Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3328/23.8T8ENT.E1
Relator: SÓNIA MOURA
Descritores: PERSI
EXTINÇÃO
COMUNICAÇÃO
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:

1. O que se exige ao Banco na comunicação de extinção do PERSI é a “Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal”, nos termos da alínea a) do artigo 8.º do Aviso n.º 17/2012 e da alínea a) do artigo 9.º do Aviso n.º 7/2021, que substituiu aquele.


2. A singela alusão à “ausência de resposta”, na comunicação de extinção do PERSI, não cumpre a obrigação que impende sobre o Banco de informar o cliente bancário sobre os factos que integram a previsão da norma legal que consente a extinção no caso concreto, assim como não cumpre a obrigação de informar sobre o respetivo fundamento legal a mera referência ao Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, sem indicação do artigo, número e alínea que especificamente constituem a razão legal para tal extinção, atenta a multiplicidade de situações elencadas na lei.


3. Está previsto no n.º 3 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, que a documentação solicitada deve ser fornecida pelo cliente bancário ao Banco no prazo máximo de 10 dias, e estabeleceu-se na alínea d) do n.º 2 do artigo 17.º do mesmo diploma legal que a falta de colaboração do cliente bancário, traduzida na falta de disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito, ao abrigo do disposto no artigo 15.º, permite à instituição de crédito extinguir o PERSI.


4. Contudo, nos termos do referido n.º 3 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, o cliente bancário poderá apresentar um “motivo atendível” para justificar a omissão de apresentação da documentação no prazo fixado, o que configura um justo impedimento determinante da dilatação do prazo na medida correspondente à duração do “motivo”.


5. Assim, deve ser transmitida informação completa ao cliente bancário aquando da sua integração no PERSI, advertindo-o de que a falta de envio dos documentos solicitados no prazo de 10 dias não determina a extinção do PERSI se ocorrer “motivo atendível” que impeça a prática do ato no prazo fixado, o que não foi feito, tendo sido transmitido taxativamente que o mero decurso de 10 dias implicaria o “encerramento automático do PERSI”.


6. A ineficácia da comunicação de extinção do PERSI implica que se considere verificada a exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, de falta de extinção do PERSI, o que constitui fundamento de extinção da execução, nos termos dos artigos 726.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 734.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.


(Sumário da responsabilidade do Relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil)

Decisão Texto Integral: ***

Apelação n.º 3328/23.8T8ENT.E1


(1ª Secção)


***


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


1. Bicredit – Sociedade Financeira de Crédito, S.A., instaurou execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum sumário, contra AA, apresentando como título executivo uma livrança.


Alegou a Exequente que:


“A Sociedade BANCO INVEST S.A celebrou um contrato de cessão de créditos com a sociedade BICREDIT-SOCIEDADE FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A, operado a 2 janeiro de 2023.


Para efeitos do desenvolvimento da atividade de crédito no seguimento automóvel a Cedente celebrou um Memorando de Entendimento em 2016 com potenciais Investidores, agregando o interesse no desenvolvimento de uma nova sociedade financeira de crédito.


A Cedente realizou um aumento de capital em espécie na Cessionária, através de um conjunto de ativos e passivos, onde conferem a respetiva legitimidade à sociedade BICREDIT-SOCIEDADE FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A para assumir a posição deste, no âmbito do processo melhor identificado em epigrafe (…).


Isto posto,


Em 20.12.2018, a exequente celebrou com o executado um contrato de crédito automóvel com o n.º 1038411 que teve por objeto o financiamento da aquisição da viatura AUDI A4 Avant Diesel, com a matrícula ..-..-XS (…).


Por força desta operação de crédito automóvel e para garantia da mesma, o executado entregou, em branco, uma livrança à Exequente.


O Executado autorizou expressamente a Exequente a preencher a livrança em causa, apondo-lhe as datas de emissão e vencimento e a importância do título pelo valor em dívida contratualmente estabelecido.


Pelo que esta é legitima portadora de uma livrança emitida em 20.12.2018, no valor de 5.392,19€ (cinco mil, trezentos e noventa e dois euros e dezanove cêntimos) subscrita pelo ora executado, AA, vencida em 25.07.2023 (…).


A Exequente procedeu ao preenchimento da livrança, opondo-lhe o valor de5.392,19€ (cinco mil, trezentos e noventa e dois euros e dezanove cêntimos), correspondente à soma das seguintes rubricas e apresentou-a a pagamento:


Prestações vencidas e capital em dívida após a resolução: 5250,40€


Juros moratórios após resolução até à data de preenchimento da Livrança: 114,96€


Imposto do Selo por preenchimento da Livrança: 26,83€


Até à presente data, o Executado não procedeu ao pagamento nem amortização da importância titulada pela livrança em execução.


O executado é, desta forma, devedor à exequente do capital supra referido, acrescido dos juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4%.


Os juros vencidos, após vencimento da livrança e até à presente data, ascendem a 54,09€.


Deve assim o executado o montante de €5.446,28 (cinco mil, quatro e quarenta e seis euros e vinte e oito cêntimos), acrescido dos juros vincendos, à taxa legal, custas e mais encargos legais, tudo até efetivo e integral pagamento. (…)”


2. Após audição do Exequente e do Executado, foi proferido despacho com o seguinte dispositivo:


“Na defluência de todo o conspecto fáctico-jurídico vindo de enunciar, julgo oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pela exequente “BICREDIT – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, da demonstração do válido cumprimento da comunicação ao executado AA da extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, decido absolvê-lo da instância e determinar a extinção da execução – artigos 551.º, n.º 3, 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º, 726.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), e 734.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.”


3. Inconformado com o despacho acima indicado, veio o Exequente interpor recurso do mesmo, tendo concluído as suas alegações com as seguintes conclusões:


“I – Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. ( ) proferida pelo Juízo de Execução do Entroncamento – J1 que absolveu o Executado da instância, ordenando a extinção da execução, por entender não ter sido dado cumprimento ao disposto no art. 17.º, n.os 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012.


II – Entendeu o douto tribunal a quo que as cartas remetidas ao Executado e em que o mesmo foi informado da extinção do referido procedimento não são suscetíveis de dar cumprimento ao disposto no art. 17.º, n.os 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, por não ter sido indicada a concreta base legal de suporte da extinção e, no entendimento do douto tribunal recorrido, por o Executado não ter sido informado “em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis” das concretas razões que terão baseado a inviabilidade da manutenção dos procedimentos através da descrição dos concretos factos materiais e objetivos que determinaram a extinção ou que justificaram a decisão de pôr termo aos mesmos.


III – Aquilo que a lei exige é que seja descrito o fundamento legal para a extinção do PERSI. Sendo o fundamento legal a falta de colaboração do cliente, nos termos do disposto no art. 17.º, n.º 2, alínea d) do Decreto-Lei n.º 227/2012, este fundamento é perfeitamente descrito quando se refere que a extinção do PERSI é motivada pela ausência de resposta do cliente.


IV – Repare-se que esta comunicação é enviada na sequência de uma outra, de integração no PERSI, em que o cliente é informado de que a falta de colaboração, desde logo a falta de resposta no prazo fixado, é fundamento de extinção do PERSI.


V – Ao ser informado de que a ausência de resposta motivou a extinção do PERSI, o cliente está perfeitamente ciente, pois apenas o próprio poderia fazê-lo, que a “ausência de resposta” quer dizer que não respondeu à comunicação que anteriormente lhe tinha sido remetida. De facto, a ratio legis da norma prevista no art. 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 é que o cliente bancário seja devidamente informado e esclarecido sobre o motivo que levou à extinção do PERSI. Pelo que a menção a “ausência de resposta” sumariza perfeitamente, em linguagem clara e compreensível a todos os clientes bancários, todos os factos que consubstanciam a falta de colaboração do cliente que veio a determinar a extinção do PERSI.


VI – Entende o Recorrente que as comunicações enviadas e juntas aos autos cumprem integralmente o disposto no art. 17.º, n.os 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de modo que nunca poderia o tribunal a quo ter absolvido o Executado da instância, entendendo que o Exequente estaria impedido de instaurar a execução.


VII – Face ao exposto, entendemos, com todo o devido respeito, haver manifesto erro de julgamento, pois que o tribunal a quo fez uma errada interpretação art. 17.º, n.os 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, devendo a decisão proferida ser revogada e substituída por outra que julgue integralmente cumpridas as obrigações decorrentes do disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012, ordenando o prosseguimento da execução, seguindo-se ulteriores termos.”


4. Não foram apresentadas contra-alegações.


5. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Questões a Decidir


O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).


Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).


Consequentemente, cumpre apreciar se a comunicação de extinção do PERSI ao Executado cumpre os respetivos requisitos legais.


III – Fundamentação


1. Os factos com relevo para a decisão são os que constam do relatório, e ainda os seguintes, extraídos da decisão sindicada:


1.1. O Exequente enviou as seguintes cartas aos Executados:


“1.º - Carta datada de 03-11-2019:


«(…) Assunto: Contrato nº 1038411 - Integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)


Exmo. Senhor,


Decorrente do incumprimento no pagamento do(s) valor(es) a seguir discriminado(s) no total de 295,87€, procedemos à integração de V. Exa. no PERSI – criado no âmbito do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro – indicado em referência a partir de 03/11/2019: (…)


De modo a que possamos avaliar a capacidade financeira de V. Exa., solicitamos que nos seja enviado, no prazo máximo de 10 dias, a seguinte documentação:


• Três últimos recibos de vencimento e/ou de prestação de serviços e/ou de prestações sociais;


• Última Certidão de Liquidação do imposto sobre o rendimento de Pessoas Singulares;


• Comprovativos de outros encargos fixos mensais suportados;


• Outros documentos que considere relevantes para nos ajudar a avaliar a sua capacidade financeira; e


• Declaração na qual atesta a veracidade da informação prestada.


A não apresentação de um ou mais dos elementos requeridos dentro do prazo estipulado provocará o encerramento automático do PERSI. Para a obtenção de qualquer informação e/ou esclarecimento adicional deverá entrar em contacto através do email ... ou do telefone ..., nos dias úteis, das 09:00 às 20:00.


Enviamos em anexo documento informativo, de acordo com o estabelecido no Anexo II do Aviso n.º 17/2012 do Banco de Portugal. (…)»;


2.º - Carta datada de 18-11-2019:


«(…) Assunto: Contrato nº 1038411 - Extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)


Exmo.(a) Senhor(a),


Nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, informamos V. Exa. que procedemos à extinção do PERSI, no dia 18/11/2019, por ausência de resposta de V. Exa..


Para a obtenção de qualquer informação e/ou esclarecimento adicional deverá entrar em contacto através do telefone ... ou do email ..., nos dias úteis, das 09:00 às 20:00. (…)»;


3.º - Carta datada de 02-09-2021:


«(…) Assunto: Contrato nº 1038411 - Integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)


Exmo. Senhor,


Decorrente do incumprimento no pagamento do(s) valor(es) a seguir discriminado(s) no total de 375,19€, procedemos à integração de V. Exa. no PERSI – criado no âmbito do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro – indicado em referência a partir de 02/09/2021: (…)


Caso pretenda dar seguimento a esta integração, solicitamos que nos seja enviada, no prazo máximo de 10 dias, a seguinte documentação para que possamos avaliar a capacidade financeira de V. Exa.:


• Três últimos recibos de vencimento e/ou de prestação de serviços e/ou de prestações sociais;


• Última Certidão de Liquidação do imposto sobre o rendimento de Pessoas Singulares;


• Comprovativos de outros encargos fixos mensais suportados;


• Outros documentos que considere relevantes para nos ajudar a avaliar a sua capacidade financeira; e que comprovem a degradação da capacidade financeira; e


• Declaração na qual atesta a veracidade da informação prestada.


Adicionalmente, solicitamos que nos seja indicada a solução pretendida no âmbito de uma possível reestruturação (exemplos: redução temporária do valor da prestação através de uma carência de capital, redução definitiva do valor da prestação através de aumento do prazo ou outra que queira especificar).


A não apresentação de um ou mais dos elementos requeridos dentro do prazo estipulado provocará o encerramento automático do PERSI. Relembramos que deverá estar disponível através dos contactos telefónicos e eletrónicos de forma a colaborar com a instituição em alcançar uma solução que sirva os melhores interesses de todos.


Para a obtenção de qualquer informação e/ou esclarecimento adicional deverá entrar em contacto através do email ... ou do telefone ..., nos dias úteis, das 09:00 às 18:00.


Enviamos em anexo documento informativo, de acordo com o estabelecido no Anexo II do Aviso n.º 17/2012 do Banco de Portugal. (…)»;


4.º - Carta datada de 17-09-2021:


«(…) Assunto: Contrato nº 1038411 - Extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)


Exmo.(a) Senhor(a),


Nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, informamos V. Exa. que procedemos à extinção do PERSI, no dia 17/9/2021, por ausência de resposta de V. Exa..


Para a obtenção de qualquer informação e/ou esclarecimento adicional deverá entrar em contacto através do telefone ... ou do email ..., nos dias úteis, das 09:00 às 18:00. (…)»;


5.º - Carta datada de 02-09-2022:


«(…) Assunto: Contrato nº 1038411 - Integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)


Exmo. Senhor,


Decorrente do incumprimento no pagamento do(s) valor(es) a seguir discriminado(s) no total de 361,46€, procedemos à integração de V. Exa. no PERSI – criado no âmbito do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro – indicado em referência a partir de 02/09/2022: (…)


Caso pretenda dar seguimento a esta integração, solicitamos que nos seja enviada, no prazo máximo de 10 dias, a seguinte documentação para que possamos avaliar a capacidade financeira de V. Exa.:


• Três últimos recibos de vencimento e/ou de prestação de serviços e/ou de prestações sociais;


• Última Certidão de Liquidação do imposto sobre o rendimento de Pessoas Singulares;


• Comprovativos de outros encargos fixos mensais suportados;


• Outros documentos que considere relevantes para nos ajudar a avaliar a sua capacidade financeira; e que comprovem a degradação da capacidade financeira; e


• Declaração na qual atesta a veracidade da informação prestada.


Adicionalmente, solicitamos que nos seja indicada a solução pretendida no âmbito de uma possível reestruturação (exemplos: redução temporária do valor da prestação através de uma carência de capital, redução definitiva do valor da prestação através de aumento do prazo ou outra que queira especificar).


A não apresentação de um ou mais dos elementos requeridos dentro do prazo estipulado provocará o encerramento automático do PERSI. Relembramos que deverá estar disponível através dos contactos telefónicos e eletrónicos de forma a colaborar com a instituição em alcançar uma solução que sirva os melhores interesses de todos.


Para a obtenção de qualquer informação e/ou esclarecimento adicional deverá entrar em contacto através do email ... ou do telefone ... (chamada para a rede fixa nacional), nos dias úteis, das 09:00 às 18:00.


Enviamos em anexo documento informativo, de acordo com o estabelecido no Anexo II do Aviso n.º 17/2012 do Banco de Portugal. (…)»;


6.º - Carta datada de 17-09-2022:


«(…) Assunto: Contrato nº 1038411 - Extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)


Exmo.(a) Senhor(a),


Nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, informamos V. Exa. que procedemos à extinção do PERSI, no dia 17/9/2022, por ausência de resposta de V. Exa..


A extinção do PERSI poderá ter como consequência a resolução do contrato de crédito, concedendo ao Banco o direito de exigir o cumprimento antecipado do Contrato, nomeadamente de todas as prestações vencidas e não pagas, acrescidas de juros moratórios, eventuais encargos, comissões e sanções contratualmente previstas, bem como a parte de capital de todas as prestações vincendas.


Lembramos que tem à sua disposição, a título gratuito, a Rede de Apoio ao Consumidor Endividado (RACE), a qual é composta por entidades que têm como missão informar, aconselhar e acompanhar clientes bancários que se encontrem em risco de incumprimento ou que já tenham prestações em atraso. As entidades que integram a RACE são divulgadas no Portal do Cliente Bancário (https://clientebancario.bportugal.pt/) e no Portal do Consumidor da Direção-Geral do Consumidor (www.consumidor.gov.pt).


Adicionalmente, caso necessite de auxílio na obtenção, renegociação ou consolidação de créditos ou em outras situações no âmbito da sua relação de crédito, poderá enviar um pedido de mediação ao Mediador do Crédito (www.mediadordocredito.pt). Este pedido é gratuito e não tem impacto nas garantias associadas ao PERSI.


Para a obtenção de qualquer informação e/ou esclarecimento adicional deverá entrar em contacto através do telefone ... (chamada para a rede fixa nacional) ou do email ..., nos dias úteis, das 09:00 às 18:00. (…)»;


7.º - Carta datada de 05-04-2023:


«(…) Carta registada com A/R


Assunto: Contrato nº 1038411 – Interpelação para pagamento de valores em dívida


Exmo. Senhor,


Reportando-nos aos inúmeros contactos mantidos com V. Exa., no sentido de serem cumpridas as suas obrigações assumidas no âmbito do contrato em assunto, vimos uma vez mais informar que, à data da presente comunicação, encontram-se em dívida os seguintes valores: (…)


Face ao exposto, agradecemos que as quantias acima discriminadas sejam pagas no prazo máximo de 15 dias a contar da data de envio da presente carta. A falta de pagamento dentro do prazo acima referido levará à resolução contratual e à cobrança judicial de todos os valores que resultarem em dívida nessa data, nos quais se incluem as prestações que entretanto se vencerem, o capital vincendo, indemnizações contratuais e respetivos juros de mora atualizados. (…)


Não obstante o(s) processo(s) já se encontrar(em) extinto(s) informamos que V.Exa. poderá ainda solicitar a integração no PERSI de forma a ser avaliada a possibilidade de regularizar a situação de incumprimento através de soluções negociadas entre V.Exa e a Bicredit. Para o efeito deverá enviar o respetivo pedido através do email ... no prazo acima indicado.


Para a obtenção de qualquer informação e/ou esclarecimento adicional deverá entrar em contacto através do email ... ou do telefone ... (chamada para a rede fixa nacional), nos dias úteis, das 09:00 às 18:00. (…)»”.


2. O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.


A justificação da regulamentação legal indicada encontra-se exposta no respetivo preâmbulo: “A concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a atuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na aceção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril.


A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias.


Neste contexto, com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas.”


O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) encontra-se regulado nos artigos 12.º a 21.º do referido diploma legal, comportando três fases: a fase inicial, na qual o cliente bancário deve ser informado da mora e do valor da dívida, assim como deve ser apurado o motivo do incumprimento e integrado o cliente bancário no PERSI; a fase de avaliação, na qual é apreciada a solvabilidade do cliente bancário e é formulada uma proposta de regularização da dívida; a fase de negociação, na qual se diligencia o acordo do cliente bancário para a regularização da dívida (artigos 13.º a 16.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10).


A pendência do PERSI constitui impedimento à instauração de cobrança de dívida pela instituição bancária contra o cliente bancário (artigo 18.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10).


Assim, a observância do PERSI tem vindo a ser considerada uma condição objetiva de procedibilidade da execução, pelo que a sua falta consubstancia exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, determinante da extinção da instância executiva (neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.04.2021 (Graça Amaral), Processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1; do Tribunal da Relação de Évora de 26.05.2022 (Tomé de Carvalho), Processo n.º 829/17.0T8ENT-D.E1; do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.06.2022 (Cristina Neves), Processo n.º 172/20.8T8VLF-A.C1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 09.05.2024 (José Cravo), Processo n.º 306/22.8T8CMN-A.G1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.05.2024 (Rute Sobral), Processo n.º 1289/23.2T8PDL-A.L1-2; do Tribunal da Relação do Porto de 25.11.2024 (Eugénia Cunha), Processo n.º 1145/24.7T8PRT-A.P1; todos in http://www.dgsi.pt/).


Consequentemente, a alegação e prova da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção do procedimento competem ao credor exequente (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil).


3. No que tange à extinção do PERSI, matéria discutida no caso dos autos, a norma pertinente é o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, entretanto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 06.08 (que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, conforme o respetivo artigo 9.º), conjugadamente com o artigo 8.º do Aviso do Banco de Portugal de Portugal n.º 17/2012, e o artigo 9.º do Aviso do Banco de Portugal de Portugal n.º 7/2021 (publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 243, Parte E, de 17.12.2021), que substituiu o primeiro e entrou em vigor a 01.01.2022 (nos termos do respetivo artigo 13.º), atentas as diferentes datas em que ocorreu a integração do Executado no PERSI, à luz das cartas acima transcritas.


Preceitua o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 que:


“1 - O PERSI extingue-se:


a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;


b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento;


c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; ou


d) Com a declaração de insolvência do cliente bancário.


2 - A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que:


a) Seja realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor;


b) Seja proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;


c) A instituição de crédito conclua, em resultado da avaliação desenvolvida nos termos do artigo 15.º, que o cliente bancário não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, designadamente pela existência de ações executivas ou processos de execução fiscal instaurados contra o cliente bancário que afetem comprovada e significativamente a sua capacidade financeira e tornem inexigível a manutenção do PERSI;


d) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior;


e) O cliente bancário pratique atos suscetíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da instituição de crédito;


f) O cliente bancário recuse a proposta apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo anterior; ou


g) A instituição de crédito recuse as alterações sugeridas pelo cliente bancário a proposta anteriormente apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior.


3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.


4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.


5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3.”


Releva ainda o respetivo artigo 15.º, atinente à “fase de avaliação e proposta”, onde se descreve a atuação imposta ao Banco neste âmbito:


“1 - A instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito.


2 - Para os efeitos previstos no número anterior, a instituição de crédito procede à avaliação da capacidade financeira do cliente bancário, podendo solicitar-lhe as informações e os documentos estritamente necessários e adequados, nos termos a definir, mediante aviso, pelo Banco de Portugal.


3 - Salvo motivo atendível, o cliente bancário presta a informação e disponibiliza os documentos solicitados pela instituição de crédito no prazo máximo de 10 dias.


4 - No prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a:


a) Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, sendo inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou


b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito.


5 - Na apresentação de propostas aos clientes bancários, as instituições de crédito observam os deveres de informação previstos na legislação e regulamentação específicas.”


E deve ter-se também presente o subsequente artigo 16.º, respeitante à “fase de negociação”:


“1 - Caso o cliente bancário recuse as propostas apresentadas, a instituição de crédito, quando considere que existem outras alternativas adequadas à situação do cliente bancário, apresenta uma nova proposta.


2 - Quando o cliente bancário proponha alterações à proposta inicial, a instituição de crédito comunica-lhe, no prazo máximo de 15 dias e em suporte duradouro, a sua aceitação ou recusa, podendo igualmente apresentar uma nova proposta, observando o disposto no n.º 5 do artigo anterior.


3 - O cliente bancário pronuncia-se sobre as propostas que lhe sejam apresentadas no prazo máximo de 15 dias após a sua receção.”


Consta, por fim, do referido artigo 9.º do Aviso do Banco de Portugal de Portugal n.º 7/2021 que:


“A comunicação pela qual a instituição informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, os seguintes elementos:


a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal;


b) Identificação das consequências da extinção do PERSI nos casos em que não tenha sido alcançado um acordo entre as partes, devendo ser feita, em particular, referência à possibilidade de resolução do contrato e de execução judicial dos créditos e explicitadas as condições que, de acordo com o regime jurídico aplicável ao contrato de crédito em causa, têm de estar preenchidas para que a instituição possa proceder à resolução desse contrato;


c) Apresentação de informação sobre as disposições previstas no Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, a respeito do direito à retoma do contrato de crédito, quando esteja em causa um contrato de crédito à habitação;


d) Identificação das situações em que o cliente bancário pode solicitar a intervenção do Mediador do Crédito mantendo as garantias associadas ao PERSI;


e) Indicação dos elementos de contacto da instituição através dos quais o cliente bancário pode obter informações adicionais ou negociar soluções para a regularização da situação de incumprimento.”


4. No Tribunal da Relação de Évora o PERSI tem suscitado debate, essencialmente quanto às causas de extinção, tendo-se desenvolvido o entendimento de que existem duas categorias, a saber, as que se mostram previstos no n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, que são de funcionamento automático, e as que se mostram previstos no n.º 2 do mesmo normativo, que implicam uma decisão da instituição bancária.


Desta diversidade foi extraída por alguma jurisprudência a conclusão de que a comunicação de extinção do PERSI por parte da instituição bancária não está sujeita ao mesmo grau de exigência nos dois casos, sendo maior nos casos previstos no n.º 2 e bastando-se, nos casos do n.º 1, com a mera invocação do facto determinante da extinção indicado na lei (neste sentido, entre outros, os Acórdãos de 09.02.2023 (Maria João Sousa e Faro), Processo n.º 3358/20.1T8ENT.E1; de 15.06.2023 (Tomé de Carvalho), Processo n.º 93/23.2T8ENT.E1; de 11.07.2023 (Isabel de Matos Peixoto Imaginário), Processo n.º 543/23.8T8ENT.E1; de 16.01.2025 (Manuel Bargado), Processo n.º 532/24.5T8ENT.E1; e de 30.01.2025 (Maria Domingas Simões), Processo n.º 2277/22.1T8ENT-A.E1, todos in http://www.dgsi.pt/).


Não se trata, todavia, de entendimento unânime, porquanto outra jurisprudência subscreve a orientação de que também nos casos do n.º 1 terão de ser observados os ditames prescritos no n.º 3 do mesmo normativo, isto é, terão de ser descritos os factos que suportam a extinção e apontado o respetivo fundamento legal (neste sentido, entre outros, os Acórdãos de 24.11.2022 (Maria Adelaide Domingos), Processo n.º 824/22.8T8ENT.E1; de 11.01.2024 (Maria José Cortes), Processo n.º 192/23.0T8ENT.E1; de 20.02.2024 (Emília Ramos Costa), Processo n.º 2597/23.8T8ENT.E1; de 30.01.2025 (Ricardo Miranda Peixoto), Processo n.º 1481/23.0T8ENT.E1; de 30.01.2025 (José António Moita), Processo n.º 69/24.2T8ENT.E1; de 27.03.2025 (Susana da Costa Cabral), Processo n.º 177/24.0T8ENT.E1; e de 22.05.2025 (Filipe César Osório), Processo n.º 2180/24.0T8ENT.E1, todos in http://www.dgsi.pt/).


No caso em apreço, todavia, como se desenvolverá mais à frente, está em discussão o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, norma relativamente à qual, atento o que ora se expôs, é consensual na jurisprudência deste Tribunal ser maior a exigência no que respeita à comunicação de extinção do PERSI.


5. Assim, revertendo ao caso dos autos e tendo presente o teor das cartas de extinção do PERSI acima transcritas, verificamos que em todas é invocada a “ausência de resposta” como fundamento dessa extinção.


A segunda constatação é a de que não foi referido qualquer normativo para suportar a extinção.


Com efeito, na carta surge apenas identificado o diploma legal que institui o PERSI, sem qualquer menção do concreto preceito legal ao abrigo do qual foi extinto o PERSI, portanto, sem reporte ao artigo 17.º daquele diploma.


Como se disse acima, esta questão tem vindo a ser reiteradamente apreciada por este Tribunal da Relação de Évora e, neste âmbito, já foi entendido que alegar singelamente a “falta de acordo” ou a “falta de colaboração” é insuficiente para este efeito (respetivamente, Acórdão de 13.03.2025, Processo n.º 2481/24.8T8ENT.E1, relatado pela aqui Relatora, e Acórdão de 22.05.2025 (Filipe César Osório), Processo n.º 2180/24.0T8ENT.E1, ambos in http://www.dgsi.pt/).


Ora, a “ausência de resposta” constante das cartas de comunicação de extinção do PERSI juntas aos autos pode, efetivamente, ser considerada uma expressão com um sentido unívoco, à luz do teor da carta que antecede a rejeição, isto é, extrai-se dessa expressão que, instado o devedor a enviar ao Banco os documentos aí indicados, o devedor nada disse, como assinala o Exequente.


Porém, aquilo que se exige ao Banco na comunicação de extinção do PERSI é a “Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal”, nos termos da alínea a) do artigo 8.º do Aviso n.º 17/2012 e da alínea a) do artigo 9.º do Aviso n.º 7/2021.


O Aviso constitui um elemento de apreciável relevo, porquanto produzido pela entidade reguladora e supervisora das instituições de crédito, sublinhando-se os termos em que esta função surge enunciada no n.º 1 do artigo 17.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal:


Compete ao Banco de Portugal exercer a supervisão das "instituições de crédito, sociedades financeiras e outras entidades que lhe estejam legalmente sujeitas, nomeadamente estabelecendo diretivas para a sua atuação e para assegurar os serviços de centralização de riscos de crédito, bem como aplicando-lhes medidas de intervenção preventiva e corretiva, nos termos da legislação que rege a supervisão financeira.”


Assim, do ponto de vista literal extrai-se inequivocamente das regras enunciadas que, por um lado, devem ser invocados os factos, isto é, a situação concreta de vida que se subsume ao preceito legal e justifica a extinção do PERSI, e, por outro lado, deve ser invocado esse mesmo preceito legal ao abrigo do qual se procede à extinção.


Para além do elemento literal, o contexto em que foi adotada a regulamentação corrobora e reforça esta leitura, porquanto como se deixou acima exposto o objetivo associado ao PERSI é acompanhar o endividamento das famílias e prevenir situações dramáticas derivadas da concessão de crédito para além da respetiva capacidade financeira ou que as leva a soçobrar perante imprevistos, pelo que há uma vertente humanizadora do sistema financeiro que assoma nesta regulamentação.


Ora, o regime legal evidenciado obriga o credor institucional a parar antes de pôr termo ao contrato ou de cobrar a sua dívida ao consumidor, para avaliar a situação e formular uma proposta de regularização, pelo que foi erigido como princípio a salvaguarda da estabilidade da família, em detrimento da prioridade absoluta da cobrança imediata do crédito.


Advoga o Exequente nas suas alegações que o caso se reconduz à falta de colaboração do cliente, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, mas nenhuma destas menções específicas consta da carta e, além disso, como se disse acima, a mera alusão à “falta de colaboração” não é suficiente.


Veja-se, como se salientou no acima referido Acórdão desta Relação de 22.05.2025, que a falta de colaboração que fundamenta a extinção do PERSI abrange várias situações concretas, sendo exemplificativamente indicadas três na citada alínea d) do n.º 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, a saber, “no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior”.


Não se acompanha também a alegação do Exequente de que sendo o Executado o destinatário das cartas, não é necessário desenvolver a explicação relativa ao fundamento da extinção, uma vez que sabe que não respondeu ao Banco, porquanto esse juízo de conveniência ou adequação não pertence ao Banco, antes foi efetuado pelo legislador quando aprovou o regime legal de que se cura.


Aduz ainda o Exequente que o Executado foi informado, na primeira carta, que a falta de resposta no prazo fixado constituía fundamento de extinção do PERSI.


Ora, no n.º 3 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, que se articula com a referida alínea d) do n.º 2 do artigo 17.º do mesmo diploma legal, estabelece-se, efetivamente, que a documentação solicitada deve ser fornecida pelo cliente ao Banco no prazo máximo de 10 dias, mas decorre adicionalmente dessa norma que o cliente poderá apresentar um “motivo atendível” para justificar a omissão de apresentação da documentação no prazo fixado.


Este “motivo atendível” configurará uma razão que possa constituir justo impedimento à prática atempada do ato e que legitimará a extensão do prazo na medida correspondente à duração desse impedimento.


Ou seja, o mero decurso do prazo de 10 dias sem que os documentos tenham sido juntos pelo cliente não determina inexoravelmente a extinção do PERSI.


Todavia, esta última informação, ao contrário da primeira, não consta das cartas enviadas pelo Banco ao cliente aquando da solicitação do envio de documentação, onde, pelo contrário, se afirma taxativamente que o mero decurso de 10 dias implicaria o “encerramento automático do PERSI”.


É evidente a relevância da informação em falta para o exercício dos direitos do devedor, assim como é evidente que a prestação dessa informação se enquadra no cumprimento diligente das normas em apreço, sublinhando-se o elevado grau de detalhe e precisão, bem como sistematização da atuação imposta ao Banco e, ainda, os princípios norteadores da atuação do credor neste procedimento, plasmados no artigo 4.º, n.º 1 do diploma em apreço:


“1 - No cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa.”


Assim, deve ser transmitida informação completa ao cliente bancário aquando da sua integração no PERSI, advertindo-o de que a falta de envio dos documentos solicitados no prazo de 10 dias não determina a extinção do PERSI se ocorrer “motivo atendível” que impeça a prática do ato no prazo fixado, o que, como se assinalou já, não foi feito.


E, no mais, não se trata de uma questão semântica ou de mera faculdade, pois, como se disse acima, “fundamento legal” é a norma legal que suporta a extinção do PERSI e a sua indicação é obrigatória, aí se incluindo o artigo, com o respetivo número e alínea, como se afirmou expressamente no Acórdão desta Relação de 30.01.2025 (Ricardo Miranda Peixoto) (Processo n.º 1481/23.0T8ENT.E1, in http://www.dgsi.pt/).


A comunicação do Banco de que se cura é, em conclusão, ineficaz, por não observar as regras que presidem à mesma (n.º 4 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10), pelo que se verifica a exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, da falta de extinção do PERSI.


Ocorre, deste modo, fundamento de extinção da instância executiva, nos termos dos artigos 726.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 734.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, devendo, em conformidade, ser mantida a decisão recorrida.


6. As custas são suportadas pelo Recorrente, atenta a improcedência do recurso (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).


IV – Dispositivo


Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.


Custas pelo Recorrente.


Notifique e registe.


Sónia Moura (Relatora)


Manuel Bargado (1º Adjunto)


Ricardo Miranda Peixoto (2º Adjunto)