Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04P3020
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: HENRIQUES GASPAR
Descritores: RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: SJ200410270030203
Data do Acordão: 10/27/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REJEITADO O RECURSO.
Sumário : I  -   A manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial (e não formal), visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, como é o recurso para o STJ em que o recorrente discute matéria de facto e o modo como as instâncias a apreciaram e decidiram, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada, ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento. Será o caso típico de respeitar unicamente à medida da pena e não existir razão válida para alterar a que foi fixada pela decisão recorrida.

II - Se, como no caso, resulta das conclusões da motivação que está em causa apenas a discussão sobre os factos, se o recorrente, sem direito processual que o permita, invoca erro notório na apreciação da prova sem aludir a qualquer dos pressupostos do vício mas apenas a divergência pessoal sobre o resultado da convicção das instâncias perante as provas produzidas, e se, por fim, no que respeita à medida da pena, não justifica os motivos por que deveria ter sido fixada em medida inferior, limitando-se a considerações irrelevantes ou à referência a factos não demonstrados, tal recurso é de rejeitar, por manifesta improcedência, nos termos do art. 420.º, n.º 1, do CPP.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


1. No processo comum (tribunal colectivo) n.° 1164 /00.9SELSB, da 1ª Secção da 4ª Vara Criminal de Lisboa, após julgamento de AA, foi proferido acórdão em que se decidiu, além do mais:
- condenar o arguido, como autor material, pela prática de um crime de homicídio tentado, p. e p. pelos art.s 131º, 22°,alíneas a) e b), e 73°, todos do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão;.
- condenar o arguido, na procedência do pedido de indemnização civil formulado pelo Hospital de S. Francisco Xavier, a pagar a esta entidade hospitalar a quantia de 3.476,24 euros, acrescida dos juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

2. O arguido não se conformou com esta decisão, e interpôs recurso para o tribunal da Relação, que, todavia, lhe negou provimento, mantendo integralmente o acórdão recorrido.
De novo inconformado, recorre para o Supremo Tribunal, fundamentando o recurso na motivação que faz terminar com as seguintes conclusões:
1ª - O Tribunal de Comarca não fez boa apreciação e utilização da prova produzida em audiência de julgamento e demais elementos de prova valoráveis constantes do processo, erro em que o Tribunal da Relação reincidiu ao apreciar o recurso interposto;
2ª - O Tribunal da Relação manteve como provados actos que o arguido não cometeu e comportamentos que lhe não são imputáveis, designadamente os que tipificam a conduta punível nos termos da norma incriminadora pela qual o arguido foi punido (homicídio tentado);
3ª - A sua interpretação extrapola as regras do princípio da livre apreciação da prova sustentando-se em meras presunções, meios lógicos ou mentais sem suporte na prova disponível no processo, e colhida em audiência de julgamento.
4ª - O arguido recorrente exerceu o direito ao silêncio e o tribunal recorrido e mesmo a 1ª instância consideraram indirectamente que tal atitude seria negativa para o mesmo, ou seja, com tal consideração mesmo que indirecta fez o tribunal a quo e a Relação confirmou; uma prognose ilegal de como deverá ser tratado tal direito constitucional;
5ª - Violou além disso e entre outros o disposto nos artigos 127°, 340º, n°l, do CPP, integrando a previsão do disposto na alínea c) do n°2 do artigo 410° do mesmo diploma - erro notório na apreciação da prova-que é um dos fundamentos deste recurso;
6ª - O processo não contém factos objectivos ou objectiváveis que apoiem as singelas declarações da testemunha interessada (ou queixoso);
7ª - O processo está de tal forma eivado de depoimentos contraditórios e mantidos em sede de audiência de julgamento que deu origem aos vários requerimentos do MP no sentido de se extraírem certidões para futuros procedimentos criminais por perjúrio contra as testemunhas por si apresentadas;
8ª - Não foi alguma vez encontrada na posse do arguido ou em qualquer local a arma de fogo utilizada para atingir o queixoso;
9ª - Não existe qualquer sinal nos autos que indique ser o arguido detentor de qualquer tipo de arma de fogo;
10ª - Inexistem nos autos elementos materiais de prova, ou perícias que permitam, concretamente e seriamente, identificar o arguido como o autor do ou dos disparou que atingiram a testemunha queixosa;
11ª - Pelo que se torna impossível qualificar a conduta do arguido como criminosa; relação ao arguido recorrente estão feridos de nulidade por inexistência de corpo de delito (o que constitui violação dos princípios da tipicidade da lei penal - art. 1°, n°1, do CP e art. 29°, n°1 da Constituição da República Portuguesa), nulidade invocada e sempre aflorada em sede do recurso da 1ª instância;
12 - Incumbia ao tribunal apurar da verdade, incumbia ao tribunal ponderar e decidir pelos depoimentos contraditórias das testemunhas ouvidas e arroladas pelo MP;
13ª - Se não houve investigação adequada e se mantiveram até final tais contradições deveriam as instâncias inferiores (tribunal a quo e Relação) determinarem a existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410°, n°2, alínea c), do CPP;
14ª - A não ter revelado factos dos quais pudesse configurar-se a inocência do arguido perante os factos que lhe são imputados deveria o tribunal em apelo ao forte grau de incerteza da autoria dos mesmos pelo recorrente ter lançado mão do princípio do in dúbio pro reo absolvendo; com base nele; o arguido (agiu assim com violação no art. 32° n°2 da CRP);
15ª - Não tendo o recorrente praticado o factos pelos quais foi condenado como resulta da prova disponível nos autos e registada magnetofonicamente e por todas as demais conclusões antecedentes impõe-se, de acordo com a prova produzida ou a ausência dela, a absolvição do recorrente;
E quando assim se não entender, o que só por mera hipótese académica se admite, então,
16ª - O tribunal recorrido não ponderou nem considerou a inexistência de agravantes para através delas e por interpretação a contrario segundo o princípio do tratamento mais favorável ao arguido, para o caso de entender-se pela condenação aplicar-lhe o mínimo legal;
17ª - O tribunal não relevou factos que deu como provados para a demonstração da reintegração social do arguido, as suas condições de vida, hábitos regulares de trabalho; violou desta forma na determinação da medida da pena o art 40° n°1 e 2, do CP
18ª - O tribunal na linha da violação do acima mencionado art 40° do CP violou o art 50°do CP;
l9ª - Finalmente, o Tribunal da Relação ao ser chamado a decidir manteve a decisão do tribunal a quo pelo que este acórdão deverá ser revogado com as necessárias consequências para a decisão anterior:
O magistrado do Ministério Público junto do tribunal da Relação, na resposta à motivação, considera que o recurso é «manifestamente improcedente», porque visa o reexame da matéria de facto (já examinada, em recurso, pela Relação), o que está fora do âmbito dos poderes da cognição do S.T.J., como tribunal de revista; e quanto à medida da pena vai buscar fundamento a factos que não se mostram apurados, devendo, pois, ser rejeitado - art.° 420°, n°l do CP.Penal.

3. Neste Supremo Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto entende que o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência, nos termos do no artigo 420º, nº 1 do CPP, porque através de uma avaliação sumária, «se revela, atenta a sua alegação, de todo insusceptível de obter provimento por serem inatendíveis os respectivos fundamentos».
Notificado (artigo 417º, nº 1 do CPP), o recorrente nada disse.

4. Dispõe o artigo 420º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o recurso é rejeitado sempre que for manifesta a improcedência.
Nos termos do artigo 434º do mesmo diploma, o recurso para o Supremo Tribunal visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, salvo os casos previstos no artigo 410º, nºs. 2, e nos limites aí estabelecidos quanto à apreciação da matéria de facto.
A manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial (e não formal), visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, como é o recurso para o Supremo Tribunal em que o recorrente discute matéria de facto e o modo como as instâncias apreciaram e decidiam sobre a matéria de facto, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada, ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento. Será o caso típico de respeitar unicamente à medida da pena e não existir razão válida para alterar a que foi fixada pela decisão recorrida (cfr., v. g., Simas Santos e Leal-Henriques, "Recursos em Processo Penal", 5ª edição, 2002, pág., 112, com indicação de pertinente jurisprudência).
No caso, como se vê da motivação (conclusões 1ª 15ª), o recorrente discute exclusivamente matéria de facto, entendendo, segundo a interpretação que pode ser feita das respectivas conclusões, que não foram devidamente apreciadas as provas produzidas, e que as instâncias não deveriam ter decidido a matéria de facto como decidiram, pois sustentaram-se «em meras presunções, meios lógicos ou mentais sem suporte na prova disponível no processo».
Está em causa, assim, na delimitação das conclusões, apenas a discussão sobre os factos e o modo como as instâncias decidiram a matéria de facto, inteiramente fora dos poderes de cognição do Supremo Tribunal.
Mesmo quando invoca (conclusão 5ª) sem direito processual que o permita, erro notório na apreciação da prova (acórdão do plenário das secções criminais, de 19 de Outubro de 1995, DR-I-A, de 28 de Dezembro de 1995), o recorrente não alude a qualquer dos pressupostos do vício, mas apenas a divergência pessoal sobre o resultado da convicção das instâncias perante as provas produzidas.
No que respeita à medida da pena, o recorrente não enuncia, nem justifica os motivos por que deveria ter ser fixada em medida inferior, limitando-se a considerações irrelevantes (conclusão 16ª), ou à referência a factos que não estão demonstrados (conclusão 17ª).

5. Termos em que acordam em rejeitar o recurso - artigo 420º, nº 1, do Código de Processo Penal.
O recorrente pagará 5 UCs (artigo 420º, nº 4, do Código de Processo Penal).
Taxa de justiça: 3 UCs.

Lisboa, 27 de Outubro de 2004
Henriques Gaspar (relator)
Antunes Grancho
Silva Flor