Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
139/20.6GBABT.E1
Relator: MARIA JOSÉ CORTES
Descritores: BURLA QUALIFICADA
MODO DE VIDA
Data do Acordão: 06/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Faz da burla “modo de vida” quem, com a intenção de conseguir uma fonte contínua de rendimentos, com a repetição, mais ou menos regular, de factos da mesma natureza, dessa atividade se sustenta de forma significativa.
II - Não é necessário que se trate de uma ocupação exclusiva, nem contínua, podendo até ser intermitente ou esporádica, desde que ela contribua significativamente para o sustento do agente.
III - Fazer da burla “modo de vida” não se identifica com a mera “habitualidade”. Se a “habitualidade”, na essência, se reconduz à pluriocasionalidade, o “modo de vida”, pressupondo-a, resulta da circunstância de a prática criminosa se destinar ao sustento do agente (ainda que cobrindo apenas parte desse sustento) e ser reveladora de um “sistema de vida”.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I – RELATÓRIO
1.1. No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Abrantes, foi o arguido R condenado, por sentença proferida em 29 de janeiro de 2024, em autoria material e na forma consumada, em concurso real, pela prática, em 05.05.2020, de um crime burla qualificada, previsto e punido pelos art.ºs 217.º, 218.º, n.ºs 2, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro)de prisão efetiva; pela prática em 20.11.2020, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos art.ºs 217.º, 218.º, n.ºs 2, al. b), do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro)de prisão efetiva; em cumulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão efetiva.
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1.2. Inconformado com esta decisão, da mesma interpôs o arguido o presente recurso, formulando no termo da motivação as seguintes CONCLUSÕES (transcrição):
1º - A Alínea b) do nº2 do Artigo 218º do Código Penal qualifica a prática do crime de Burla se o agente fizer da burla modo de vida.
2º - Actualmente, fazer da burla modo de vida não significa que o agente se entregue habitualmente à burla, mas sim que faça da burla a fonte dos proventos para a sua sustentação.
3º - No caso dos autos, o ora recorrente praticou dois crimes de Burla que lhe renderam € 1.070,00 (mil e setenta euros) no espaço de cerca de 7 (sete) meses, o que significa proventos na ordem dos € 153,00 (cento e cinquenta e três euros) mensais.
4º - Ora, face ao período temporal em que foi obtida a quantia acima referida, bem como, os próprios valores envolvidos, não parece plausível que o ora recorrente conseguisse fazer face ao seu sustento com o valor de € 153,00 (cento e cinquenta e três euros) mensais.
5º - Daí que, não se possa considerar como verificada a qualificativa “modo de vida” do crime de Burla, prevista na citada Alínea b) do nº2 do Artigo 218º do Código Penal.
6º - Devendo o ora recorrente ser condenado pela prática de dois crimes de Burla Simples, previstos e punidos pelo Artigo 217º do Código Penal, numa pena de prisão não superior a 3 (três) anos.
7º - Tal pena de prisão deverá ser suspensa na sua execução com sujeição a regime de prova, nos termos do Artigo 53º do Código Penal, pois que, o espírito educativo e correctivo da suspensão da execução da pena de prisão encontra-se perfeitamente cumprido e observado com a imposição ao ora recorrente desse regime.
8º - Porque consiste na existência de um plano de readaptação social e na submissão do ora recorrente à vigilância e controlo de assistência social especializada, de forma a fomentar e desenvolver o seu sentido de responsabilidade e a sua educação para o Direito, sendo suficiente e adequada às finalidades da punição.
9º - Razão pela qual, mesmo que se entenda ser de manter a aplicação ao ora recorrente da pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão deve a mesma ser suspensa na sua execução com sujeição a regime de prova.
10º - Caso assim se não entenda, sempre se dirá que o espaço temporal que mediou entre a prática dos dois crimes, assim como, as quantias envolvidas em cada um deles, permitiriam a aplicação ao ora recorrente de penas de prisão próximas do seu limite mínimo, ou seja, os 2 (dois) anos por cada um deles.
Pelo que,
11º - Deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene o ora recorrente pela prática de dois crimes de Burla Simples em pena de prisão não superior a 3 (três) anos e que, em qualquer caso, a mesma seja suspensa na sua execução com sujeição a regime de prova.
Caso assim se não entenda que as penas parcelares a aplicar aos dois crimes de Burla sejam fixadas próximas nos seus limites mínimos, ou seja, 2 (dois) anos de prisão por cada um deles.
12º - A douta sentença recorrida violou os Artigos 43º, 50º, 53 (a contrario), 70º e 71º, todos do Código Penal.
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1.3. Notificado da interposição do recurso, o Ministério Público apresentou a respetiva resposta, onde concluiu:
I – A frequência com que o arguido praticou crimes de burla designadamente com 17 condenações anteriores às dos presentes factos entre os anos de 2008 e 2020 (ano da prática dos factos su iudice),
II – Associada ao facto de o arguido não dispor de qualquer fonte de rendimento diferente da prática deste ilícito entre 2014 e 2020, permitem concluir com segurança que o arguido fazia da prática de ilícitos de burla o seu modo de vida.
III – E tal conclusão não é afastada pela eventual insuficiência dos proveitos conhecidos da actividade ilícita para a subsistência do arguido, já que não se fez prova de outros rendimentos, nem das necessidades financeiras do arguido durante o período.
IV – Além de que, sufragando o entendimento do Ac. do TRC, de 16/06/2015, proferido no Proc. n.º 202/10.1PBCVL.C1, “Entende-se como fazendo “da burla modo de vida”, a entrega habitual à burla, que se basta com a pluri-reincidência, devendo ser tomadas em consideração, não só as anteriores condenações do agente constantes do seu registo criminal, mas também as denúncias ou participações policiais existentes, o conteúdo dos ficheiros policiais e todos os outros elementos testemunhais ou documentais”.
V – O presente caso suscita elevadas as necessidades de prevenção especial, manifestadas por um lado, nos antecedentes criminais do arguido, e, por outro, no facto de, em sede de audiência de julgamento, o mesmo não ter demonstrado verdadeira consciência da censurabilidade das suas condutas nem arrependimento demonstrativo da intenção de adequar comportamentos futuros ao Direito.
VI – De facto, o arguido nunca assumiu a natureza criminal das suas condutas, assumindo apenas o incumprimento dos negócios, mas procurando sempre justificar tais incumprimentos por vicissitudes várias de natureza meramente contratual.
VII – Desta forma, impõe-se a conclusão alcançada na douta sentença recorrida nos termos da qual a ameaça da pena de prisão não se revela suficiente para assegurar a ressocialização do agente, sendo exigível o cumprimento efectivo da pena.
VIII – Por último, diga-se que os comportamentos anteriores e posteriores aos factos (cfr. art.º 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal), na medida em que se verificam significativos antecedentes criminais, que não houve reparação às vítimas, o arguido não reconheceu cabalmente a censurabilidade dos factos, nem demonstrou intenção de adequação futura dos seus comportamentos ao direito, sempre imporiam uma pena que se afasta da previsão mínima da moldura pena aplicável ao crime de burla qualificada, pelo que também aqui deverá improceder o recurso interposto.
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1.4. Nesta Relação, o Ex.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da manutenção da decisão recorrida, subscrevendo a argumentação do Exo. Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância, pugnando pela improcedência do recurso.
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1.5. Foi cumprido o estabelecido no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta pelo recorrente.
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1.6. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o art.º 419.º, do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Âmbito do recurso e questões a decidir
Conforme entendimento pacífico, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto do recurso submetido à apreciação do tribunal de recurso, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que seja ainda possível conhecer.
Face às conclusões apresentadas pelo recorrente da respetiva motivação, extraímos, sequencialmente, as seguintes questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso:
1.ª Determinar se os factos provados permitem a sua integração na prática, pelo arguido, de dois crimes de burla simples;
2.ª Determinar se a pena aplicada ao recorrente deve ser suspensa na sua execução com sujeição a regime de prova, nos termos do art.º 53.º, do Código Penal;
3.ª Caso assim não se entenda, determinar se as penas parcelares aplicadas ao recorrente devem fixar-se em dois anos de prisão por cada um dos crimes.
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2.2. A sentença recorrida
Naquilo em que a mesmo releva para o conhecimento do objeto do recurso, é o seguinte o teor do acórdão impugnado:
A. Factos Provados:
1. Em 06-04-2020, o arguido R anunciou na página “Custo Justo”, site destinado à venda on line, pretender vender um motor de veículo automóvel Peugeot Boxer 2.5D, com o ID n.º (…..), indicando como contacto telefónico o n.º (…..).
2. No dia 05-05-2020, o ofendido E viu tal anúncio e contactou com o arguido R, com intenção de adquirir o dito motor.
3. O arguido R e o ofendido estabeleceram contacto, sendo que, após negociações, ficou acordada a venda do dito motor, pelo preço de €790,00 (setecentos e noventa euros), que o ofendido pagou através de transferência bancária para a conta bancária do arguido, aberta no Banco Santander Totta, com o IBAN n.º (…..), e que, após o pagamento, o arguido enviaria o motor ao ofendido através de uma transportadora.
4. No dia 05-05-2020, o ofendido transferiu a quantia de €790,00 (setecentos e noventa euros) para a referida conta bancária, pertencente ao arguido.
5. O que fez, na sequência da conduta supra descrita do arguido, que o convenceu, erroneamente, que se tratava de uma venda real, efetivamente, por si pretendida, e que, recebido o pagamento, procederia ao envio do dito artigo.
6. Sucede que o arguido nunca enviou o motor ao ofendido e nunca foi sua intenção enviá-lo, tendo recebido e não devolvido o dinheiro, o qual fez seu, gastando-o a seu bel-prazer.
Inq. iniciado com o n.º324/20.0PAABT
7. Posteriormente, e em data anterior a 19-11-2020, o arguido R anunciou no Jornal Correio da Manhã, pretender vender um motor próprio para de veículo automóvel de marca Renault Clio, 1900 diesel, indicando como contacto telefónico o n.º (…..).
8. Ora, no dia 19-11-2020 ofendido A viu tal anúncio e contactou telefonicamente com o arguido R, com intenção de adquirir o dito motor.
9. O arguido R e o ofendido estabeleceram contacto, sendo que, após negociações, ficou acordada a venda do dito motor, pelo preço de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), ao qual acrescia o valor de €30,00 (trinta euros) para pagamento das despesas com o envio/transporte.
10. Assim, no dia 20-11-2020, o ofendido pediu à sua filha I, que esta, da conta de que é titular (por estar mais habituada a estas operações bancárias, sendo que o seu progenitor lhe entregaria as respetivas quantias), procedesse à transferência bancária da quantia de €280,00 (duzentos e oitenta euros) para a conta do arguido, aberta no Banco Santander Totta, S.A., com o IBAN n.º (…..), convicto de que, após o pagamento, o arguido enviaria o motor ao ofendido através de uma transportadora.
11. O que fez, na sequência da conduta supra descrita do arguido, que o convenceu, erroneamente, que se tratava de uma venda real, efetivamente, por si pretendida, e que, recebido o pagamento, procederia ao envio do dito artigo.
12. Sucede que o arguido nunca enviou o motor ao ofendido e nunca foi sua intenção enviá-lo, tendo recebido e não devolvido a quantia acima referida, nem a este, nem à sua filha, o qual fez seu, gastando-o a seu bel-prazer.
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13. O arguido, em cumprimento de um plano por si previamente delineado e pensado como forma de obter uma fonte habitual de rendimentos, aquando e com a prática dos factos supra, dedicava-se, com regularidade e de forma reiterada, a praticar factos ilícitos como os acima descritos, obtendo por essa via um rendimento regular, com o qual provinha à sua subsistência e que gastava a seu bel-prazer, contando com o mesmo para esse efeito.
14. Efetivamente, na data dos factos, e desde Janeiro de 2014 e até 19-11-2020 que o arguido não declarou rendimentos auferidos por conta de outrem, nem lhe foram processados subsídios de doença e de desemprego ou consta como pensionista pelo Segurança Social ou CGA, pelo que não lhes são conhecidos rendimentos lícitos.
15. Tanto que o arguido, entre 2008 e até, pelo menos, 19-11-2020, dedicou-se, de forma afincada, a anunciar em jornais de abrangência nacional, como o Jornal de Notícia e Correio da Manhã, bem como em redes sociais e plataformas, on line, destinadas à venda de bens (nomeadamente OLX, Custo Justo e Facebook), pretender vender vários artigos, essencialmente peças de veículos automóveis, levando a que potenciais compradores o contactassem, manifestando interesse em tais negócios, que pressuponham reais.
6. Após, o arguido solicitava o pagamento antecipado do preço, adiantamento e/ou de despesas associadas ao transporte, que os ofendidos efetuavam, convictos erradamente de que tais bens existiam e que o arguido pretendia os vender e lhes entregar tais bens.
17. O que não vinha a acontecer, já que o arguido nem lhes entregava os bens, nem lhes devolvia o preço e valores entregues, enriquecendo-se com os valores correspondentes, que eram utilizados pelo mesmo para, regularmente e de forma constante, fazer face às suas despesas regulares e aumentar o seu património.
18. O arguido atuou nesses moldes, de forma habitual e regular, como forma de subsistência do mesmo e/ou manutenção da sua qualidade de vida, tendo sido já condenado, por decisões transitadas em julgado, pela prática de factos da mesma natureza, nos seguintes processos:
19. O arguido foi condenado pelas autoridades judiciárias espanholas, por, em Março de 2008, em Pontevedra no Reino de Espanha, o arguido ter contactado, pela Internet, com J, propondo-se vender uma caixa de velocidades para um veículo automóvel de marca Hunday.
20. O arguido solicitou o pagamento antecipado de €800,00, que J fez, no dia 28-03-2008, sem que lhe tenha entregue a caixa de velocidade ou devolvido o valor correspondente.
21. Nesse processo que correu termos em Espanha, o arguido foi condenado na pena de 6 meses de prisão efetiva, cuja sentença condenatória proferida pelas autoridades espanholas foi revista e confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, n.º 124/16.2YRGMR, transitado em julgado em 16-08-2016.
22. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 649/14.4PIPRT, por sentença transitada em julgado em 08-07-2016, pela prática, em 04-04-2014, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no Jornal de Notícias, da venda de um radiador de ar condicionado, peça de para-choques e de caixa de filtro de ar), na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €600,00.
23. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 195/16.1GAPRD, por sentença transitada em julgado em 07-01-2019, pela prática, em 05-03-2016, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no Jornal de Notícia de venda de peças de automóveis usadas), na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, mediante a condição do arguido pagar ao ofendido a quantia de €150,00, no prazo de 6 meses.
24. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 142/18.6GAAVS, por sentença transitada em julgado em 30-09-2021, pela prática, em 29-05-2018, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no jornal “Correio da Manhã” de venda de peças usadas), na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e sujeita a regras de conduta.
25. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 460/18.3GBCNT, por sentença transitada em julgado em 03-04-2019, pela prática, em 03-10-2018, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e subordinada ao pagamento de €550,00 ao ofendido.
26. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 64/19.3GEGDM, por sentença transitada em julgado em 02-02-2022, pela prática, em 06-03-2019, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no Jornal de Notícias de venda de motor), na pena de 6 meses de prisão, suspensa pelo período de um ano.
27. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 111/19.9PBCLV, por sentença transitada em julgado em 12-11-2021, pela prática, em 07-03-2019, de um crime de burla qualificada, p.p. pelo artigo 217.º e 218.º, n.º2, alínea b) do Código Penal (anúncio nos classificados do jornal “Correio da Manhã”, para venda de peças de veículos), na pena de 3 anos e 3 meses de prisão efetiva.
28. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 979/19.9POLSB, por sentença transitada em julgado em 29-04-2022, pela prática, em 26-06-2019, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no jornal “Correio da Manhã”, da venda de peças de veículos usadas), na pena de 7 (sete) meses de prisão efetiva.
29. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 2016/19.4GBABF, por sentença transitada em julgado em 16-05-2022, pela prática, em 29-08-2019, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no site “Custo Justo, de um motor), na pena de 18 meses de prisão efetiva.
30. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 1410/19.5PFLRS, por sentença transitada em julgado em 09-06-2022, pela prática, em 11-09-2019, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no Correio da Manhã de peças de automóveis usadas), na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e subordinada ao pagamento de €400,00 à casa do Gaiato.
31. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 18/20.7GBETZ por sentença transitada em julgado em 21-03-2022, pela prática, em 23-01-2020, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no Correio da Manhã de peças de automóveis usadas), na pena de 1 ano e dois meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, subordinada a regime de prova e regras de conduta.
32. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 240/20.6PBSTR, por sentença transitada em julgado em 13-05-2022, pela prática, em 27-02-2020, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio na rede social Facebook- Market Place, de venda de motor), na pena de 1 ano e dois meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova e ao pagamento ao ofendido do valor de €550,00, no prazo de 60 dias.
33. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 282/20.1PBSCR, por sentença transitada em julgado em 03-05-2022, pela prática, em 26-05-2020, de dois crimes de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio na rede social Facebook, de venda de motor), na pena única de dois anos e três meses de prisão.
34. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 607/20.0GAPFR, por sentença transitada em julgado em 31-05-2022, pela prática, em 06-10-2020, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no Facebook, de venda de “colaça”), na pena de 10 meses de prisão efetiva.
35. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 526/20.0GBCCH, por sentença transitada em julgado em 19-04-2022, pela prática, em 10-11-2020, em 19-12-2020 e 22-12-2020, de um crime de burla qualificada, p.p. pelo artigo 217.º e 218.º, n.º2, alínea b) do Código Penal (anúncios no OLX e Custo Justo para venda de motores e peças de veículos), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
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36. O arguido, nas duas ocasiões acima descritas, agiu na prossecução de um plano ardiloso e previamente gizado por si, criando a aparência de uma venda real, tendo dessa forma levado os ofendidos a disporem das quantias referidas, no pressuposto, errado, de que o negócio e o produto anunciados existiam.
37. Nunca foi intenção do arguido entregar os bens cuja venda anunciou, como este bem sabia.
38. Como sabia que ao anunciar as ditas vendas num site e Jornal normalmente destinado a esse efeito (compras e vendas on line), seguida dos contactos e correspondência trocada, criava a aparência de se tratar de uma venda real (que não correspondia à verdade), e que, dessa forma, levaria a que terceiros, como os ofendidos, acreditassem tratar-se de uma venda real, em que, após o pagamento do respetivo preço, receberiam o bem comprado.
39. Consciente do supra, o arguido, nas duas ocasiões, quis atuar e atuou sempre com o intuito concretizado de receber as quantias pagas pelos ofendidos, sem qualquer contrapartida da sua parte, bem sabendo que tais quantias não lhe pertenciam, nem a estas tinha qualquer direito, nessa medida se locupletando das mesmas em prejuízo dos dois ofendidos. Locupletamento esse, e correspondente prejuízo de terceiros, que quis e conseguiu, nessas duas vezes.
40. O arguido, nas duas ocasiões, quis agir e agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Das condições económicas, sociais e familiares
41. O arguido emigrou para Espanha onde viveu vários anos, alguns dos quais em união de facto com uma companheira, a qual diz ser mãe dos seus dois filhos, ambos já de maioridade.
42. Em 2013, voltou a residir em Portugal, movimentando-se habitualmente entre as regiões de Valença, Vila Nova de Cerveira e Caminha, sendo neste último concelho que fixou residência com uma nova companheira, H, que conheceu nesse mesmo ano.
43. O arguido tem o 6º ano de escolaridade.
4. No início da vida adulta, o arguido obteve formação profissional na área da mecânica de automóveis, à qual se foi dedicando como segunda atividade, em simultâneo com outras profissões que exerceu, nomeadamente de feirante, cortador de carnes num supermercado e motorista de ligeiros.
45. À data dos factos a que se reportam os presentes autos, R vivia com a ex-companheira, G, filha, genro e neta daquela, tendo a mãe do arguido, devido a problemas de saúde, integrado, também, este agregado.
46. Após cerca de sete anos de vida em comum, vivenciando uma dinâmica intrafamiliar, inicialmente descrita pelo arguido como afetivamente gratificante e harmoniosa, o casal separou-se em outubro de 2020, face à tensão gerada pelo acumular dos processos com que o arguido foi confrontado nestes últimos anos e nos quais a companheira passou a estar envolvida.
47. Após a rutura da relação o arguido alterou a sua residência para Vila Praia de Ancora, tendo a mãe, octogenária, viúva, reformada, na sua companhia.
48. Entretanto, no início de 2021, passou a viver entre Aldreu-Barcelos, onde arrendou uma moradia em Estela-Póvoa de Varzim, por ter assumido vivência em comum com L, onde a mesma residia.
49. O arguido foi preso em 18.02.2022 no Estabelecimento Prisional de Vale de Sousa, à ordem do processo nº 111/19.9PBCVL.
50. Relativamente à prática criminal pela qual o arguido se encontra condenado ainda que reconheça a ilicitude da mesma, adota um discurso de desculpabilização associando, a mesma, a razões de insuficiência económica.
51. Em contexto prisional tem vindo a demonstrar um comportamento adaptado, pese embora o registo de duas repreensões, datadas de dezembro de 2022 e maio de 2023, as quais, segundo o arguido foram arquivadas pela lei do perdão.
52. Enquanto recluso no EP de Viana do Castelo, esteve integrado na "brigada do calçado" e manufatura de redes de pesca.
53. Beneficiou do apoio através de visitas regulares por parte da então companheira L, tendo o relacionamento entre ambos terminado, em agosto de 2023, alegadamente, segundo a ex-companheira, por se sentir intimidada face à pressão para regime de visitas íntimas, sucessivas discussões e na sequência dos vários contactos do arguido com o sistema de justiça penal.
54. Mantém no atual EP de Paços de Ferreira uma conduta sem registos disciplinares, não tendo ainda obtido uma atividade laboral.
5. O agregado familiar detinha uma imagem social positiva, tendo a detenção do arguido sido do conhecimento da comunidade e causado impacto no meio comunitário.
56. De referir que o arguido não dispõe de referências familiares atento o suprarreferido e a progenitora ter falecido em fevereiro de 2023, salientando, contudo, o apoio de um amigo, com 74 anos, residente em Santa Marta de Portuzelo – Viana do Castelo de quem, presentemente, não recebe visitas dada a distância entre o EP e local de residência do mesmo.
Dos antecedentes criminais
57. Os referidos em 19 a 35.
58. Por sentença de 15.11.2006, por Tribunal Espanhol, o arguido foi condenado pela prática de um crime de apropriação indevida, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução.
59. Por sentença de 05.07.2007, por Tribunal Espanhol, o arguido foi condenado pela prática de incumprimento de obrigação de alimentos, na pena de 6 meses de multa.
60. Por sentença de 25.10.2007 e transitada em 19.11.2007, o arguido foi condenado por factos reportados a 30.10.1992, pela prática de um crime de cheque sem provisão, na pena de 150 dias de multa, a qual foi declarada extinta por prescrição.
61. Por sentença de 03.06.2008, proferida por Tribunal Espanhol, o arguido foi condenado pela prática de um crime contra a segurança rodoviária (condução por excesso de velocidade) em pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
62. Por sentença de 28.04.2008 e transitada em 27.10.2008, o arguido foi condenado, por factos reportados a 19.12.2004, pela prática de um crime de burla, na pena de 120 dias à taxa diária de 4,00 euros, a qual foi convertida em pena de 80 dias de prisão subsidiária, a qual foi declarada extinta por prescrição.
63. Por sentença de 21.07.2008 e transitada em 27.09.2008, o arguido foi condenado, por factos reportados a 09.1996, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, a qual foi declarada extinta por prescrição.
64. Por sentença de 11.06.2009 e transitada em 16.11.2009, proferida por Tribunal Espanhol, o arguido foi condenado pela prática de um crime de Burla, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão e com a condição de reparar o prejuízo causado.
65. Por sentença de 30.10.2012 e transitada em 17.12.2012, o arguido foi condenado, por factos reportados a 28.12.1995, pela prática de um crime de cheque sem provisão na pena de 300 dias de multa à taxa diária de 5,00, a qual foi declarada extinta por cumprimento.
66. Por sentença de 05.12.2022 e transitada em 12.06.2023, o arguido foi condenado, por factos reportados 09.10.2019, pela prática de um crime de burla simples na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
67. Por sentença de 17.11.2022 e transitada e 02.12.2022, o arguido foi condenado, por factos reportados a 22.03.2021, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros.
68. Por sentença de 16.10.2023 e transitada em 15.11.2023, o arguido foi condenado, por factos reportados a 18.08.2021, pela prática de um crime de burla qualificada, na pena de 3 anos de prisão.
B. Factos Não Provados
Não foram apurados quaisquer factos com interesse para a boa decisão da causa.
(…)”.
**
2.3. Apreciação do recurso
1.ª Questão
Determinar se os factos provados permitem a sua integração na prática, pelo arguido, de dois crimes de burla simples
O recorrente não impugna a matéria de facto dada como provada. Mas entende que não se mostra preenchida a qualificativa do “modo de vida”, pretendendo, assim, que este tribunal superior o condene pelo crime de burla simples.
Alega que, atualmente, fazer da burla modo de vida não significa que o agente se entregue habitualmente à burla, mas sim que faça da burla a fonte dos proventos para a sua sustentação. E no caso dos autos, praticou dois crimes de burla que lhe renderam € 1 070,00 (mil e setenta euros) no espaço de cerca de 7 (sete) meses, o que significa proventos na ordem dos € 153,00 (cento e cinquenta e três euros) mensais.
Assim, conclui que, face ao período temporal em que foi obtida a quantia acima referida, bem como, os próprios valores envolvidos, não parece plausível que conseguisse fazer face ao seu sustento com o valor de € 153,00 (cento e cinquenta e três euros) mensais.
Não discutindo o recorrente a correção da subsunção da conduta ao crime de burla (simples), importa então apreciar, apenas, se se mostra verificada a qualificativa em destaque – fazer da burla modo de vida – impondo a sua caraterização, chamando à colação a forma como a doutrina e jurisprudência têm adensado e concretizado este conceito.
Estipula o art.º 217.º, n.º 1, do Código Penal que “quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.
Por sua vez, de acordo com o art.º 218.º, n.º 2, alínea b), do mesmo diploma legal, a pena é a de prisão de dois a oito anos se o agente fizer da burla modo de vida.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque [Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, p. 804, nota 23] «o modo de vida é a actividade com que o agente se sustenta. Não é necessário que se trate de uma ocupação exclusiva, nem contínua, podendo até ser intermitente ou esporádica, desde que ela contribua significativamente para o sustento do agente. Não se identifica, pois, com a mera habitualidade».
Miguel Garcia e J. M. Castela Rio [Código Penal, Parte Geral e Especial, Notas e Comentários, Coimbra, Almedina 2014, p. 927] referem que «Faz da burla modo de vida quem com a intenção de conseguir uma fonte contínua de rendimentos com a repetição mais ou menos regular de factos dessa natureza. Embora a lei não contenha elementos para avaliar o tempo necessário à definição do que seja o modo de vida, a agravação não se coaduna com a simples ocasionalidade, podendo até haver repetição. O rendimento do crime não tem que ser a única fonte nem a maior fatia dos proventos do burlão que, com sorte, pode até viver do produto de uma só burla durante uma larga temporada sem que isso constitua caso de agravação. Note-se que este modo de vida criminoso acarreta o perigo de especialização e do domínio de certas “artes” e inculca a ideia de vadiagem e de marginalidade, aproximando-se duma característica pessoal de pendor subjectivo. Está mais perto da noção de “profissionalidade” do que da “habitualidade” ou de simples “dedicação”.»
Maia Gonçalves, [Código Penal Português, anotado e comentado, p. 734], afirma que «a qualificativa da alínea h) do nº 1 do artigo 204º corresponde à da alínea e) do nº 2 do artigo 297º da versão originária do Código. O texto desta alínea e) era, no entanto, mais abrangente: habitualmente ou fazendo da sua prática, total ou parcialmente, modo de vida».
Na jurisprudência, para a caraterização do conceito, podem ler-se os acórdãos do TRC, de 27.01.2021, proc. n.º 111/19.9PBCVL.C1, e de 07.11.2018, proc. n.º 1239/10.6PBCBR.C1, acessíveis em www.dgsi.pt e acórdão do STJ, de 13.01.2022, proc. n.º 90/17.7GBFND.C2.S1, acedido em www.jurisprudencia.pt.
A circunstância modificativa agravante de o agente fazer da burla modo de vida é possível identificar enquanto propensão para o crime radicada na personalidade do delinquente. Se a habitualidade, na essência, se reconduz à reiteração da pluri-reincidência, o modo de vida, pressupondo-a, resulta da circunstância de a prática criminosa ser, ainda que não totalmente, destinada ao sustento do criminoso e reveladora de um sistema de vida.
Revertendo ao caso concreto, salientam-se os seguintes factos provados:
13. O arguido, em cumprimento de um plano por si previamente delineado e pensado como forma de obter uma fonte habitual de rendimentos, aquando e com a prática dos factos supra, dedicava-se, com regularidade e de forma reiterada, a praticar factos ilícitos como os acima descritos, obtendo por essa via um rendimento regular, com o qual provinha à sua subsistência e que gastava a seu bel-prazer, contando com o mesmo para esse efeito.
14. Efetivamente, na data dos factos, e desde Janeiro de 2014 e até 19-11-2020 que o arguido não declarou rendimentos auferidos por conta de outrem, nem lhe foram processados subsídios de doença e de desemprego ou consta como pensionista pelo Segurança Social ou CGA, pelo que não lhes são conhecidos rendimentos lícitos.
(…)
19. O arguido foi condenado pelas autoridades judiciárias espanholas, por, em Março de 2008, em Pontevedra no Reino de Espanha, o arguido ter contactado, pela Internet, com J, propondo-se vender uma caixa de velocidades para um veículo automóvel de marca Hunday.
20. O arguido solicitou o pagamento antecipado de €800,00, que J fez, no dia 28-03-2008, sem que lhe tenha entregue a caixa de velocidade ou devolvido o valor correspondente.
21. Nesse processo que correu termos em Espanha, o arguido foi condenado na pena de 6 meses de prisão efetiva, cuja sentença condenatória proferida pelas autoridades espanholas foi revista e confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, n.º 124/16.2YRGMR, transitado em julgado em 16-08-2016.
22. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 649/14.4PIPRT, por sentença transitada em julgado em 08-07-2016, pela prática, em 04-04-2014, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no Jornal de Notícias, da venda de um radiador de ar condicionado, peça de para-choques e de caixa de filtro de ar), na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €600,00.
23. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 195/16.1GAPRD, por sentença transitada em julgado em 07-01-2019, pela prática, em 05-03-2016, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no Jornal de Notícia de venda de peças de automóveis usadas), na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, mediante a condição do arguido pagar ao ofendido a quantia de €150,00, no prazo de 6 meses.
24. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 142/18.6GAAVS, por sentença transitada em julgado em 30-09-2021, pela prática, em 29-05-2018, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no jornal “Correio da Manhã” de venda de peças usadas), na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e sujeita a regras de conduta.
25. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 460/18.3GBCNT, por sentença transitada em julgado em 03-04-2019, pela prática, em 03-10-2018, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e subordinada ao pagamento de €550,00 ao ofendido.
26. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 64/19.3GEGDM, por sentença transitada em julgado em 02-02-2022, pela prática, em 06-03-2019, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no Jornal de Notícias de venda de motor), na pena de 6 meses de prisão, suspensa pelo período de um ano.
27. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 111/19.9PBCLV, por sentença transitada em julgado em 12-11-2021, pela prática, em 07-03-2019, de um crime de burla qualificada, p.p. pelo artigo 217.º e 218.º, n.º2, alínea b) do Código Penal (anúncio nos classificados do jornal “Correio da Manhã”, para venda de peças de veículos), na pena de 3 anos e 3 meses de prisão efetiva.
28. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 979/19.9POLSB, por sentença transitada em julgado em 29-04-2022, pela prática, em 26-06-2019, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no jornal “Correio da Manhã”, da venda de peças de veículos usadas), na pena de 7 (sete) meses de prisão efetiva.
29. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 2016/19.4GBABF, por sentença transitada em julgado em 16-05-2022, pela prática, em 29-08-2019, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no site “Custo Justo, de um motor), na pena de 18 meses de prisão efetiva.
30. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 1410/19.5PFLRS, por sentença transitada em julgado em 09-06-2022, pela prática, em 11-09-2019, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no Correio da Manhã de peças de automóveis usadas), na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e subordinada ao pagamento de €400,00 à casa do Gaiato.
31. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 18/20.7GBETZ por sentença transitada em julgado em 21-03-2022, pela prática, em 23-01-2020, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no Correio da Manhã de peças de automóveis usadas), na pena de 1 ano e dois meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, subordinada a regime de prova e regras de conduta.
32. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 240/20.6PBSTR, por sentença transitada em julgado em 13-05-2022, pela prática, em 27-02-2020, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio na rede social Facebook- Market Place, de venda de motor), na pena de 1 ano e dois meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova e ao pagamento ao ofendido do valor de €550,00, no prazo de 60 dias.
33. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 282/20.1PBSCR, por sentença transitada em julgado em 03-05-2022, pela prática, em 26-05-2020, de dois crimes de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio na rede social Facebook, de venda de motor), na pena única de dois anos e três meses de prisão.
34. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 607/20.0GAPFR, por sentença transitada em julgado em 31-05-2022, pela prática, em 06-10-2020, de um crime de burla simples, p.p. pelo artigo 217.º do Código Penal (anúncio no Facebook, de venda de “colaça”), na pena de 10 meses de prisão efetiva.
35. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 526/20.0GBCCH, por sentença transitada em julgado em 19-04-2022, pela prática, em 10-11-2020, em 19-12-2020 e 22-12-2020, de um crime de burla qualificada, p.p. pelo artigo 217.º e 218.º, n.º2, alínea b) do Código Penal (anúncios no OLX e Custo Justo para venda de motores e peças de veículos), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
Vejamos, então, se se verificam os pressupostos da qualificativa da alínea b), do n.º 2, do art.º 218.º, do Código Penal, tal como acima de expôs.
É inegável, face ao registo criminal do arguido, que existe uma prática reiterada de ações do tipo descrito e que, pelo menos até 2020, o arguido mantinha disponibilidade para continuar a perpetrar atos da mesma natureza.
De facto, resultou provado que o arguido, em cumprimento de um plano por si previamente delineado e pensado como forma de obter uma fonte habitual de rendimentos, dedicou-se, com regularidade e de forma reiterada, a praticar factos ilícitos como os acima descritos, obtendo por essa via um rendimento regular, com o qual provinha à sua subsistência e que gastava a seu bel-prazer, contando com o mesmo para esse efeito.
Ademais, desde janeiro de 2014 e até 19 de novembro de 2020 que o arguido não declarou rendimentos auferidos por conta de outrem, nem lhe foram processados subsídios de doença e de desemprego ou consta como pensionista pelo Segurança Social ou CGA, pelo que não lhes são conhecidos rendimentos lícitos.
Assim, face à globalidade dos factos, da conduta do arguido e do seu passado criminal, resulta que mantinha a disponibilidade para continuar a sustentar tais despesas com a prática de factos como os descritos na acusação, fazendo desta conduta uma prática com “estabilidade que se traduz em benefício pessoal”.
Deste modo, estão verificados os elementos de que depende a qualificativa enunciada.
Em face do exposto, estão reunidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de burla qualificada imputados ao recorrente.
Improcede, nesta parte, o recurso.
*
2.ª Questão
Determinar se as penas parcelares aplicadas ao recorrente devem fixar-se em dois anos de prisão por cada um dos crimes
O recorrente pugna que as penas parcelares que lhe foram aplicadas são elevadas na medida em que o espaço temporal que mediou entre a prática dos dois crimes, assim como, as quantias envolvidas em cada um deles, permitiriam a aplicação de penas de prisão próximas do seu limite mínimo, ou seja, os 2 (dois) anos por cada um deles.
Uma nota prévia à apreciação deste segmento do recurso.
A fim de delimitar os poderes e modo de intervenção deste Tribunal, cumpre desde já referir que a sindicância do decidido não se efetivará como se inexistisse decisão recorrida ou como se este Tribunal da Relação se predispusesse a aplicar a pena contestada pela primeira vez. Ademais, note-se que “(…) o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados” [acórdão do TRC, de 18.03.2015, proc. n.º 109/14.3GATBU.C1, consultável em www.dgsi.pt, sublinhado nosso].
Como se pode ler no acórdão do TRG, de 05.03.2018 [proc. n.º 827/17.4GAEPS.G1, in www.blook.pt], em alinhamento com a doutrina e jurisprudência aí citada, “(…) quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena em sede de recurso - entendemos ser de seguir o entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de que é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada”.
Efetivamente e tendo existido, a montante, um julgamento – com contraditório pleno, oralidade e imediação – e uma atividade jurisdicional de fixação concreta da pena no culminar daquela audiência, na dependência do tribunal recorrido, não estará a realização de nova e originária determinação da pena mas, tão só, no que o caso convoca, a sindicância do quantum da pena, seguindo e tendo por referencial os critérios de determinação utilizados pelo tribunal a quo e respetiva motivação, escrutinando a eventual existência de falhas ou omissões, exercendo a sua função corretiva se o resultado da operação se revelar ilegal ou manifestamente desproporcionado.
Do exposto resulta que a intervenção em segunda instância deverá ser sempre pautada pelo princípio da mínima intervenção, intercedendo se e quando o processo determinativo se revelar insuficiente ou desajustado à luz dos critérios legais de determinação da pena, tendo por matriz os factos assentes.
Como resulta do estatuído no art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Pela sua clareza, retenha-se o constante do acórdão do STJ, 23.09.2010 [proc. n.º 1687/04.0GDLLE.E1.S1, em www.dgsi.pt]:
“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto ótimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efetiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, Temas Básicos…, p. 117, 121): Tal desiderato sobre as penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo, contudo, o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Neste conspecto e atentas aquelas finalidades, o art.º 71.º, do Código Penal, estabelece os critérios da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação desta, dentro dos limites definidos na moldura legal, efetua-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, valorando o Tribunal todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra o agente, tendo sempre por limite a culpa que, axiologicamente estranha a finalidades retributivas, estabelece o limite superior da pena que ainda seja concordante com as exigências de preservação da dignidade da pessoa humana.
O tribunal recorrido teve em conta as seguintes circunstâncias para fixar a pena de três anos de prisão, por cada crime, aplicada ao arguido:
No caso concreto, importa assegurar a interiorização pelo arguido da necessidade de se pautar por um modo de vida honesta e afastado de condutas criminosas no que diz respeito a este tipo de artimanhas no desiderato de obter proveito económico, sendo certo que tais exigências de prevenção especial já são elevadas, uma vez que o arguido tem vastos antecedentes criminais (por crimes de igual, semelhante e de diferente natureza, os quais revelam uma indiferença pela prática de condutas em conformidade com a lei).
Fazendo apelo às sentenças condenatórias juntas aos autos e ao CRC, estes revelam que o arguido atua com um sentimento de impunidade prática, que tudo pode fazer e nada lhe acontece, pois em face das primeiras condenações que teve, as respetivas penas foram declaradas prescritas (factos 60, 62 e 63), ou seja, o arguido acreditava que mesmo que fosse condenado, nunca cumpriria as penas, pelo que o crime compensaria. E por isso continuou a atuar de forma ilícita e reiterada.
Na verdade, o arguido só se absteve da continuação da atividade criminosa, porque foi privado da liberdade em 18.02.2022 (facto 49), porquanto as sucessivas condenações a que foi sujeito reportam-se a factos praticados entre 2014 a 2021. Ou seja, o arguido revela uma personalidade totalmente desfasada dos ditames do direito, desconsiderando o seu semelhante.
Acresce que o arguido não assumiu a factualidade pela qual vinha acusado, quando a prova documental reunida em fase de inquérito era contundente, o que revela uma ausência de capacidade de autocritica.
A atuação do arguido, visando alcançar ganho dinheiro fácil, representa um verdadeiro flagelo social.
A complexidade e a mutabilidade com que tal fenómeno se apresenta, nos dias de hoje, assume consequências desestruturantes do tecido social e eventuais implicações fragilizadoras ao nível dos sistemas sociais e corrompe e fragiliza a economia e a fé nos negócios.
Relativamente ao arguido, o grau de violação dos bens jurídicos protegidos pelas normas violadas, bem como as consequências resultantes da sua conduta, já assume alguma relevância pois os ofendidos que, mercê da atuação do arguido, ficaram lesados em 790,00 e 280,00 euros, respetivamente, quantias que não foram recuperadas.
O benefício que a arguido obteve com a sua conduta também não pode deixar de ser atendido, pois não está em causa quantias desprezíveis.
Ainda, a circunstância de os factos haverem sido praticados pelo arguido, que aniquilou, conforme flui da factualidade apurada, a capacidade de discernimento dos ofendidos, na medida em que se apresentou como vendedor de motores de veículos, levando os ofendidos a acreditarem que seria verdade tal circunstância.
O grau de ilicitude dos factos não é despiciendo, atendendo, por um lado, ao artifício utilizado pelo arguido, numa dinâmica publicitária, para levar os ofendidos a proceder à transferência das quantias dadas como provadas e, assim, reduzir a sua capacidade de auto preservação.
O arguido agiu com dolo direto, sendo a culpa relevante.
Por outro lado, os seus vastos antecedentes criminais por condutas semelhantes que, antes de ver ser-lhe aplicadas penas privativas da liberdade, foi condenado em penas não privativas da liberdade, cujo cumprimento não a levou a infletir no percurso de vida e a conformar a sua conduta com o Direito e a respeitar o património dos seus semelhantes.
Aliás, a segunda condenação do arguido em crime de Burla por um Tribunal Espanhol foi em 6 meses de prisão, cujo cumprimento não foi suficiente advertência para o arguido que se deveria de abster da prática de burlas. Após esta condenação, a sucessiva aplicação de penas não privativas da liberdade por parte dos Tribunais Portugueses não tiveram qualquer sucesso, pois arguido continuou, de forma pérfida, a manter a sua conduta, revelando uma personalidade completamente avessa aos ditames do direito mostrando um total desrespeito pelo sistema judicial, agindo com um sentimento de impunidade, não só traduzido pela sua utilização para os seus esquemas e prejudicar terceiros, como não colabora com a realização de justiça, pois continua a apresentar justificações para se eximir da sua responsabilidade criminal.
A culpa do arguido aponta para um ponto elevado dentro da moldura penal respetiva, dadas as circunstâncias da sua atuação e que agiu com dolo direto.
(…)
O arguido não colaborou com a justiça, quando a prova documental reunida em fase de inquérito era contundente quanto à prática dos factos, o que demonstra ausência de capacidade de autocritica, não tendo a virtualidade, desde que se viu privado da liberdade, de interiorizar o mal da sua conduta, o quanto prejudicou terceiros.
O arguido demonstra fraca capacidade empática para com as vítimas e justifica a prática criminal com motivação económica (facto 50), o que revela que não reconhece a sua personalidade egocêntrica, não olhando a meios para atingir os fins.
Não podemos olvidar que, para além das sucessivas condenações pela prática de crimes de burla, o arguido ainda apresenta condenações pela prática de crimes de furto e de cheque sem provisão, o que, como se referiu supra, revela uma personalidade desfasada dos ditames do direito.
Nunca devolveu as quantias recebidas aos ofendidos, nem aproveitou a presença destes na audiência de julgamento para lhes apresentar um pedido de desculpas, o que revela a ausência de arrependimento pelas condutas praticadas contra estes ofendidos.
O arguido apresenta falta de interiorização da ilicitude dos atos praticados e da necessidade de inverter a sua trajetória criminal, bem como da confirmação da normatividade/convencionalidade do seu quotidiano.
Não obstante dos factos praticados terem ocorrido no ano de 2020 (há cerca de 3 anos), a verdade é que continuou a praticar crimes de burla no ano de 2021, sem olvidar que a ausência da prática de crimes desde 2022 só sucede porque foi privado da sua liberdade, em sede de aplicação de uma pena privativa da liberdade, parando a sua atividade criminosa, porque em estabelecimentos prisionais não tem acesso a plataformas eletrónicas de vendas on line nem a uso de telemóvel (ambos meios necessários para a sua atividade criminosa). Ou seja, a cessação da sua atividade criminosa só decorreu por motivos alheios à sua vontade e não por mote próprio.
Nada milita a seu favor, pois não tem família, as companheiras acabaram por o abandonar derivado à ilicitude das suas condutas, não tem qualquer profissão, ou seja, não se vislumbra que, quando restituído à liberdade tenha um projeto de vida fora dos ilícitos criminais com apoio familiar.”
Nada mais cristalino.
Subscrevemos e mantemos as penas parcelares aplicadas.
E sendo assim, a pena abstratamente aplicável situa-se num mínimo de 2 anos e num máximo de 8 anos, conforme disposto no art.º 218.º, n.º 2, do Código Penal.
Considerando que o arguido foi acusado ao abrigo do disposto no art.º 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a pena máxima não pode ultrapassar os 5 anos.
Ora, tendo em conta o supra exposto, a sua fixação em 2 anos e 4 meses (próxima do limite mínimo), por cada crime de burla qualificada, não é, certamente, desadequada, por excessiva, e não carece de intervenção corretiva deste Tribunal mantendo-se, por isso, inalterada.
*
3.ª Questão
Determinar se a pena aplicada ao recorrente deve ser suspensa na sua execução com sujeição a regime de prova, nos termos do art.º 53.º, do Código Penal
O recorrente foi condenado na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão efetiva.
Pretende que a pena de prisão que lhe foi aplicada seja suspensa na sua execução com sujeição a regime de prova, nos termos do art.º 53.º, do Código Penal, pois que, o espírito educativo e corretivo da suspensão da execução da pena de prisão encontra-se perfeitamente cumprido e observado com a imposição ao ora recorrente desse regime. E porque consiste na existência de um plano de readaptação social e na submissão do ora recorrente à vigilância e controlo de assistência social especializada, de forma a fomentar e desenvolver o seu sentido de responsabilidade e a sua educação para o Direito, tal suspensão é suficiente e adequada às finalidades da punição.
Sem razão, ao que cremos.
E não valendo a pena estarmos a inovar, basta apelar ao que se escreveu na sentença recorrida, que subscrevemos na íntegra:
Considerando o quantum da pena de prisão, há que ponderar se será de substituir esta pena, por uma das medidas substitutivas.
A resposta só pode ser negativa, pois a personalidade do arguido, o seu modo de vida, conduta anterior e posterior reclamam pena carcerária.
Com efeito, a arguido:
- revela uma propensão para a prática de ilícitos;
- só arrepiou caminho, após ter sido privado da liberdade, ou seja, não por vontade própria;
- não ter capacidade de descentração, pois não assume o grande desvalor das suas condutas;
- não revela motivação para infletir o percurso de vida até agora assumido, pelo que deverá sedimentar e empenhar-se mais nesse objetivo;
- insensibilidade manifestada às penas não carcerárias e carcerárias a que foi sendo sujeito ao longo das sucessivas condenações.
Dito isto, com segurança, se afirma que a simples censura do facto e ameaça da prisão não são suficientes para ressocializar a arguido e proteger os bens jurídicos de condutas posteriores.
De facto, a personalidade desviante e o percurso de vida até agora verificado desaconselham em toda a linha uma medida que não seja carcerária. Porquanto, atento o percurso penal do arguido desde 2004 (facto 61), a sua desadaptação à vida em comunidade e a sua persistência em não cumprir as penas após as condenações respetivas (algumas delas extintas por prescrição), levando à conversão das penas de multa em prisão subsidiária (facto 61), entendemos não suspender a execução da pena de prisão, a fim de prevenir o cometimento de futuros crimes – cfr. art. 43.º e 50.º do Código Penal.”
Neste conspecto, o recurso improcede totalmente.
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III – DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os Juízes que integram a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido R e confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCS (art.º 420.º, n.º 3, do Código de Processo Penal) e demais encargos legais.
Notifique.
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(o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos seus signatários – art.º 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal)

Évora, 4 de junho de 2024

Maria José Cortes
Carlos de Campos Lobo
Filipa Costa Lourenço