Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1104/19.1T8PTG-A.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: BENFEITORIAS
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 04/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O direito à indemnização das benfeitorias necessárias e úteis, nos termos do artigo 1273.º do Código Civil, está sujeito ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Sumário:
(…)

Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Central Cível e Criminal de Portalegre corre acção declarativa com processo comum, proposta em Setembro de 2019, na qual (…) e (…) demandam (…), (…) e (…), pedindo a sua condenação a pagar-lhes a quantia global de € 149.150,00.
De acordo com a causa de pedir formulada na petição inicial, por sentença de 19.10.2011, transitada em julgado em 15.03.2012, os RR. obtiveram vencimento em acção de preferência por eles intentada, mas foram condenados no pedido reconvencional de pagamento de benfeitorias úteis realizadas anteriormente à propositura daquela acção, no valor de € 104.162,00, e em indemnização em valor a liquidar por despesas realizadas nos anos de 2001 a 2004.
Como os RR. não lograram pagar os valores em que foram condenados, os AA. exerceram o direito de retenção, e continuaram a realizar benfeitorias necessárias e úteis no imóvel, mesmo após a citação para a anterior causa. O pedido formulado funda-se quer no direito de indemnização pelas benfeitorias necessárias realizadas, nos termos do artigo 1273.º, n.º 1, do Código Civil, quer no direito ao valor das benfeitorias úteis que não podem ser levantadas, calculadas de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, nos termos do n.º 2 do mesmo normativo.
Contestando, os RR. invocaram a excepção de prescrição do direito dos AA., argumentando que as benfeitorias foram realizadas entre 2007 e 2009 e que é aplicável o prazo de prescrição de três anos a que se refere o artigo 482.º do Código Civil.

No saneador foi esta excepção julgada improcedente, pelo que os RR. recorrem e concluem:
1. Os AA. ora Apelados, fundamentaram o direito que pretendem fazer valer nos presentes autos numa situação de enriquecimento sem causa;
2. Ainda que assim não fosse, não existe, no caso sub judice, outro fundamento legal para a sua pretensão;
3. Por essa razão, é aplicável nos presentes autos o regime previsto nos artigos 473º e ss do CC, incluindo a regra relativa ao prazo de prescrição previsto no art.483º do mesmo diploma legal;
4. e não apenas as normas relativas à determinação do “quantum” da restituição;
5. O prazo de prescrição teve início na data do trânsito em julgado da sentença proferida na acção de preferência que correu termos sob o n.º 1288/05.6TBPTG, pelo 1.º Juízo da Comarca de Portalegre;
6. trânsito em julgado que ocorreu no ano de 2012, como os próprios AA. reconhecem no art. 6.º da p.i.;
7. Assim, encontra-se prescrito, por força do citado artigo 483.º do CC, o direito dos AA., ora Apelados, à restituição dos valores ou ao levantamento das benfeitorias efectuadas no prédio dos RR. ora Apelantes.

Nas contra-alegações sustenta-se a manutenção do decidido.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.
Os factos a ponderar na decisão constam já do relatório.

Aplicando o Direito.
Da prescrição do direito de indemnização por benfeitorias necessárias e úteis
No entender dos RR., o artigo 1273.º, n.º 2, do Código Civil remete também para o prazo prescricional de três anos do instituto do enriquecimento sem causa, contido no artigo 482.º do mesmo diploma, prazo esse que teria decorrido entre a data de trânsito em julgado da anterior acção, em Março de 2012 e a propositura da presente acção, em Setembro de 2019.
A propósito desta questão, Pires de Lima e Antunes Varela, no seu Código Civil Anotado, volume III, 2.ª edição, 1987, página 43, em anotação ao referido artigo 1273.º, escrevem o seguinte: «O direito do possuidor à indemnização das benfeitorias necessárias e úteis só pode ser exercido quando o proprietário reivindica triunfantemente a coisa, sendo como que um contradireito relativamente à pretensão reivindicatória (…). Trata-se de um direito de natureza creditória, sujeito, como tal, ao prazo ordinário de prescrição. A remissão que, relativamente às benfeitorias úteis, o n.º 2 do artigo 1273.º faz para o regime do enriquecimento sem causa vale apenas para o cálculo do montante indemnizatório, sendo inaplicável a regra prescricional do artigo 482.º (…).»
Esta orientação também tem sido adoptada na jurisprudência, maxime, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.01.1981 (Processo n.º 068778), e ainda nos Acórdãos da Relação de Évora de 01.03.2012 (Processo n.º 209/06.3TBODM.E1), da Relação do Porto de 16.04.2012 (Processo n.º 9427/09.1TBVNG-A.P1), da Relação de Guimarães de 10.09.2013 (Processo n.º 533/11.3TBAVV-A.G1), e da Relação de Coimbra de 20.04.2016 (Processo n.º 663/15.2T8CLD.C1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Entende-se que não existem motivos para divergir desta posição doutrinária e jurisprudencial, tanto mais que o instituto do enriquecimento sem causa tem natureza meramente subsidiária (artigo 474.º do CC), apenas podendo ser invocado quando a lei não facultar ao empobrecido outro meio de compensação ou restituição – e, neste caso, a lei garante aos demandantes um meio específico de indemnização, no artigo 1273.º do Código Civil, e do seu elemento literal resulta que as regras do enriquecimento sem causa são aplicáveis, apenas, ao cálculo do valor das benfeitorias úteis, e nada mais.
Estando reclamadas benfeitorias ocorridas a partir de 2005, não decorreram os vinte anos do prazo ordinário de prescrição (artigo 309.º do CC), e bem decidiu a decisão recorrida pela improcedência da excepção.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso, com confirmação da decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Évora, 15 de Abril de 2021
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões