciados os factos constantes no despacho de apresentação. xv. No Douto despacho recorrido, o Tribunal a quo parece dar a entender que a vítima poderá ter dado motivos para o sucedido, quando refere: “De facto, o arguido não prestou declarações, sendo que dos autos apenas constas as declarações da ofendida, sua progenitora, pessoa com 59 anos, e uma imagem fotográfica dos hematomas que a ofendida sofreu no braço direito, sendo duvidosa, e ainda pro apurar as concretas circunstâncias em que tais factos aconteceram.” xvi. Pese embora tenha citado a Doutrina e a Jurisprudência adequadas à fase embrionária do inquérito, o Tribunal a quo posteriormente na sua fundamentação, aparenta exigir um repertório probatório testemunhal semelhante à fase do julgamento: “Só por si, as declarações prestadas pela ofendida perante a autoridade policial, sem qualquer outro meio de prova produzida, não obstante o lapso temporal decorrido desde a alegada pratica dos factos e o momento em que o arguido é presente a 1.º interrogatório (quase um mês), só por si não permitem ao tribunal afirmar resultarem fortemente indiciados os factos imputados ao arguido.” xvii. Por outro lado, o Tribunal a quo quase que insinua ser necessária uma perícia médico-legal psiquiátrica para que o arguido pudesse ser presente a primeiro interrogatório judicial quando refere que: “Contudo, e parca informação médica constante nos autos, a saber, documentação clínica ULSBA (ref.ª 3053921 de 13.06.2025), resulta que o arguido tem problemas de foro psíquico, (…). Quanto à patologia que afecta o mesmo, também é quase inexistente informação dos autos quando à mesma (…) Tudo o demais vertido nos documentos médicos, por consubstanciarem depoimentos indiretos, não podem ser valorados pelo tribunal. Pese embora, no parágrafo que imediatamente antecede conste que a indiciada inimputabilidade do arguido é visível aos olhos do Tribunal a quo: “No mais, verificou-se que aquando do primeiro interrogatório o arguido se mostrava um pouco alheado do tempo e do espaço, pelo que se suscitam fortes reservas de que o arguido esteja na pleno uso das suas capacidades intelectuais e mentais.” Além disso, temos dúvidas que Tribunal a quo possa desvalorizar o teor quase integral da informação clínica da ULSBA (ref.ª 3053921 de 13.06.2025), em contexto de um primeiro interrogatório judicial, com um pretenso conceito de “depoimento indireto dos documentos médicos”. xviii. Afirmou o Tribunal a quo que “No que à tentativa de estrangulamento e falta de ar concerne, apenas disse a ofendida nas suas declarações que o mesmo tentou estrangula-la, sem mais, e tendo a mesma pedido socorro. Ora, não se percebe ainda como, não foi a mesma a uma unidade hospitalar após tal ter ocorrido, e de onde resulta a factualidade que a mesma ficou com falta de ar, se a própria diz que gritou por socorro, o que só por si, permite inferir que não ficou quase inconsciente.” A esganadura não fatal em contexto de violência doméstica é um alerta vermelho que não podia ser desvalorizado desta forma pelo Tribunal a quo, ainda para mais, seguido da necessidade de intervenção de vizinhos para fazer cessar tal agressão, o que revela uma ideia global de desespero da vítima e de descontrolo do arguido na via pública, perante terceiros, e não uma pretensa falta de credibilidade da vítima porque não podia gritar por socorro enquanto lhe apertavam o pescoço. Por outro lado, consta expressamente no auto de notícia que a vítima quando lhe foi perguntado de precisava de apoio hospitalar, a mesma respondeu que ela não, mas o seu filho sim. Esta frase, dita pela vítima à GNR no rescaldo dos acontecimentos revela bem o sacrifício pessoal que esta mãe tem feito, em prol do bem-estar do seu filho, pelo que, não concordamos com a apreciação que o Tribunal a quo fez das declarações da vítima. xix. Com o teor do auto de declarações da vítima (que é a testemunha principal da factualidade constante do despacho de apresentação), não podia o Tribunal a quo desvalorizá-lo. Ainda para mais, quando no auto de declarações da vítima consta que a mesma referiu ter vergonha da situação (de ser maltratada fisicamente pelo próprio filho) e que só teve coragem de falar por sentir que a sua vida estava em risco, por estar desesperada. xx. O Tribunal a quo atribuiu a uma vítima que prestou declarações, o mesmo valor probatório que atribuiria a uma vítima que não tivesse prestado quaisquer declarações. Pelo que, não nos conformamos que as declarações da vítima não permitam“ ao tribunal afirmar resultarem fortemente indiciados os factos imputados ao arguido”. xxi. Referiu o Tribunal a quo que “Resulta ainda das declarações da ofendida, que a mesma não tem medo do arguido”, mas isso é o oposto do que está escrito no auto de declarações da vítima (ref.ª 3048225 de 05.06.2025): “A vítima afirma que não consegue dormir descansada desde a primeira vez que o Suspeito a tentou estrangular. Que teme que o Suspeito utilize objetos para a agredir, tanto a si como outro elemento da família. Que está desesperada, sem saber o que fazer com a situação. Que teme pela sua vida.” xxii. A coragem da vítima em prestar declarações é especialmente notável quando comparada com a atitude da tia do arguido, com eles também residente, que recusou prestou prestar declarações contra ele. O vínculo materno é, por norma, mais forte que o vínculo entre tia e sobrinho, pelo que, daqui se infere que a vítima estará a sentir um grande desespero para vir pedir ajuda, neste momento. Esse pedido de auxílio da vítima deveria ser imediatamente ouvido pelas autoridades judiciárias. Ao invés, o Tribunal a quo deixou a situação da vítima precisamente igual ao que estava, deixou o arguido a residir com uma vítima que se queixou de nem conseguir dormir descansada na própria casa por ter medo do arguido e temer pela sua integridade física e pela sua vida. xxiii. Deixar a situação igual, é especialmente censurável neste caso concreto, porque a vítima é a cuidadora do arguido doente psiquiátrico. xxiv. Considerou ainda o Tribunal a quo que “De facto, o facto de o arguido ser filho da ofendida, só por si, não permite enquadrar os factos no âmbito de violência doméstica, pois não vem invocado nenhum único facto que permita ao tribunal inferir que a ofendida é pessoa particularmente indefesa, nos termos do art. 152.º n.º 1 al. d) do C.P. ” Contudo, resulta do facto 8. considerado indiciado pelo Tribunal a quo que o arguido tem força suficiente para empurrar o corpo da ofendida ao chão, sendo que a mesma - conforme é visível no fotograma ref.ª 3048225 de 05.06.2025 é obesa e como tal -não tem agilidade física para fazer face ao arguido. Em abstrato, a vítima não é particularmente indefesa. Contudo, em concreto, colocada a pessoa da vítima em confronto com a pessoa do arguido, é especialmente cruel o arguido agredi-la, porque a vítima, com a compleição física que tem, não se consegue dele se esquivar atempadamente, nem se conseguiu levantar do chão rapidamente, e por isso,emactocontínuooarguidoapósempurrá-laparaochão,desferiu-lhechapadas nos dois braços e apertou-lhe o pescoço. Uma pessoa de compleição física normal, mesmo que tivesse caído ao chão com a força do empurrão, teria tido maior probabilidade de conseguir levantar-se de imediato e fugir do arguido. xxv. O ponto 7 dos factos considerados indiciados pelo Tribunal a quo não corresponde ao que estava redigido no facto 8.º do despacho de apresentação, designadamente, está em falta a parte final da frase: “deixando a vítima com dores e nódoas negras”. Não concordamos com a eliminação dessa parte final, e com a sua colocação na alínea b. dos factos que não se consideram indiciados, por tal resultar evidente dos fotogramas dos hematomas na vítima (ref.ª 3048225 de 05.06.2025). xxvi. Mais sustentou o Tribunal a quo “No mais, e diga-se que volvidos cerca de 24 dias desde que foi apresentada a queixa pela ofendida, apenas foram tomadas declarações à mesma, retirando das mesmas o tribunal dois episódios isolados, parcamente circunstanciados. Ora, não foram feitas outras diligências de prova que permitissem ao tribunal considerar tais factos como indiciados ou fortemente indiciados.” xxvii. Atenta a natureza dos crimes aqui em causa (violência doméstica e homicídio na forma tentada) e ao facto de a vítima residir com o arguido, impunha-se não perder tempo desnecessário e serem-lhe aplicadas medidas de coacção o quanto antes, uma vez que, a cada dia que passa, existe o risco de uma tragédia suceder na casa do arguido e da vítima. xxviii. Os factos constantes no despacho de apresentação foram muito graves e recentes, pelo que, se a Justiça não se fizesse sentir rapidamente ao arguido quando este tentou estrangular a própria mãe no meio da rua, o mesmo iria sentir-se impune, a vítima iria sentir-se desprotegida e as pessoas que assistiram a tal episódio iriam sentir que o Tribunal nada fez. xxix. A vítima e o arguido residem em (…..) que é uma pequena localidade. Nas pequenas localidades rurais, é das regras da experiência comum que tudo se comenta e tudo se sabe de forma rápida. Se os vizinhos e a vítima começassem a ser notificados para prestarem declarações como testemunhas, com grande probabilidade, o efeito surpresa dos mandados de detenção fora de flagrante delito se perderia, e aumentaria exponencialmente o risco para a vítima, uma vez que o arguido, iria acabar por saber que se estava a recolher prova testemunhal contra ele. xxx. O efeito dissuasor de um primeiro interrogatório judicial, em contexto de crime violência doméstica, perde-se com aplicação de um mero T.I.R. por parte do Tribunal a quo, pelo que, não nos conformamos com tal medida face ao teor da prova até agora carreada aos autos. xxxi. Assim, o teor das alíneas a., b., c., d., e., f., g., h., i., j., e k., dos factos não considerados indiciados pelo Tribunal a quo contende com o teor da prova até agora colhida no inquérito: o auto de notícia (ref.ª 3048225 de 05.06.2025), o auto de declarações da vítima (ref.ª 3048225 de 05.06.2025), os fotogramas dos hematomas na vítima (ref.ª 3048225 de 05.06.2025) e a documentação clínica ULSBA (ref.ª 3053921 de 13.06.2025). xxxii. Acresce ainda que, salvo o devido respeito, consideramos que a Douta decisão recorrida padece do vício da contradição insanável da fundamentação, nos termos do artigo 410.º n.º 2 alínea b) do C.P.P. xxxiii. Se o Tribunal a quo considerou que da prova até agora constante do inquérito – o auto de notícia (ref.ª 3048225 de 05.06.2025), o auto de declarações da vítima (ref.ª 3048225 de 05.06.2025), os fotogramas dos hematomas na vítima (ref.ª 3048225 de 05.06.2025) e a documentação clínica ULSBA (ref.ª 3053921 de 13.06.2025) eram suficientes para dar como indiciados os factos do despacho de apresentação 1.º a 3.º e 5.º a 8.º, então não faz sentido que o mesmo acervo probatório não seja suficiente para dar como indiciados os factos 9.º a 17.º, cujo alicerce documental e testemunhal (relato da vítima) é precisamente o mesmo. xxxiv. Não faz sentido que o auto de declarações da vítima (ref.ª 3048225 de05.06.2025) seja apto a dar como indiciados os factos menos graves 1.º a 3.º e 5.º a 8.º, e que, simultaneamente, não seja apto a dar como indiciados os factos mais graves 9.º a 17.º do despacho de apresentação. xxxv. O ponto 8. dos factos considerados indiciados pelo Tribunal a quo não corresponde a nenhum dos factos constantes do despacho de apresentação, o qual tinha o elemento subjectivo redigido de forma a adequar-se à fortemente indiciada inimputabilidade do arguido. xxxvi. Ao inovar no ponto 8. dos factos considerados indiciados – de que o arguido sabia “que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal”, como se arguido estivesse indiciado como imputável - o Tribunal a quo entra em contradição com o ponto 3 dos factos considerados indiciados: “O arguido E padece de psicose aguda e esquizofrenia” e com o seguinte parágrafo da fundamentação do despacho recorrido: “No mais, verificou-se que aquando primeiro interrogatório o arguido se mostrava um pouco alheado do tempo e do espaço, pelo que se suscitam fortes reservas de que o arguido esteja na pleno uso das suas capacidades intelectuais e mentais.” xxxvii. O Tribunal a quo constatou nos pontos 11., 12. e 14. dos factos considerados indiciados que o arguido reside com a progenitora (vítima), está desempregado e não sabia o mês em que se encontrava, apenas sabia o dia e o ano. Esta falta de capacidade de se situar no tempo, não é compatível com a pretensa imputabilidade que se considerou indiciada pelo Tribunal a quo no ponto 8. dos factos considerados indiciados. xxxviii. O Tribunal a quo considerou que a vítima não tem medo do arguido porque o impede de ele fugir de casa: “Resulta ainda das declarações da ofendida, que a mesma não tem medo do arguido, até porque os episódios por si relatados o são em contexto que esta pede para este voltar para casa, e usa da sua força corporal (amarrar o mesmo pela tshirt) para ele não sair de casa, atenta a patologia de que padece. Contudo, não conseguimos alcançar a lógica da correlação que o Tribunal a quo faz entre as duas situações. O facto da vítima ter medo do arguido advém de a mesma ter sido agredida por ele, e receia que tal ímpeto do arguido se repita. Já o facto de a vítima impedir que o arguido fuja de casa, é um acto de proteção, porque o arguido não pode estar desacompanhado atenta a doença de que padece, sendo uma forma da vítima evitar que algo de mal lhe aconteça. Atendendo à doença psiquiátrica que o arguido tem, se a vítima sua cuidadora, o deixasse fugir sem nada fazer, poderia até incorrer num crime de exposição ou abandono, p. e p. pelo artigo 138.º do Código Penal. O cumprimento do dever de garante por parte da vítima, para com o arguido seu filho doente, não pode ser confundido com uma falta de credibilidade do medo que a mesma afirma ter que o arguido a possa voltar a agredir. xxxix. Também se revela de difícil alcance o seguinte excerto da fundamentação do outo despacho recorrido: “Diga-se ainda que se o arguido representa-se uma perigosidade tal para si e para os que o rodeiam, acredita o tribunal que o mesmo estaria internado na ala psiquiátrica do Hospital de Beja, pois lá em episódio de urgência, contudo não foi determinado pelos médicos que o mesmo assim ficasse lá.” Ora, a Lei de Saúde Mental tem um âmbito diverso e pressupostos distintos daqueles que presidem à aplicação de medidas de coação no âmbito do processo penal. Os pressupostos do internamento involuntário da Lei de Saúde Mental são distintos dos pressupostos do internamento preventivo no processo penal e o Tribunal a quo expressa ter o entendimento que ambos os regimes estão interligados, como se o internamento involuntário fosse pressuposto do internamento preventivo, o que não corresponde à legislação vigente. E, a nosso ver, estão verificados os pressupostos do internamento preventivo no caso concreto. xl. Ao contrário do perfilhado pelo Tribunal a quo consideramos que o T.I.R. não é apto a debelar os perigos do artigo 204.º do C.P.P. que aqui, a nosso ver, se verificam. xli. Considerou o Tribunal a quo que não existe perigo de continuação da atividade criminosa “De facto, e tendo os factos ocorrido alegadamente em 26.05.2025 e 02.06.2025, volvidos 24 dias, o arguido continua a residir ora com a ofendida, ora com o demais agregado familiar, pelo que tudo leva a querer que a ter acontecido tais factos, os mesmos consubstanciam episódio isolado.” Contudo, tal é contraditório com auto de declarações da vítima (ref.ª 3048225 de 05.06.2025), por do relato da vítima se extrair que não foi a primeira vez que o arguido a agrediu e não foi a primeira vez que o arguido a tentou estrangular. Nos ciclos da violência doméstica, é assente nas regras da experiência comum que, não é por não ter acontecido nada em 24 dias, que não irá voltar a acontecer. Acresce ainda, que a vítima foi ouvida apenas no dia do auto de declarações datado de 05.06.2025, pelo que, se desconhece se é verdade que mais nada aconteceu desde esse dia da inquirição, uma vez que o arguido teve alta da ULSBA no dia seguinte à inquirição, a 06.06.2025. xlii. Os factos descritos no despacho de apresentação demonstram um flagrante desrespeito pela integridade física e psíquica da vítima e denunciam a personalidade fisicamente agressiva do arguido. O arguido apresenta descompensações do foro psiquiátrico, revelando agressividade física e verbal quer contra a sua mãe, a qual é sua cuidadora, interpretando os atos de proteção da sua mãe como ataques. xliii. Da documentação clínica ULSBA (ref.ª 3053921 de 13.06.2025) decorre que os ímpetos de agressividade do arguido com a vítima são frequentes. Atenta a sua gravidade, tais factos evidenciam de forma notória que o arguido padecendo de doença do foro psiquiátrico tem dificuldade em controlar a sua impulsividade e reatividade, quer dentro da habitação que partilha com a ofendida sua mãe, quer na rua em frente a terceiros. Assim, entendemos ser inequívoco o perigo de continuação da atividade criminosa. xliv. Considerou o Tribunal a quo que não existe perigo de fuga: “Por outro lado, e o arguido encontra-se desempregado, claramente não é pessoa orientada no tempo, pelo que não dispondo de meios económicos, nem condições para o efeito, não se pondera que exista perigo de fuga.” Contudo, as tendências de fuga do arguido resultam não só do auto de declarações da vítima (ref.ª 3048225 de 05.06.2025), como da documentação clínica ULSBA (ref.ª 3053921 de 13.06.2025): “04-Jun-2025 21:35:55 Já fez duas tentativas de fuga do serviço...; (…) 05-Jun-2025 03:24:28 Doente fugiu do serviço e foi agora trazido pela PSP(…); 05-Jun-2025 14:44:01Várias tentativas de fuga do serviço.” Assim, consideramos que existe perigo de fuga porque o arguido, tem o hábito de tentar fugir, tendo sido na decorrência de uma dessas fugas que ocorreram os factos mais graves fortemente indiciados. xlv. Entendeu o Tribunal a quo que não existe perigo de perturbação do inquérito: “Quanto à perturbação do inquérito, não denotamos nenhum traço de personalidade ou postura do arguido, ou factos de gravidade tal que possam sem mais, permitir afirmar que o arguido praticará actos perturbadores do inquérito.” Contudo, ao contrário do sufragado pelo Tribunal a quo consideramos que existe perigo de perturbação do inquérito porque a vítima ainda não prestou declarações para memória futura, disse ter vergonha da situação e que sente medo do arguido. A ofendida encontra-se debilitada psicologicamente e fisicamente, e como tal, existe o risco de o arguido estando perto da mesma, que seja agressivo, para a desencorajar a colaborar com a investigação. xlvi. Da prova carreada aos autos resulta um alto risco de agressão do arguido à vítima sua mãe. Como tal, a nosso ver, é imprescindível à proteção da vítima o internamento preventivo do arguido, nos termos do artigo 202.º n.º 2 do Código de Processo Penal. xlvii. Atenta a doença psiquiátrica do arguido não se vê que as medidas de coação previstas nos artigos 198.º e 200.º do Código de Processo Penal sejam suficientes para afastar os referidos perigos. Por outro lado, seriam inviáveis face à ausência de autonomia do arguido. xlviii. Nestes termos, só uma medida detentiva da liberdade poderá acautelar adequadamente o perigo de continuação da atividade criminosa. xlix. Não tendo o arguido alternativa a residir na casada mãe, a manutenção da situação atual significa sujeitar a vítima a ter que acolher em sua casa pessoa que quer ver afastada porque contra si praticou crime, temendo pela sua vida, de tal forma que ultrapassou a vergonha de denunciar a situação pela qual está a passar nas mãos do próprio filho. l. A proteção da vítima implica necessariamente a imposição ao arguido de medida coativa privativa da liberdade; a adequação e proporcionalidade impõem que essa privação da liberdade do arguido seja funcionalizada, na medida do possível, à remoção do elevadíssimo perigo de continuação da atividade criminosa por via do contrabalanço e revisão permanente da medicação psiquiátrica para manter controlado o seu comportamento de perpetrar contra terceiros maus-tratos físicos. i. Na atualidade, existe o perigo de que, permanecendo o arguido em liberdade, com elevada probabilidade voltará a ter comportamentos agressivos para com a mãe. lii. Existe perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública por parte dos factos terem ocorrido na via pública, à frente dos vizinhos, o que é potenciador de sentimentos de insegurança e intranquilidade. liii. Os elementos constantes dos autos revelam de forma clara a personalidade violenta e impulsiva do arguido, sendo absolutamente evidente que o arguido é perigoso, impetuoso e imponderado, não tendo qualquer autodomínio e reagindo de forma agressiva sempre que é contrariado, ou sempre que está chateado. liv. Os factos fortemente indiciados não tiveram um fim trágico por a vítima ter sido prontamente ajudada por terceiros. Se a vítima estivesse sozinha em casa, não tinha tido hipótese face à força física do arguido e à ausência de compleição física da pessoa da vítima para se defender de tais ímpetos. lv. Inexiste a possibilidade do arguido ir para a casa de outro familiar, porquanto, existe um elevado risco de agressividade física por parte do arguido, e ao qual, quem reside com ele está sujeito. lvi. Em concreto, não existe nenhuma medida de coação menos gravosa do que o internamento preventivo que seja apta a cessar os perigos enunciados. lvii. Pelo exposto, promove-se que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito, para além do Termo de Identidade e Residência já prestado, a internamento preventivo, medida esta que se entende como suficiente, necessária e adequada às exigências cautelares que o caso em apreço requer e, designadamente à proteção da vítima, tudo nos termos das disposições conjugadas dos artigos 191.º a 193.º, 196.º, 202.º, n.º 1, al. b), e n.º 2 e 204.º, alíneas a), b) e c) todos do Código de Processo Penal e artigo 31.º n.ºs 1 e 3 da Lei nº 112/2009 de 16 de setembro.” * 1.3. Notificado da interposição do recurso, respondeu o arguido, com os fundamentos explanados na respetiva motivação, que condensou nas seguintes CONCLUSÕES (transcrição):“1. O Tribunal a quo andou bem ao decidir da forma que decidiu. 2. Bem sabendo que o Arguido padecia de uma situação do foro mental, foi o mesmo detido para primeiro interrogatório. 3. Situação que comprometeu gravemente a sua defesa, direito constitucionalmente protegido. 4. Nunca um arguido que padece de doença do foro mental grave, pode ser submetido a um ambiente de “prisão”, de detenção. 5. Pelo que, por decisão da sua defesa, através da patrona signatária, que já conhecia o Arguido de anterior processo, em que o mesmo foi absolvido, que correu termos com o número 201/18.5T9ADV, no Juízo Central Cível e Criminal de Beja – Juiz 4, o mesmo não prestou declarações agora. 6. Pretendendo a defesa que o Arguido prestasse declarações fora do mencionado contexto, mais favorável a que o mesmo se explicasse. 7. O Ministério Público deveria ter aguardado para apurar melhor a verdade dos factos. 8. No mencionado dia, perante a sua defensora e perante os GNR presentes, que procederam à sua detenção e condução ao Tribunal e poderão confirmar o ora relatado, se necessário, o Arguido, relatou que a sua mãe, de quem é totalmente dependente, o terá levado a um “bruxo” e aí terá adquirido uns comprimidos que lhe terá dado e provocado as situações descritas; tendo o arguido tomado esses comprimidos em cada uma dessas situações; não obstante o mesmo não se lembrar se as mesmas ocorreram, pelo que nem pode admitir os factos ou a dinâmica de como ocorreram, por não se recordar. 9. Relatou ainda, dentro das suas limitações, que a pessoa a quem foram adquiridos comprimidos, completamente fora de qualquer administração prevista por um médico, se chamava M, trabalha na área da construção e reside na (……), onde também o arguido e queixosa residem. Urge apurar estes factos!!! 10.Nomeadamente se a mãe providencia pelo acompanhamento psiquiátrico do filho, da forma devida, conforme sugere a perícia trazida à colação e conforme, naturalmente, a sua condição exige. 11.Quem está a sofrer de violência/agressão? A mãe ou o filho? 12.As situações descritas, a serem verdadeiras, foram causas e provocadas pelo quê? 13.Não obstante as limitações mentais do arguido, não pode o seu direito à defesa ser colocado levianamente em causa; não podem ser aplicadas ao arguido medidas restritivas da liberdade sem que o mesmo seja ouvido em ambiente adequado e que não lhe cause stress e pressão. 14.É inaceitável e incompreensível a situação a que o arguido foi sujeito, uma detenção por OPC, que limitou o seu direito de defesa. 15.No mencionado processo anterior, existiu perícia, que comprova claramente que o arguido é inimputável, conforme relatórios que agora se juntam. 16.Desconhecem-se se os factos sub judice são ou não verdadeiros, pois o arguido não tem memória dos mesmos terem ocorrido. 17.Contudo, não existe claramente prova suficiente da ocorrência dos factos, do contexto em que ocorreram, nem o que desencadeou os mesmos. 18.Nem a alegada queixosa ainda prestou declarações para memória futura, pelo que se desconhece se a mesma foi devidamente advertida dos seus direitos e consequências das suas declarações em relação ao seu filho. 19.Nem as declarações da mesma foram devidamente confirmadas perante magistrado, nomeadamente, para memória futura. 20.Pelo que numa fase manifestamente embrionária do processo, não pode ser aplicada qualquer medida de coação a uma pessoa particularmente indefesa e que poderá sim ser a verdadeira vítima. 21.Mais se reiterando todos os demais fundamentos da douta decisão recorrida, que fez uma análise independente e justíssima de uma situação claramente duvidosa.” * 1.4. Foi aberta vista, nos termos do art.º 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, tendo a Exa. Procuradora Geral Adjunta proferido douto parecer no qual pugna pelo provimento do recurso.* 1.5. Foi cumprido o estabelecido no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo sido apresentada resposta pelo recorrente ao parecer do Exo. Procurador Geral, na qual reitera o teor da resposta ao recurso apresentado.* 1.6. Colhidos os vistos e realizada a conferência a que alude o art.º 419.º, do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir.** II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Âmbito do recurso e questões a decidir Conforme entendimento pacífico são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto do recurso submetido à apreciação do tribunal de recurso, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que seja ainda possível conhecer. Face às conclusões apresentadas pelo recorrente da respetiva motivação, extraímos, sequencialmente, as seguintes questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso: 1.ª Determinar se a decisão padece dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, alíneas b) e c), do Código do Processo Penal – contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova; 2.ª Da (in)existência dos fortes indícios da prática pelo recorrente dos crimes que lhe foram indiciariamente imputados em sede de primeiro interrogatório judicial; 3.ª Determinar se estão ou não verificados os perigos constantes das alíneas a) a c), do art.º 204.º, do Código do Processo Penal e se deve ser aplicada ao arguido a medida de coação de internamento preventivo. * 2.2. A decisão recorrida2.2.1. Factos que o tribunal recorrido considerou indiciados: 1. O arguido E nasceu em 25.11.2000, é filho da vítima M, nascida em 27.11.1966, coabitando ambos na residência sita na (…..). 2. Também vive na referida residência M, nascida a 30.12.1956, a qual, é irmã da vítima e tia do arguido. 3. O arguido E padece de psicose aguda e esquizofrenia. 4. No dia 26.05.2025 o arguido formulou o propósito de fugir de casa e foi impedido pela vítima. 5. Nessa sequência, o arguido de modo não concretamente apurado provocou hematoma no braço direito da vítima, desferiu chapadas no braço direito da vítima, deixando-o com hematomas. 6. Após, o arguido munido de uma vassoura, tentou atingir o corpo da vítima. 7. No dia 02.06.2025, pelas 18h00m, o arguido fugiu de casa, e quando a vítima M foi ao seu encalce para o trazer de volta para casa, o arguido empurrou-a com força tal que a mesma caiu ao chão, e em acto contínuo, desferiu-lhe chapadas nos dois braços. 8. Com os factos descritos, o arguido agiu com o propósito de agredir fisicamente a ofendida. 9. O arguido nasceu em 25.11.2000. 10. Tem nacionalidade portuguesa. 11. Encontra-se desempregado. 12. Reside com a progenitora, com a sua irmã e com a tia e padrinho. 13. Tem o 12.º ano de escolaridade. 14. Aquando do primeiro interrogatório não soube indicar em que mês se encontrava, apenas indicando o dia e ano. 15. O arguido não regista condenações pela prática de ilícitos criminais. 2.2.2. Factos que o tribunal recorrido considerou não indiciados: a. Devido à doença de que padece o arguido precisa de estar permanentemente acompanhado. b. Devido ao descrito em 7) o arguido tivesse deixado a vítima com dores e nódoas negras. c. O arguido com as duas mãos apertou, com força, o pescoço da vítima, deixando-a momentaneamente sem ar, só não tendo logrado matá-la, pela rápida intervenção de um vizinho e da irmã da vítima, que a vieram acudir e separaram o arguido da vítima. d. Esta não foi a primeira vez que o arguido agrediu fisicamente a vítima. e. A vítima teme pela sua integridade física e pela sua vida, não consegue dormir descansada na própria casa, por não ter capacidade física para se impor à pessoa do arguido, se o mesmo voltar a repetir a conduta. f. Com as condutas supra descritas, o arguido agiu sempre com o propósito conseguido de perturbar, amedrontrar psicologicamente a vítima, fazendo-a temer pela sua integridade física, e de lhe causar, como efetivamente causou, humilhação e sofrimento, o que quis e logrou, bem sabendo que a sua conduta era adequada a provocar tais resultados que praticava tais actos contra a sua mãe ofendida com ele residente. g. O arguido, com a sua conduta de apertar o pescoço à vítima, visou tirar-lhe a vida, não ignorando que era a sua mãe, e representou a morte desta como consequência direta do estrangulamento que efetuou, considerando e conhecendo a perigosidade do meio utilizado, e a zona do corpo em causa, o que apenas não logrou por motivos alheios à sua vontade. h. O arguido tem traços de personalidade de agressividade, os quais se indicia terem origem na sua patologia psiquiátrica. i. Em consequência, o arguido à data dos factos e atualmente, poderá ter uma reduzida capacidade para avaliar a ilicitude dos factos e tem uma reduzida capacidade de se poder determinar em função dessa avaliação. j. Situação essa em que poderá ter atuado aquando da prática dos factos acima descritos e que lhe poderá ter limitado a capacidade de discernimento e de determinação, de avaliação das consequências e da ilicitude de tais actos. k. Devido à impulsividade explosiva que apresenta, existe um sério risco de que o arguido venha a incorrer na prática de factos ilícitos típicos da mesma espécie deste ou até de outros. 2.2.3. Fundamentação dos factos indiciados: Em concreto, da análise dos referidos elementos probatórios, bem como da relacionação de todos eles, o Tribunal não teve dúvidas em considerar que se encontram apenas indiciados os factos acima descritos. De facto, o arguido não prestou declarações, sendo que dos autos apenas constas as declarações da ofendida, sua progenitora, pessoa com 59 anos, e uma imagem fotográfica dos hematomas que a ofendida sofreu no braço direito, sendo duvidosa, e ainda pro apurar as concretas circunstâncias em que tais factos aconteceram. Só por si, as declarações prestadas pela ofendida perante a autoridade policial, sem qualquer outro meio de prova produzida, não obstante o lapso temporal decorrido desde a alegada prática dos factos e o momento em que o arguido é presente a 1.º interrogatório (quase um mês), só por si não permitem ao tribunal afirmar resultarem fortemente indiciados os factos imputados ao arguido. No mais, verificou-se que aquando primeiro interrogatório o arguido se mostrava um pouco alheado do tempo e do espaço, pelo que se suscitam fortes reservas de que o arguido esteja na pleno uso das suas capacidades intelectuais e mentais. Contudo, e parca informação médica constante nos autos, a saber, documentação clínica ULSBA (ref.ª 3053921 de 13.06.2025), resulta que o arguido tem problemas de foro psíquico, contudo, foi sempre dada alta ao mesmo, não se tendo mantido o mesmo internado, nem sendo o tribunal conhecedor de que corre a favor do mesmo processo de tratamento involuntário. Quanto à patologia que afeta o mesmo, também é quase inexistente informação dos autos quando à mesma, apenas constando “Paciente com seguimento prolongado no DSM, frequentador do SU. A aguardar resolução Social”. Tudo o demais vertido nos documentos médicos, por consubstanciarem depoimentos indiretos, não podem ser valorados pelo tribunal. Assim, deu o tribunal como indicados os factos constantes nos pontos 1) a 8) dos factos indiciados atento a narrativa da ofendida perante os órgãos de policia criminal, auto de notícia (ref.ª 3048225 de 05.06.2025), auto de declarações da vítima (ref.ª 3048225 de 05.06.2025), fotogramas dos hematomas na vítima (ref.ª 3048225 de 05.06.2025) e documentação clínica ULSBA (ref.ª 3053921 de 13.06.2025). Quanto aos factos constantes dos pontoa 9) a 15), advieram os mesmos das declarações do arguido. Todavia, a propósito dos factos descritos nos pontos a) a k), o lastro probatório quanto a tais factos é ténue, no sentido de se poder formular um juízo de forte indiciação, ou até de indiciação. De facto, está o tribunal, ao que parece, perante um quadro típico de existência de “digladiação” de ambos os progenitores em contextos pós divórcio e de disputa de exercício das responsabilidades parentais. Resulta ainda das declarações da ofendida, que a mesma não tem medo do arguido, até porque os episódios por si relatados o são em contexto que esta pede para este voltar para casa, e usa da sua força corporal (amarrar o mesmo pela tshirt) para ele não sair de casa, atenta a patologia de que padece. No mais, e diga-se que volvidos cerca de 24 dias desde que foi apresentada a queixa pela ofendida, apenas foram tomadas declarações à mesma, retirando das mesmas o tribunal dois episódios isolados, parcamente circunstanciados. Ora, não foram feitas outras diligências de prova que permitissem ao tribunal considerar tais factos como indiciados ou fortemente indiciados. Diga-se, ainda, que se o arguido representasse uma perigosidade tal para si e para os que o rodeiam, acredita o tribunal que o mesmo estaria internado na ala psiquiátrica do Hospital de Beja, pois lá em episódio de urgência, contudo não foi determinado pelos médicos que o mesmo assim ficasse lá. No que à tentativa de estrangulamento e falta de ar concerne, apenas disse a ofendida nas suas declarações que o mesmo tentou estrangula-la, sem mais, e tendo a mesma pedido socorro. Ora, não se percebe ainda como, não foi a mesma a uma unidade hospitalar após tal ter ocorrido, e de onde resulta a factualidade que a mesma ficou com falta de ar, se a própria diz que gritou por socorro, o que só por si, permite inferir que não ficou quase inconsciente. Assim, atenta a parca prova constante dos autos, e em função das razões expendidas, considera-se que os factos constantes nos pontos 1) a 15) estão indiciados. ** 2.3. Apreciação do recurso Questão prévia: Admissibilidade da apresentação de documentos com o recurso O arguido apresentou dois documentos com a motivação da sua resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público. O Tribunal da Relação aprecia, em sede de recurso, o bem ou mal fundado do que se decidiu em 1.ª Instância, com base nos elementos que a esta se encontravam disponíveis. Assim é que, fora dos casos de renovação da prova em audiência que decorra em 2.ª instância, ao abrigo nomeadamente dos art.ºs 423.º, n.º 2 e 430.º, do Código de Processo Penal, de que aqui se não trata, não pode admitir-se a junção de documentos perante a Relação. Assim, tal junção de documentos não é admissível, porque o Tribunal ad quem não pode apreciar elementos de prova que o tribunal recorrido não apreciou. Na verdade, é há muito pacífico, na doutrina e na jurisprudência que os recursos estão configurados no nosso sistema processual penal como remédios jurídicos, visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar novas decisões sobre matérias ou questões novas que não foram, nem podiam ter sido, suscitadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido [Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal- Notas e Comentários, Coimbra, 2008, com abundantes referências doutrinais e jurisprudenciais, p. 848-849]. “A missão do tribunal de recurso é a de apreciar se uma questão decidida pelo tribunal de que se recorreu foi bem ou mal decidida e extrair daí as consequências atinentes; o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre questão nova, salvo se isso for cometido oficiosamente pela lei” [acórdãos do STJ, de 06.02.1987 e de 03.10.1989, BMJ n.º 364, p. 714 e n.º 390, p. 408]. “Se a Relação atendesse ao conteúdo dos documentos agora juntos, não formularia um juízo sobre a justeza da decisão recorrida, considerando os elementos ao dispor do tribunal a quo, mas estaria a proferir decisão nova sobre a questão» [acórdão do TRP, de 09.12.2004, processo n.º 0415010, in www.dgsi.pt]. Como consequência da inadmissibilidade da junção de documentos em sede de recurso, as conclusões de recurso que incidam sobre esses documentos não são atendíveis, por diretamente versarem sobre o conteúdo dos anteditos documentos [neste sentido, acórdão do TRE, de 03.11.2015, processo n.º 51/11.0PAMRA.E3 disponível em www.dgsi.pt]. Face ao exposto, não se admite a junção aos autos dos documentos juntos com a resposta do arguido, determinando-se o seu desentranhamento. * 1.ª QuestãoDeterminar se a decisão padece dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, alíneas b) e c), do Código do Processo Penal – contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova A primeira questão suscitada pelo recorrente Ministério Público consiste no erro notório na apreciação da prova por entender que da prova produzida indiciariamente nos autos não se concebe que não se considerem como fortemente indiciados os factos constantes do despacho de indiciação que imputava ao arguido a prática de um crime de violência doméstica agravado e de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada. O recorrente conclui, em síntese, que o tribunal recorrido valorou erradamente a prova produzida, em particular, as declarações da ofendida, mas também o auto de notícia da GNR de 05.06.2025, o fotograma dos hematomas na vítima e a documentação clínica da ULSBA, concluindo que os factos dados como não indiciados, constantes das alíneas a., b., c., d., e., f., g., h., i., j., e k., devem ser dados como indiciados. Cumpre apreciar. Embora tal não resulte da literalidade do preceito, temos para nós como inquestionável que os vícios do art.º 410.º, do Código do Processo Penal, são claramente vícios da sentença final, sobretudo, são vícios da matéria de facto [cf., a título de exemplo, os acórdão do STJ, de 20.06.2002, e do TRE, datado de 05.12.2023, ambos em www.dgsi.pt]. Trata de vícios da sentença e visa permitir aquilo que se designa por revista alargada. Assim é mesmo nos casos em que a lei restringe o recurso à matéria de direito, as matérias nele consignadas (no n.º 2 e também no n.º 3) podem ainda ser fundamento de recurso. E embora os restantes vícios possam ser considerados como matéria de direito afigura-se inquestionável que o erro notório na apreciação da prova não o é [neste sentido Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado 2009, p. 947). O controlo da decisão final por via dos vícios do art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – e, por via dele, do julgamento da matéria de facto – é historicamente prévio ao atual controlo da decisão da matéria de facto por via da impugnação da matéria de facto com recurso à prova registada (art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do Código de Processo Penal), e permitia (e ainda permite) um certo controlo da decisão de facto pelo tribunal ad quem. Ora, no recurso da decisão que decreta uma medida de coação do que se trata é precisamente de sindicar o juízo sobre as provas (indiciárias) efetuado pelo senhor juiz de instrução, ou seja, de julgar o texto em confronto com ou em conjunto com os todos os indícios recolhidos na fase do inquérito. E não, que se julgue o texto separado das provas. Assim, mais do que uma proibição de aplicação do art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, à decisão sobre medidas de coação, do que se trata é de uma ausência de sentido útil e de coerência histórica e sistémica na convocação dos mecanismos nele previstos. A ratio do n.º 2 reside na garantia do escrutínio (limitado) da decisão de facto, fora da possibilidade (ampla) do recurso da matéria de facto, dicotomia sem nenhum sentido na impugnação da decisão sobre os indícios a fim de ser decretada uma medida de coação, em que está sempre em causa a reavaliação total e ampla das provas (indiciárias). Revemo-nos na posição defendida por Vinício Ribeiro, embora trate do despacho de não pronúncia, [Código de Processo Penal notas e comentários, 2.ª edição, p. 1239] quando escreve que: “Verifica-se, também, por vezes, nas motivações de recurso, a invocação dos vícios do nº 2 do art. 410º, como fundamento para o ataque ao despacho de não pronúncia. Mas parece que tais vícios não podem, nesta fase processual, ser chamados a terreiro. É que, nas fases preliminares do processo, como é o caso da instrução, não se visa alcançar a realidade dos factos, mas tão só os indícios, sinais de que um crime foi cometido por determinado arguido. As provas recolhidas nesta fase, não constituem pressuposto da decisão de mérito mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo, até à fase de julgamento”. Igualmente no acórdão do STJ, de 20.06.2002 [disponível em www.dgsi.pt], citado por este mesmo autor, se considera que “os vícios do art. 410º, nº2 do Código de Processo Penal são vícios da sentença final e, só, da matéria de facto” (loc. cit.). Neste conspecto, conclui-se no sentido da improcedência dos suscitados vícios do erro notório e da contradição insanável da fundamentação (vício também suscitado pelo recorrente), o que não prejudica (e nada tem a ver com) a ampla sindicância da decisão em crise, por via da análise da suficiência indiciária de acordo com todas as provas do processo e o pedido do recorrente, que é afinal do que se trata no caso de recurso de decisão proferida que decretou a medida de coação de Termo de Identidade e Residência ao arguido, questão que será analisada de seguida. * 2.ª QuestãoDa (in)existência dos fortes indícios da prática pelo recorrente dos crimes que lhe foram indiciariamente imputados em sede de primeiro interrogatório judicial O recorrente entende que os factos não indiciados e constantes das alíneas a. a k. devem passar a constar nos factos indiciados e invoca as provas produzidas que no seu entender permitem esta alteração. Na verdade, o recorrente indica quais os indícios que julga estarem consubstanciados no inquérito, qual a prova que foi incorretamente valorada e qual a prova que poderia ter indicado sentido diverso. Os factos são os seguintes: a. Devido à doença de que padece o arguido precisa de estar permanentemente acompanhado. b. Devido ao descrito em 7) o arguido tivesse deixado a vítima com dores e nódoas negras. c. O arguido com as duas mãos apertou, com força, o pescoço da vítima, deixando-a momentaneamente sem ar, só não tendo logrado matá-la, pela rápida intervenção de um vizinho e da irmã da vítima, que a vieram acudir e separaram o arguido da vítima. d. Esta não foi a primeira vez que o arguido agrediu fisicamente a vítima. e. A vítima teme pela sua integridade física e pela sua vida, não consegue dormir descansada na própria casa, por não ter capacidade física para se impor à pessoa do arguido, se o mesmo voltar a repetir a conduta. f. Com as condutas supra descritas, o arguido agiu sempre com o propósito conseguido de perturbar, amedrontrar psicologicamente a vítima, fazendo-a temer pela sua integridade física, e de lhe causar, como efetivamente causou, humilhação e sofrimento o que quis e logrou, bem sabendo que a sua conduta era adequada a provocar tais resultados que praticava tais atos contra a sua mãe ofendida com ele residente. g. O arguido, com a sua conduta de apertar o pescoço à vítima, visou tirar-lhe a vida, não ignorando que era a sua mãe, e representou a morte desta como consequência direta do estrangulamento que efetuou, considerando e conhecendo a perigosidade do meio utilizado, e a zona do corpo em causa, o que apenas não logrou por motivos alheios à sua vontade. h. O arguido tem traços de personalidade de agressividade, os quais se indicia terem origem na sua patologia psiquiátrica. i. Em consequência, o arguido à data dos factos e atualmente, poderá ter uma reduzida capacidade para avaliar a ilicitude dos factos e tem uma reduzida capacidade de se poder determinar em função dessa avaliação. j. Situação essa em que poderá ter atuado aquando da prática dos factos acima descritos e que lhe poderá ter limitado a capacidade de discernimento e de determinaçã0, de avaliação das consequências e da ilicitude de tais atos. k. Devido à impulsividade explosiva que apresenta, existe um sério risco de que o arguido venha a incorrer na prática de factos ilícitos típicos da mesma espécie deste ou até de outros. Vejamos. Quanto aos (fortes) indícios diremos e citando o acórdão de 20.09.2008, relatado pelo, então, Desembargador Gabriel Catarino: “Constituem-se em vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer da existência de um facto jurídico-penalmente relevante e de que deve ser imputável a alguém determinado, devendo ou podendo ser previsível que, num juízo de prognose solidamente estruturado escorado, a manterem-se em julgamento, ocorrerão fundadas e sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelos factos típicos que lhe são imputados. Na indiciação em fase de inquérito, ou seja numa fase em que os elementos coletados ainda não foram objeto de contraditório, o grau de convencimento do juiz e de ponderação de imputação causal de determinado agir a um concreto sujeito está dependente das regras da experiência e do sentido lógico representativo com que uma dada realidade percecionada se prefigura ao discernimento e compreensibilidade do julgador. O juiz pode, nesta fase, socorrer-se das inferências permitidas por um conjunto de elementos que soem ocorrer em situações ou casos similares, observando sempre que as máximas de experiências atinam com fatores de aleatoriedade que podem conduzir a juízos erróneos ou de defeituosa avaliação.” Segundo Luís Osório no seu Comentário ao Código de Processo Penal, vol. IV, p. 411 “devem considerar-se indícios suficientes aqueles que fazem nascer em quem os aprecia, a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado”. No entendimento de Germano Marques da Silva, que se subscreve, “A indiciação do crime necessária para a aplicação de uma medida de coação significa “probatio levior”, isto é, a convicção da existência dos pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança criminais, mas em grau inferior à que é necessária para a condenação. (....) não pode exigir-se uma comprovação categórica da existência dos referidos pressupostos, mas tão-só, face ao estado dos autos, a convicção de que o arguido virá a ser condenado pela prática de determinado crime. Noutro passo: embora não seja ainda de exigir a comprovação categórica, sem qualquer dúvida razoável, é pelo menos necessário que face aos elementos de prova disponíveis seja possível formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição”[Curso de Processo Penal, II, p. 240]. (…)”. Fortes indícios, ou indícios suficientes, na definição dada pelo art.° 283.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, existem sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. Isto posto, e voltando ao caso vertente, há que averiguar, então, se estão verificados fortes indícios da prática, por banda do arguido, dos factos elencados no despacho do Ministério Público aquando da sua apresentação a 1.º interrogatório judicial e, em caso afirmativo, se tais factos são suscetíveis de integrarem a prática do crime de violência doméstica e do crime de homicídio qualificado na forma tentada, como ali lhe foi imputado. O arguido não prestou declarações. Por sua vez, a vítima, mãe daquele, prestou declarações perante o órgão de polícia criminal. Entende o tribunal a quo que, só por si, as declarações prestadas pela ofendida perante a autoridade policial, sem qualquer outro meio de prova produzida, não obstante o lapso temporal decorrido desde a alegada pratica dos factos e o momento em que o arguido é presente a 1.º interrogatório (quase um mês), não permitem ao tribunal afirmar resultarem fortemente indiciados os factos imputados ao arguido. Mais se escreve na decisão recorrida que “Contudo, aparca informação médica constante nos autos, a saber, documentação clínica ULSBA (…), resulta que o arguido tem problemas de foro psíquico, (…). Quanto à patologia que afeta o mesmo, também é quase inexistente informação dos autos quando à mesma (…) Tudo o demais vertido nos documentos médicos, por consubstanciarem depoimentos indiretos, não podem ser valorados pelo tribunal”, pese embora, no parágrafo que imediatamente antecede, conste que a indiciada inimputabilidade do arguido é visível aos olhos do Tribunal. Como se pode ler “No mais, verificou-se que aquando primeiro interrogatório o arguido se mostrava um pouco alheado do tempo e do espaço, pelo que se suscitam fortes reservas de que o arguido esteja na pleno uso das suas capacidades intelectuais e mentais.”. O tribunal escreveu, ainda, no que à alegada tentativa de estrangulamento respeita que “no que à falta de ar concerne, apenas disse a ofendida nas suas declarações que o mesmo tentou estrangula-la, sem mais, e tendo a mesma pedido socorro. Ora, não se percebe ainda como, não foi a mesma a uma unidade hospitalar após tal ter ocorrido, e de onde resulta a factualidade que a mesma ficou com falta de ar, se a própria diz que gritou por socorro, o que só por si, permite inferir que não ficou quase inconsciente.” Ora, analisando o despacho recorrido, ressalta, a nosso ver, a perceção de que inexiste explicação convincente sobre a alteração factual que levou à alteração da incriminação e também sobre esta, não se fazendo uma reavaliação para que essa alteração de violência doméstica para ofensa à integridade física simples se tivesse operado. Inexplicavelmente, salvo o devido respeito, o tribunal não deu credibilidade à versão da vítima. Ou pelo menos deu credibilidade quanto a uma parte e não deu relativamente a outra. Escreveu-se na decisão recorrida: “[o] arguido não prestou declarações, sendo que dos autos apenas constam as declarações da ofendida, sua progenitora, pessoa com 59 anos, e uma imagem fotográfica dos hematomas que a ofendida sofreu no braço direito, sendo duvidosa, e ainda por apurar as concretas circunstâncias em que tais factos aconteceram.” É verdade que o arguido não prestou declarações, mas se o seu silêncio não o pode prejudicar também não o beneficia. Ora, o tribunal de 1.ª instância nem sequer conjugou o depoimento da vítima com os restantes elementos de prova, designadamente com o auto de notícia da GNR de 05 de junho de 2025, o fotograma dos hematomas na vítima e a documentação clínica da ULSBA, esta última com bastante relevância. Do teor do auto de notícia da GNR datado de 05 de junho de 2025 resulta que no dia 02 do mesmo mês e ano, os militares foram chamados pela vítima à sua residência; que a vítima foi questionada pelos militares se precisava de apoio hospitalar e a mesma respondeu que precisava apenas para o seu filho; que os militares constataram que a vítima tinha um hematoma no braço direito e fizeram o relatório fotográfico. Do auto de declarações da vítima é explicado pela mesma que o arguido padece de psicose aguda e esquizofrenia. Descreveu a vítima que, também, a sua irmã, M, com eles residente, foi agredida pelo arguido. Afirmou, ainda, que, na sequência de ter agarrado o arguido pela t-shirt para evitar que este fugisse de casa, o mesmo a empurrou para o chão e agrediu-a com chapadas nos braços, tentando também estrangulá-la; que gritou por socorro e vieram em seu auxílio os vizinhos. Mais aduziu que já tinha sido agredida pelo arguido noutras ocasiões e que nunca informou as autoridades por vergonha da situação; que a primeira agressão aconteceu há cerca de 4/5 anos, no meio do verão, onde o arguido lhe desferiu chapadas nos braços; que após, existiu uma pausa nas agressões de cerca de dois anos; que passados dois anos, no inverno, o arguido lhe desferiu chapadas e pela primeira vez, tentou estrangulá-la. Referiu, ainda, que o arguido tem vindo a tornar-se muito mais agressivo nestas últimas duas semanas (reportando à data dos factos), não só para com ela própria, mas também com a sua irmã M e que desde a primeira vez que o filho a tentou estrangular, não consegue dormir descansada, estando desesperada, temendo pela sua vida. Por outro lado, e como bem refere o Ministério Público no recurso, do fotograma dos hematomas na vítima é visível não apenas a nódoa negra no braço direito da vítima, mas é percetível que a mesma é obesa, e como tal, a mesma não tem a agilidade física necessária para fazer face ao arguido, e ainda para mais, em ciclos de descompensação. Finalmente, a documentação clínica do ULSBA (Hospital de Beja) é eloquente: O arguido deu ali entrada no dia 02 de junho de 2025, pelas 20:06:32 horas, com “Alto risco de agressão a terceiros”, que estava “descompensado” e vinha acompanhado pela PSP e Bombeiros “por agressão à mãe com vassoura há cerca de 1 hora”. Mais consta na nota de 02 de junho de 2025, às 20:30:30 horas, pelo Dr. Â (Atendimento Geral): “Portanto, novo episódio de heteroagressividade dirigido à mãe, semelhante a episódios anteriores, em contexto de debilidade intelectual e dificuldade no controlo de impulsos já conhecida”. Na nota de 03 de junho de 2025, pelas 15:58:03 horas, a Dra. Y (Psiquiatria) fez constar que o arguido é “Hiperfrequentador de SU por episódios de comportamentos disruptivos e agressivos, que ocorrem sempre com a família (mãe, tia).”. Da mesma documentação clínica é percetível a falta de autonomia do arguido relativamente à vítima sua mãe (nota datada de 03 de junho de 2025) porquanto, escreve a Dra. Y: “Foi contactada família do doente pela AT de SU para informar sobre a alta do doente. O número da mãe foi atendido pela tia, que disse que a mãe do doente está em Évora até a próxima 6a feira e não vai poder recebê-lo em casa até regressar.”; também na nota de 04 de junho de 2025, a Dra. P (Medicina) fez constar que “Segundo informação verbal na passagem de turno, a mãe virá buscá-lo na próxima 6.ªf.”; e na nota de 06 de junho de 2025 11:52:15, a Dra. P (Medicina) escreveu “Teve alta por parte da Psiquiatria no dia 03/06/2025, mas por a mãe estar ausente apenas seria possível o seu regresso ao domicilio hoje dia 06/06.” Estas informações reforçam a ideia de que é costume o arguido ter este tipo de comportamento fisicamente agressivo para com a vítima sua mãe, pelo que, os factos constantes do despacho de apresentação, não se trataram de episódios pontuais, e daqui decorre que também a tia já foi vítima de agressões por parte do arguido. Por outro lado, da nota de 06 de junho de 2025 extrai-se que o arguido é seguido em Psiquiatria “Doente com seguimento em Psiquiatria (PDI e alterações do comportamento), avaliado por mais um episódio de heteroagressividade para com a mãe no dia 02/06.” Consta também na referida documentação clínica da ULSBA, de 13 de junho de 2025, a informação que o arguido ficou internado no dia 02.06.2025 e teve alta a 06.06.2025. Ora, a conjugação do depoimento da ofendida e da prova apresentada pelo Ministério Público e acima elencada, impunha que se formulasse convicção positiva acerca dos factos carreados ao interrogatório judicial. Afigura-se-nos, pois, que deverá ser dada como suficientemente indiciada a factualidade articulada pelo Ministério Público, no despacho de indiciação. A sociedade reclama a proteção das vítimas de violência doméstica face aos comportamentos agressivos, violentos e desviantes dos agressores. Assim sendo, apreciadas perfunctoriamente as provas em causa, e não se esquecendo que, mesmo nesta fase processual, de acordo com o disposto no art.º 127.º, do Código de Processo Penal, o julgador forma a sua convicção com base na apreciação, de forma livre, crítica e à luz das regras da lógica e da experiência comum (e sem embargo do que, naturalmente, o desenrolar da investigação possa vir a trazer aos autos, pois que nos situarmos numa fase inicial do processo, em que ainda não é possível ter-se uma ideia, quer de toda a atuação do arguido, quer da sua imputabilidade/inimputabilidade) é inelutável que outra não poderá ser a conclusão de que se tem por fortemente indiciada a prática pelo arguido dos factos em causa, factualidade essa que preenche os elementos objetivos e subjetivos de um crime de violência doméstica e do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, assim como preenche, indiciariamente, factualidade que pode levar à inimputabilidade/imputabilidade diminuída do arguido. Como bem refere o Ministério Público no requerimento de interposição de recurso (conclusões xxii e xxiii) “A coragem da vítima em prestar declarações é especialmente notável quando comparada com a atitude da tia do arguido, com eles também residente, que recusou prestou prestar declarações contra ele. O vínculo materno é, por norma, mais forte que o vínculo entre tia e sobrinho, pelo que, daqui se infere que a vítima estará a sentir um grande desespero para vir pedir ajuda, neste momento. Esse pedido de auxílio da vítima deveria ser imediatamente ouvido pelas autoridades judiciárias. Ao invés, o Tribunal a quo deixou a situação da vítima precisamente igual ao que estava, deixou o arguido a residir com uma vítima que se queixou de nem conseguir dormir descansada na própria casa por ter medo do arguido e temer pela sua integridade física e pela sua vida.” E, ainda, que “Deixar a situação igual, é especialmente censurável neste caso concreto, porque a vítima é a cuidadora do arguido doente psiquiátrico.” Assim, na procedência desta parte do recurso, determina-se a alteração dos factos indiciados nos seguintes termos: 1. O arguido E nasceu em 25 de novembro de 2000, é filho da vítima M, nascida em 27 de novembro de 1966, coabitando ambos na residência sita na (…..). 2. Também vive na referida residência M, nascida a 30.12.1956, a qual, é irmã da vítima e tia do arguido. 3. O arguido E padece de psicose aguda e esquizofrenia. 4. No dia 26 de maio de 2025 o arguido formulou o propósito de fugir de casa e foi impedido pela vítima. 5. Nessa sequência, o arguido de modo não concretamente apurado provocou hematoma no braço direito da vítima, desferiu chapadas no braço direito da vítima, deixando-o com hematomas. 6. Após, o arguido munido de uma vassoura, tentou atingir o corpo da vítima. 7. No dia 02 de junho de 2025, pelas 18h00m, o arguido fugiu de casa, e quando a vítima M foi ao seu encalce para o trazer de volta para casa, o arguido empurrou-a com força tal que a mesma caiu ao chão, e em ato contínuo, desferiu-lhe chapadas nos dois braços, deixando a vítima com dores e nódoas negras. 8. Após, o suspeito com as duas mãos apertou, com força, o pescoço da vítima, só não a tendo logrado estrangular, pela rápida intervenção de um vizinho e da irmã da vítima, que a vieram acudir. 9. Esta não foi a primeira vez que o arguido agrediu fisicamente a vítima. 10. A vítima teme pela sua integridade física e pela sua vida, não consegue dormir descansada na própria casa, por não ter capacidade física para se impor à pessoa do arguido, se o mesmo voltar a repetir a conduta. 11. Com as condutas supra descritas, o suspeito agiu sempre com o propósito conseguido de perturbar, amedrontar e agredir física e psicologicamente a vítima, fazendo-a temer pela sua integridade física, e de lhe causar, como efetivamente causou humilhação e sofrimento o que quis e logrou, bem sabendo que a sua conduta era adequada a provocar tais resultados que praticava tais atos contra a sua mãe ofendida com ele residente. 12. O arguido, com a sua conduta de apertar o pescoço à vítima, visou tirar-lhe a vida, não ignorando que era a sua mãe, e representou a morte desta como consequência direta do estrangulamento que efetuou, considerando e conhecendo a perigosidade do meio utilizado, e a zona do corpo em causa, o que apenas não logrou por motivos alheios à sua vontade. 13. O arguido tem traços de personalidade de agressividade, os quais se indicia terem origem na sua patologia psiquiátrica. 14. Em consequência, o arguido à data dos factos e atualmente, poderá ter uma reduzida capacidade para avaliar a ilicitude dos factos e tem uma reduzida capacidade de se poder determinar em função dessa avaliação. 15. Situação essa em que poderá ter atuado aquando da prática dos factos acima descritos e que lhe poderá ter limitado a capacidade de discernimento e de determinação, de avaliação das consequências e da ilicitude de tais atos. 16. Devido à impulsividade explosiva que apresenta, existe um sério risco de que o suspeito venha a incorrer na prática de factos ilícitos típicos da mesma espécie deste ou até de outros. 17. Devido à doença de que padece o arguido precisa de estar permanentemente acompanhado. 18. O arguido nasceu em 25.11.2000. 19. Tem nacionalidade portuguesa. 20 . Encontra-se desempregado. 21. Reside com a progenitora, com a sua irmã e com a tia e padrinho. 22. Tem o 12.º ano de escolaridade. 23. Aquando primeiro interrogatório não soube indicar em que mês de encontrava, apenas indicando o dia e ano. 24. O arguido não regista condenações pela prática de ilícitos criminais. * Vejamos, agora, a qualificação jurídica de tais factos indiciados.Relativamente ao crime de homicídio, na forma tentada, julgamos haver factualidade indiciada para a enquadrar em tal ilícito penal, cuja moldura penal abstrata admite a medida de coação de prisão preventiva. De facto, indicia-se que o arguido no dia 02 de junho de 2025 fugiu de casa e quando a vítima M foi ao seu encalce para o trazer de volta para casa, o arguido empurrou-a com força tal que a mesma caiu ao chão, e em ato contínuo, desferiu-lhe chapadas nos dois braços, deixando a vítima com dores e nódoas negras; que, após, o suspeito com as duas mãos apertou, com força, o pescoço da vítima, só não a tendo logrado estrangular, pela rápida intervenção de um vizinho e da irmã da vítima, que a vieram acudir; que a vítima teme pela sua integridade física e pela sua vida, agindo o arguido com o propósito de tirar-lhe a vida, não ignorando que era a sua mãe, e representou a morte desta como consequência direta do estrangulamento que efetuou, considerando e conhecendo a perigosidade do meio utilizado, e a zona do corpo em causa, o que apenas não logrou por motivos alheios à sua vontade. Já no que respeita ao crime de violência doméstica, entendemos que os factos indiciados não permitem enquadrá-los no crime de violência doméstica. Dispõe o art.º 152.º, do Código Penal, no que ao caso interessa: “1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: (…) d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 - No caso previsto no número anterior, se o agente: a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; (…) é punido com pena de prisão de dois a cinco anos. (…).” Tratam-se de tipos de crime que especificamente tutelam bens pessoais visados no ilícito de violência doméstica, maxime os ditos “maus tratos físicos ou psíquicos”. Na sua génese, a função deste preceito é prevenir as formas de violência no âmbito da família, sendo essa criminalização resultado da progressiva consciencialização da gravidade destes comportamentos, estando a ratio do tipo na “proteção da pessoa individual e da sua dignidade humana”. Esta norma tutela um “bem jurídico complexo, que abrange a saúde física, psíquica e mental, bem jurídico esse que pode ser afetado por toda uma multiplicidade de comportamentos (…) que afetem a dignidade” da vítima [Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, p. 329 a 332]. A fórmula legal (“de modo reiterado ou não”) não permite qualquer dúvida quanto ao propósito do legislador de ultrapassar a querela doutrinal e jurisprudencial e consagrar o entendimento de que o tipo legal (de violência doméstica) não exige reiteração de ações ofensivas, também é certo que um único acto ofensivo só consubstanciará um “mau trato” se se revelar de uma intensidade tal, ao nível do desvalor, quer da ação, quer do resultado, que seja apto e bastante a lesar o bem jurídico protegido – a saúde física, psíquica ou emocional –, pondo em causa a dignidade da pessoa humana. Contudo, o crime de violência doméstica não é um mero somatório daqueles tipos de ilícitos de menor gravidade, pois que estão-lhe subjacentes condutas efetivamente maltratantes, física ou psiquicamente, levadas a cabo pelo agente. O n.º 1 da referida norma incriminadora define a conduta típica e nas suas várias alíneas são identificadas, taxativamente, as possíveis vítimas do crime de violência doméstica. O mesmo é dizer que se a vítima da conduta delituosa não estiver aí expressamente prevista, o agente poderá incorrer em quaisquer outros ilícitos, mas não no crime agora em análise. No que respeita especificamente à alínea d) desse n.º 1 (a que está em causa nos presentes autos), importa densificar o conceito de “pessoa particularmente indefesa”, sendo que em lado algum a lei dá tal definição, apenas avançando que essa circunstância poderá advir, nomeadamente, da idade, de deficiência, de doença, de gravidez ou de dependência económica, sendo, em todo o caso, exigível que essa pessoa coabite com o agente. Mas o que é uma “pessoa particularmente indefesa”? Desde logo, é manifesto que tal qualidade está relacionada com as características, condições ou circunstâncias específicas do ofendido pelo crime. Trata-se, pois, de uma qualidade endógena da própria vítima. Para Paulo Pinto de Albuquerque tais pessoas são “aquelas que se encontram numa situação de especial fragilidade, devido à sua idade precoce ou avançada, deficiência, doença física ou psíquica, gravidez ou dependência económica do agente (…).”[Comentário do Código Penal, 2.ª edição, UCE, p. 465] No acórdão do TRP, de 14.07.2021 (processo n.º 158/20.2GDSTS.P1, acessível em www.dgsi.pt.) pode ler-se que pessoa particularmente indefesa para efeitos do disposto naquela norma legal (alínea d), do n.º 1, do art.º 152.º) é aquela “que se encontra numa situação de especial fragilidade, que se encontra à mercê do agente, incapaz de esboçar uma defesa minimamente eficaz, em função de qualquer das qualidades previstas na norma”. Também no acórdão da mesma Relação, de 10.11.2021 (processo n.º 263/20.5GBOVR.P1) se escreveu que pessoa particularmente indefesa será “aquela que, com concretização factual, se encontra numa situação de especial fragilidade, que se encontra à mercê do agente, incapaz de esboçar uma defesa minimamente eficaz em função de qualquer das qualidades previstas na norma, idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica”. Ora, in casu, não se mostram indiciados factos que nos permitem concluir que a vítima, a mãe do arguido, é pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, doença ou outro qualquer motivo, nos termos previstos no tipo do crime de violência doméstica. Com efeito, não basta a coabitação e que o ofendido se encontre numa dessas circunstâncias (idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica do agente). É também indispensável que, perante os factos dados como indiciados, se possa concluir que a vítima era uma pessoa particularmente indefesa, por se encontrar numa situação de particular vulnerabilidade e de especial incapacidade de reação relativamente às investidas do agente. Pelo que, entendemos que os factos descritos e ocorridos em 26 de maio de 2025 não integram a prática, pelo arguido, de um crime de violência doméstica. Encontramo-nos numa fase muito incipiente do processo, pelo que a qualificação jurídica de tais factos fica postergada para momento ulterior. * 3.ª QuestãoDeterminar se estão ou não verificados os perigos constantes das alíneas a) a c), do art.º 204.º, do Código do Processo Penal e se deve ser aplicada ao arguido a medida de coação de internamento preventivo Aqui chegados, e determinado que se verificam fortes indícios da prática, pelo arguido, pelo menos, do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, há que apurar se estão verificados os perigos enunciados no art.º 204.º, do Código do Processo Penal, ou algum deles, requisito essencial para o decretamento de qualquer medida de coação, à exceção do termo de identidade e residência. Entende o Ministério Público, ora recorrente, que na situação em apreço, se verificam os perigos de fuga, de continuação da atividade criminosa e de perturbação do inquérito e da ordem e tranquilidade públicas. Vejamos. A aplicação em geral de qualquer medida de coação, depende da verificação cumulativa não só da existência de indícios relevantes (fortes para algumas medidas) da prática de crime punível com pena de prisão, como, igualmente da verificação de algumas das circunstâncias previstas no art.º 204.º, do Código de Processo Penal: - Decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova ou ainda; - Perigo, em razão da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas. São pressupostos de carácter específico, cumulativos, da aplicação da prisão preventiva: - A existência de fortes indícios da prática de crime; - Que o crime indiciado seja doloso; - Que o crime indiciado seja punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos, ou, tratando-se de criminalidade violenta, de máximo igual ou superior a 5 anos, ou ainda, em casos de crime de terrorismo ou criminalidade altamente organizada, de máximo superior a 3 anos. Para além destes pressupostos, a lei faz depender a aplicação desta medida de coação da verificação das seguintes condições: - A inadequação ou insuficiência das outras medidas de coação – art.º 202.º, n.º 1, do Código de Processo Penal; - A necessidade, adequação e proporcionalidade da medida – art.º 193.º, n.º 1, parte final, do mesmo Código de Processo Penal. Para a imposição da medida coativa de internamento preventivo em hospital psiquiátrico, o qual é uma forma de execução da prisão preventiva e não uma medida de coação autónoma [cf., entre outros, acórdão do TRL, de 21.03.2023, processo n.º 488/22.9PDFUN-A.L1-5, disponível em www.dgsi.pt] é necessário que ocorra, pelo menos (alternativamente), uma das circunstâncias previstas no art.º 204.º, do Código Processo Penal. O art.º 202.º, n.º 2, do Código do Processo Penal, pressupõe que se mostre ou se demonstre (indiciariamente) que o arguido sofre de anomalia psíquica. No caso concreto submetido à nossa apreciação, o tribunal recorrido entendeu não se verificar nenhum dos perigos previstos no art.º 204.º, do Código Processo Penal. O tribunal de 1.ª instância fundamentou do seguinte modo a falta de exigências cautelares aplicáveis ao caso concreto: “In casu, aos olhos do tribunal inexistem perigos para acautelar, inexistindo perigo de continuação da atividade criminosa, e muito menos perigo de perturbação do inquérito, nem perturbação da paz e tranquilidade pública. De facto, e tendo os factos ocorrido alegadamente em 20.05.2025 e 02.06.2025, volvidos 24 dias, o arguido continua a residir ora com a ofendida, ora com o demais agregado familiar, pelo que tudo leva a querer que a ter acontecido tais factos, os mesmos consubstanciam episódio isolado. Ora, constata-se a existência de perigo de continuação da atividade criminosa (artigo 204.º, al, c), do Código de Processo Penal) quando, tendo em conta as circunstâncias anteriores e contemporâneas dos factos indiciados e a personalidade do arguido, seja de concluir que é provável que o arguido prossiga com a prática de atos subsumíveis a crimes da mesma natureza que o indiciado nos presentes autos. In casu, verifica-se não existir este perigo. Por outro lado, e o arguido encontra-se desempregado, claramente não é pessoa orientada no tempo, pelo que não dispondo de meios económicos, nem condições para o efeito, não se pondera que exista perigo de fuga. Quanto à perturbação do inquérito, não denotamos nenhum traço de personalidade ou postura do arguido, ou factos de gravidade tal que possam sem mais, permitir afirmar que o arguido praticará atos perturbadores do inquérito. De outro, porque mesmo no caso do concurso real não poderá deixar de ser ponderada a diferente gravidade dos crimes, as suas consequências (por ex, em matéria de lesões), o que não inculca a possibilidade séria de ser fixada uma pena de prisão efetiva, menos ainda se o inquérito desnudar alguma circunstância endógena que pudesse ter contribuído para a verificação dos factos. De salientar que os factos apenas resultam indiciados, o que por si só impede a aplicação das medidas de coação previstas nos artigos 200.º e seguintes do C.P.P., que impõe que exista fortes indícios. Diga-se ainda que, a ser verdade a doença mental de que o arguido padece, que apenas surge como indiciada, e existindo forte suspeita que o arguido não compreenda o processo judicial agora em curso por limitação cognitiva, pois o mesmo não soube indicar o mês em que nos encontramos, indicando o dia e ano com dificuldade, não se equaciona a aplicação da medida de apresentações periódicas prevista no art.º 198.º do C.P.P., por ser com grande probabilidade impraticável, Relativamente ao internamento preventivo previsto no art. 202.º n.º 2 do C.P.P., entende o tribunal que esta não é uma medida de coação autónoma, mas sim uma diferente forma de execução da prisão preventiva. No que concerne ao âmbito de aplicação da norma, tomamos como boa a posição defendida por Paulo Pinto de Albuquerque, no sentido de que o art.º 202.º, nº 2, aplica-se a pessoas com anomalia psíquica grave, não acidental e não auto-provocada, que possam ser declaradas inimputáveis perigosos, imputáveis portadores de anomalia psíquica ao tempo do crime ou imputáveis portadores de anomalia psíquica sobrevinda depois da prática do crime que os torna criminalmente perigosos e, por isso, devem ser sujeitas a "internamento preventivo", isto é, a internamento preparatório do internamento compulsivo que lhes possa vir a ser aplicado nos termos dos artigos 91.º, 104.º e 105.º do CP”(cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, ob, cit., anot. 6 ao art. 202.º ), Atentos os factos dados como indiciados, não pode o tribunal concluir que o arguido seja perigoso, e logo que sofra de anomalia psíquica, e que a mesma seja grave. Por outro lado, não resultam indiciados fortemente nenhum facto, logo sempre estaria excluída a hipótese de aplicação de prisão preventiva, e por sua vez a execução de tal medida através de internamento preventivo. Assim, entende o tribunal que qualquer outra medida de coação que não o T.l.R, já prestado não se mostra necessária. Como tal, deverá o arguido continuar sujeito a Termo de Identidade e Residência (…)”. Ao contrário do entendimento do tribunal recorrido (também porque, em nosso entender, os factos indiciados fortemente são outros, como acima ficou exposto), julgamos existir, desde logo o perigo de fuga. Há que não esquecer que o arguido padece de psicose aguda e esquizofrenia, tentou a fuga de casa da família, tentou a fuga do hospital de Beja por três vezes (junho de 2025). Tem traços de personalidade de agressividade, os quais se indicia terem origem na sua patologia psiquiátrica. Como refere o Ministério Público no requerimento de interposição do recurso (conclusão 44) “consideramos que existe perigo de fuga porque o arguido tem o hábito de tentar fugir, tendo sido na decorrência de uma dessas fugas que ocorreram os factos mais graves fortemente indiciados”. Relativamente ao perigo de continuação da atividade criminosa, ele resulta desde logo e uma vez mais, da doença psiquiátrica (que o leva a não assumir o desvalor da respetiva conduta) de que o arguido padece e indiciada nos autos, e, por outro lado, na recorrência, num curto espaço de tempo, de comportamentos em tudo semelhantes. O arguido revela dificuldade em controlar os seus impulsos, sobretudo quando não está medicado. É sabido que a doença esquizofrénica necessita de medicação e de medicação tomada a horas certas e com a necessária frequência. Como bem refere o recorrente, os factos descritos no despacho de apresentação demonstram um flagrante desrespeito pela integridade física e psíquica da vítima, sua mãe, e denunciam a personalidade fisicamente agressiva do arguido. O arguido apresenta descompensações do foro psiquiátrico, revelando agressividade física e verbal quer contra a sua mãe, a qual é sua cuidadora, interpretando os atos de proteção da sua mãe como ataques. (…) Da documentação clínica ULSBA (…) decorre que os ímpetos de agressividade do arguido com a vítima são frequentes. Atenta a sua gravidade, tais factos evidenciam de forma notória que o arguido padecendo de doença do foro psiquiátrico tem dificuldade em controlar a sua impulsividade e reatividade, quer dentro da habitação que partilha com a ofendida sua mãe, quer na rua em frente a terceiros.”. Concluímos, assim, que permanecendo o arguido em liberdade, com elevada probabilidade voltará a ter comportamentos agressivos para com a mãe. Quanto ao perigo de perigo de perturbação do inquérito o tribunal a quo escreveu que “não denotamos nenhum traço de personalidade ou postura do arguido, ou factos de gravidade tal que possam sem mais, permitir afirmar que o arguido praticará actos perturbadores do inquérito.” Ao contrário do entendimento do tribunal a quo, consideramos que existe perigo de perturbação do inquérito porque a vítima, sua mãe, ainda não prestou declarações para memória futura, disse ter vergonha da situação e que sente medo do arguido. A ofendida encontra-se debilitada psicológica e fisicamente, e como tal, existe o risco de o arguido estando perto da mesma, que seja agressivo, para a desencorajar a colaborar com a investigação. Acresce que não estarão findas as diligências investigatórias, perspetivando-se a tomada de depoimento a vizinhos da vítima e do arguido, pelo que importará que este não condicione os depoimentos daqueles, sendo fundado o perigo de perturbação do inquérito, concretamente para a aquisição e conservação da prova. Finalmente, no que tange ao perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, dir-se-á que o mesmo, igualmente, se verifica. Na verdade, os factos indiciados são graves objetiva e subjetivamente, por força da crescente importância que os mesmos vêm assumindo, que geram alarme social, causando perturbações no tecido social e são suscetíveis de abalar a tranquilidade pública, ainda para mais, numa das circunstâncias, os factos foram praticados na via pública, ali tendo acorrido vizinhos, o que é potenciador de sentimentos de insegurança e intranquilidade. Refira-se, ainda, que a gravidade dos factos indiciados interessa, não só no âmbito da aplicação das medidas de coação em geral – que terão necessariamente que obedecer ao princípio constitucional da adequação e proporcionalidade – mas em particular à medida de prisão preventiva, indicada por lei como de caráter excecional ou subsidiário [art.ºs 18.º e 28.º n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa, e 193.º, n.º 2, e 196.º e seguintes, estes do Código Processo Penal, bem como As medidas de Coação e de Garantia Patrimonial no Novo Código de Processo Penal, José António Barreiros], o mesmo se dizendo relativamente ao internamento preventivo. Nos termos do art.º 27.º, da Constituição da República Portuguesa, todos têm direito à liberdade e à segurança, excetuando-se deste princípio, a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, os casos previstos nas diversas alíneas do seu n.º 3. A prisão preventiva, tal como o internamento preventivo, por serem as mais gravosas das medidas de coação constituem a ultima ratio, dependendo a sua aplicação, da inadequação ou insuficiência, em concreto, das restantes medidas de coação previstas na lei, sendo necessário que tal aplicação seja feita em função de exigências processuais de natureza cautelar (art.º 193.º, do Código Processo Penal). No caso concreto concluímos que a prisão preventiva é a medida de coação que se revela suficiente e, sobretudo, necessária, adequada e proporcional ao caso concreto, atentas as circunstâncias que se descreveram e os elementos de prova de que os autos dispõem e, perante a constatação de que o arguido sofre de anomalia psíquica e visto o disposto no art.º 202.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, deve ser determinado, em vez da prisão preventiva, o internamento preventivo em hospital psiquiátrico. O tribunal desta forma ao invés de submeter o arguido a prisão preventiva num estabelecimento prisional e prejudicial para a condição que aparenta deter, tendo em consideração a sua condição de anomalia psíquica conhecida determina o seu internamento em estabelecimento adequado a poder beneficiar de tratamento e da segurança necessária à sua doença mental. Contudo, sempre se dirá que o facto de o agente padecer de debilidade mental não resulta automaticamente que esteja afetado de inimputabilidade ou de estar vedada a aplicação de uma medida coativa ou de segurança. Tal como não é a circunstância de ser inimputável que é impeditiva de ser julgado e de lhe ser aplicada, nessa sede, uma medida de segurança (embora não uma pena de prisão), conforme resulta do art.º 91.º, do Código Penal. Encontram-se assim reunidos os pressupostos que legitimam a aplicação ao arguido de uma medida de coação, para além do TIR, conforme resulta no disposto no art.º 204.º, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Penal. Assim, verificando-se, ainda, que se mostra indiciado que o arguido sofre de patologia clínica do foro psiquiátrico, determina-se que o mesmo seja sujeito a internamento preventivo em Hospital psiquiátrico ou estabelecimento análogo adequado, nos termos do n.º 2, do art.º 202.º, do Código de Processo Penal. ** III – DECISÃONestes termos, e com os fundamentos expostos, acordam, em conferência, as Juízas que integram a 2.ª Subsecção Criminal desta Relação, em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, considerando fortemente indiciada a matéria carreada para os autos pelo Ministério Público, consubstanciadora da prática, por parte do arguido E, pelo menos de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e art.ºs 22.º, 23.º e 73.º, do Código Penal, determinam que o mesmo, para além do TIR já prestado, aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de internamento preventivo. Sem custas. Dê imediato conhecimento do teor deste acórdão ao tribunal a quo, com indicação de que se não mostra ainda transitado em julgado. Emita mandados de condução do arguido ao Hospital psiquiátrico ou estabelecimento análogo adequado. Dê cumprimento ao disposto no art.º 194.º, n.º 10, do Código de Processo Penal. Notifique. ** Évora, 16 de setembro de 2025(o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelas suas signatárias – art.º 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) Maria José Cortes Maria Perquilhas Renata Whytton da Terra |