Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MARIA DOMINGAS SIMÕES | ||
| Descritores: | PRAZO DE PRESCRIÇÃO CONTAGEM DO RESPECTIVO PRAZO INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | I. O n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil vem sendo interpretado no sentido de que a contagem do prazo prescricional se inicia na data em que o lesado teve conhecimento da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade do lesante, ou seja, conta-se a partir da data em que aquele, conhecendo a existência do facto, da ilicitude do mesmo, da culpa do seu agente e do dano causado, soube ter direito à indemnização. II. Para efeitos do início de contagem do prazo prescricional, não releva o caráter continuado ou duradouro do ato lesivo, continuando a contar-se da data em que o lesado se tornou conhecedor dos factos que integram os pressupostos legais do seu direito a ser indemnizado, tal como não releva, por expressa declaração da lei, o desconhecimento da extensão dos danos. III. O prazo de prescrição do direito a indemnização pelo dano futuro que corresponde ao agravamento previsível de um dano presente inicia-se com o conhecimento deste último. IV. Apenas em relação aos novos danos – merecendo tal qualificação tão-somente os que não sejam uma consequência ou desenvolvimento normal e previsível da lesão inicial – desconhecidos do lesado, começa a contar um novo prazo da data do seu conhecimento. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 845/23.3T8OLH-A.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo de Competência Genérica de Olhão - Juiz 2 I. Relatório (…) veio propor contra Incertos a presente ação declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final: “a) Que o tribunal declare que a Autora é a única proprietária do prédio rústico situado em (…), freguesia de (…), concelho de Olhão, com área de 9500 m2, composto de terra de cultura, uva de mesa e árvores confrontando Norte: Estrada Nacional 125, Sul: caminho; Nascente caminho Poente com (…), inscrito na matriz predial rústico sob o n.º (…), da Seção (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…), do mesmo sítio e freguesia. b) Que o tribunal condene os Réus a desocupar o referido imóvel e a entregá-lo livre e devoluto de pessoas, bens e animais, a restituí-lo. c) Que o tribunal condene os Réus a abster-se da prática de quaisquer atos que impeça ou diminua a utilização por parte da Autora do referido prédio. d) Que condene os Réus no pagamento de uma indemnização pela ocupação do prédio em causa a liquidar posteriormente em execução de sentença, mas correspondente a nunca menos de € 10.000,00 (dez mil euros). e) Serem os Réus condenados a demolir qualquer edificação que, entretanto, tenham executado no imóvel”. Em fundamento alegou, em síntese, ser a dona e legítima proprietária do prédio rústico que identificou, o qual é ocupado, desde há cerca de 5 anos, por vários indivíduos cujas identidades declarou desconhecer, ocupação ilícita, por não autorizada, e que vem causando à demandante grande constrangimento e ansiedade, factos que sustentam os pedidos formulados. Por despacho proferido em 13/12/2023, foi determinado que a ação prosseguisse contra (…), NIF (…), residente em Av. D. (…), em (…), bem como contra Incertos. Citado o Ministério Público em representação dos Incertos, nenhuma oposição deduziu. Citado o Réu (…), apresentou contestação, peça na qual relatou que no ano de 2012 o pai da autora, pessoa que cria ser o dono do terreno, cedeu ao contestante e família a posse do mesmo, para que ali “fizesse morada com a sua família”, mantendo desde então o local limpo e protegido, tendo requerido a final, para o que ora releva, “que fosse julgada procedente a exceção perentória da prescrição do direito à reparação civil, conforme artigo 489.º do Código Civil”. A Autora apresentou resposta, impugnando a factualidade alegada pelo contestante, mas nada disse especificamente quanto à matéria da exceção perentória da prescrição. Foi então proferida decisão datada de 30/4/2025 [Ref.ª 134585664] que, na procedência da exceção invocada, julgou prescrito o direito da Autora a obter do Réu (…) a pedida indemnização, absolvendo-o deste segmento do petitório. Inconformada, apresentou a Autora o presente recurso e, tendo desenvolvido os fundamentos da sua discordância com o decidido ao longo de 56 densas páginas de alegação, formulou a final as seguintes conclusões: “1.ª A sentença recorrida julgou prescrito o pedido de indemnização civil formulado pela Autora, com base no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, por alegadamente ter decorrido mais de três anos desde que esta teve conhecimento da ocupação. 2.ª Contudo, a ocupação do imóvel é atual, contínua e sem título, mantendo-se até à presente data, o que configura um facto ilícito permanente e não um facto lesivo isolado. 3.ª A jurisprudência portuguesa e o artigo 310.º, alínea g), do Código Civil admitem que, em casos de prestações periódicas (como a ocupação ilegítima com valor locativo), o direito a indemnização se renova mês a mês, com prazo prescricional próprio para cada prestação. 4.ª A decisão recorrida não teve em consideração a natureza fracionada e contínua do dano, violando assim os princípios da justiça material, da equidade e da função preventiva da responsabilidade civil. 5.ª A ocupação abusiva do imóvel gera não só danos patrimoniais como também danos morais nomeadamente a impotência jurídica da Autora perante a apropriação continuada do seu bem. 6.ª A manutenção da posse ilegítima gera enriquecimento sem causa nos termos do artigo 473.º do Código Civil, mesmo que não se demonstre lucro efetivo. 7.ª O possuidor de má-fé está obrigado, nos termos dos artigos 1275.º e 1280.º do Código Civil, a restituir frutos e a indemnizar o proprietário por toda a duração da posse ilegítima. 8.ª A ocupação impede o exercício do jus disponendi, do aproveitamento fiscal do imóvel e da sua função económica, constituindo limitações indemnizáveis. 9.ª O regime jurídico português, à luz da Constituição (artigo 62.º) e da jurisprudência do TEDH, exige que a privação do uso do bem – ainda que sem desapropriação formal – seja acompanhada de compensação. 10.ª A sentença recorrida viola ainda o artigo 20.º da Constituição, ao impedir o ressarcimento de uma lesão patrimonial atual e persistente, negando tutela jurisdicional efetiva. 11.ª Caso se entenda que não existe um dano continuado, sempre se deveria aplicar o regime de prestações periódicas previsto no artigo 310.º, alínea g), do Código Civil, o que manteria o pedido válido quanto aos últimos cinco anos. 12.ª A aplicação cega do artigo 498.º, n.º 1, sem atender à renovação do dano e à sua subsistência atual, promove a impunidade e o abuso de direito por parte do ocupante. 13.ª Assim, deve ser revogada a decisão recorrida, reconhecendo-se o direito da Autora à indemnização pelos danos causados pela ocupação ilegítima do seu imóvel, pelo menos nos cinco anos anteriores à propositura da ação”. Conclui a requerer a revogação da decisão recorrida, na parte em que julgou prescrito o pedido de indemnização civil extracontratual formulado pela apelante, “devendo ser reconhecido que a ocupação do imóvel pelos Réus constitui um facto ilícito continuado, atual e gerador de danos renovados, ou, subsidiariamente, uma obrigação de prestações periódicas nos termos do artigo 310.º, alínea g), do Código Civil, determinando-se, em qualquer caso, o prosseguimento dos autos também quanto ao pedido de indemnização ou, caso assim se não entenda, reconhecendo-se que assiste à Autora o direito de ser ressarcida, pelo menos, pelas prestações correspondentes aos últimos cinco anos anteriores à propositura da ação”. Não foram apresentadas contra alegações. Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objeto do recurso, constituem questões a decidir: i. determinar se, conforme foi decidido, se encontra prescrito o direito da autora a eventual indemnização para reparação do dano de privação do uso ou, atendendo à natureza continuada do dano, se deve antes entender que o prazo previsto no artigo 498.º do CC ainda não decorreu; ii. subsidiariamente, determinar se é aplicável ao caso o artigo 310.º, alínea g), do CC, tendo a Autora direito a ser indemnizada pelos danos causados pela ocupação nos últimos 5 anos. * II. Fundamentação Relevam para a decisão os factos constantes do relatório que antecede, tendo-se ainda como assente, o que a apelante não questiona, que desde há cerca de 5 anos o apelado e outros ocupam o prédio de que alega ser a legítima proprietária, ocupação de que tem conhecimento desde então. Vejamos, pois, se lhe assiste razão quando pretende, ao invés do que foi o entendimento da 1ª instância, que o direito à reclamada indemnização não se encontra prescrito. Nos termos do disposto no artigo 498.º do Código Civil (diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem) o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária, se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso (vide n.º 1 do preceito). Acrescenta o n.º 3 que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o aplicável. A consagração dos prazos encurtados de prescrição ali previstos traduz o propósito do legislador de evitar que o início do prazo se dilate muito para além da data da ocorrência do facto danoso, essencialmente por questões de segurança jurídica e preservação da prova, preocupação também motivada pelo interesse do lesado, estimulando-o a uma rápida ação em ordem a beneficiar da disponibilidade das provas relevantes. Como se vê do teor das transcritas conclusões, a apelante não questiona que ao caso é aplicável o prazo de 3 anos previsto no n.º 1, sustentando, porém, que estando em causa “um facto ilícito permanente, e não um facto lesivo isolado”, gerador de um dano de “natureza fracionada e contínua”, o que não foi considerado na decisão recorrida, tal prazo não decorreu; a não ser assim entendido, então, por aplicação do artigo 310.º, alínea g), mantém o direito à indemnização destinada a ressarcir o dano dos últimos 5 anos. Ou seja, a apelante recusa que a contagem do prazo tenha tido início na data em que teve conhecimento da ocupação do prédio que alega ser sua pertença, por duas ordens de razões: a natureza continuada do facto ilícito danoso e a circunstância de estar em causa também um dano continuado, ainda que fracionado. Deste modo, tendo em conta a vinculação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação ao objeto do processo – causa de pedir, pedido e exceções invocadas pelo Réu – e também ao objeto do recurso, delimitado pelas conclusões (com a ressalva, que aqui não releva, de estar em causa questão de conhecimento oficioso), só os invocados fundamentos terão que ser aqui apreciados, ficando de fora eventual relevância do alegado desconhecimento dos responsáveis (que, em todo o caso, sempre dependeria de não ser imputável ao lesado, ainda que a título de negligência – cfr. sobre a questão, de forma desenvolvida, o acórdão do TRL de 14/1/2021, no processo n.º 2065/16.4BELSB.L1, acessível em www.dgsi.pt). O citado n.º 1 do artigo 498.º vem sendo interpretado no sentido de que a contagem do prazo prescricional se inicia na data em que o lesado teve conhecimento da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade do lesante, ou seja, conta-se a partir da data em que aquele, conhecendo a existência do facto, da ilicitude do mesmo, da culpa do seu agente e do dano causado, soube ter direito à indemnização (vide acórdãos do STJ de 21 de Junho de 2018, no processo n.º 1006/15.0T8AGH.L1.S1, e do TCAS de 21/1/2021, processo n.º 1021/13.9TELRA, ambos acessíveis em www.dgsi.pt). É certo que, conforme distinção efetuada no acórdão do TRL de 07/02/2009 (processo n.º 387/08-6, também acessível em www.dgsi.pt), “a infracção tanto se pode traduzir na prática de um simples acto, numa só conduta violadora realizada ou executada em dado momento temporal (infracção instantânea), como pode traduzir-se numa série de actos susceptíveis de configurar uma infracção de natureza continuada ou permanente, na qual o processo de violação do direito de outrem se mantém em aberto alimentado pela conduta persistente do infractor”. Todavia, e para efeitos do início de contagem do prazo prescricional, não releva o caráter continuado ou duradouro do ato lesivo, continuando a contar-se da data em que o lesado se tornou conhecedor dos factos que integram os pressupostos legais do seu direito a ser indemnizado (cfr. o referido acórdão do STJ de 21 de Junho de 2018 e os acórdãos do TRC de 18/6/2024, processo n.º 524/23.1T8FIG.C1, e deste TRE de 27/3/2025, processo n.º 899/25.8T8STB.E1, acessíveis em www.dgsi.pt), tal como não releva, por expressa declaração da lei, o desconhecimento da extensão dos danos. A propósito, explica-se com clareza no identificado acórdão do TRC, que “O referido prazo de três anos (…) não poderá resultar alongado em função da circunstância de o lesado desconhecer a extensão integral dos danos, exigindo-se-lhe que exerça o seu direito à indemnização em função daqueles que já conheça e em função da dimensão com que eles se lhe apresentem”. Com efeito, a lei confere ao lesado a possibilidade de formular um pedido genérico, não só quando pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do CC, conforme prevê o artigo 556.º, n.º 1, alínea b), 2ª parte, do CPC, mas também quando “não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito” (cfr. a 1ª parte da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 556.º). Acresce que ao lesado será ainda permitido ampliar o pedido, nos termos do artigo 265.º, n.º 2, do CPC, eventualmente assente em articulado superveniente, relativamente a danos que não foram invocados na petição. O artigo 565.º, por seu turno, prevê a condenação do devedor no pagamento de uma indemnização provisória, dentro do quantitativo que o tribunal considerar provado, concedendo ao lesado a faculdade de proceder à liquidação posterior dos danos (cfr. ainda o n.º 2 do artigo 609.º do Código do Processo Civil e o incidente regulado nos artigos 358.º a 361.º do mesmo diploma legal). Por ultimo, prevenindo para os casos em que “não puder ser averiguado o valor exacto dos danos”, determina o n.º 3 do artigo 566.º que o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. Como observa Paulo Lacão[1], “Do exposto conclui-se que tanto a formulação de pedido indemnizatório genérico e a satisfação do ónus de alegação do dano que o mesmo coenvolve, como as decisões provisória ou equitativa sobre a extensão objetiva do dano real, permitem valorar adequadamente as situações em que se afigura impossível ao lesado conhecer e demonstrar processualmente a extensão integral do dano sofrido”. Nessa medida “(…) parece razoável inferir-se que essa indeterminabilidade não limita o alcance da cláusula de «desconhecimento da extensão integral do dano», a qual, desse modo, integra, também, a extensão indeterminável do dano. Assim sendo, pode concluir-se que a prescrição se inicia, nos termos do artigo 498.º, n.º 1, e não se suspende nos últimos três meses, nos termos do artigo 321.º, n.º 1, relativamente à medida indeterminável do dano”. No que se refere aos danos futuros, o n.º 2 do artigo 564.º manda atender aos mesmos na fixação da indemnização, desde que previsíveis. A este propósito, refere o mesmo Paulo Lacão[2]: “Uma vez que a prescrição se inicia com o «conhecimento do direito» e sobre a «extensão integral dos danos», ainda que desconhecida, no objeto da prescrição integra-se o agravamento futuro previsível, ainda que imprevisto, do dano presente conhecido. (…) O início da prescrição do direito indemnizatório no qual se integra o dano futuro depende de este corresponder ao agravamento previsível de um dano presente conhecido ou à produção de um dano diferente. No primeiro caso, a prescrição inicia-se com o conhecimento do dano presente, cujo escopo integra também o agravamento futuro previsível do mesmo. No segundo caso, a prescrição apenas pode iniciar-se com o conhecimento do direito, que se obtém com a previsão, pelo lesado, do dano futuro” (são nossos os destaques em itálico). Resulta do exposto que apenas em relação aos novos danos -merecendo tal qualificação tão-somente os que não sejam uma consequência ou desenvolvimento normal e previsível da lesão inicial- desconhecidos do lesado, começaria a contar um novo prazo da data do seu conhecimento, o que não é aqui claramente o caso (cfr. em sentido idêntico, o acórdão do STJ de 22/9/2009, processo n.º 180/2002.S2). Com direta incidência no caso dos autos, e como se reconhece no acórdão do TRC acima identificado foi objeto de acesa discussão jurisprudencial a relevância no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e para efeitos da contagem do termo inicial do prazo de prescrição estabelecido no artigo 498.º/1, do CC, da natureza instantânea ou continuada do acto lesivo de que emerge o direito de indemnização, com o consequente agravamento dos danos reclamados, a qual veio a ser afastada, em relação à concreta situação da ocupação ilícita de um imóvel, pelo AUJ de 15/06/2023 (proferido no processo n.º 1292/20.4T8FAR.E1.S1). Em tal acórdão uniformizador, ao que cremos ainda não transitado, foi fixado o entendimento, que aqui também se perfilha, de que: «O termo inicial do prazo prescricional do artigo 498.º/1, do CC, do direito de indemnização, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual decorrente de ocupação de imóvel, deverá coincidir com o momento em que o lesado adquira conhecimento dos factos que integram os pressupostos legais do direito invocado, independentemente de, à data do início de contagem daquele prazo, ainda não ter cessado a produção dos danos que venham a ser reclamados». Conforme ali se considerou, «Mesmo que persistam os efeitos do facto ilícito, designadamente os danos, o começo do prazo de prescrição conta-se a partir do momento em que o lesado sabe que dispõe do direito a indemnização, sendo certo também não ser indispensável conhecer a extensão integral do dano. A contagem deve assim ser unitária, para todos os danos reclamados, a partir do momento em que o lesado teve conhecimento dos factos constitutivos de tal direito (…)». A propósito do dano continuado, refere-se ainda no aresto, em termos coincidentes com o que acima se expôs: «(…) é um dano que radica no conhecimento da conduta lesiva inicial, ainda que prolongada ou persistente no tempo, ao contrário do não previsível dano futuro.», acrescentando-se que «A continuidade da situação danosa representa apenas o acumular ou agravar do quantum do dano que integra o direito de que se tem conhecimento – é um dano consequente à lesão em curso». É ainda um dano previsível, «posto que não é fundado num outra e distinta lesão de que se veio a tomar conhecimento apenas no momento da respectiva ocorrência». Transpondo tais considerandos para o caso dos autos, resulta evidente que o dano da privação do uso do imóvel, que para a demandante e ora recorrente decorre da sua ilícita ocupação, se funda na lesão há muito conhecida, pelo que, sendo absolutamente previsível o seu agravamento pelo mero decurso do tempo, tal não constituía obstáculo ao exercício do direito. Daí que, como corretamente se considerou na decisão recorrida, o prazo prescricional tenha iniciado a sua contagem na data do conhecimento pela autora da ocupação, o que ocorreu há mais de 5 anos tendo por referência a apresentação do pedido de proteção jurídica, também na modalidade de nomeação de patrono (cfr. artigo 33.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho), com a consequência do direito à indemnização se encontrar então prescrito (mesmo considerando o alargamento do prazo pelo período de 160 dias que decorre da aplicação da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, artigo 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29-05 e 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05-04). Da aplicação ao caso do prazo prescricional de 5 anos previsto no artigo 310.º Defende a recorrente ser aplicável ao caso o prazo prescricional de 5 anos consagrado no artigo 310.º, por estarmos perante “prestação periodicamente renovável”, tendo assim como preenchida a previsão da alínea g). Como explicam os Profs. Pires de Lima e A. Varela (Código Civil Anotado, vol. I, comentário ao artigo 310.º), estão aqui em causa prescrições de curto prazo “destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor”. Sucede, porém, que a indemnização por facto ilícito, ainda que estejamos perante um dano persistente e que se vai agravando, não se reconduz ao conceito de prestação periódica, estando fora do âmbito de aplicação do convocado artigo 310.º. Derradeiramente, argumenta a apelante que “o regime jurídico português, à luz da Constituição (artigo 62.º) e da jurisprudência do TEDH, exige que a privação do uso do bem – ainda que sem desapropriação formal – seja acompanhada de compensação”, pelo que a sentença recorrida, “ao impedir o ressarcimento de uma lesão patrimonial atual e persistente, negando à lesada tutela jurisdicional efetiva, viola o artigo 20.º da Constituição”. Pois bem, sendo incontroverso que o regime legal português prevê a ressarcibilidade do dano correspondente à denominada privação do uso, não foi tal direito a ser indemnizada denegado à apelante. O que ocorreu foi coisa diversa: tendo o legislador infra constitucional, no uso dos seus poderes de conformação do modo como os direitos devem ser exercidos, consagrado para o efeito um prazo de 3 anos – sem prejuízo de ser aplicável o ordinário de 20 anos, caso o lesado não tenha tido antes conhecimento dos pressupostos do direito a ser indemnizado –, o qual decorreu integralmente sem que a apelante tenha diligenciado pela propositura da pertinente ação, sofreu as consequências da sua inércia, sem que daí resulte qualquer atropelo ao seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva, com assento no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. Improcedentes os fundamentos do recurso, importa confirmar a decisão recorrida. * III. Decisão Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida. Custas a cargo da apelante, que decaiu (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCiv.), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi oportunamente concedido. Évora, 30 de Outubro de 2025 Maria Domingas Simões Vítor Sequinho dos Santos (com voto de vencido) Cristina Dá Mesquita Voto de vencido Discordo da doutrina que fez vencimento, pelas razões enunciadas nos votos de vencido exarados pelos Senhores Juízes Conselheiros Luís Espírito Santo, Ana Paula Lobo, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Fátima Gomes e João Cura Mariano no AUJ referido no presente acórdão, que me dispenso de reproduzir. Teria, pois, dado provimento ao recurso.» Vítor Sequinho dos Santos * Sumário: (…)* __________________________________________________ [1] In “A Prescrição da Obrigação de Indemnizar: Notas sobre o artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil”, tese para a obtenção do grau de Mestre em Direito, acessível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/35347/1/Lacao_2018.pdf [2] No seu “A Prescrição da Obrigação de Indemnizar: Notas sobre o artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil”. |