Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | BEATRIZ BORGES | ||
Descritores: | REJEIÇÃO DE RECURSO MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA | ||
Data do Acordão: | 03/13/2024 | ||
Votação: | DECISÃO SUMÁRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | |||
Decisão Texto Integral: | Nos termos dos artigos 417.º, n.º 6, alínea b) e 420.º, n.ºs 1 alínea a) e 2 do CPP, profere-se a seguinte
DECISÃO SUMÁRIA:
I. Relatório * Provou-se, ainda, relativamente à situação pessoal e económica do arguido, que:3. É motorista de táxi, estando reformado e auferindo € 440,00 a título de reforma. 4. Reside com a esposa, em casa própria, adquirida com recurso a crédito bancário, cujo montante da prestação mensal desconhece. 5. Suporta as despesas normais do agregado familiar. 6. Estudou até à 4ª classe. 7. Não regista antecedentes criminais. 8. É tido como um bom amigo, pessoa reservada, que não se mete com ninguém e um colega de trabalho espectacular.”. 1.2. Factos não provados na 1.ª instância O Tribunal a quo considerou que não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a presente causa nomeadamente que (transcrição): “9. Os factos descritos em 1. e 2. supra foram praticados pelo arguido (A), com recurso a um molho de chaves, quando o veículo da ofendida se encontrava estacionado no lugar de estacionamento reservado a pessoas com deficiência, sito na Urbanização Quinta das Palmeiras, no Parchal. 10. O arguido actuou com o propósito concretizado de danificar o referido veículo, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e em prejuízo da respectiva proprietária. 11. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.”. 1.3. Da fundamentação da convicção pelo Tribunal recorrido O Tribunal motivou a factualidade provada e não provada pela seguinte forma (transcrição): “O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados com base na análise critica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, apreciada à luz das regras de experiência comum e segundo juízos de normalidade, dispensando-se a descrição pormenorizada dos depoimentos prestados uma vez que a prova se encontra devidamente registada em suporte magnético. Começou, naturalmente por valorar as declarações prestadas pelo arguido, que nos pareceram serenas e bastante sinceras. Refutou, em absoluto, os factos que lhe estão imputados, assegurando que na data enunciada nos autos esteve reunido com familiares no período compreendido entre as 18:00 e, pelo menos, as 00:00, assinalando os 3 meses do falecimento do sogro, data em que foram deitar as suas cinzas ao mar – apenas nesta altura devido ao confinamento –, o que se verificou até perto das 20:00. Adiantou que, posteriormente, se reuniram em sua casa, onde jantaram, grelhados, no terraço, não tendo voltado a sair até ao dia seguinte, pelo que é absolutamente mentira que tenha provocado quaisquer estragos no veículo de (B). Assegurou não conhecer nem a ofendida, o marido ou filho, nem mesmo o veículo propriedade desta, não encontrando qualquer justificação plausível para a acusação de que é alvo. Referiu, ainda, que algum tempo após a suposta data dos factos, a ofendida e o marido abordaram-no, solicitando que lhes entregasse dinheiro para custear a reparação do veículo, que afirmaram que teria riscado, alegando que a mulher era advogada, ganhava bem e teria possibilidades para lhes pagar. Questionado, disse ter ficado a saber que o proprietário de um restaurante nas imediações da sua residência era o pai da ofendida (B). Mencionou, bem assim, que nem o próprio nem qualquer outro elemento do seu agregado familiar têm algum tipo de deficiência, nenhum deles utilizando, por conseguinte, o lugar destinado a pessoas com mobilidade condicionada que se encontra defronte da sua residência. Por último salientou ser muito difícil aos residentes encontrar estacionamento nessa praceta/largo, existindo no local alguns estabelecimentos de restauração, cujos clientes também ocupam os poucos lugares vagos. Afirmou, aliás, que no dia 08.08.2020 o restaurante localizado na praceta – à data denominado “O Silva” – estava aberto ao público e com a esplanada, que deita precisamente, para o lugar de estacionamento em causa, em funcionamento. As declarações do arguido foram inteiramente corroboradas pelos depoimentos prestados pelas testemunhas (D), sua esposa, €, seu cunhado e (F), amigo do casal, mostrando-se todos perfeitamente seguros, assertivos e peremptórios. (D) referiu ter sido contactada pela ofendida, em finais de Agosto de 2020, dando-lhe conta que o marido teria riscado o seu veículo, pedindo-lhe € 2.000,00 para não apresentar queixa, o que replicou imediatamente ser impossível, muito embora nem soubesse da data em que o acusavam. Afirmou que raramente saem à noite, mas quando tal sucede, fazem-no sempre juntos. De todo o modo, apenas ficou ciente da data em que os factos alegadamente se teriam verificado quando o marido compareceu na GNR, já no âmbito do inquérito nestes autos. Relativamente ao local, disse ser um largo movimentado e iluminado, onde é difícil existirem lugares livres para estacionar, estando o restaurante ali localizado aberto em Agosto de 2020. (D) e (E) salientaram que no dia 08.08.2020, data em que se completavam 3 meses após o falecimento do pai, pescador, foram lançar as suas cinzas ao mar, o que fizeram cerca das 18:00, juntamente com outros familiares, no barco de (F). Em seguida jantaram em casa do casal, na varanda, tendo o arguido permanecido na grelha, confirmando, ambos, que (A) não saiu de casa, sendo, por conseguinte, impossível que tivesse praticado os factos de que vem acusado. (F) atestou o declarado por (D) e (E), mencionando ter-se prontificado a levar as cinzas ao mar, no seu barco, a pedido do arguido, seu colega taxista, tendo sido, posteriormente, convidado para jantar em sua casa, o que aceitou, ali permanecendo até próximo da meia noite. Afirmou que durante a noite (A) fez um churrasco, na varanda, ocupando-se da grelha e, garantidamente, não saiu de casa enquanto a testemunha ali esteve. Depôs, ainda, relativamente aos aspectos da personalidade do arguido. (B), ofendida, (G), seu companheiro e (H), seu pai não presenciaram quaisquer factos, ou seja, o momento em que o veículo propriedade da primeira terá sido riscado na pintura. (B) e (G) limitaram-se a referir que, na noite de 08.08.2020, após o jantar, se deslocaram ao estabelecimento de restauração propriedade de (H), sito no Parchal, parqueando o dito veículo no Largo identificado nos autos, no lugar destinado a pessoas com mobilidade condicionada, por estarem acompanhados do filho menor, com problemas de saúde. Afirmaram que ao regressarem ao veículo, de noite, não repararam em quaisquer estragos, do que apenas se aperceberam no dia seguinte, da parte da tarde, descrevendo-os e ao valor orçado para a respectiva reparação, mencionando que o veículo nunca chegou a ser reparado. Questionado, (G) admitiu que nessa noite, estacionou o veículo junto à sua residência, na rua, ali permanecendo até ao dia seguinte. Adiantaram, ambos, que desconheciam o local onde o veículo havia sido riscado e o autor de tais estragos, até que, dias depois, alguém comentou com (H) ter presenciado os factos, a partir da sua varanda, reportando-se a (A), seu vizinho, como o respectivo autor. Ambos referiram ter abordado o arguido, dias após, perguntando-lhe se assumia os factos, o que este não fez, razão pela qual (B) deu início aos presentes autos. Quando instada, esta disse, ainda, existir um restaurante no largo onde estacionou e, relativamente a problemas de vizinhança ou outras queixas pendentes, reconheceu ter apresentado queixa contra um vizinho do lado, que a ameaçou. (G) mencionou, ademais, que à chegada ao seu veículo, na suposta noite dos factos, reparou que um individuo estava encostado a uma carrinha de caixa aberta, ali igualmente estacionada, vindo a saber, posteriormente, tratar-se da testemunha (C). Adiantou saber qual o apartamento onde o arguido reside, acha que no 3º andar, apartamento este que tem um terraço com um avançado em madeira, que deita para a via onde se localiza o restaurante do sogro, reparando, na noite dos factos, que estava tudo escuro e não estavam a fazer qualquer festa no local. (F) mencionou que alguns dias depois de ter tido conhecimento dos estragos do veículo da filha, comentou-o em conversa com (C) – que se deslocou ao seu estabelecimento para almoçar –, indicando-lhe este, nesse momento, a pessoa que passeava o cão defronte do restaurante, ou seja, o arguido, que já conhecia, como autor de tais estragos, facto que transmitiu a (B). Descreveu o local onde a filha relatou ter estacionado o veículo, como movimentado, nomeadamente em Agosto. (I), não tendo, bem assim, presenciado os factos, reportou-se apenas à boa relação de vizinhança com o arguido, residente no mesmo edifício, e à descrição da praceta onde ambos residem, iluminada e com insuficientes lugares de estacionamento. Questionada, disse pensar que em Agosto de 2020 o restaurante ali existente estava a laborar, esclarecendo que o lugar de estacionamento destinado a pessoas com mobilidade condicionada se situa defronte de tal estabelecimento, sendo perfeitamente visível a partir da esplanada. Conhecendo, igualmente, a testemunha (C), manifestou algumas dúvidas sobre a possibilidade de este ter visibilidade, da sua varanda, para a porta de entrada do prédio onde reside, dado que no local existem árvores, arbustos e um túnel com cobertura. Por último, atendeu o Tribunal ao depoimento de (C). Começou este por dizer que se encontrava à janela da marquise, na noite de 08.08.2020, cerca das 21:10, ainda de dia, quando se apercebeu que o arguido, seu vizinho, vindo sozinho e apeado do lado da estação, passou junto a um veículo que estava estacionado no lugar destinado a pessoas com mobilidade condicionada, altura em que ouviu um “chiar”, olhou e viu-o a riscá-lo, com um molho de chaves que trazia na mão. Presenciou, ainda, o arguido a riscar o lado contrário e a deslocar-se, em seguida, para a sua residência, não tendo quaisquer dúvidas que se tratava de (A), que costumava ver regularmente a passear o cão. Questionado, garantiu que não havia ninguém na rua naquele momento, não se recordando se o restaurante que se localiza debaixo do seu prédio estava em funcionamento. Ainda assim, reconheceu ser um local normalmente movimentado, existindo muitas pessoas a passar férias nas imediações. Confrontado com a sua conduta, disse que no momento não interpelou o arguido, nem denunciou os factos à GNR, receando represálias, muito embora tenha cuidado de apontar, num papel, o dia e hora em que os mesmos tiveram lugar. Dias depois, em conversa com (H), quando almoçava no restaurante propriedade deste, tomou conhecimento que o veículo em causa – que até aí desconhecia de quem fosse – era propriedade da sua filha, indicando-lhe o autor dos estragos, que nesse momento ali passava a passear o cão. Aqui chegados, verifica-se que todo o processo e a acusação deduzida contra o arguido (A) se sustentou, única e exclusivamente, no depoimento prestado, em inquérito, por (C), sendo que nenhuma outra testemunha indicada pelo Ministério Público presenciou os factos, sabendo apenas o que aquele lhes transmitiu. E, de relevo para o desfecho dos factos, temos, de uma banda, precisamente (C), que alega ter sido o arguido o autor dos estragos no BMW carrinha, de cor cinza, propriedade de (B) e, de outra, (B), a mulher, o cunhado e o amigo, que, de forma categórica, contestaram a versão da acusação, considerando-a impossível, dado que o arguido não se ausentou da sua residência em toda essa noite. Noite esta cuja data todos souberam precisar, por se tratar de um momento marcante nas vidas do arguido e familiares. E se a versão apresentada pelo arguido se mostra corroborada por três testemunhas, cujos depoimentos nos pareceram genuínos e irrepreensíveis, a relatada por (C) não encontra apoio em qualquer outro elemento de prova. As versões são absolutamente contraditórias entre si e no confronto das mesmas mereceu-nos, diga-se, maior credibilidade a veiculada pela defesa. Desde logo, todos fizeram menção à praceta em causa como um local movimentado, donde não nos parece minimamente crível que, em pleno mês de Agosto, pelas 21:00, não se encontrasse vivalma na rua. Por outro lado, estranha-se que (C), tendo presenciado um crime, não interpelasse de imediato o seu autor, não denunciasse a situação às autoridades ou não deixasse um papel com a sua identificação no veículo danificado, por forma que os proprietários o contactassem posteriormente e aos quais poderia transmitir o que acabara de assistir. Nada fez, todavia. Ao invés, a sua única preocupação terá sido apontar num papel o dia e hora. Com que fundamento, perguntamos? Fica, evidentemente, por esclarecer, já que a testemunha não o fez. Salientamos, ainda, que, em Agosto de 2020, estávamos no ano do primeiro confinamento e, apesar de se terem aligeirado algumas restrições, as esplanadas eram, definitivamente, os locais preferencialmente escolhidos pelos clientes pelo que, estando o estabelecimento “O Silva” a laborar, a probabilidade de alguém riscar um veículo defronte da esplanada seria exígua e, a suceder, facilmente detectável. Surpreendeu-nos, bem assim, que (D) tenha mencionado a presença de um individuo, que apurou mais tarde, tratar-se da testemunha (C), junto ao seu veículo, quando se preparavam para abandonar o local rumo à sua residência, quando, em momento algum, este fez qualquer referência ao facto de ter descido do seu apartamento e de ter estado na presença dos proprietários do veículo danificado. É que, se assim fosse, que motivos existiriam para não lhes relatar o ocorrido? Fica, igualmente, por explicar. Também não ficámos de todo convencidos que (D), na alegada data dos factos, sem qualquer motivo plausível para tal, tivesse reparado que não existiam pessoas na varanda do apartamento do arguido, ainda que sentadas, salientando estar o local escuro. É que a signatária teve o cuidado de, nas passagens que faz regularmente pelo local, atestar não existir total visibilidade da via pública, mais propriamente do exacto local onde se localizava o restaurante explorado por (H), para as varandas do 3º andar do prédio onde reside (A). Além do que, esclareceu o arguido a final, que a varanda onde se encontravam não deita para aquela artéria. Ficámos, por último, ainda com dúvidas se os factos tiveram, efectivamente, lugar naquela noite e na praceta onde o veículo esteve, por algumas horas, estacionado. Não esqueçamos que o veículo permaneceu, depois, toda essa noite, madrugada e pelo menos metade do dia seguinte, estacionado perto da residência da ofendida e do companheiro, na rua, existindo noticia de alguns problemas de vizinhança que terão dado origem a uma queixa por ameaças. Ora, Em nosso entender, e em jeito de conclusão, produzida a prova, a mesma não se mostra, de todo, suficiente, para, com certeza e segurança necessárias, imputar ao aqui arguido (A) a autoria dos danos causados no veículo propriedade de (B). Persistem, pois, sérias dúvidas relativamente à participação do arguido nos factos. Subsistindo duvidas na esfera do julgador relativamente à autoria dos factos, terão as mesmas, necessariamente, e em obediência ao principio “in dubio pro reo”, de ser resolvidas a favor do arguido, o que se decidirá. * O Tribunal considerou, bem assim, o teor de fls. 52 a 56, 81, 108 e 187, que constituem, respectivamente, as fotografias do veículo, o print extraído do site da Conservatória do Registo Automóvel, o orçamento elaborado por Renato Pereira e o certificado do registo criminal do arguido.* Os factos referentes à situação pessoal e económica do arguido resultam das declarações pelo mesmo prestadas em audiência de julgamento.(…)”.1.4. Da fundamentação de direito pelo Tribunal recorrido O Tribunal a quo fundamentou de direito pela seguinte forma (transcrição): “Vem o arguido acusado da prática de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º/1 do C.Penal. Em conformidade com o preceituado no mencionado preceito legal, comete o crime de dano “quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia”. São, assim, elementos do tipo: - a destruição, danificação, desfiguração ou inutilização; - de coisa materialmente apreensível, corpórea e autónoma; - e alheia - atingindo o domínio exclusivo do proprietário sobre a coisa. Configurando o mais ofensivo dos ataques ao direito de propriedade, entendido e acautelado enquanto poder que ao respectivo titular confere a faculdade de fazer da coisa o que quiser, dispondo dela e da mesma retirando as utilidades que é susceptível de proporcionar, o crime de dano estrutura-se sob a nociva interferência na existência ou na integridade da coisa objecto de domínio. No conceito de “coisa” – móvel ou imóvel – para efeitos de aplicação do mencionado normativo legal, incluir-se-á qualquer substância ou porção do mundo externo, fisicamente apreensível, dotada de autónoma corporeidade e susceptível de ser objecto de uma relação jurídica. Para além de corpórea, a coisa subtraída terá que ser alheia no sentido de se encontrar ligada, por uma determinada relação de interesse, a pessoa diferente do agente. O bem jurídico protegido com esta incriminação surge individualizado, quer como um direito à integridade da coisa na sua própria substância – a proibição de destruir, danificar ou desfigurar –, quer como um direito à utilização respectiva – proibição de tornar a coisa inutilizável. Consequentemente, o dano tipicamente relevante – ‘lato sensu’ – poderá referir-se, tanto à própria integridade da coisa, como à sua específica funcionalidade. Para que determinada conduta possa ser subsumida à materialidade objectiva do tipo incriminador é necessário que, pelo agente, seja praticada determinada actividade, consistente na destruição, danificação, desfiguração ou inutilização de coisa alheia, sendo irrelevante o meio pelo qual o crime é cometido. No que concerne ao elemento subjectivo do tipo, importa salientar que se trata de um crime doloso, uma vez que se exige que o agente tenha actuado com conhecimento dos elementos da factualidade típica e determinado pela vontade, directa, necessária ou eventual de realização do tipo legal de crime. * Reportando-nos ao caso dos autos, e conforme resulta das considerações expendidas a respeito da motivação da matéria de facto, verifica-se que a prova produzida em sede de audiência de julgamento não permite imputar ao arguido (A) a autoria do ilícito de que vem acusado.Nessa medida e sem maiores delongas, importa absolver o arguido do crime cuja prática lhe era imputada. * VI. DO PEDIDO CÍVELA demandante (B) deduziu pedido de indemnização civil contra o aqui arguido (A), pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 1.451,40, correspondente ao valor orçamentado para a reparação dos estragos provocados no veículo de sua propriedade, que constituíram danos patrimoniais. O pedido de indemnização civil deduzido pela demandante funda-se na alegada prática de um crime de dano por parte do arguido, em cumprimento do princípio da adesão constante do art. 71º do C.P.Penal. Embora formalmente enxertado no processo penal, o pedido civil emergente da prática de um crime conserva a natureza de acção civil, sendo “a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime regulada pela lei civil”, tal como estipula o art. 129º do C.Penal. O que nos remete para o Código Civil, mais especificamente para o âmbito da responsabilidade civil por actos ilícitos. Ora, nos termos do disposto no art. 483º do C.Civil, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, “aquele que, com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios”. A indemnização por factos ilícitos pressupõe, assim, a verificação simultânea dos seguintes requisitos: a) um acto voluntário do agente; b) a ilicitude de tal acto; c) o nexo de imputação do facto ao agente, ou seja, a sua prática a título de dolo ou mera culpa; d) a existência de um dano por parte do assistente; e) e um nexo de causalidade entre o facto praticado e o dano sofrido. Cumpre verificar se, no caso em apreço, se mostram preenchidos os mencionados pressupostos e se, consequentemente, incumbe ao demandado (A) o ressarcimento dos danos alegadamente sofridos pela demandante (B). Ora, Tal como resulta da factualidade provada e como acima se expôs, não foi possível apurar a identificação do autor dos estragos provocados no veículo propriedade da ora demandante, nem mesmo, sequer, que tais danos foram perpetrados na Urbanização Quinta das Palmeiras, no Parchal. Por esse motivo não é possível imputar ao arguido qualquer responsabilidade civil resultante da reparação dos danos patrimoniais causados à demandante. Atento o exposto e sem necessidade de maiores considerações, importa absolver o demandado (A) do pedido formulado, o que se decide.”. 2. Apreciação 1. Objeto do recurso De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso. No presente processo o arguido foi absolvido em 1.ª instância da prática de um crime de dano, por o Tribunal recorrido ter entendido ocorrer dúvida insanável quanto à autoria dos factos. Com esta decisão conformou-se o arguido e ainda o MP, mas não a assistente, proprietária do veículo danificado, que interpôs o recurso ora em apreciação. Apreciadas as conclusões de recurso concatenadas com a fundamentação de facto da sentença recorrida (factos provados; factos não provados; motivação de facto) desde logo resulta ser manifesta a improcedência do recurso. Como ressalta do artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do C. P. Penal, a manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso que tem natureza substancial (e não formal), visando os casos em que for claro, simples, evidente e de primeira aparência não poder o recurso obter provimento[1]. Será o caso em que o arguido foi absolvido em obediência ao princípio in dubio pro reo e a assistente, na motivação de recurso, se limita a divergir sobre o resultado da convicção do Julgador a quo perante as provas produzidas, concluindo que o Tribunal deveria ter considerado como boas as declarações da única testemunha que referiu ter presenciado os factos. A este nível, todavia, o Tribunal a quo fundamentou de forma pormenorizada a razão pela qual não conseguiu credibilizar o depoimento de (C), embora este tivesse asseverado os factos descritos na acusação, e explicou de modo lógico e racional as razões pelas quais, subsistindo dúvidas insanáveis relativamente à autoria dos factos, teve de resolver aquelas incertezas factuais a favor do arguido. O Julgador a quo salientou que as versões da acusação e da defesa eram absolutamente contraditórias entre si e no confronto das mesmas não lhe foi possível descredibilizar a veiculada pelo arguido, cujas declarações foram serenas e sinceras, e até corroboradas de forma lógica por outras três testemunhas. Da leitura da fundamentação de facto (factos provados e não provados) e da respetiva motivação, constante da sentença, transparece de forma segura que a versão apresentada pela recorrente nunca se imporia à acolhida pelo Tribunal. Como já se salientou para o Tribunal recorrido a versão apresentada pelo arguido foi corroborada por três testemunhas, cujos depoimentos surgiram como genuínos e irrepreensíveis. Já a única testemunha (C) embora afirmando ter assistido aos factos prestou um depoimento sem apoio em qualquer outro elemento de prova, designadamente por parte das outras testemunhas indicadas pelo Ministério Público, que afirmaram não terem presenciado os factos, sabendo apenas o que (C) lhes transmitira. Como foi assinalado na motivação da sentença recorrida, face às versões completamente opostas e à circunstância de o depoimento da testemunha (C) ter suscitado algumas dúvidas não foi possível credibilizá-la ao ponto de existir uma certeza quanto à prática pelo arguido do crime de dano. O Julgador explicou então as razões pelas quais ficou com reservas em relação ao depoimento da testemunha (C). Esta testemunha afirmou, em dado momento, que às 21:10 horas do dia 8.8.2020, era de dia, mas não se encontrava ninguém na rua. A própria testemunha, todavia, assinalou ser aquele um local normalmente movimentado, existindo, naquela altura do ano, pessoas a passar férias nas imediações. Como o Julgador se convenceu que à data, o estabelecimento denominado “O Silva” estava aberto ao público e com a esplanada em funcionamento, precisamente, para o lugar de estacionamento em causa, a probabilidade de alguém riscar um veículo defronte da esplanada era exígua e, a suceder, facilmente detetável. Sendo para o Tribunal a quo duvidoso que em pleno mês de agosto pelas 21:10 horas, ninguém se encontrasse na rua à exceção do arguido, como transmitido por (C). Sendo que para o Julgador, ainda que em agosto de 2020 se estivesse no ano do primeiro confinamento, as esplanadas eram, definitivamente, os locais preferencialmente escolhidos pelos clientes. Outro aspeto que suscitou reservas ao Tribunal recorrido prendeu-se com a circunstância de em momento algum do seu depoimento, em julgamento, (C) ter referido ter estado no local do estacionamento na presença dos proprietários do veículo danificado. (D), companheiro da assistente, contudo, assinalou que na noite de 8.8.2020 quando regressou ao veículo com a queixosa, reparou que (C) estava encostado a uma carrinha de caixa aberta, ali estacionada. O Tribunal recorrido concluiu, assim, ser incongruente que (C) tivesse presenciado o crime e no momento de regresso da queixosa e do companheiro ao carro, embora se encontrasse presente, não lhes tivesse indicado o autor do dano nem denunciado a situação às autoridades policiais, tendo-se limitado, depois, a apontar num papel o dia e hora da ocorrência. Para além destas inconsistências o Tribunal a quo fez notar não terem a assistente e o companheiro desta (D) asseverado em qual local o veículo havia sido riscado, bem como o autor de tais estragos, pois não presenciaram os factos e ao regressarem ao veículo, na noite de 8.8.2020, não repararam em quaisquer riscos, apenas se tendo apercebido dos mesmos no dia 9.8.2020, da parte da tarde. Assim, considerando as próprias declarações da assistente e do companheiro os factos poderiam não ter ocorrido naquele lugar ou àquela hora da noite (após as 21:00), pois quando a queixosa chegou ao carro não se apercebeu que este estivesse riscado, acrescendo ter regressado a casa com o companheiro e o veículo ter permanecido, toda a noite, madrugada e pelo menos metade do dia seguinte, estacionado perto da sua residência, na rua, existindo notícia de alguns problemas de vizinhança que terão dado origem a uma queixa por ameaças (conforme declarou a própria assistente). Por fim, a versão apresentada pelo arguido foi corroborada por três testemunhas (mulher, cunhado e amigo), cujos depoimentos, como assinalado pelo Julgador a quo, foram genuínos e irrepreensíveis e coincidentes com uma data marcante nas vidas do arguido e familiares. Na verdade o arguido e as testemunhas estiveram reunidos (18:00 - 00:00 horas), assinalando os três meses do falecimento do sogro, e nesse dia lançaram as cinzas do sogro (pescador) ao mar – apenas nesta altura devido ao confinamento –, o que se verificou até perto das 20:00, e, posteriormente, reuniram-se em casa do arguido não tendo este voltado a sair até ao dia seguinte (20:00 – 00:00 Horas. Daí, sendo as duas versões completamente opostas, persistindo sérias dúvidas relativamente à participação do arguido nos factos o Tribunal a quo não credibilizou o depoimento da testemunha (C). É que, embora (C) tivesse asseverado os factos constantes na acusação, as inconsistências assinaladas na sua versão e a circunstância de nenhuma outra testemunha indicada pelo Ministério Público ter presenciado os factos, conjugadas com a versão coerente apresentada pelo arguido (reforçada pelo depoimento credível de mais três testemunhas), criaram no espírito do Julgador dúvidas inultrapassáveis quanto à autoria dos factos. Esta dúvida insanável criada na mente do Julgador não mereceu, aliás, objeção por parte do MP que apesar de ter deduzido acusação pública contra o arguido, não interpôs recurso da decisão absolutória. Limitando-se a assistente/recorrente a tecer considerações irrelevantes sobre a formação da convicção do Tribunal (artigo 127.º do CPP) a quem assaltou uma dúvida insanável sobre a autoria dos factos não suscetível de ser ultrapassada, o recurso é de rejeitar, por manifesta improcedência, nos termos do artigo 420.º, n.º 1 do CPP. III. DECISÃO Nestes termos e com os fundamentos expostos: 1. Decide-se rejeitar o recurso por manifesta improcedência. 2. Condena-se a recorrente no pagamento de 3 UC, nos termos constantes do n.º 3 do artigo 420.º do CPP. Évora, 13 de março de 2024 Beatriz Marques Borges __________________________________________________ [1] Ac. STJ de 27-10.2004, proferido no P. 04P3020, relatado por Henriques Gaspar e disponível para consulta em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/EE0046DFE7665238802571BC004CC8C7. |