Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA DO PAÇO | ||
Descritores: | INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL REVISÃO DA INCAPACIDADE CASO JULGADO | ||
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Data do Acordão: | 02/24/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Sumário elaborado pela relatora: I- Sendo a prova pericial livremente apreciada pelo tribunal, a mesma pode ser afastada, na parte em que afirma que o sinistrado não está afetado de IPATH, por relatório elaborado pelo IEFP que contenha informação qualitativa da maior relevância sobre o conteúdo funcional do posto de trabalho do sinistrado, das condições de aptidão física que o mesmo exige e da incapacidade constatada do sinistrado desempenhar, com carácter absoluto e permanente, as funções inerentes a tal posto de trabalho, devido às sequelas decorrentes do acidente de trabalho. II- A atribuição de IPATH não implica que o sinistrado fique absolutamente incapaz de exercer todas as tarefas inerentes ao posto de trabalho que desempenhava aquando da ocorrência do acidente. III- Basta que o mesmo fique impossibilitado de poder executar, com carácter permanente, as tarefas que constituem o núcleo essencial da sua atividade profissional, para que possa ser reconhecido que o mesmo se encontra afetado de IPATH. IV- O incidente de revisão da incapacidade, previsto no artigo 145.º do Código de Processo de Trabalho, constitui um mecanismo processual, criado pelo legislador, que viabiliza a reapreciação atualizada do estado de saúde do sinistrado, em consequência direta do acidente de trabalho sofrido. V- E, em consonância com a mencionada norma legal, o artigo 70.º da LAT, estipula que quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão que deu origem à reparação, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada. VI- Deste modo, no domínio dos acidentes de trabalho, os efeitos do caso julgado decorrentes da prolação de uma decisão judicial, transitada em julgada, que tenha atribuído uma determinada incapacidade e uma determinada pensão ao sinistrado podem vir a ser alterados, mediante incidente de revisão da incapacidade. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] I. Relatório Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado A.S. e entidade responsável Fidelidade-Companhia de Seguros, S.A., em 21-12-2019, com o patrocínio do Ministério Público, requereu o sinistrado exame para revisão da sua incapacidade, alegando, sucintamente, que lhe foi fixada uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 12%, em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima, mas que as dores sentidas se têm agravado, impedindo-o de trabalhar. Ordenada a realização do exame de revisão, o perito médico pronunciou-se no sentido de não ter ocorrido agravamento do grau de IPP, mas entendeu que as sequelas decorrentes do acidente incapacitam o sinistrado, de forma absoluta, para o exercício da sua profissão habitual de tirador de cortiça, tendo-lhe atribuído uma IPATH. O sinistrado requereu a realização de exame por junta médica, da especialidade de Ortopedia, visando esclarecer se houve ou não agravamento das sequelas. Solicitou, também, a requisição de parecer técnico sobre o conteúdo funcional do posto de trabalho e avaliação da sua situação para o exercício das tarefas inerentes ao mesmo. A 1.ª instância determinou a realização do requerido exame médico e solicitou ao Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) que elaborasse relatório de avaliação, nos termos previstos pelo artigo 159.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT). O IEFP elaborou o referido relatório, concluindo, em síntese, que as limitações funcionais existentes são causa de IPATH. Por seu turno, a junta médica pronunciou-se, unanimemente, no sentido de que as sequelas que o sinistrado apresenta não o impedem de exercer o núcleo essencial das funções descritas no relatório do IEFP. Na sequência, não considerou o sinistrado afetado de IPATH, nem entendeu que se verificasse agravamento das sequelas. Notificado do relatório médico, veio o sinistrado requerer esclarecimentos. Reunida novamente a junta médica, foram prestados os solicitados esclarecimentos, sem qualquer alteração do resultado da perícia. Finalmente, foi proferida decisão que manteve o grau de IPP anteriormente fixado, mas atribuiu uma IPATH ao sinistrado, desde a apresentação do pedido de revisão, tendo, em consequência, condenado a seguradora no pagamento ao sinistrado das seguintes prestações: a) Uma pensão anual e vitalícia no montante de € 16.060,00 (dezasseis mil e sessenta euros), devida desde 21-12-2019, mas atualizável desde a data da alta, 24-05-2018, sendo em janeiro de 2019 para o valor de 16.316,96 (dezasseis mil, trezentos e dezasseis euros e noventa e seis euros) e em janeiro de 2020 para o valor de € 16.431,18 (dezasseis mil, quatrocentos e trinta e um euros e dezoito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal cível, desde 21-12-2019 até efetivo e integral pagamento. b) Um subsidio de elevada incapacidade no valor de € 4.093,21 (quatro mil e noventa e três euros e vinte e um cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa cível, desde 21-12-2019 até efetivo e integral pagamento. Inconformada com tal decisão, veio a seguradora interpor recurso para esta Relação, extraindo das suas alegações, as conclusões que, seguidamente, se transcrevem: «1. Proferiu o Tribunal a quo Sentença, por haver considerado encontrar-se dotado de todos os elementos, os quais, no seu entendimento, eram aptos à decisão, designadamente de facto. 2. Salvo melhor opinião, foi cometido erro de julgamento, precisamente porque os elementos de que o tribunal dispunha não o aptavam à decisão que acabou por tomar. 3. Assim, considera a ora Apelante incorretamente julgados os factos que dão como provado que “o sinistrado (…) sofre um agravamento do seu estado clínico que implica que a sequela assuma um relevo maior e passe a interferir de forma ainda mais significativa com o desempenho da sua atividade profissional, como sucede no caso em apreço, sendo que se já era evidente a sua incapacidade absoluta para o exercício das funções de tirador de cortiça que exercia à data dos factos, esta assume, atualmente, maior acuidade e terá certamente contribuído para as atuais limitações do ombro direito” e consequentemente a fixação ao Sinistrado de “uma IPP 12,00%, com IPATH; desde data da alta a 21.12.2019”. 4. Ora, afigura-se inquestionável a força probatória do auto de exame por junta médica, mesmo sujeita ao princípio da livre apreciação pelo juiz. 5. Neste sentindo, ensina-nos o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 01/09/2020, “não estando o juiz adstrito às conclusões da perícia médica (…) apenas dela deverá discordar, (…) com base em opinião científica em contrário, em regras de raciocínio ou máximas da experiência que possa extrair no âmbito da sua prudente convicção.”. 6. A mera realização de junta médica pressupõe, per si, a pronúncia dos peritos sobre todo o tipo de lesões que o sinistrado pudesse padecer, tendo sempre presente todas as idiossincrasias relativas a cada posto de trabalho. 7. Já no que toca aos pareceres do IEFP, estes pretendem apenas esclarecer eventuais dúvidas sobre o emprego do trabalhador incapacitado. 8. Não só os relatórios periciais em causa se baseiam nos testemunhos prestados pelo sinistrado, sem verificação efetiva das suas capacidades e incapacidades para as tarefas, 9. Como a ser verificável, ainda estariam em falta os conhecimentos médicos do técnico do IEFP para tal avaliação. 10. No processo em crise, foi determinada a marcação de uma segunda junta médica de esclarecimentos (que a sentença parece ignorar) com o principal fito de apurar a existência, ou não, de uma IPATH. 11. Conforme ficou consagrado e reiterado pelos senhores peritos médicos, por unanimidade (com a validação clínica do próprio perito médico do Sinistrado), em sede de junta médica de esclarecimentos, 12. “O Sinistrado apresenta limitação do ombro esquerdo resultante do acidente com uma IPP de 12% sem IPATH uma vez que tal limitação, por si só, não o impede de subir às arvores (quesito 1), manusear serrote, motosserra e machado (quesito 2 e 3), mas apenas o limitam na medida da IPP atribuída. Atualmente também tem limitação do ombro direito mas sem relação com o acidente dos autos e espondilodiscartrose cervical que é causa natural das suas limitações (…) mas sem relação com o acidente e não resultando agravadas por este.”. 13. Quiseram os senhores peritos médicos afirmar que as sequelas resultantes do acidente dos autos em nada contribuíram para que o sinistrado eventualmente não possa exercer a sua profissão habitual, 14. Não se podendo aproveitar o acidente em crise para “compensar economicamente” o Sinistrado devido a outras patologias de causa natural que o mesmo possa padecer e o impeçam de exercer a sua profissão. 15. Assim, no processo em crise, a sentença decide unicamente com base no relatório técnico do perito do IEFP e em, com o devido respeito, em meras suposições subjetivas sobre o posto de trabalho do sinistrado. 16. É igual a dizer que foi atribuída uma incapacidade para o trabalho habitual com base, unicamente, nas palavras do trabalhador aquando da realização da entrevista no IEFP. 17. Ora, não ocorrendo alteração fáctica do quadro de sequelas e sua valorização subjacente à decisão de incapacidade inicialmente fixada ou à última decisão de revisão se a houver, não poderá ser atribuída incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, sob pena de se estar a reapreciar a mesma questão porque baseada em idênticos pressupostos e, portanto, em violação do caso julgado. 18. Deste modo, o Sinistrado apenas se encontra desvalorizado numa I.P.P. de 12,00%, conforme resulta unanimemente das duas juntas médicas realizados, 19. Deve assim se proceder à alteração da decisão nos termos do nº 1 do artigo 662º do CPC, aplicável por remissão do artigo 1º, nº 2 al. a), do CPT, 20. Uma vez que a sentença recorrida viola o princípio do caso julgado e violou e interpretou erroneamente as normas que invoca na sentença e todo o disposto nº 5 das Instruções Gerais da TNI, devendo o sinistrado ser considerado desvalorizado numa incapacidade permanente parcial de 12,00%.» Contra-alegou o sinistrado, pugnando pela improcedência do recurso. A 1.ª instância admitiu o recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Tendo o apenso do incidente subido à Relação, foi mantido o recurso. Com a anuência dos Exmos. Adjuntos, foram dispensados os vistos legais. Cumpre agora, em conferência, decidir. * II. Objeto do RecursoÉ consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho). Em função destas premissas, importa analisar e decidir se havia fundamento para declarar o sinistrado afetado por uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), reapreciando, previamente, a matéria de facto impugnada. Na eventualidade de se confirmar a declarada IPATH, há que analisar se se verifica uma violação do caso julgado. * III. Matéria de FactoO tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: 1. O sinistrado nasceu a 22-04-1968. 2. O sinistrado foi vítima de uma queda quando se encontrava no seu local e horário de trabalho, enquanto trabalhador independente, em 13-07-2017, do qual resultou traumatismo do ombro esquerdo, com as seguintes sequelas: limitações acentuadas dos movimentos do ombro com dor. Abdução 90º; extensão 90º, rotações abolidas. 3. O sinistrado auferia uma remuneração anual no valor global de € 36.500,00. 4. O sinistrado tinha a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho transferida para a ré seguradora pelo valor da retribuição anual de € 36.500,00. 5. Por despacho homologatório datado de 24-10-2018, proferido nos presentes autos de ação especial emergente de acidente de trabalho, foi homologada a transação entre a seguradora responsável e o sinistrado A.S., no âmbito da qual a seguradora se obrigou ao pagamento, além do mais, do capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia do montante de 3.066,00, com base numa IPP de 12%, devida desde 24-05-2018. 6. Com data de 21-12-2019, o sinistrado veio requerer revisão da sua situação, alegando agravamento do seu estado clinico e IPATH. 7. O sinistrado mantém as sequelas referidas. 8. O sinistrado apresenta ainda espondilodiscoartrose cervical e limitação do ombro direito, esta posterior ao acidente, sem relação direta com o acidente. 9. O sinistrado é dextro. 10. O sinistrado é tirador de cortiça, tendo como funções: extrair a cortiça da árvore do sobreiro, utilizando um machado corticeiro e outros acessórios, para o que mede o perímetro e altura do tronco, pernadas e braças do sobreiro, procede ao processo de descortiçamento do sobreiro utilizando um machado corticeiro, efetuando incisões circulares e retilíneas de modo a obter pranchas de cortiça direitas e com medidas pré-estabelecidas, golpeando a cortiça verticalmente na fenda mais profunda do sobreiro, introduzindo cunhas nos cortes e martelando-as cuidadosamente de modo a obter o descortinamento sem ferir o entrecasco, desunindo com o gume do machado, rodando-o, a fim de separar a cortiça exterior da cortiça interior e separando as pranchas de cortiça da árvore, inserindo a ponta do machado e rodando-o a fim de despelar a cortiça em grandes painéis nas principais secções do tronco; reajustar empolamentos, utilizando pregos; marcar com tinta as árvores descortiçadas; proceder, de forma esporádica, à estabilização das pranchas de cortiça, para o que seleciona e separa as pranchas de acordo com a sua qualidade e fim a que se destinam e empilha as pranchas selecionadas por forma a permanecerem expostas ao sol, vento e chuva; abater eucaliptos e outras árvores, utilizando uma motosserra, para o que prepara as zonas de corte, removendo os obstáculos à sua ação, utilizando enxadas ou outros equipamento, liga a motosserra, seleciona o lado para onde a árvores vai tombar, quando necessário procede à ancoragem de correntes ou cabos de aço com o auxilio de equipamentos auxiliares de tração de forma a dirigir a queda da árvores, procede à limpeza da árvore até à altura dos ombros utilizando a motosserra sempre que necessário, segura a motosserra com ambas as mãos, aproxima a lâmina circular em movimento da base da árvore, agachando-se e serra-o, infringindo movimentos regulares para orientação da serra; desrama e corta a árvore no solo; abastecer regularmente, a motosserra com combustível e procede várias vezes ao dia à afinação da lâmina de corte da motosserra, utilizando uma lima circular; construir cercas com estacas de madeira e rede, de forma a confinar os animais a determinadas zonas, utilizando materiais e equipamentos necessários. 11. Para exercer as referidas funções o sinistrado adota a postura ortostática durante grande parte do tempo, de trabalho, adotando de forma persistente outras posturas como curvado/fletido e agachado; trabalha em esforço muscular contínuo, com equilíbrio entre pernas, pés e tronco, com utilização de ambos os braços e mãos, estando sujeito a flexões e torsões laterais do tronco, torsão, flexão do pescoço, bem como a trabalhar com ambos os braços estendidos em frente e acima do nível dos ombros, com necessidade de persistente mobilização e força dinâmica de ambos os membros superiores, designadamente a nível da articulação do ombro, com persistente movimentos de flexão, extensão, abdução, rotações externas e internas de ambos os membros superiores, perante a necessidade frequente de elevar os braços acima do nível do nível dos ombros. 12. O sinistrado consegue subir às árvores e trabalhar em altura bem como manusear uma motosserra, uma tesoura de poda, um serrote e um machado, mas não de forma frequente e regular. - E considerou que não se provou a seguinte factualidade:a) O sinistrado mostra-se apto, com as limitações decorrentes da IPP, para o exercício da sua profissão habitual. * IV. Reapreciação da provaInfere-se da motivação do recurso, que a recorrente impugna a decisão proferida sobre a factualidade não provada. Para tanto, refere que o parecer dos peritos que integraram a junta médica deve sobrepor-se ao relatório elaborado pelo técnico do IEFP, pois este último fundamenta-se, exclusivamente, no testemunho do sinistrado, não tendo sido verificadas as suas capacidades e incapacidades para as tarefas que habitualmente executa. Ademais, o técnico do IEFP não possui conhecimentos médicos para apreciar a situação clínica do sinistrado. Vejamos o que resulta dos meios probatórios que constam dos autos. O sinistrado deduziu incidente de revisão, com fundamento no agravamento da sua situação clínica, alegando que sentia fortes dores, com perda de força, situação que o impedia de trabalhar. O perito que realizou o exame de revisão, na sequência da observação do sinistrado, identificou as seguintes sequelas relacionáveis com o acidente de trabalho: limitação acentuada dos movimentos do ombro esquerdo- rigidez, com dor- abdução 90.º, extensão 90.º e rotações abolidas. De acordo com o exame objetivo efetuado, considerou que não houve agravamento das sequelas, mas que as mesmas constituem causa de IPATH No relatório de avaliação do posto de trabalho, elaborado pelo IEFP, fez-se constar que a elaboração do parecer se encontra fundamentada na entrevista de análise de posto de trabalho feita ao sinistrado, no relatório do exame de revisão e em informação observada e conhecida sobre a atividade profissional em causa. Depois da descrição pormenorizada das tarefas habitualmente exercidas pelo sinistrado no concreto posto de trabalho sob análise, e da apreciação, entre outras, das exigências físicas e psicomotoras para tal posto de trabalho, concluiu-se: Por sua vez, decorre do laudo de exame por junta médica, que os peritos, por unanimidade, confirmaram as limitações decorrentes das sequelas que já haviam sido identificadas no exame pericial singular, entendendo que não houve agravamento das mesmas e que estas não impedem o sinistrado de exercer o núcleo essencial das funções descrito no relatório do IEFP, razão pela qual se pronunciaram no sentido de não dever ser atribuída IPATH. Na sequência, o sinistrado requereu os seguintes esclarecimentos: 1. Atentas as lesões resultantes do acidente, o sinistrado consegue, em segurança, subir às árvores e trabalhar em altura? Porquê? 2. O sinistrado consegue, em segurança, manusear uma motosserra, uma tesoura de poda, um serrote ou um machado? Porquê? 3. O sinistrado está em condições de exercer, em segurança, a sua profissão habitual de tirador de cortiça? Porquê? A junta médica, por unanimidade, esclareceu: «O sinistrado apresenta limitação do ombro esquerdo resultante do acidente com uma IPP de 12% sem IPATH uma vez que tal limitação, por si só, não o impede de subir ás árvores (quesito 1), manusear serrote, motosserra e machado (quesito 2 e 3), mas apenas o limitam na medida da IPP atribuída. Atualmente também tem limitação do ombro direito mas sem relação com o acidente dos autos e espondilodiscartrose cervical que é causa natural das suas limitações, situação que analisada no seu conjunto o impede de efetuar as aludidas tarefas mas que não têm relação com as sequelas dos autos, sendo posteriores (quanto ao ombro direito) ou anteriores, mas, uma vez mais, sem relação com o acidente e não resultando agravadas por este. Analisando… Infere-se dos aludidos meios probatórios que existe um exame pericial singular que se pronuncia favoravelmente à atribuição de IPATH, um relatório de avaliação do posto de trabalho/ situação do trabalhador que se manifesta em igual sentido, e uma junta médica que entende que as limitações decorrentes das sequelas não impedem o sinistrado de exercer o núcleo essencial das funções do seu trabalho habitual, ou seja, de subir a árvores, de manusear o serrote, a motosserra e o machado. O exame pericial singular é escasso ao nível da fundamentação, pois, basicamente, o que se extrai do mesmo é que o perito considera que as sequelas existentes são causa para a atribuição de IPATH. O Relatório do IEFP, ao contrário do alegado pela recorrente, não se baseia exclusivamente nas declarações prestadas pelo sinistrado, pois o mesmo tomou igualmente em consideração informação observada e conhecida sobre o posto de trabalho analisado, incluindo a consulta de documentação técnica. Aliás, trata-se de um relatório muito bem fundamentado e pormenorizado. O parecer emitido contém uma análise consistente e muito completa do posto de trabalho, e uma ponderação cuidadosa entre as sequelas e limitações físicas do sinistrado e as exigências do posto de trabalho que o mesmo ocupava aquando da verificação do acidente, tendo-se concluído que as limitações físicas de que o sinistrado padece comprometem, com carácter permanente e absoluto, o exercício da sua profissão habitual. Relativamente ao primeiro laudo de junta médica, o mesmo contém uma apreciação genérica, pois os peritos consideraram que as sequelas decorrentes do acidente não impedem o sinistrado «de exercer o núcleo essencial de funções descrito no relatório de IEFP», não existindo qualquer esclarecimento sobre o que os peritos entendem ser o «núcleo essencial de funções». No esclarecimento posteriormente realizado, mediante solicitação do sinistrado, elucidam os peritos que as limitações derivadas das sequelas no ombro esquerdo não impedem o sinistrado «de subir ás árvores (quesito 1), manusear serrote, motosserra e machado (quesito 2 e 3), mas apenas o limitam na medida da IPP atribuída» Todavia, o declarado não permite concluir que o sinistrado consegue realizar as referidas atividades em segurança e permanentemente. Ora, conjugando os referidos meios probatórios, entendemos que o relatório do IEFP se sobrepõe, quanto à materialidade que se aprecia, ao parecer emitido pela junta médica, pois contém uma consistente e detalhada análise do posto de trabalho do sinistrado, não revelando os peritos médicos um especial conhecimento deste posto de trabalho. Ademais, a relação entre as limitações derivadas das sequelas e o estado físico e psicomotor exigido pela profissão foi cuidadosamente ponderada no referido relatório. O parecer do IEFP revela-se, no caso concreto, um meio probatório qualitativamente superior ao parecer emitido pela junta médica. Por tal motivo, deve sobrepor-se ao laudo da junta médica. Pelo exposto, entendemos que não existe suporte probatório consistente, que permitisse criar a convicção da verificação da materialidade descrita na alínea a) dos factos não provados. Confirmamos, deste modo, a decisão impugnada. Por conseguinte, julga-se improcedente a impugnação deduzida. * VI. Incapacidade Absoluta Para o Trabalho HabitualCom fundamento na expetativa da procedência da visada alteração da matéria de facto, a recorrente pretendia que não fosse atribuída ao sinistrado uma IPATH. Todavia, a impugnação da decisão factual foi julgada improcedente. Para além disso, com arrimo nos factos assentes, não se nos afigura que o tribunal a quo tenha errado ao considerar o sinistrado afetado de uma IPATH, em consequência das sequelas decorrentes do acidente. No Acórdão da Relação de Guimarães, de 17-12-2019, Proc. 1185/16.0T8BGC.G1[2], escreveu-se, com interesse: «Como refere Carlos Alegre in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, página 96, a propósito da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), “trata-se de uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, atividade ou profissão, mas que deixa uma capacidade residual para o exercício de outra atividade, laboral compatível, permitindo-lhe alguma capacidade de ganho, todavia, uma capacidade de ganho, em princípio diminuta”. Contudo daqui não resulta só ser de atribuir IPATH quando o sinistrado não poder executar nenhuma das tarefas que anteriormente desempenhava no seu posto de trabalho, ao invés significa apenas que o sinistrado deixou de poder executar pelo menos o núcleo essencial das tarefas que anteriormente exercia. A determinação da existência, ou não, de IPATH nem sempre é fácil, sendo certo que, por vezes, poderá ser ténue a fronteira entre esta e uma vulgar IPP, impondo-se a avaliação da repercussão desta na (in)capacidade para o sinistrado continuar a desempenhar o seu trabalho habitual, correspondendo este às funções fulcrais e que predominante desempenhava à data do acidente. O exercício do trabalho habitual corresponde à execução de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial de determinada atividade profissional, sendo necessariamente de concluir que o sinistrado fica afetado de IPATH quando as sequelas de que padece, resultantes do acidente apenas permitem desempenhar funções meramente residuais ou acessórias do trabalho habitual que não permitiram a quem quer que fosse que com essas tarefas pudesse manter essa mesma profissão/trabalho habitual. Conforme se refere a este propósito no recente acórdão deste Tribunal de 24/10/2019, Proc. n.º 1730/15.8T8VRL.G1, relator Antero Veiga, de que fui 2ª Adjunta, “A incapacidade absoluta para o trabalho habitual não implica uma impossibilidade de execução da totalidade das tarefas incluídas na categoria. O que releva no caso é o núcleo essencial dessas funções, as tarefas que dão corpo à categoria, o núcleo das tarefas que eram executadas. O STJ no acórdão uniformizador de 28/5/2014, Proc. n.º 1051/11.5TTSTB.E1.S1, refere que “...na linha da jurisprudência definida nesta secção os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho…” Consta ainda do acórdão e relativamente à reconvertibilidade, que “a reconversão em relação ao posto de trabalho … materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade que trabalho que do mesmo decorreram.” Importa assim que o trabalhador retome ou possa retomar o essencial das suas anteriores tarefas, ainda que com esforço acrescido e eventualmente com algumas modificações técnicas ou outras, que visam precisamente adaptar o local ou a forma de prestação, de modo permitir a execução dessas tarefas em função das limitações funcionais adquiridas. Como acertadamente se refere no Ac. RL de 7/3/2018, processo nº 1445/14.4T8FAR.L1-4: “não se pode falar em IPATH se o sinistrado retoma a totalidade das suas funções ou, pelo menos, o seu conjunto fundamental, embora com limitações decorrentes das lesões sofridas no acidente. Neste caso, o sinistrado, pese embora os constrangimentos e esforço acrescido continua a conseguir executar as tarefas inerentes ao seu posto de trabalho. Se não consegue, não é reconvertível em relação ao seu posto de trabalho e, em consequência, está afetado de IPATH.” Na mesma linha o Ac. da R.P. de 30/5/2018, processo nº 2024/15.4T8AVR.P1, referindo, “O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caraterizado pela execução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional, não se podendo deixar de concluir que o sinistrado fica afetado de IPATH se as sequelas do acidente lhe permitem, apenas, desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual de tal modo que não permitiria que alguém mantivesse, apenas com essa (s) tarefa (s) residual (ais), essa profissão/trabalho habitual.” No caso em apreço foi atribuída ao sinistrado uma IPP com IPATH, com base no parecer emitido pelo IEFP, conjugado com a posição assumida em junta médica pelo perito do sinistrado, bem como com a restante informação clínica resultante dos autos, em manifesta divergência no que respeita à atribuição de IPATH com o laudo maioritário da junta médica. Como temos vindo a defender, designadamente no Ac. de 12-09-2019, Proc. n.º 327/18.5Y2GMR, “resulta do disposto no artigo 140.º do CPT. que a fixação da incapacidade para o trabalho decorre de decisão soberana do juiz, que evidentemente terá de ter em atenção a prova pericial produzida, que deverá ser apreciada livremente pelo julgador. No entanto, atenta a natureza técnica e complexa associada a este tipo de perícia, na maioria dos casos a decisão proferida pelo juiz relativamente à fixação da incapacidade para o trabalho corresponde àquela que foi atribuída pelos peritos médicos que intervieram no processo em exame singular ou colegial e sendo este último presidido pelo juiz, permite-lhe indagar e esclarecer, aquando da realização do exame, todas as suas dúvidas resultantes da complexidade e tecnicidade que normalmente decorre de uma perícia médico-legal. Reafirmamos que destinando-se esta prova a fornecer ao tribunal uma especial informação de facto tendo em conta os específicos conhecimentos técnicos ou científicos do perito que se não alcançam pelas regras gerais da experiência (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 261 e segs. e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 322 e segs.), deve ser apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais, o que implica que o juiz possa na decisão de facto afastar-se do que resultou da perícia, mas apenas deverá discordar em casos devidamente fundamentados, nomeadamente baseados em outras opiniões científicas, ou em razões jurídico processuais que se afigurem ao legislador de relevantes.” Retornando ao caso dos autos teremos de dizer que de forma fundamentada e justificada a juiz a quo divergiu do auto maioritário da junta médica no que tange à atribuição de IPATH, afirmando desde já que os demais meios de prova constantes dos autos impunham a divergência do auto de junta médica maioritário. Como se refere no Ac. da Relação de Évora de 14-06-2018, Proc. n.º 1679/15.0T8BJA.E1[3] (relator Moisés Silva), consultável in www.dgsi.pt “No caso concreto, não está em causa o laudo pericial emitido pela junta médica, nem o seu juízo científico, mas sim elementos factuais que vão além do mesmo, como sejam as concretas condições e exigências físicas, mentais e emocionais, em que o trabalho era prestado no momento do acidente de trabalho e as suas repercussões no posto de trabalho a partir da data da alta. Em face das sequelas das lesões decorrentes do acidente e das caraterísticas funcionais do posto de trabalho em causa, o tribunal analisa e pondera se no caso concreto o trabalhador pode continuar a prestar aí a sua atividade tal como se não tivesse havido acidente de trabalho, embora de forma mais penosa, ou se tal é impossível.” Na verdade o sinistrado, em virtude das lesões sofridas, bem como das respetivas sequelas de que é portador em consequência do acidente dos autos, designadamente limitação dolorosa da mobilidade do tarso por artrose pós traumática e limitação conjugada da mobilidade do ombro (conjunto das articulações do ombro e cotovelo), às quais foram atribuídos os coeficientes máximos de desvalorização, não ficou em condições físicas de voltar a desempenhar as tarefas inerentes ao posto de trabalho que ocupava à data do acidente. A atividade do sinistrado, à data do acidente, era a de trabalhador agrícola polivalente, na área da cultura de árvores e arbustos, designadamente na poda de oliveiras, sendo esta a tarefa que realizava aquando da ocorrência do acidente. Resulta do parecer do IEFP que o sinistrado desde a data do acidente que não executa tais tarefas. Sabemos também que não tem condições físicas para exercer as funções inerentes à poda de oliveiras, o que aliás é reconhecido pela recorrente precisamente, por agora não lhe ser possível subir às árvores através da elevação do corpo, utilizando a força de ambos os braços, equilibra-se em posições instáveis, apoiando-se nas pernas, segurando-se com o braço esquerdo enquanto manipula a tesoura ou o serrote com o braço direito, manusear uma motosserra com ambos os braços e mãos, nem carregar à força de ambos os braços, em terrenos acidentados e com relevo ramos e troncos de árvores. Resulta ainda do referido parecer que a profissão de trabalhador agrícola exige adequadas capacidades quer a nível de ambos os braços (destreza e força) que tem de se usar nas mais diversas tarefas inerentes a qualquer atividade agrícola, designadamente para manusear máquinas, exigindo também capacidade de se efetuarem mudanças de postura rápidas e frequentes, com movimentos rotativos do tronco, incluindo ombros e braços. Sendo imprescindível que o trabalhador possua um adequado sentido de equilíbrio, robustez e agilidade física com grande destreza manual e coordenação motora para poder praticar as diversas tarefas/funções associadas à atividade agrícola. Todo este circunstancialismo que contende com a natureza das funções próprias do trabalhador agrícola, podador de árvores, conjugadas com a idade do sinistrado, permite-nos concluir que não só que o sinistrado está afetado de IPATH, como também nos permite concluir que a junta médica – laudo maioritário – teve uma visão generalista, (não resultando do referido laudo que tivessem sido apreciadas as funções concretamente exercidas pelo sinistrado) e não teve em consideração que a incapacidade de que o sinistrado ficou portador não lhe permite realizar o núcleo essencial das funções da sua profissão de trabalhador agrícola, podador de árvores em explorações agrícolas, sobretudo de oliveiras, que exercia aquando do acidente, conforme resulta manifesto do parecer junto aos autos pelo IEFP. Estamos perante uma profissão cujas tarefas que a integram requerem capacidade, destreza e mobilidade físicas, que o sinistrado deixou de possuir em face das sequelas de que ficou portador quer no membro superior, quer no membro inferior direitos. Em suma resultando dos autos que o sinistrado está impossibilitado de realizar o núcleo essencial ou fulcral das funções que vinha exercendo até à data do acidente é de atribuir-se-lhe IPATH.» Transcrevemos o identificado aresto, porque resulta claramente do exposto, em termos que merecem o nosso absoluto acordo, que a atribuição de IPATH não implica que o sinistrado fique absolutamente incapaz de exercer todas as tarefas inerentes ao posto de trabalho que desempenhava aquando da ocorrência do acidente. Basta que o mesmo fique impossibilitado de poder executar, com carácter permanente, as tarefas que constituem o núcleo essencial da sua atividade profissional, para que possa ser reconhecido que o mesmo se encontra afetado de IPATH.[4] Retomando o caso concreto, deduz-se da factualidade provada que a atividade profissional habitual do sinistrado implica que o mesmo, permanentemente, suba árvores e trabalhe em altura, manuseie machados, motosserras, enxadas, tesouras de poda, serrotes, para além de ter de empilhar pranchas de cortiça e construir cercas com estacas de madeira e rede. O esforço muscular exigido para a realização destas tarefas é contínuo e a utilização dos membros superiores é constante, requerendo uma permanente mobilização e força dinâmica, designadamente ao nível da articulação do ombro, com persistentes movimentos de flexão, extensão, abdução, rotações externas e internas de ambos os membros superiores, até porque existe uma necessidade frequente de elevar os braços acima do nível dos ombros. Ora, as sequelas existentes no ombro esquerdo, que são decorrentes do acidente de trabalho, impedem que o sinistrado execute, com o carácter permanente que o exercício de uma atividade profissional exige, de modo seguro, as tarefas identificadas supra. O regresso do sinistrado à sua profissão habitual representaria um risco grave para a sua segurança e saúde, o que não se pode admitir. Assim, o que resultou apurado é que o sinistrado não ficou em condições físicas de voltar a desempenhar a atividade profissional que desempenhava à data do acidente de trabalho. Nesta conformidade, sufragamos a decisão da 1.ª instância que considerou o sinistrado afetado de IPATH, desde a apresentação do pedido de revisão, em consequência das sequelas decorrentes do acidente. Improcede, pois, o recurso, quanto à questão analisada. * VI. Da alegada violação do caso julgado Argumenta a recorrente que a atribuição da IPATH constitui uma violação do caso julgado. Desde já adiantamos que, também nesta parte, o recurso terá de improceder. No Acórdão proferida por esta Secção Social, em 07-01-2016, Proc. 92/11.7TTPTM-A.E1, escreveu-se: «Por decisão transitada em julgado foi a sinistrada considerada afetada de uma incapacidade permanente absoluta desde 06-08-2012. Transitada em julgado a decisão, tal significa que a decisão sobre a relação material controvertida ficou a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele (artigo 671.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 619.º do atual Código de Processo Civil). Como assinala Antunes Varela (et alii, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 708), através do caso julgado exige-se, essencialmente, que os tribunais respeitem ou acatem a decisão, não a julgando a questão de novo. Porém, no âmbito dos acidentes de trabalho, de forma a adaptar o valor da pensão às sequelas resultantes das lesões sofridas pelo sinistrado, permite-se que se proceda à revisão da incapacidade ou da pensão. Tal possibilidade, bem como os requisitos para a revisão encontram-se expressamente previstos nos artigos 145.º a 147.º do Código de Processo do Trabalho e no artigo 70.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (LAT). Assim, não obstante a anterior decisão, transitada em julgado, quanto à incapacidade da sinistrada e ao valor da pensão, o mesmo é dizer não obstante a força do caso julgado, essa decisão pode ser alterada desde que circunstâncias supervenientes justifiquem essa modificação. Porém, a alteração posterior terá que se iniciar através de um incidente próprio, de revisão: é com o requerimento apresentado pelo sinistrado ou pelo responsável que se dá início à instância. Ou seja, e tendo presente o disposto no artigo 267.º do anterior Código de Processo Civil, a que correspondente o artigo 259.º do atual Código de Processo Civil, a instância de revisão da incapacidade inicia-se com a propositura do respetivo incidente, que se considera proposto na data da entrada do requerimento em juízo, in casu em 22-07-2013. Até essa data, mantém-se a decisão anteriormente proferida, maxime no que à incapacidade da sinistrada e ao valor da pensão diz respeito. E esse incidente de revisão não poderá servir, diremos até obviamente, para afastar os efeitos da anterior decisão até aí produzidos. Isto é, e dito de forma direta: não poderá o incidente de revisão da incapacidade deduzido pela seguradora servir para produzir efeitos quanto à incapacidade da sinistrada e ao valor da pensão em data anterior à sua dedução; os efeitos da anterior decisão, quanto à incapacidade do sinistrado e ao valor da pensão, terão que ser acatados e respeitados, por força do caso julgado, até que se inicie o incidente de revisão. Como assertivamente se escreveu no acórdão deste tribunal de 29-07-2007 (Proc. n.º 784/07-3, disponível em www.dgsi.pt), também convocado pela recorrente, «(…) o incidente de revisão não pode ter como finalidade a correção de um juízo anterior, pelo que os efeitos da revisão da incapacidade nunca se poderiam reportar a data anterior à entrada em juízo do respetivo requerimento.». A entender-se de outro modo, ou seja, que os efeitos de revisão da incapacidade pudessem retroagir a data anterior à da entrada do requerimento de revisão da incapacidade, estava encontrada uma forma de, por via oblíqua, permitir que se destruísse qualquer efeito da decisão anterior, rectius a incapacidade e a pensão fixadas anteriormente e, assim, por essa via, que se destruísse o efeito do caso julgado dessa decisão, que se manteve consolidada na ordem jurídica até que, em conformidade com o prescrito na lei, foi pedida a sua alteração (por via do referido incidente). Por isso, não podemos acompanhar a decisão recorrida, que determinou que a alteração da revisão da incapacidade e da pensão produzisse efeitos desde 06-09-2012, apenas podendo produzir efeitos, como bem sustenta a recorrente, a partir do início do incidente de revisão, ou seja, a partir de 22-07-2013». Não vislumbramos qualquer razão válida para que o entendimento manifestado no aresto citado seja alterado. O incidente de revisão da incapacidade, previsto no artigo 145.º do Código de Processo de Trabalho, constitui um mecanismo processual, criado pelo legislador, que viabiliza a reapreciação atualizada do estado de saúde do sinistrado, em consequência direta do acidente de trabalho sofrido.[5] E, em consonância com a mencionada norma legal, o artigo 70.º da LAT, estipula que quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão que deu origem à reparação, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada. Destarte, no domínio dos acidentes de trabalho, os efeitos do caso julgado decorrentes da prolação de uma decisão judicial, transitada em julgada, que tenha atribuído uma determinada incapacidade e uma determinada pensão ao sinistrado podem vir a ser alterados, mediante incidente de revisão da incapacidade[6]. No vertente caso, tendo em consideração a prova produzida no incidente, foi decidido que o sinistrado, desde a apresentação do pedido de revisão, em função das sequelas decorrentes do acidente, está afetado de IPATH, o que originou uma alteração da pensão. Ou seja, as alterações verificadas relativamente à situação anteriormente declarada por decisão judicial, transitada em julgado, ocorreram através do incidente processual próprio e os efeitos das alterações apenas operam a partir do momento em que se iniciou o incidente de revisão. Por conseguinte, os efeitos da decisão judicial anteriormente prolatada, foram acatados e respeitados, pelo que não se verifica qualquer violação do caso julgado. Face ao exposto, improcede, igualmente, o último dos fundamentos do recurso. * VII. DecisãoNestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Notifique. Évora, 24 de fevereiro de 2022 Paula do Paço (Relatora) Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta) Moisés Silva (2.º Adjunto) __________________________________________________ [1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Moisés Silva [2] Acessível em www.dgsi.pt. [3] Salientamos que o número correto deste acórdão é 1676/15.0T8BJA.E1. [4] No mesmo sentido, também, o Acórdão da Relação de Guimarães de 20-01-2022, Proc. 6261/19.4T8GMR.G1, consultável em www.dgsi.pt. [5] Neste sentido, o Acórdão desta Secção Social de 14-06-2018, Proc. 699/14.0T8STR.E1, acessível em www.dgsi.pt. [6] Neste sentido, os Acórdãos desta Secção Social de 30-03-2016, Proc.515/06.7TTPTM-A.E1 e de 02-03-2017, Proc. 809/09.0TTSTBB.E1, consultáveis em www.dgsi.pt. |