Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
294/24.6T8ENT-A.E1
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: CITAÇÃO DE PESSOA COLECTIVA
SEDE SOCIAL
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O artigo 246.º do CPCiv., na redação anterior à entrada em vigor do DL 87/2024, de 7 de Novembro, denuncia uma opção clara do legislador pela realização da citação na sede estatutária, eliminado o anterior regime de alternatividade, que permitia que aquela se fizesse também, e indistintamente, na sede de facto.
II. Face a tal clara opção legislativa, passou a recair sobre as pessoas coletivas, designadamente sobre as sociedades, o ónus de fazer em cada momento coincidir a sede estatutária com a sede de facto, sob pena de se terem como citadas em local com o qual não mantêm já qualquer conexão.
III. Tendo sido observada na precedente ação declarativa, na qual foi proferida a sentença exequenda, a tramitação prescrita naquele artigo 246.º, nos seus n.ºs 1, 2 e 4, no âmbito, a citação tem-se por efetuada na data certificada pelo distribuidor como aquela em que depositou o expediente relativo à 2 ª carta no “Recetáculo Postal Domiciliário” da morada correspondente à sede da citanda, operando a presunção de que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.
IV. A aludida presunção, juris tantum, pode ser ilidida mediante a prova pelo destinatário de que não chegou a ter conhecimento do ato por facto que não lhe é imputável, ou seja, há de provar que a sua conduta em nada contribuiu, em termos de causalidade objetiva, para que as cartas enviadas para citação não tenham chegado ao seu destinatário.
V. Não tendo a embargante logrado fazer prova de que o não recebimento das cartas enviadas pelo tribunal não se ficou a dever à sua atuação, prevalece aquela presunção, com a consequente improcedência dos embargos que na falta de citação se fundamentaram.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 294/24.6T8ENT-A.E1[1]
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém
Juízo de Execução do Entroncamento - Juiz 1


I. Relatório
Inconformada com a sentença proferida nos embargos que deduziu à execução para entrega de coisa certa, cumulada com a pretensão de cobrança coerciva da quantia de € 24.500,00 (vinte e quatro mil e quinhentos euros) que lhe é movida por (…), e que decretou a total improcedência dos mesmos, veio a executada/embargante (…) – Unipessoal, Lda. apresentar o presente recurso, cuja alegação rematou, em manifesta infração do disposto no n.º 1 do artigo 639.º do CPCiv., com 115 conclusões, de que se transcrevem as seguintes:
(…)
xi. Os embargos deduzidos pela recorrente assentavam na circunstância da nulidade da decisão proferida nos autos de processo comum que, com o n.º 1265/23.5T8STR, correram termos pelo Juízo Local Cível de Santarém - Juiz 2.
xii. Tal nulidade assenta na ausência de citação da recorrente naqueles autos.
xiii. A recorrente na sua petição de embargos [alega] que não foi citada nos autos referidos que culminaram com a prolação de sentença que determinou o despejo desta do prédio que tomou de arrendamento e bem assim [no pagamento] das rendas vencidas e vincendas até integral desocupação do locado.
xiv. Efetivamente a executada tem a sua sede social na (…)[2] Eng. (…), n.º 34 – 1º, 1200-174 Lisboa, cfr. resulta de documento emitido pela CRC.
xv. No âmbito da citação das denominadas pessoas colectivas, conforme remissão operada pelo n.º 1 do artigo 246.º do Código Processo Civil, a primeira opção ou modalidade legal é a citação (pessoal) postal inicial do artigo 228.º, mas condicionada com as especificidades do n.º 2 daquele normativo, devendo a citação operar-se na sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.
xvi. Reflecte tal normativo a natureza especial das pessoas colectivas, num juízo em que a criação ou participação numa inculca e comporta ónus e deveres, cuja imputabilidade recai sobre o ente colectivo, o que enforma ou justifica a relevância que o mesmo normativo concede ao registo obrigatório da sede (e eventual mudança desta).
xvii. A incondicional preferência legal, operada no Novo Código de Processo Civil – redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26/06 –, é a da citação na sede estatutária, contrariamente ao antecedente regime de alternatividade de citação igualmente na sede de facto.
xviii. Tendo passado a recair sobre as pessoas colectivas (e sobre as sociedades) o ónus de correspondência efectiva entre o local inscrito como sendo o da sua sede e aquele onde esta se situa de facto, o que as obriga a actualizá-lo em caso de alteração, sob pena de, não o fazendo, a sua citação poder vir a ser operatória em local correspondente a uma antecedente sede.
xix. Para a verificação do vício de falta de citação, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Civil, determinante da verificação de nulidade principal, exige-se que se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável, sendo ainda mister que alegue, e prove, não só que tal aconteceu, mas ainda que sucedeu por circunstâncias que não lhe são imputáveis.
xx. Efetivamente tendo a sua sede social sita em Lisboa no local já supra referido a verdade é que nunca rececionou esta qualquer missiva que lhe tenha sido endereçada pelo Tribunal Judicial de Santarém.
xxi. Note-se que aquando da instauração da ação judicial a sede da executada encontrava-se em obras impedindo o acesso ao seu interior e ou a qualquer receptáculo postal.
xxii. Sabendo o exequente do paradeiro do seu legal representante nunca este foi citado enquanto tal na morada em que agora foi citada no âmbito dos presentes autos.
xxiii. Ou seja, pretendeu com a indicação da morada aposta na ação judicial que a executada não fosse conhecedora daquele processo judicial, impedindo esta de poder exercer o contraditório.
(…)
xxv. Verifica-se por isso um erro na interpretação do artigo 246.º C.P.Civil, a qual gera um prejuízo desproporcional e injustificado à Recorrente, bem como prejudica de forma grave os direitos da mesma.
xxvi. A Executada continua a ter razões, de facto e de direito para acreditar que a citação da Recorrente nunca se concretizou.
xxvii. A sentença recorrida violou o disposto no artigo 246.º do Código de Processo Civil, razão pela qual deverá ser dado provimento aos presentes embargos de executado revogando, em consequência, a sentença recorrida, conferindo nulidade ao titulo executivo que sustenta a presente execução.
xxviii. Verifica-se assim que deve ser declarada nula a sentença proferida, por violação do disposto no artigo 246.º do Código de Processo Civil, substituindo-se por outra que decrete totalmente procedente os Embargos de Executado”.
xxix. Da modalidade de citação (in)operada: Nos presentes autos de oposição à execução, mediante embargos, aduz a Embargante como um dos fundamentos, a sua alegada falta de citação no âmbito da acção declarativa, na qual se constituiu o título executivo sentença ora dado em execução.
xxx. Até à citação para a acção executiva, desconhecia a tramitação processual da acção declarativa de condenação, correspondente ao processo acima identificado.
xxxi. O que aconteceu em virtude de não ter sido citada para a morada da sua sede social, ou na pessoa do seu legal representante cuja morada é conhecida da exequente;
xxxii. Nos autos de execução, foi agora citada para a morada onde se encontra o legal representante da executada, não obstante não ser a sua sede social.
xxxiii. Não foi feita uma correcta interpretação das disposições aplicáveis, nomeadamente do artigo 246.º do Código de Processo Civil, pelo que se impõe um novo exame jurídico da questão suscitada.
xxxiv. Existiu qualquer tentativa de citação da Recorrente para a sua sede, não obstante ser facto notório a impossibilidade desta, naquela data, poder ser citada naquele local, tanto mais que estava inacessível, pelo que não se deu cumprimento ao estatuído no n.º 2 do citado artigo 246.º.
xxxv. Existindo, assim, falta de citação da Embargante, que deverá conduzir à revogação da sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra que decrete a total procedência dos embargos.
xxxvi. Para a análise do caso sub judice, assume particular relevo o prescrito neste artigo 246.º.
(…)
xli. E, nomeadamente e com especial enfoque, o disposto no transcrito n.º 2, ao consagrar a regra segundo a qual a carta registada com aviso de recepção destinada a citar a pessoa colectiva é endereçada para a sede inscrita no Registo Nacional de Pessoas Colectivas.
xlii. Apreciando acerca da sequência das diligências de citação, nos casos em que o citando está sujeito a inscrição obrigatória no ficheiro central de pessoas colectivas, referencia Rui Pinto que a primeira modalidade é a citação (pessoal) postal inicial do artigo 228.º, mas com as especialidades do n.º 2: citação na sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas”.
xliii. Acrescenta que nos casos em que se frustre tal citação, por motivo diferenciado do mencionado no n.º 3 recusa da assinatura do aviso de recepção ou do recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda , “procede-se à repetição da citação postal mediante envio de nova carta registada com aviso de receção”.
xliv. Situação em que “(i) a citação considera-se efectuada por depósito na caixa do correio na data certificada pelo distribuidor do serviço postal devendo o distribuidor do serviço postal certificar a data e o local exato em que depositou o expediente e remeter de imediato a certidão ao tribunal ; ou (ii) no caso de ter sido deixado aviso por impossibilidade de depósito ao abrigo do artigo 229.º, n.º 5, in fine, a citação considera-se efectuada no dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados a carta, de modelo oficial, contendo cópia de todos os elementos referidos no artigo 227.º”.
xlv. No caso vertente, tratando-se de motivo que à executada não pode ser imputável a circunstância de estar inacessível o receptáculo postal na sede da executada, o que era do seu total desconhecimento, não se poderá considerar motivo que lhe é imputável o facto de não ter tido conhecimento da citação realizada – cujos termos e moldes se desconhece –, devendo ter-se por verificada a hipótese de falta de citação prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º.
xlvi. A executada não teve conhecimento da citação por facto imputável a terceiro.
xlvii. Não foram assim observadas as formalidades a que aludem os n.ºs 2 a 4 daquele normativo legal (em conjugação com o n.º 5 do artigo 229.º e o n.º 2 do artigo 230.º), a citação postal considera-se efetuada, ainda que a correspondência, depois de depositada no recetáculo postal, venha a ser devolvida, operando, ainda assim, a presunção legal não ilidida de que a destinatária teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados”.
xlviii. No caso ali apreciado, e “como fundamento da revisão da sentença proferida na ação principal, a executada alega factos tendentes a demonstrar que, não obstante a carta ter sido enviada para a sua sede legal, sem culpa sua.
xlix. Não tomou conhecimento do ato de citação, dado que nem sequer se conhece se a nota de citação foi assinada ou apenas depositada em um qualquer outro receptáculo postal.
l. Ademais se dirá que a existir citação concretizada, a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta não foi recebida por qualquer funcionário ou representante legal da citanda, nos termos previstos no artigo 246.º, n.º 3, do CPC.
li. Deve entender-se que não foram observadas pelo Tribunal a quo as formalidades legais para a citação da requerida, devendo considerar-se a mesma validamente efetuada”.
lii. A conclusão de que a citação da requerida/apelante se deve considerar realizada na data em que foi certificado o depósito da carta no recetáculo postal da sede da que consta do ficheiro do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, por aplicação do regime previsto no artigo 246.º, n.º 4, do CPC, conjugado com o artigo 230.º, n.º 2, do CPC, implica a presunção de que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados”, o que se não verifica no caso vertente dos autos.
liii. Donde, incumbirá à destinatária da citação o ónus de alegar e provar que não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável”, ou seja, estava sob o seu encargo a alegação de factualidade relevante que permitisse concluir “que o eventual desconhecimento do ato de citação, consubstanciado no certificado depósito da carta no receptáculo postal da sede da que consta do ficheiro do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, aconteceu devido a facto que não lhe é imputável”, o que assim fará em sede própria, o que, diga-se ficou evidenciado pelo depoimento prestado pelo carteiro que procede diariamente à entrega da correspondência postal naquele local.
liv. Efectivamente, para que ocorra falta de citação, “nos termos do artigo 188.º, n.º 1, alínea e), do CPC não basta a alegação pela requerida/citanda de que não teve conhecimento do ato de citação, revelando-se ainda necessário que aquela alegue e demonstre, não só que tal aconteceu, mas ainda que sucedeu devido a circunstâncias que não lhe são imputáveis”, como é a circunstância do prédio onde se situa a sede social se encontrar encerrado em obras impedindo assim o acesso dos seus titulares ao interior do mesmo.
lv. Existe, assim, falta de citação, também na situação em que ocorre certeza de que, sem culpa sua, o réu não chegou a ter conhecimento da citação quase-pessoal, por esta não lhe ter sido comunicada por quem a recebeu, ou por não ter podido ver a nota de citação afixada nem dela ter sabido (artigo 188.º-1-e)”, situação espelhada nos autos do depoimento da testemunha (…) e do carteiro que, conjugados, permitem concluir que a ausência de citação decorre da circunstância desta nada tivesse contribuído para que se não concretizasse a citação.!
lvi. Esta solução legal entende-se e justifica-se num quadro de “generalização do emprego da citação por via postal e pelo alargamento da citação com hora certa, que têm levado à progressiva substituição da antiga certeza do conhecimento da citação pela presunção desse conhecimento, cuja ilidibilidade, em nome do direito de defesa, havia que garantir”.
lvii. Do regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, já constatámos que a pedra de toque no âmbito da citação das pessoas colectivas traduz-se na consideração e adopção da sede estatutária, por referência à que se encontra inscrita no ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.
lviii. (…)
lxi. Provou-se que no âmbito da acção declarativa na qual se formou o título executivo (sentença) que fundamenta a execução instaurada, e na qual a ora Embargante/Apelante figurou como Ré, foi enviada, para citação da identificada demandada, carta registada com AR, para a seguinte morada da sede social.
lxii. De tal panóplia factual resulta, de forma evidente, ter sido devidamente cumprido o iter processual legalmente equacionado no citado artigo 246.º, pois a citação da ali Ré, e ora Embargante, foi devidamente endereçada para a sua sede inscrita, à data, no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.
lxiii. E, perante a devolução da carta registada com aviso de recepção inicialmente enviada, o que acorreu por outro motivo que não o inscrito no n.º 3 daquele normativo, cumpriu-se o disposto no n.º 4, remetendo-se nova carta registada com aviso de recepção à citanda Ré, com observância do disposto no n.º 5 do artigo 229.º e com a cominação inscrita no n.º 2 do artigo 230.º.
lxiv. Carta que, na impossibilidade da sua entrega, foi devidamente não foi sequer depositada no receptáculo postal domiciliário.
lxv. Obrigatoriedade que, para além do mais, parece desde logo resultar dos transcritos artigos 1.º, 3.º, n.º 1, alínea o) e 15.º, n.º 1, todos do Código do Registo Comercial.
lxvi. Donde resulta a concreta aplicabilidade do enunciado n.º 4 do artigo 246.º, que, aliás, não é questionada, pois a Apelante antes se limita a colocar em causa o local da sua efectiva sede à data da citação no âmbito da acção declarativa ;
lxvii. Ora, concluindo-se pela inobservância das devidas formalidades, poderá, ainda assim, dever concluir-se pela existência de uma situação correspondente a falta de citação.
lxviii. Nomeadamente a enunciada na alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º, supra exposta.
lxix. Conforme legal imposição, para aquele enquadramento determinante da verificação da aludida nulidade, exige-se que se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
lxx. Para que ocorra a equacionada falta de citação, tradutora de nulidade principal, não basta à Embargante a alegação de que não teve conhecimento do acto de citação, sendo ainda mister que alegue, como o já fez, e provasse, não que tal aconteceu, mas ainda que sucedeu por circunstâncias que não lhe são imputáveis.
lxxi. Realizada a audiência de discussão e julgamento e produzida a prova arrolada e, bem assim, aquela que o Tribunal determinou que oficiosamente fosse produzida, concluiu-se que, residindo na morada da sede social a testemunha (…), esta a partir de determinado momento viu-se impedida de ali permanecer a residir por razões que se prendiam com a segurança do próprio edifício.
lxxii. E de acordo com o depoimento da citada testemunha – carteiro – viu-se inclusivamente impedida de poder aceder ao seu receptáculo postal, não recebendo a correspondência que era endereçada à embargante.
lxxiii. Tal versão foi corroborada por (…), que, instado a tal matéria, afirmou que o edifício deixou de poder estar acessível impedindo, também, assim, a recorrente de aceder à correspondência que lhe era endereçada.
lxxiv. Mais: com relevância para a decisão da causa, e era esta a questão que se mostra controvertida, é não mais que saber se a recorrente foi ou não citada nos autos de processo comum acima identificados.
lxxv. Para tal, oficiosamente o Tribunal determinou que fosse oficiado o Município de Lisboa, que informou desconhecer que tenha o edifício estado vedado ao público, sendo certo que não resulta da resposta prestada que tal não tivesse sucedido.
lxxvi. Ademais, determinou ainda o Tribunal recorrido que se ouvisse o carteiro que efetua a distribuição postal naquele local onde se localiza a sede social da recorrente.
lxxvii. E com relevância para os autos resulta que de forma inequívoca a testemunha (…) afirmou que residiu na sede social da empresa, após o que abandonou o local.
lxxviii. Como se referiu, não se encontrando a residir na sede social a mencionada (…), resultou do depoimento do carteiro que efetua a distribuição postal que procedeu à entrega, em mão, de missiva remetida pelo Tribunal para a recorrente a um indivíduo que se apresentou no edifício no interior de um dos apartamentos ali existentes.
lxxix. Não sendo possível identificar de quem se tratava esse sujeito, que relação mantém ou não com a mencionada Inês e ou mesmo com a própria recorrente.
lxxx. O que foi possível apurar do depoimento prestado pelo sócio gerente da recorrente e (…), foi que nenhum destes recebeu qualquer comunicação remetida pelo Tribunal onde foi proferida sentença condenatória que fosse dirigida à recorrente.
lxxxi. E assim sendo, como é, inequívoco se mostra que não se demonstrou que tenha a recorrente sido citada naqueles primitivos autos, antes pelo contrário, resulta que a missiva notificando da citação naqueles autos de despejo terá sido recebida por terceiro que a recorrente desconhece e que não procedeu à entrega da aludida carta à recorrente na pessoa do seu legal representante ou a quem na ocasião residia na sua sede social.
lxxxii. Demonstrado que se mostra tal, forçoso será de concluir que a recorrente não se mostrou citada nos autos de processo comum que com o n.º 1265/23.5T8STR, correram termos pelo Juízo Local Cível de Santarém - Juiz 2.
lxxxiii. Mais: ainda que assim se não considerasse, do depoimento prestado em juízo pelas testemunhas e pela prova documental junta aos autos resulta que o recorrido sabia e não ignorava o local onde a recorrente se encontrava a laborar, ignorando tal circunstância e optando por identificar a sede social da recorrente quando bem sabia que o local onde esta laborava era diverso daquele que identificara nos autos.
lxxxiv. Face ao supra exposto, forçoso será concluir que a recorrente não foi citada nos autos de processo comum que com o n.º 1265/23.5T8STR, correram termos pelo Juízo Local Cível de Santarém -Juiz 2.
lxxxv. O Tribunal recorrido andou mal ao considerar que o indivíduo que recebeu a missiva de citação procedeu à entrega da mesma à recorrente na pessoa do seu legal representante ou a quem ali residia na sua sede social.
lxxxvi. Ademais, desconhece-se de quem se trata esse sujeito que recebeu a carta registada endereçada pelo Juízo Local Cível de Santarém, razão porque solução diversa inexiste que não considerar-se nula a citação e consequentemente determinar a nulidade de todo o demais processado por ausência absoluta de citação da recorrente.
lxxxvii. Importa referir que instada (…) à matéria dos autos esclareceu esta que permaneceu a residir no local onde se situa a sede social da executada até 2023, data em que teve de abandonar o edifício por falta de segurança do prédio impedindo que esta ali permanecesse a residir (00:05:55).
lxxxviii. Igualmente esclareceu que nunca recebeu, enquanto ali permaneceu a residir, qualquer missiva que fosse endereçada à executada/recorrente, excepção feita de extratos bancários e contas de consumos efetuados na fração que ocupou (00:07:10).
lxxxix. Referiu por fim que não mais se deslocou ao prédio, por o senhorio ter falecido e ter ficado a filha deste a gerir o prédio (00:09:10).
xc. Note-se que ao contrário do que conclui a decisão recorrida o depoimento da citada testemunha em nada colide com a informação que foi solicitada ao Município de Lisboa (Serviço de Proteção Civil,) que se limitou a informar os autos que desconhecia se o prédio esteve interdito alguma vez (vide email de 07/02/2025 remetido para os autos pelo Serviço de Proteção Civil junto do Município de Lisboa).
xci. Ademais, importa salientar o depoimento prestado por (…), carteiro, cujo depoimento foi requerido oficiosamente e que à matéria constante dos autos esclareceu que se deslocou ao prédio onde pretendia deixar correspondência postal para a recorrente tendo sido abordado por um indivíduo que o informou que estaria impedido de deixar qualquer correspondência no receptáculo postal correspondente à fração onde está registada a sede social da recorrente.
xcii. Note-se que em audiência de julgamento foi determinado pelo tribunal recorrido que fosse confrontada a citada testemunha com o legal representante da recorrente (…), tendo esta afirmado de forma peremptória que não seria esta quem o impedira de deixar correspondência para a recorrente.
xciii. Temos pois, que não obstante a sede social da recorrente se encontrar naquele local, a verdade é que razões e motivos que às partes são alheios foi impedida a recorrente de recepcionar qualquer correspondência postal na citada morada onde se situa registada a sede social.
xciv. Por assim é forçoso será concluir que por razão que à recorrente não pode ser imputada esta não foi citada para contestar a ação que lhe foi instaurada pelo exequente.
xcv. Mais: resulta também dos autos e da decisão recorrida (documentos notificados via Citius de 18/07/2024, com a Ref.ª 97168241) que se mostra junta nos autos de ação declarativa que o exequente – ora recorrido – com excepção da instauração da ação declarativa que correu termos pelo Juízo Local Cível de Santarém – Juiz 2, com o n.º 1265/23.5T8STR, que toda a correspondência que havia sido trocada entre o A. e a aqui recorrente foi remetida, sempre para o local onde se encontra o estabelecimento comercial in casu, na Rua Dr. (…), 13/15, em Santarém – vide documento 3 junto com a certidão junta aos autos em 17/07/2024.
xcvi. De igual forma, aquando da ação executiva, foi a recorrente citada da mesma na mesma morada sita em Santarém.
xcvii. O exequente sabia e não ignorava que era na morada de Santarém que a executada recebia toda a correspondência.
xcviii. Não obstante tal, visando o propósito desta não ser citada na ação de despejo indicou a morada da recorrente sita em Lisboa, sendo certo que de antemão sabia que esta a não iria recepcionar.
xcix. Acresce que entre as partes sempre foi na morada de Santarém que foram efetuadas as comunicações, fossem estas escritas ou verbais.
c. Entende, pois, a recorrente que o recorrido agiu com manifesto abuso de direito, pois que entre as partes ficou criada sem qualquer reserva fosse de quem fosse que seria na morada de Santarém que a recorrente receberia toda a correspondência.
ci. Ora, ao agir como o fez, pretendeu o Autor lograr obter decisão judicial sem que permitisse à Ré o exercício do contraditório.
cii. É que efetivamente a missiva onde pretendeu o Autor resolver o contrato de arrendamento foi remetido para a morada da recorrente sita em Santarém e não para a sua sede social (doc. 3 da Petição Inicial junta com a certidão de 17/07/2024).
ciii. Há assim, de forma manifesta, a impossibilidade da Recorrente se poder defender, bem sabendo o Autor que tal assim iria suceder, contrariando tudo quanto havia sido processado anteriormente, em que criou a convicção na recorrente que toda a correspondência a esta dirigida pelo Autor para a morada de Santarém seria remetida!
civ. O abuso de direito é matéria de conhecimento oficioso que pode ser apreciada pelo Tribunal de recurso e que assim se suscita.
(…)
cvii. A decisão recorrida terá que ser revogada, substituindo-se por outra que determine a nulidade do processado por falta absoluta de citação da recorrente, procedendo o presente recurso que deverá revogar a decisão proferida pelo Juízo de Execução do Entroncamento em sede de embargos de executado que determinou a sua improcedência.
cviii. A decisão recorrida deverá ser revogada nos pontos dados como provados, a saber, 11º (que deverá mencionar que a recorrente foi notificada na morada de Santarém); 18º, que deverá referir que a devolução da missiva com a menção desconhecido assim sucedeu por indicação de indivíduo cuja identificação se desconhece e que ali se encontrava no interior da fração.
cix. Também na matéria dada como não provada deverá ser revogada esta e dada como provada nos seguintes pontos da decisão recorrida: alíneas b), com a menção que não foi depositada a correspondência por tal ter sido impedido o carteiro por sujeito que se desconhece e que não era o legal representante da recorrente.
cx. Alínea c) dos factos dados como não provados deverá passar a ser dada como provada atenta a factualidade supra descrita.
cxi. Entende-se, pois, que a recorrente pelos motivos já supra aduzidos não foi regularmente citada nos autos de processo comum pelo que deverá ser considerado nulo todo o processado e consequentemente a decisão proferida a final.
cxii. Não se ignora os normativos legais que regulam a citação das pessoas coletivas.
cxiii. Não poderia também o Tribunal recorrido ignorar as circunstâncias em que as partes acordaram corresponder-se entre si e bem assim a circunstância de não ter sido depositada qualquer missiva no receptáculo postal sito em Lisboa porque de tal foi impedido o carteiro por indivíduo cuja identificação não foi possível apurar mas que do confronto realizado em juízo entre a testemunha (carteiro) e legal representante da Ré se pôde entender que não se tratava da mesma pessoa.
cxiv. Ora, a solução em recurso, do abuso do direito, (percute-se) perante a expressividade dos factos alegados e provados, não era, de todo, “absolutamente imprevisível” – bem antes pelo contrário!
Indicando como violados os artigos 187.º, 188.º, 219.º, n.º 5, 223.º, 225.º, 228.º, 229.º, 230.º e 236.º do Código de Processo Civil, requereu a revogação da decisão recorrida e sua substituição por decisão que “absolva a recorrente do pedido, com as legais consequências”.

Não foram oferecidas contra alegações.

Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objeto do recurso, são as seguintes as questões suscitadas pela apelante:
i. erro de julgamento no que respeita aos factos 11º e 18º do elenco dos factos assentes e nas alíneas b) e c) dos não provados;
ii. da falta ou nulidade da citação, não tendo a embargante intervindo na ação declarativa na qual foi proferida a sentença exequenda;
iii. do abuso de direito.
*
Da impugnação da matéria de facto
A recorrente impugna a decisão proferida quanto aos factos vertidos nos pontos 11 e 18, pretendendo, quanto ao primeiro, que dele conste ter sido notificada na morada de Santarém, fazendo-se constar do ponto 18 que o motivo da devolução da missiva a que nele se alude ficou a dever-se a indicação prestada por indivíduo cuja identificação se desconhece e que na ocasião se encontrava no interior da fração.
A pretensão modificativa da apelante abrange ainda os factos dados como não provados sob as alíneas b) e c) que, inversamente, defende e sustenta terem resultado provados, invocando em abono desse entendimento o depoimento prestado pelo seu legal representante, (…), o testemunho da filha deste e anterior gerente, (…), e ainda de (…), carteiro que tinha a seu cargo a distribuição postal na zona da morada correspondente à sede da citanda e cuja presença na audiência final foi oficiosamente provocada pelo tribunal.
O ponto 11 tem o seguinte teor:
“11. Mediante correio registado dirigido para a mesma morada indicada em 6 supra, a secção remeteu ofício datado de 09-10-2023 com o seguinte teor:
«(…)
Assunto: Contraditoriedade e Prova
Fica V. Exª. notificada, na qualidade de Ré, e relativamente ao processo supra identificado, nos termos e para os fins do disposto no artigo 590.º, n.º 5, do Código Processo Civil.
Anexa-se o requerimento junto aos autos.
(…)».
Reporta-se o facto vindo de transcrever ao cumprimento pela secção do disposto no n.º 5 do artigo 590.º, que impõe seja concedida à contraparte a oportunidade de exercer o contraditório no caso dos factos antes alegados terem sido objeto de correção, esclarecimento ou aditamento, notificação que, no caso da ré, foi cumprida para a morada correspondente à sede da sociedade, como tal registada no RNPC, e para a qual fora já enviada a carta para citação. Não corresponde assim à verdade que no âmbito do processo declarativo a embargante tenha sido citada ou notificada na morada de Santarém, pelo que improcede a impugnação deduzida pela apelante ao referido ponto 11.
No que se refere ao segmento que a impugnante pretende que seja aditado ao ponto 18, do qual consta que “O correspondente expediente postal foi devolvido sem entrega com a indicação «Desconhecido»”, é tal acrescento perfeitamente irrelevante, ainda que se aceite como verdadeiro e absolutamente natural que o novo ocupante da fração, e que indicou ser a citanda desconhecida naquela morada, seja, também ele, um desconhecido; anómalo seria se o informante fosse o legal representante da recorrente, sendo até conduta a qualificar como de má. Todavia, como ninguém alegou tal facto, não se vê razão para alterar o ponto impugnado, improcedendo, também aqui, a impugnação deduzida.
No que se refere aos factos dados como não provados que a impugnante pretende terem ficado demonstrados, está em causa a seguinte factualidade:
b) O expediente de citação a que se reporta o ofício com a ref.ª 93277658, de 09-05-2023 do precedente Proc. n.º 1265/23.5T8STR não foi depositado no receptáculo postal da morada de destino;
c) Com a indicação da morada identificada em 6 supra, o exequente pretendeu que a executada não fosse conhecedora daquele processo judicial, impedindo esta de poder exercer o contraditório.
Antes de mais, e no que respeita ao facto constante da alínea c), fazendo eco de uma alegada intenção do exequente – facto do foro íntimo que, não obstante, não perde a sua natureza factual-, nada resultou do depoimento e testemunhos ouvidos que permita afirmá-lo. Tendo sido referido, quer pelo legal representante da embargante, quer pela sua filha, (…), que os contactos com o senhorio tinham lugar em Santarém, na morada do restaurante, onde seria também recebida correspondência, de seguro sabe-se apenas que a carta por este enviada contendo a declaração de resolução do contrato foi efetivamente endereçada para a morada correspondente ao locado, ao que não será alheio o disposto no artigo 9.º do NRAU, atendendo a que as partes não convencionaram domicílio. No entanto, considerando o regime legal à data vigente para a citação das pessoas coletivas que, conforme era o caso da aqui recorrente, estavam obrigadas a registo, não se vê como concluir que a indicação, na petição inicial, da sede da aqui embargante como sendo a morada onde deveria ser efetuada a citação, para além do mais em estrita observância dos comandos legais, fosse uma atuação pré ordenada a obstar que a então ré se pudesse defender, dando cobertura a uma intenção maliciosa por parte do autor. Ao invés, e como se explica cabalmente na sentença recorrida, trata-se de indicação que a lei impõe e que o Il. Mandatário do apelado, atuando com diligência, não poderia deixar de cumprir.
Quanto à restante matéria de facto impugnada, e tendo presente que se trata de prova sujeita ao princípio da livre apreciação, concluímos que a decisão proferida assenta numa apreciação rigorosa das declarações e testemunhos produzidos em audiência que a impugnante agora convocou. Com efeito, e ao invés do que defende, não ficámos convencidos de que o prédio tenha ficado interditado e o acesso às caixas do correio impedido desde 2019 até à data em que foram enviadas as cartas para citação no âmbito do processo declarativo, e não seguramente após desde 2021, data em que a testemunha (…) começou a fazer o giro 90, que inclui a morada da sede da recorrente, situação que se mantinha à data em que foi inquirido. Faz-se notar que a testemunha (…), que residia no local da sede da sociedade, declarou ter-se mudado para casa do pai em Novembro de 2019, o que, segundo declarou, se ficou a dever ao facto do prédio se encontrar em risco de ruir, estando inabitável. Daí que só um deficiente entendimento do por si declarado posse justificar o teor da conclusão lxxxvii. E pela mesma (…) ficámos a saber que não mais tentou aceder à caixa do correio, tendo a testemunha Sérgio Francisco, que nenhum interesse tinha na causa, o que naturalmente conferiu particular credibilidade às suas declarações, asseverado que desde que assegura a distribuição do correio na morada, o que se verificava há já 3 anos à data em que prestou o seu testemunho, nunca se viu impedido de aceder os recetáculos, isto apesar de se encontrarem localizados no interior do prédio. Mais declarou, a instância do Il. Mandatário da impugnante, que não verificou a existência de obras no prédio o que, considerando que haviam já decorrido 2 anos desde a saída da testemunha Inês à data em que iniciou a distribuição de correio na zona, nenhuma admiração causa.
Ainda a propósito do testemunho prestado pelo mesmo (…), importa referir que pese embora algumas passagens se apresentem ininteligíveis, foi sempre possível apreender o sentido das suas respostas pela dinâmica da conversação estabelecida com o Sr. Juiz.
Declarou a testemunha que a menção de desconhecida que surge na diversa correspondência remetida faz eco da informação dada pelo “rapaz” que aparecia sempre que tocava para o 1º andar. Não obstante, confirmou que a carta a que se refere o ponto 10. foi efetivamente depositada no recetáculo, conforme consta da menção por si aposta no verso e não suscitou dúvida neste Coletivo, não tendo em parte alguma declarado que fora impedido de o fazer, ao invés do que a apelante fez constar da conclusão xci. Acresce que a circunstância da testemunha se recordar das incidências que relatou, envolvendo as cartas enviadas à sociedade, nada tem de estranho, considerando que ocorreram várias tentativas de entrega de correspondência oriunda de um tribunal, todas frustradas. Cabe acrescentar que em nada resultou afetada a sua credibilidade quando não logrou identificar os residentes do 1.º andar do prédio vizinho, conforme o Il. Mandatário da embargante pretendeu que fizesse, por estarem em causa distintas situações.
Acresce ter resultado dos testemunhos coincidentes de pai e filha que depois desta ter deixado de residir na morada da sede da sociedade não houve a preocupação de garantir o reencaminhamento do correio ou de tentar aceder a eventual correspondência à sociedade dirigida, não servindo de desculpa a pandemia, dado que no ano de 2023 a situação se encontrava normalizada, nem tão pouco a afirmação de que não havia razão para que eventual correspondência fosse endereçada para aquela morada, sendo certo que, conforme reconheceram, nunca procederam à alteração da sede respetiva.
Em suma, não tendo o referido (…) afirmado em parte alguma do seu testemunho ter sido impedido pelo tal indivíduo que passou a ocupar o 1º andar do prédio, morada da sede da sociedade, de depositar a carta referida no ponto 10 no respetivo recetáculo (ponto 10 que, em bom rigor, a recorrente não impugnou), sem embargo de se dever a indicação sua a devolução das demais cartas enviadas pelo tribunal com a menção de desconhecida, não se vê razão para proceder à alteração pretendida, mantendo-se como não provado o facto vertido em b), para além do mais contraditório com aquele.
Improcedente a impugnação, mantém-se sem alteração a decisão proferida sobre os factos.
*
II. Fundamentação
De facto
Inalterada, é a seguinte a factualidade relevante para a decisão, tal como consta da sentença recorrida:
1. Em 22-01-2024 (…) propôs contra a sociedade “(…) – Unipessoal, Lda.” acção executiva destinada à execução da sentença proferida em 27-11-2023, no Processo n.º 1265/23.5T8STR do Juízo Local Cível de Santarém – Juiz 2 – deste Tribunal Judicial da Comarca de Santarém.
2. No requerimento executivo alegou o seguinte:
«1 - O exequente intentou conta a executada acção declarativa de condenação em processo comum, a que correspondeu o processo 1265/23.5T8STR do juízo local cível de Santarém - Juiz 2, em que era pedida a resolução do contrato de arrendamento relativo ao r/c do imóvel sito na Rua Dr. (…), n.º 13/15, destinado a café, cervejaria e restaurante, e a despejar o imóvel de pessoas e bens com excepção dos pertencentes ao ali A. e aqui exequente, bem como o pagamento das rendas não pagas desde Janeiro de 2023 inclusive até efectiva entrega do locado.
2 - Tendo o exequente obtido ganho de causa na sua pretensão por sentença de 27/11/2023 já transitada em julgado, sendo o executado condenado a despejar de imediato o locado e entregá-lo ao A. aqui exequente livre e devoluto,
E,
3 - A pagar ao A./exequente as rendas, ou os proporcionais que se vencerem desde Janeiro de 2023 inclusive, até efectiva entrega do locado.
4 - No entanto até á presente data a executada não entregou a fracção em causa, nem procedeu ao pagamento das rendas vencidas desde Janeiro de 2023, pelo que o exequente se vê obrigado a recorrer a este meio para obter a entrega do imóvel em causa bem como o pagamento das rendas vencidas desde Janeiro 2023 até á data da efectiva entrega do locado.
(…)».
3. Aquele Processo n.º 1265/23.5T8STR foi instaurado pelo aqui exequente/embargado em 19-04-2023, resultando da respetiva petição inicial, além do mais, o seguinte:
«(…)
Vêm propor e fazer seguir, Acção Declarativa de Condenação, em processo comum, contra:
(…) – Unipessoal, Lda., com sede na Calçada Eng. (…), n.º 34 – 1º 1200-174 Lisboa, com o capital social de € 500,00 (quinhentos euros), matriculada na Conservatória de Registo Comercial com o número único de matrícula e de pessoa colectiva (…), aqui representada pelo seu gerente (…), contribuinte n.º (…), portador do cartão de cidadão n.º (…), válido até (…),
O que faz nos termos e pelos seguintes fundamentos:

O A. é dono e legítimo proprietário da fracção correspondente ao r/c do imóvel sito na Rua Dr. (…), n.º 13/15, da União de Freguesias da Cidade de Santarém, concelho de Santarém, inscrito na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo (…), destinada a café, cervejaria e restaurante (doc. 1).

Fracção autónoma esta que A. deu de arrendamento á Ré (doc. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido), através de contrato de arrendamento a termo certo de cinco, (5) anos celebrado em 07 de Abril de 2022.

Tendo o arrendamento o seu início na data da assinatura do contrato acima mencionado.

O locado destina-se arrendamento para fim não habitacional, designadamente para utilização como café, cervejaria e restaurante (doc. 1. Cláusula Primeira).

O valor da renda era de € 700,00 mensais, a pagar por cheque ou por transferência bancária sendo que habitualmente era paga por cheque que a R. entregava em mão ao A., (cfr. Doc. 2).

Sucede que desde Dezembro de 2022 até á presente data a R. não procedeu ao pagamento de nenhuma renda.

Pelo que estão em divida á presente data 5 meses de renda a saber:
Janeiro 2023
Fevereiro 2023
Março 2023
Abril de 2023
Maio de 2023.

Ou seja, a quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros).
(…)
11º
O A. por carta registada com aviso de recepção de 22 de Março de 2023 (Doc. 3), comunicou á R. a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas, nos termos e para os efeitos dos artigos 1083.º, n.º 3 e 1084.º, n.º 2, ambos do Código Civil.
(…)
Nestes termos, (…) deve a acção ser julgada procedente por provada, e em consequência:
1. Decretada a resolução do contrato de arrendamento relativo ao r/c do imóvel sito na Rua Dr. (…), n.º 13/15, da União de Freguesias da Cidade de Santarém, concelho de Santarém, inscrito na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo (…), destinada a café, cervejaria e restaurante, bem como, a R. condenada a despejar o locado, deixando-o devoluto de pessoas e bens e ainda nas custas do processo e em procuradoria condigna.
2. Ser ainda a R. condenada solidariamente no pagamento das rendas em divida no montante de € 2.800,00 (dois mil e oitocentos euros), referente a rendas vencidas acrescido das sanções legais previstas no artigo 1041.º do C.C., bem como nas que se vencerem no decurso da presente acção e até á entrega definitiva ao A. da fracção em causa nos presentes autos.
(…)».
4. Àquela petição inicial foi anexada, entre outros documentos, cópia do seguinte:
«Contrato de Arrendamento Urbano para fim não Habitacional, com Prazo Certo entre (…), (…), na qualidade de Senhorio;
E
(…) – Unipessoal, Lda, com sede na Calçada (…), n.º 34 - 1º 1200-174 Lisboa, (…) com o número único de matrícula e de pessoa colectiva (…), aqui representada pelo seu gerente (…), (…) na qualidade de Arrendatária;
CONSIDERANDO QUE:
A. O Senhorio é dono da fracção correspondente ao R/c do imóvel sito na Rua Dr. (…), n.º 13/15, da União de Freguesias da Cidade de Santarém, concelho de Santarém, inscrito na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo (…), destinada a café, cervejaria e restaurante;
B. O Locado encontra-se destinado a café, cervejaria e restaurante e está apto a ser arrendado para o fim pretendido.
É celebrado o presente contrato de arrendamento, o qual se regerá pelas Cláusulas seguintes e pela legislação em vigor:
CLÁUSULA PRIMEIRA
(Fim do Contrato)
1. Pelo presente Contrato, o Senhorio dá e a Arrendatária toma o Locado de arrendamento para fim não habitacional, designadamente para utilização como café, cervejaria e restaurante a Arrendatária não poderá dar uso ou destino diferente ao local arrendado, salvo autorização expressa dada pelo Senhorio.
2. É expressamente proibida a sublocação, cedência ou cessão, seja a que título for, sem autorização expressa do Senhorio.
CLÁUSULA SEGUNDA
(Estado do Locado)
1. O Locado é entregue à Arrendatária no estado de conservação em que se encontra, que esta declara conhecer e aceitar, declarando ainda que o mesmo satisfaz plenamente as suas necessidades.
2. O Locado deverá ser entregue à Arrendatária com o mobiliário e equipamentos necessários à prossecução da actividade da Arrendatária, conforme listagem que se anexa como Anexo I e será rubricado pelas partes, cuja utilização está incluída na renda mensal.
CLÁUSULA TERCEIRA
(Prazo)
O presente contrato de arrendamento é celebrado pelo prazo de 5 (cinco) anos, com início na data de assinatura do presente Contrato.
CLÁUSULA QUARTA
(Renda)
1. A renda mensal inicial é de € 700,00 (setecentos euros), e será actualizada anualmente, no mês de aniversário da produção de efeitos do contrato.
2. A renda é paga até ao dia 10º do mês anterior àquele a que disser respeito, directamente ao senhorio, através de cheque ou por transferência bancária conforme este indicar.
3. No acto da assinatura do presente contrato, o Senhorio recebe da Arrendatária a importância de € 700,00 (setecentos euros) correspondentes à renda do primeiro mês de vigência do contrato, dando o Senhorio integral quitação.
4. A renda será actualizada anualmente, em cada data de aniversário do Contrato, e a partir dessa data, para o montante que resultar da aplicação do coeficiente de actualização anual de rendas para o respectivo ano, apurado pelo Instituto Nacional de Estatística publicado no Diário da República, devendo para o efeito o Senhorio comunicar a pretendida actualização por carta registada com aviso de recepção, com 30 (trinta) dias de antecedência.
5. Caso o referido coeficiente seja publicado com atraso, o Senhorio notificará a Arrendatária do montante da renda actualizada resultante da aplicação do coeficiente nos termos do número anterior, podendo exigir a diferença dos meses que tenham decorrido até à notificação.
6. As alterações ao montante da renda efectuar-se-ão tendo como base, na primeira actualização da renda, a fixada no presente Contrato e nas seguintes a última renda actualizada.
CLÁUSULA QUINTA
(Despesas e Encargos)
A Arrendatária compromete-se a pagar directamente, às respectivas entidades, os encargos relativamente aos quais aquela celebre contrato, nomeadamente os de consumo de energia eléctrica, água, telefone e gás.
CLÁUSULA SEXTA
(Obras e Colocação de Publicidade)
1. A Arrendatária poderá realizar obras, incluindo as exigidas por lei ou requeridas pelo fim do Contrato, que sejam previamente autorizadas por escrito pelo Senhorio.
2. Sempre que autorizadas pelo Senhorio, as obras ficam pertença do Locado sem direito da Arrendatária a retenção ou indemnização, seja a que título for, sem prejuízo do direito de remoção das obras que possam ser retiradas sem prejuízo para o Locado nas condições do mesmo à data da celebração do presente Contrato.
3. As despesas de manutenção do Locado são da responsabilidade do Senhorio, excepto se resultarem de um uso imprudente da Arrendatária.
CLÁUSULA SÉTIMA
(Obrigações das Partes)
1. A Arrendatária obriga-se a:
a) Pagar a renda nos termos do presente Contrato.
b) Fazer um uso prudente de forma a manter o Locado em bom estado de conservação.
c) Não dar ao Locado uso diverso do convencionado, nem fazer dele utilização imprudente.
d) Facultar o acesso ao Locado para execução de obras ou reparações, eventualmente necessárias, bem como para visitas de inspecção a equipamento comum e para manutenção, reparação e/ou substituição total ou parcial desse equipamento, devendo para tal ser notificada com um pré-aviso não inferior a 3 (três) Dias Úteis, salvo em caso de urgência.
2. São obrigações do Senhorio:
a) Entregar à Arrendatária o Locado;
b) Assegurar o gozo do Locado para os Fins a que se destina, nos termos supra convencionados.
CLÁUSULA OITAVA
(Fundamentos da Resolução)
A Senhoria e a Arrendatária podem resolver o Contrato, nos termos da legislação aplicável.
CLÁUSULA NONA
(Restituição do Locado)
No caso de resolução, oposição à renovação do Contrato ou de denúncia, a Arrendatária obriga-se a restituir o Locado e os bens constantes do anexo I a este contrato, ao Senhorio no termo do prazo de vigência do Contrato, no estado em que o recebeu, sem prejuízo das obras licitamente executadas que fiquem pertença do Locado, limpo e em bom estado de conservação salvaguardando o desgaste decorrente da sua normal e prudente utilização.
Feito em Santarém, aos 7 de Abril de 2022 em dois exemplares, ficando um para cada uma das Partes.
(…)».
5. À mesma petição inicial foi também anexada cópia de uma carta remetida pelo aqui exequente/embargado à aqui executada/embargante com o seguinte teor:
«(…)
À
(…) – Unipessoal, Lda. Rua Dr. (…), n.º 13/15, 2005-139 Santarém
Santarém, 21 de Março de 2023
Assunto: Rendas em atraso
Exmo. Senhor,
Na qualidade de proprietário e senhorio do imóvel sito no rés-do-chão da Rua Dr. (…), n.º 13/15, em Santarém e de que essa empresa é inquilina, venho pela presente comunicar-lhe que a partir da presente data considera-se resolvido o contrato por falta de pagamento de rendas desde o passado mês de Dezembro de 2022.
Assim para efeitos dos artigos 1083.º, n.º 3 e 1084.º, nº. 2, ambos do Código Civil, considera-se resolvido o contrato de arrendamento celebrado com a (…) – Unipessoal, Lda. em 07 de Abril de 2022, relativo ao rés-do-chão do imóvel sito na Rua Dr. (…), n.º 13/15, em Santarém, com efeitos imediatos.
Deverá V. Exa. deixar de imediato o locado livre e devoluto de pessoas e no mesmo estado em que se encontrava á data da celebração do contrato, bem como com todo o material constante do anexo I ao mencionado contrato. (…)».
6. Após a entrada da petição inicial em apreço, em 20-04-2023 a secção procedeu oficiosamente a pesquisa na correspondente base de dados para apurar a sede da ali ré, tendo obtido a informação de que se situava na Calçada (…), n.º 34, 1.º, 1200-274 Lisboa.
7. E foi para essa mesma morada que, mediante correio registado com aviso de recepção, remeteu ofício de citação datado de 20-04-2023.
8. O correspondente expediente postal foi devolvido sem entrega com a indicação «Desconhecido».
9. Nessa sequência, mediante correio registado com aviso de recepção dirigido para a mesma morada indicada em 6 supra, a secção remeteu novo ofício de citação, desta feita datado de 09-05-2023 e com o seguinte teor:
«Assunto: Citação Pessoas Coletivas – artigo 246.º do CPC.
Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 246.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª citado(a) para no prazo de 30 (trinta) dias, contestar, querendo, a acção acima identificada com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo(s) autor(es).
Pode no mesmo prazo deduzir em reconvenção o seu direito a indemnização e/ou benfeitorias.
Com a contestação deverá apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova.
A citação considera-se efetuada:
1. No dia de assinatura do aviso de receção;
2. Se a carta tiver sido depositada na sua caixa postal, no dia do depósito;
Ou, se não for possível o depósito na caixa do correio, sendo deixado aviso para levantamento no estabelecimento postal devidamente identificado, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 228.º do CPC, o citando a não for levantar, no 8º dia posterior à data constante do aviso.
Ao prazo indicado acresce uma dilação de:
a) 5 dias, (por o processo correr em comarca diferente daquela onde foi efetuada a notificação);
ou,
b) 30 dias, nos casos previstos no número 2.
O prazo acima indicado é contínuo suspende-se, no entanto, durante as férias judiciais.
Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
Fica advertido de que é obrigatória a constituição de mandatário judicial.
(…)».
10. O correspondente aviso de recepção foi devolvido sem estar assinado, constando do verso a seguinte declaração aposta pelo funcionário dos serviços postais em 12-05-2023, às 13h56: «Na impossibilidade de entrega depositei no Recetáculo Postal Domiciliário da morada indicada a Citação a ela referente».
11. Mediante correio registado dirigido para a mesma morada indicada em 6 supra, a secção remeteu ofício datado de 09-10-2023 com o seguinte teor:
«(…)
Assunto: Contraditoriedade e Prova
Fica V. Exª. notificada, na qualidade de Ré, e relativamente ao processo supra identificado, nos termos e para os fins do disposto no artigo 590.º, n.º 5, do Código Processo Civil.
Anexa-se o requerimento junto aos autos.
(…)».
12. O correspondente expediente postal foi devolvido sem entrega com a indicação «Desconhecido».
13. Em 08-11-2023 foi proferido o seguinte despacho:
«Requerimento junto aos autos em 27.09.2023 – ref.ª citius 10022399:
Vi os esclarecimentos prestados pelo Autor, os quais são a considerar em sede própria.
*
A Ré considera-se regularmente citada – artigo 246.º, n.º 2 e 3, do Código de Processo Civil.
Porém, não contestou devendo, assim, considerarem-se confessados – ficta confessio – os factos [passíveis de confissão] articulados pelo Autor, de acordo com o disposto no artigo 567.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
*
Cumpra-se o disposto no artigo 567.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
(…)».
14. Em 27-11-2023 foi proferida a sentença mencionada em 1 supra, dela emergindo, para além do mais, o que se segue:
«(…)
I – RELATÓRIO
1.1 – (…), contribuinte fiscal n.º (…), residente no Casal (…), (…), em Santarém,
intentou a presente acção declarativa comum,
contra
“(…) – Unipessoal, Lda.”, matriculada na Conservatória de Registo Comercial com o número único de matrícula e de pessoa colectiva (…), com sede na Calçada (…), nº. 34 – 1º, em Lisboa.
(…)
1.2 – Regularmente citada – cfr. ref.ª citius 9698631, de 18.05.2023, a Ré não contestou os termos da acção.
1.3 – Foi proferido despacho a declarar confessados os factos articulados pelo Autor. O Ilustre mandatário do Autor, notificado, veio apresentar as suas alegações, concluindo nos mesmo termos alegados em sede de petição inicial.
(…)
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A- FACTOS PROVADOS:
Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1) Por acordo escrito denominado de “contrato de arrendamento urbano para fim não habitacional, com prazo certo”, datado de 07.04.2020, celebrado entre o Autor, que ali figura na qualidade de Senhorio, e “(…) – Unipessoal, Lda.”, que ali figura qualidade de Arrendatário, o primeiro cedeu ao segundo o rés-do-chão do imóvel sito na Rua Dr. (…), n.º 13/15, da União de Freguesias da Cidade de Santarém, concelho de Santarém, inscrito na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo (…) – cfr. doc. 2 junto com a p.i..
2) A cedência do espaço referido em 1) destinou-se à sua utilização como café, cervejaria e restaurante. – cfr. doc. 2 junto com a p. i..
3) No referido acordo ficou estipulado a duração da cedência daquele espaço, com início naquela data, pelo prazo de 05 (cinco) anos – cfr. Cláusula terceira do doc. 2.
4) Ficou ainda estabelecido que pela cedência do referido espaço, a Ré pagaria ao Autor a quantia mensal de € 700,00 [setecentos euros] mensais até ao 10º dia do mês anterior a que disser respeito – cfr. cláusula quarta do doc. 2.
5) O Autor remeteu à Ré missiva postal registada datada de 21.03.2023, na qual consta “considera-se resolvido o contrato por falta de pagamento de desde o passado mês de Dezembro de 2022” – cfr. doc. 3 junto com a p. i..
6) A Ré não procedeu ao pagamento das rendas referente aos meses de Janeiro a Maio de 2023, no montante de € 3.500,00 [três mil e quinhentos euros].
7) A Ré foi citada para os termos da acção em 12.05.2023.
(…)
C- FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Em face do efeito cominatório previsto no artigo 567.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e não se verificando qualquer das excepções a que alude o artigo 568.º, do mesmo diploma legal, consideram-se confessados pela Ré os factos alegados pelo Autor na petição inicial sobre os quais pode incidir confissão.
Destarte, e valorando também os documentos juntos (doc. 1 a 1), cuja exactidão não foi impugnada, consideram-se provados os factos alegados pelo Autor (artigos 352.º, 358.º, 373.º, 374.º e 376.º do Código Civil).
Tomaram-se assim em consideração dos seguintes documentos juntos aos autos: caderneta predial urbana do prédio sob o artigo (…) e respectiva certidão de registo predial; cópia do contrato de arrendamento urbano; cópia da correspondência remetida pelo Autor à Ré [doc. 3].
A data da citação da Ré foi colhida pela certificação citius.
(…)
V – DECISÃO
1. Em conformidade com as supra referidas disposições legais, julgo a acção procedente e, em consequência, decide-se:
a) Declarar resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre o autor, (…), e a ré, (…) – Unipessoal, Lda.”, referente ao o rés-do-chão do imóvel sito na Rua Dr. (…), n.º 13/15, da União de Freguesias da Cidade de Santarém, concelho de Santarém, inscrito na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo (…), desde 12.05.2023.
2. Consequentemente, decide-se condenar a Ré:
a) A despejar de imediato o locado e a entregá-lo ao Autor livre e devoluto de pessoas e bens;
b) A pagar ao Autor, referente a rendas não pagas desde Janeiro a Maio de 2023, a quantia total de € 3.500,00 [três mil e quinhentos euros];
c) A pagar ao Autor as rendas, ou os proporcionais, que se vencerem desde a data referida em b) até efectiva entrega do locado. (…)».
15. Mediante correio registado dirigido para a mesma morada indicada em 6 supra, a secção remeteu ofício datado de 28-11-2023 com vista a notificar a sentença à ali ré.
16. O correspondente expediente postal foi devolvido sem entrega com a indicação «Desconhecido».
17. Mediante correio registado dirigido para a mesma morada indicada em 6 supra, a secção remeteu ofício datado de 25-01-2024 com vista a notificar a à ali ré o termo de dispensa de elaboração da conta.
18. O correspondente expediente postal foi devolvido sem entrega com a indicação «Desconhecido».
19. No aludido Processo n.º 1265/23.5T8STR foi certificado que a sobredita sentença transitou em julgado em 16-01-2024.
20. À petição inicial com que deu aso aos presentes embargos de executado, a aqui exequente/embargada juntou procuração forense datada de 05-01-2023 na qual indicou como sua sede a Rua Dr. (…), n.º 8, 2005-139 Santarém.
21. Desde a sua constituição que a sede social da aqui executada/embargante corresponde à morada identificada em 6 supra.
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Factos não provados
a) Aquando da instauração do susodito Processo n.º 1265/23.5T8STR a sede da executada encontrava-se em obras impedindo o acesso ao seu interior e ou a qualquer receptáculo postal;
b) O expediente de citação a que se reporta o ofício com a ref.ª 93277658, de 09-05-2023 do precedente Processo 1265/23.5T8STR não foi depositado no receptáculo postal da morada de destino;
c) Com a indicação da morada identificada em 6 supra, o exequente pretendeu que a executada não fosse conhecedora daquele processo judicial, impedindo esta de poder exercer o contraditório;
d) Ao invocar a falta de depósito mencionada em b) a executada/embargante sabia que estava a alegar um facto falso e, por consequência, a deduzir oposição cuja falta de fundamento conhecia, com o único propósito de conseguir um objectivo ilegal, nomeadamente o de protelar a executoriedade da sentença dada à execução e, desse modo, manter-se por mais tempo no imóvel arrendado fazendo uso deste para o seu comércio sem pagar qualquer contrapartida monetária ou outra ao exequente/embargado.
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De Direito
Da falta de citação
Invocou a apelante a falta de citação no âmbito da ação declarativa, na qual foi proferida a sentença dada à execução. Vejamos se logrou demonstrar quanto a este propósito alegou.
A falta de citação, previsão da alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Civil (diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem) constitui nulidade principal, conducente à anulação de todo o processo posterior à petição inicial, salvando-se apenas esta (cfr. artigo 187.º, alínea a)). Sendo de conhecimento oficioso, pode ser invocada a todo o tempo, enquanto não deva considerar-se sanada, conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos 196.º, 198.º, n.º 2 e 200.º, n.º 1, constituindo ainda fundamento de embargos à execução quando o título executivo, conforme é aqui o caso, é constituído por sentença (cfr. a alínea d) do artigo 729.º).
Assente que a executada não interveio no processo declarativo onde foi proferida a sentença exequenda, cumpre averiguar se nele teve lugar a citação e, na afirmativa, se deve ter-se por regularmente efetuada, entendimento que presidiu à prolação da sentença recorrida, ou antes se verifica a arguida falta de citação, assente que está não ter sido recebida pela apelante nenhuma das cartas que com este propósito lhe foram enviadas.
A citação, di-lo a lei, é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (cfr. artigo 219.º do CPCiv.). Momento de inquestionável importância na vida do processo pelos efeitos que lhe estão associados, a lei rodeou a prática do acto de particulares cautelas, em ordem a assegurar-se que chega ao conhecimento do seu destinatário.
Estando em causa uma pessoa colectiva, rege o disposto no artigo 246.º, na redação em vigor ao tempo (sem as alterações introduzidas pelo DL 87/2024, de 7 de Novembro), que manda aplicar ao acto de citação, no que não estiver especialmente regulado, o regime constante da subsecção anterior, aplicável às pessoas singulares (vide n.º 1 do preceito).
Nos termos do n.º 2 “A carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citada inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas”, dispondo o n.º 3 que “Se for recusada a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citada, o distribuidor postal lavra nota antes de a devolver e a citação considera-se efectuada face à certificação da ocorrência”.
Para os restantes casos de devolução rege o n.º 4, que determina a repetição da citação, “enviando-se nova carta registada com aviso de recepção à citada e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º.”
O regime que emerge do citado artigo 246.º, na redação em vigor ao tempo, e tal como a apelante corretamente refere, em citação de jurisprudência variada, denuncia a opção clara do legislador pela realização da citação na sede estatutária, eliminado o anterior regime de alternatividade, que permitia que aquela se fizesse também, e indistintamente, na sede de facto. Face a tal clara opção legislativa, passou a recair sobre as pessoas coletivas, designadamente sobre as sociedades, o ónus de fazer em cada momento coincidir a sede estatutária com a sede de facto, sob pena de se terem como citadas em local com o qual não mantêm já qualquer conexão (neste sentido, cfr. o acórdão do TRL de 7 de Março de 2022, no processo n.º 891/17.6T8OER-A.L1-2[3], com recenseamento de jurisprudência conforme, acessível em www.dgsi.pt). Tal como, de resto, se verificou no caso dos autos.
A citação da pessoa coletiva faz-se, assim, para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do RNPC e, vindo a carta devolvida, é enviada nova carta com A/R, observando-se o n.º 5 do artigo 229.º, ou seja, é deixada a carta, contendo cópia de todos os elementos referidos no artigo 227.º e a advertência de que a citação se considera efetuada na data certificada, certificando o distribuidor a data e local exato em que depositou o expediente.
No caso que nos ocupa, e conforme a apelante parece a dado momento reconhecer (cf. conclusões lxi a lxiii), foi observada a referida tramitação no âmbito da precedente ação declarativa, tendo-se a citação por efetuada no dia 12 de Maio de 2023, data certificada pelo distribuidor como aquela em que depositou o expediente relativo à 2ª carta no “Recetáculo Postal Domiciliário” da morada correspondente à sede da citanda, ora apelante.
Cumpre ainda referir que a apelante se encontrava sujeita ao dever de inscrição no Registo Nacional das Pessoas Coletivas, conforme prevê a alínea a) do artigo 4.º e artigo 6.º do respectivo Regime Jurídico (RJRNPC) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio (e entretanto alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 247-B/2008, de 30 de Dezembro e 2/2005, de 04 de Janeiro), o que de resto não discute, pelo que se encontra excluída da previsão do n.º 4 do artigo 246.º.
Resultando dos autos que foi observada a tramitação prescrita na lei, a citação tem-se como efetuada na data certificada pelo distribuidor postal, por aplicação do n.º 2 do artigo 230.º, ex vi da remissão do n.º 4 do artigo 246.º, tal como foi entendido, operando portanto a presunção de que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.
A aludida presunção, juris tantum, pode ser ilidida mediante a prova pelo destinatário de que não chegou a ter conhecimento do ato por facto que não lhe é imputável, ou seja, há de provar que a sua conduta em nada contribuiu, em termos de causalidade objetiva, para que as cartas enviadas para citação não tenham chegado ao seu destinatário.
Não é, porém, o que se verifica no caso dos autos. Vistos os factos assentes, verifica-se que nada se apurou com relevância para excluir que tenha sido a embargada, ali ré, com a sua conduta descuidada, a dar causa a que as cartas enviadas pelo tribunal não tenham chegado à sua destinatária, ónus que sobre ela recaía (pelo contrário, e ainda que tais factos não tenham sido incluídos no elenco dos factos assentes, por desnecessário, resultou da prova produzida que tal facto é absolutamente imputável à apelante que, tendo feito coincidir a sede estatutária com a residência da filha do gerente, e tendo esta deixado de residir no local em Novembro de 2019, não curou, pelo menos até maio de 2023, quase quatro anos volvidos, de alterar a sede ou sequer de solicitar a reexpedição da correspondência) [4].
Deste modo, ainda que se admita que nenhuma das cartas chegou ao poder da apelante, certo é, porém, que não logrou demonstrar, como se impunha, que o facto não lhe é imputável. Daí que, demonstrada a regularidade da citação efetuada, prevaleça a presunção, que não logrou ilidir, que do expediente enviado tomou conhecimento, com o que improcede o primeiro fundamento recursivo.
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Do abuso de Direito
Alega a recorrente que, ao indicar na petição inicial apresentada na ação declarativa a morada estatutária, o então autor, ora exequente embargado/apelado, actuou em abuso de direito, violando a confiança criada, uma vez que todos os contactos tinham lugar na morada do locado, para onde aliás foi enviada a carta de resolução do contrato, bem sabendo que não seriam recebidas as enviadas para a sede estatutária.
Mas não tem razão.
Nos termos do artigo 334.º do Código Civil, o exercício de um direito é ilegítimo quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico destes. O abuso, sendo um instituto puramente objetivo, não dependente da culpa do agente nem da verificação de qualquer elemento específico subjetivo, surgindo como concretização da boa-fé, apresenta-se afinal como uma “constelação de situações típicas em que o Direito, por exigência do sistema, entende deter uma actuação que, em princípio, se apresentaria como legítima.”[5] “Dizer que, no exercício dos direitos, se deve respeitar a boa-fé, equivale a exprimir a ideia de que, nesse exercício, se devem observar os vectores fundamentais do próprio sistema que atribui os direitos em causa”.[6]
Numa outra formulação, o instituto do abuso do direito, bem como os princípios da boa-fé e da lealdade negocial, são meios de que os tribunais devem lançar mão para obtemperar a situações em que a parte, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos ou do exercício da ação, o faz de uma maneira que – objetivamente – e atenta a especificidade do caso, conduz a um resultado que viola o sentimento de Justiça prevalecente na comunidade que, por isso, repudia tal procedimento, que apenas formalmente respeita o Direito, mas que, em concreto, o atraiçoa.
No caso vertente, e como resulta do que se deixou referido, é a lei que impõe que a citação da pessoa coletiva se faça na sede estatutária. Diversamente, a regra nas comunicações entre senhorio e arrendatário a que estes hajam de proceder nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º do NRAU, é a de que as cartas a este último dirigidas deverão, na falta de indicação escrita em contrário, ser remetidas para o local arrendado. Ora, não cabendo aqui apreciar se a carta contendo a declaração resolutiva deveria ter sido, como foi, declarada eficaz, considerando o disposto na alínea c) do n.º 7 do mesmo preceito legal, a verdade é que a circunstância de anteriores comunicações no contexto contratual terem sido pelo embargante enviadas para a morada do locado não o desobrigava de, uma vez instaurada a ação, indicar como morada da citação a sede da citanda. E a verdade é que nada se apurou no sentido de sequer dever suspeitar que a correspondência para ali enviada não fosse por esta recolhida.
Em suma, a atuação do embargado em nada revela má fé e nada lhe impunha que adoptasse uma conduta alternativa, termos em que se conclui pela improcedência deste segundo fundamento recursivo, com a consequente manutenção da sentença recorrida.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, mantendo a sentença recorrida.
Custas a cargo do apelante, que decaiu (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPCiv.).
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Sumário: (…)
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Évora, 02 de Outubro de 2025
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
José Manuel Tomé de Carvalho

__________________________________________________
[1] Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos:
1.ª Adjunta: Sr.ª Juíza Desembargadora Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite;
2.ª adjunto: Sr. Juiz Desembargador José Manuel Tomé de Carvalho.
[2] Parece evidente o lapso de escrita, tratando-se de Calçada, determinando-se aqui a sua correção conforme permite o artigo 146.º do CPCiv., no seu n.º 1.
[3] Assim sumariado:
I – No âmbito da citação das denominadas pessoas colectivas, conforme remissão operada pelo n.º 1 do artigo 246.º do Código Processo Civil, a primeira opção ou modalidade legal é a citação (pessoal) postal inicial do artigo 228.º, mas condicionada com as especificidades do n.º 2 daquele normativo, devendo a citação operar-se na sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas ;
II – reflecte tal normativo a natureza especial das pessoas colectivas, num juízo em que a criação ou participação numa inculca e comporta ónus e deveres, cuja imputabilidade recai sobre o ente colectivo, o que enforma ou justifica a relevância que o mesmo normativo concede ao registo obrigatório da sede (e eventual mudança desta);
III – a incondicional preferência legal, operada no Novo Código de Processo Civil – redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26/06 –, é a da citação na sede estatutária, contrariamente ao antecedente regime de alternatividade de citação igualmente na sede de facto;
IV – tendo passado a recair sobre as pessoas colectivas (e sobre as sociedades) o ónus de correspondência efectiva entre o local inscrito como sendo o da sua sede e aquele onde esta se situa de facto, o que as obriga a actualizá-lo, em caso de alteração, sob pena de, não o fazendo, a sua citação poder vir a ser operatória em local correspondente a uma antecedente sede;
V – para a verificação do vício de falta de citação, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º do CPC, determinante da verificação de nulidade principal, exige-se que se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável ;
VI – não bastando à invocante a alegação de que não teve conhecimento do acto de citação, sendo ainda mister que alegue, e prove, não só que tal aconteceu, mas ainda que sucedeu por circunstâncias que não lhe são imputáveis.
[4] Tal como se fez notar no acórdão do TC n.º 476/2020, de 1 de Outubro de 2020, (processo n.º 755/2019), que se pronunciou no sentido da não desconformidade à Constituição “da norma extraída dos n.ºs 2 e 4 do artigo 246.º e do n.º 5 do artigo 229.º, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretado no sentido de que é válida a citação efetuada por depósito do respetivo expediente na morada da sociedade comercial citanda, constante do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, apesar de a carta de citação prévia, expedida para a mesma morada, ter sido devolvida com a indicação “Mudou-se””, “(…) a circunstância de a citanda não ter procedido à atualização da sua sede no registo pode não ser considerada fundamento atendível nos termos e para os efeitos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º do CPC. (…)
Em princípio, a não atualização das inscrições que devem ser levadas ao registo só à sociedade pode ser imputada. Simplesmente, em caso de alteração informal da sede da sociedade, o não conhecimento do ato de citação, a ocorrer, não ficará a dever-se, em rigor, à inobservância do ónus de atualização dos elementos constantes do registo, mas antes ao facto de a citanda não ter tomado as providências necessárias, seja através da contratação do serviço de reexpedição de correspondência, seja encarregando um terceiro de proceder à recolha e entrega das cartas e avisos depositados na respetiva caixa postal, de modo a assegurar que a correspondência que, naquelas circunstâncias, continuará a ser remetida para o endereço correspondente à sede registral venha a ser por si efetivamente recebida”.
[5] Na impressiva síntese do Prof. Menezes Cordeiro, “Do abuso do direito: estado das questões e perspectiva”, ROA 2005, ano 65, vol. II, acessível on-line.
[6] Idem.