Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
453/24.1T8ELV.E1
Relator: SUSANA FERRÃO DA COSTA CABRAL
Descritores: MAIOR ACOMPANHADO
REQUERIMENTOS PROBATÓRIOS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DA SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Data do Acordão: 11/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:
I. No processo especial de maior acompanhado os amplos poderes instrutórios conferidos ao juiz nos termos das disposições conjugadas dos artigos 897º nº 1 e 986º nº 2, ex vi art.º 891º nº 1 do CPC, não dispensam o Tribunal de se pronunciar expressamente sobre os meios de prova requeridos pelas partes, avaliando a sua pertinência e necessidade, conforme impõem os artigos 154º e 897º nº 1 do CPC.

II. A omissão de pronúncia sobre o requerimento probatório apresentado pelo beneficiário constitui uma nulidade que se projeta na sentença, a qual é proferida sem que as partes tenham tido oportunidade de produzir a prova requerida e sem que para as partes fosse expectável a prolação de sentença, sem que tivesse recaído pronúncia sobre os seus meios de prova (decisão surpresa) , que configura nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do CPC.

III. Ao processo de acompanhamento de maior aplica-se, por força do artigo 549.º do CPC, o disposto no artigo 607.º, n.º 4 do mesmo diploma, impondo-se ao Tribunal a indicação dos factos provados e não provados com relevo para a decisão a proferir e do processo lógico – racional que conduziu à formação da sua convicção.

IV. A sentença que não individualiza os factos não provados, limitando-se a uma fórmula genérica (Factos não provados: “ Todos os demais factos alegados, que não se encontram supra elencados.”) e que não expressa fundamentação concreta quanto a essa matéria, padece de nulidade por falta de fundamentação, prevista no artigo 615.º, n.º 1 alínea b) do CPC.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª secção do Tribunal da Relação de Évora,
1. Relatório


O Ministério Público instaurou a presente ação especial de acompanhamento de maior contra AA, solteiro, nascido em .../.../1960, residente em Cidade A, pedindo que seja decretado o acompanhamento do requerido com aplicação das medidas de:

• Administração total de bens imóveis;

• Representação especial em juízo (em ações eventualmente necessárias à preservação e recuperação dos poderes de administração do património);

• Limitação de exercício dos direitos pessoais de casar e de testar.


Para tanto, alegou, em síntese, que o Requerido:

• Vive sozinho, não tem pais, irmãos e/ou descendentes;

• Aos três meses de idade sofreu de meningite, o que lhe originou sequelas, designadamente ao nível auditivo e dificuldades no plano cognitivo, que o impedem de governar plena e devidamente os seus bens, designadamente o seu património imobiliário.

• Herdou vários terrenos de olival, e três imóveis destinados à habitação, os quais se encontram arrendados pelo valor total de € 500,00;

• Tem prosseguido a atividade do pai, no trabalho agrícola e exploração do olival;

• É autónomo, no plano das atividades da vida diária, logrando, por si, governar a sua pessoa, orientando-se no espaço e no tempo e logrando satisfazer as suas necessidades básicas de alimentação, higiene pessoal e habitacional.

• O Requerido deu de arrendamento cinco terrenos rústicos e um terreno misto por um prazo de 30 (trinta) anos, por uma renda anual de € 1.000,00 (mil euros). O Requerido não alcançou os efeitos do referido negócio, designadamente de que perdeu os direitos de exploração desses terrenos, ficando, assim, desprovido de parte importante dos terrenos que constituem objeto da sua atividade profissional e, como tal, das suas potenciais fontes de rendimento.


Conclui que o Requerido não possui discernimento para gerir devidamente o seu património imobiliário, nomeadamente para fazer a sua adequada administração, o que conduz ao perigo (real) de ser levado a celebrar contratos lesivos do seu património.


Para acompanhante indicou BB (prima do requerido), residente em Cidade A.


*


O Requerido constituiu mandatário judicial e apresentou oposição, reconhecendo que já não se encontra com capacidade plena para a administração dos seus bens e que, por isso, tem necessidade de acompanhamento no que toca à administração de imóveis (eventualmente adotando o seguinte modelo: ordinária sem autorização e extraordinária com autorização prévia), à representação especial em juízo e ao exercício dos direitos pessoais de casar e testar.


Alegou que a prima BB, indicada pelo Ministério Público para sua acompanhante, é pessoa da sua confiança mas a quem não recorre para gerir o património e resolver problemas que surjam, pelo que, requereu que fosse designado como seu acompanhante, o seu amigo CC, residente em Cidade B, que o auxilia já desde 2018. Justificou ainda a celebração do contrato de arrendamento rural agrícola que celebrou com este.


*


Realizado exame pericial ao requerido e após a sua audição foi proferida sentença, que, a final, decidiu aplicar ao requerido AA, a partir de 27 de novembro de 1978:

a. O regime de administração total de bens, no qual se inclui a celebração de quaisquer negócios jurídicos que envolvam a disposição/oneração de património ou a assunção/cumprimento de obrigações de caráter patrimonial;

b. A administração dos rendimentos, pensão de velhice e de sobrevivência de que este venha a beneficiar e de outros subsídios a que tenha ou venha a ter direito, para prover às suas necessidades diárias;

c. A representação especial perante serviços públicos, empresas públicas e instituições/empresas privadas, sempre que tal se revele necessário para cumprir obrigações legais, fiscais e tributárias;

d. A representação especial perante quaisquer entidades que exerçam a atividade de intermediário financeiro/bancos;

e. A representação especial perante a Segurança Social quanto à obtenção de quaisquer subsídios, pensões ou rendimentos;

f. A representação especial em atos que envolvam a intervenção em processos judiciais;

Mais de determinou que AA é incapaz de testar, que só pode contrair casamento sob o regime da separação de bens e que a situação de acompanhamento determinada impedia a atribuição de direitos ou benefícios, por vida ou por morte, fundados em união de facto.


Designou para exercer o cargo de acompanhante BB (prima do Requerido).


*


Inconformado com esta decisão, o requerido AA, interpôs o presente recurso, terminando as alegações com a formulação das seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida nos presentes autos que decidiu, além do mais, designar para exercer o cargo de acompanhante BB (prima do Requerido), sendo apenas e só quanto a este segmento decisório que o Apelante se insurge.

B. Atendendo a que tal resulta provado documentalmente por certidão judicial e por certidões prediais, assume importância que, em complemento ao facto 8., seja dado também como provado que o prédio misto denominado ..., sito em ..., pertencente à União das Freguesias de ..., concelho de Cidade A, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade A sob o n.º 381, da freguesia de ..., e inscrito na matriz a parte urbana sob o artigo 727 e a parte rústica sob o artigo 2 da Secção K, da referida União de Freguesias e o prédio rústico denominado ..., sito em ..., pertencente à União de Freguesias de ..., concelho de Cidade A, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade A sob o n.º 50, da freguesia de ..., e inscrito na matriz sob o artigo 7 da Secção K, da referida União de Freguesias, encontram-se registado em nome de DD.

C. O Apelante reputa, assim, de incompleta a resposta dada ao facto provado 8., facto esse com base apenas no qual o Tribunal a quo conclui haver um conflito de interesses da parte do acompanhante que o Apelante escolheu aquando da sua audição nos presentes autos – CC –, capacidade de escolha essa que o exame pericial realizado também no âmbito destes autos concluiu que o Apelante tinha (vd. Relatório Pericial).

D. Não tendo o Tribunal a quo julgado igualmente provados aqueles factos acima identificados, como devia na opinião do Apelante, devem tais factos ser aditados à matéria de facto provada, o que desde já requer, ao abrigo do disposto no art.º 640º, n.º 1, do CPC.

E. Os factos alegados pela Apelante nos artigos 4º, 9º, 10º, 17º, 19º, 20º a 26º, 29º, 30º, 35º, 36º, 37º, 39º, 42º a 48º e 51º da sua Contestação, transcrito no corpo destas alegações supra, devem ser dados como provados.

F. Em primeiro lugar, os referidos factos revestiam importância decisiva para a apreciação e julgamento da presente causa, como resulta da mera leitura dos mesmos.

G. Em segundo lugar, da audição do Apelante a que o Tribunal a quo expressamente se refere na Motivação de Facto da Sentença e, bem assim, da audição do mencionado CC – únicos depoimentos que o Tribunal decidiu recolher (para além do de BB, nomeada Acompanhante), apesar de o Apelante ter arrolado mais testemunhas –, a única conclusão que pode ser retirada é a de que tais factos, todos eles, tinham de ser dados como provados, pois foram confirmados por aqueles (Apelante e CC), conforme resulta das passagens dos seus depoimentos acima transcritas.

H. A terceira razão é a de que, entendendo o Tribunal a quo diversamente, ou seja, se o Tribunal a quo considerava que os referidos depoimentos (conjugados com a demais prova documental e pericial, naturalmente) não eram suficientes para julgar demonstrados os factos em questão, então impunha-se que ordenasse a produção da demais prova requerida pela Apelante, isto é, impunha-se que a ordenasse a audição das outras testemunhas arroladas por este.

I. O que não podia era não ter considerado não provados tais factos quando não ordenou as diligências de prova que o Apelante expressamente requereu na Contestação e que seriam idóneas à respetiva demonstração / comprovação.

J. O Tribunal a quo não cuidou de aferir e confirmar o alegado pelo Requerido, aqui Apelante, nos artigos acima indicados da sua Contestação, quando podia – e devia – tê-lo feito ao abrigo do disposto no art.º 897º, n.º 1, do CPC, ordenando a audição das testemunhas oportunamente arroladas pelo Apelante.

K. E devia fazê-lo considerando que os referidos factos tinham sido alegados pelo próprio Apelante e revestiam óbvia relevância para a decisão da causa, designadamente para afastar a ideia de que CC – pessoa que o Apelante indicou expressamente e em mais de uma sede (na Contestação e, posteriormente, na sua audição realizada em 06.09.2024) que pretendia que fosse o seu Acompanhante, sendo certo que o exame pericial que lhe foi feito nestes autos atestava a sua capacidade para fazer a mencionada escolha – se encontrava numa situação de conflito de interesses, único argumento invocado pelo Tribunal a quo para recusar a nomeação daquele como Acompanhante do Apelante.

L. Se nenhuma outra matéria de facto resultou provada, maxime aquela que foi alegada na Contestação pelo Apelante acima transcrita que não foi contrariada ou impugnada, foi porque o Tribunal a quo não permitiu que o fosse, ordenando a produção de prova, nomeadamente testemunhal, que o Apelante tempestivamente requereu naquele articulado.

M. O Tribunal a quo não o fez, sendo certo que, como se viu, não consta da Sentença qualquer justificação para ter dispensado a produção de prova adicional, pelo que a sentença é, desde logo, nula nos termos do disposto no art.º 615º, n.º 1, alínea d), do CPC, nulidade que ora se argui para todos os efeitos legais.

N. Neste sentido, andou mal o Tribunal a quo ao não se ter pronunciado sobre a referida matéria de facto, designadamente ordenando que, sobre a mesma, fosse produzida prova, para decidir depois se a considerava ou não demonstrada.

O. Mas ainda que assim não se entenda, o que se admite por mera cautela de patrocínio, sem prescindir, então forçoso será concluir que houve um claro e manifesto erro de julgamento por parte do Tribunal a quo ao não ter em consideração a dita matéria de facto na Sentença proferida, na medida em que a mesma é, crê-se, evidentemente relevante, foi alegada em tempo e não foi por qualquer forma contrariada.

P. Não o tendo feito, o Tribunal a quo cometeu um erro de julgamento da matéria de facto, razão pela qual se impugna tal decisão com fundamento mais uma vez em incompletude, devendo ser aditados aos factos provados da Sentença recorrida aqueloutros acima referidos (artigos 4º, 9º, 10º, 17º, 19º, 20º a 26º, 29º, 30º, 35º, 36º, 37º, 39º, 42º a 48º e 51º da Contestação) o que igualmente se requer.

Q. Na Sentença recorrida o Tribunal a quo faz uma interpretação incorreta do artigo 150.º, n.º 1 do Código Civil que estipula que “o acompanhante deve abster-se de agir em conflito de interesses com o acompanhado”.

R. Resulta claramente da referida norma que o legislador pretendeu determinar que o Acompanhante, após a sua designação como tal, se abstenha de agir em conflito de interesses com o Acompanhado.

S. Ou seja, o comando normativo impõe ao Acompanhante uma conduta para o futuro, não impedindo que a eventual existência de um conflito de interesses no passado que já se viu não ter existido – impeça a nomeação.

T. Neste sentido, crê-se que a celebração entre o Apelante e CC do contrato de arrendamento em causa nos autos não coloca este último na situação de conflito de interesses a que o mencionado art.º 150.º, n.º 1 do Código Civil se reporta.

U. Ao interpretar o art.º 150.º, n.º 1 do Código Civil nos termos constantes da Sentença recorrida, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, pelo que, também por esta razão, deve a referida Sentença, no segmento decisório criticado no presente recurso, ser revogada e substituída por outra decisão que nomeie como Acompanhante do Apelante o referido CC.

V. A própria BB, pessoa nomeada Acompanhante do Apelante na sentença recorrida, deu a entender que não teria disponibilidade para assumir a função de Acompanhante do ora Apelante, ao referir que não se importava de acompanhar o primo mas tem problemas de saúde e cuida dos pais, o que, aliás, foi confirmado pelo Apelante ao afirmar aquando da sua audição: Perguntado sobre quem quer que o ajude, indicou o CC ou o Sr. Dimas. Quanto à sua prima BB, esta tem os pais doentes e tem que cuidar deles, disse-lhe que não tem tempo. – vd. Auto de Audição de Beneficiário.

W. Neste sentido, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que nomeie como Acompanhante do Apelante CC, sendo certo que é isso que o Apelante verdadeiramente pretende como afirmou na Contestação e na sua audição ocorrida nos presentes autos – tendo capacidade para o decidir conforme concluiu a perícia que lhe foi realizada no âmbito dos presentes autos – e o referido CC tem disponibilidade para tal como expressamente o manifestou na diligência de 06.09.2024.

X. Ao decidir nos termos constantes da sentença recorrida no segmento posto em causa no presente recurso, o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 897, n.º 1, do CPC, e no art.º 150.º, n.º 1, do Código Civil, entre outras disposições legais.


*


O Ministério Público contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença recorrida, e apresentando as seguintes CONCLUSÕES, que se sintetizam, atenta a sua extensão e repetição:

A. O artigo 143.º, n.º 1 do Código Civil que permite ao beneficiário escolher o acompanhante, há-de ser interpretado dentro do que é a manifestação de vontade possível por parte do requerido.

B. No âmbito do relatório social elaborado, o recorrido indicou como acompanhante a prima, BB, e já em sede de audição escolheu para exercer o cargo de acompanhante, CC.

C. Apesar das manifestações de vontade do requerido, impõe-se que o Tribunal designe como acompanhante a pessoa que melhor salvaguarde o interesse imperioso do requerido, de entre as elencadas no n.º 2 do artigo 143.º do Código Civil

D. A escolha do Tribunal teria de incidir entre a prima do requerido e CC.

E. Há entre CC e o Requerido, um conflito de interesses que resulta, pelo menos, do teor do contrato de arrendamento rural celebrado entre ambos, que é manifestamente desvantajoso para o acompanhado.

F. O referido conflito de interesses não deixaria de ser atendível, pelo simples facto de dois dos terrenos agrícolas, em causa, no mencionado contrato de arrendamento rural terem sido vendidos.

G. O Tribunal pode recusar a designação da pessoa escolhido pelo acompanhado, se esta não estiver em condições de a exercer, nomeadamente por estar numa situação de conflito de interesses em relação ao acompanhado.

H. A prima do requerido apresenta-se como uma pessoa idónea para exercer o cargo de acompanhante, uma vez que não são conhecidos factos que permitam concluir que a mesma esteja numa situação de conflito de interesses com o requerido.

I. O requerido e a prima residem ambos na cidade de Cidade A. CC reside em Cidade B e apenas se desloca a Cidade A por motivos económicos e profissionais.

J. O requerido mantém uma relação próxima com a prima, tendo inclusivamente passado alguns períodos comemorativos e festivos na companhia da própria e restantes familiares.

K. Conforme refere o artigo 891.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, ao processo do maior acompanhado devem ser aplicados, com as necessárias adaptações, os preceitos da jurisdição voluntária.

L. No âmbito do referido processo, o Tribunal deve apenas averiguar da necessidade da aplicação de medidas de acompanhamento, bem como da pessoa que melhor acautela o interesse do acompanhado, para que o mesmo possa ser designado como acompanhante.

M. Nos presentes autos, apenas da audição do requerido, de CC e da prima do requerido, conseguiu o Tribunal concluir que efetivamente BB era a pessoa mais indicada para exercer a função de acompanhante, desde logo pela proximidade geográfica do requerido, e atenta a relação de proximidade que existe entre ambos.

N. Apurou-se através das declarações do requerido e de CC, que os mesmos mantêm interesses conflituantes, desde logo em virtude dos negócios jurídicos celebrados anteriormente. E tal resulta da documentação junta aos autos, bem como das declarações por ambos prestadas, nos termos das quais foi referido que são proprietários de diversas propriedades rurais, que são vizinhas, e que em algumas das mesmas há partilha de caminho para aceder à propriedade individual de cada um.

O. Através dos elementos de prova dos presentes autos, o Tribunal concluiu que CC mantém interesses que são conflituantes com os interesses do acompanhado, pelo que de forma a salvaguardar os interesses de AA, nunca poderia o mesmo ser designado como seu acompanhante.

P. Os elementos dos autos, foram suficientes para o Tribunal formar a correta convicção sobre a pessoa que deveria ser indicada como acompanhante, de forma acautelar os interesses do requerido, não se impunha que o Tribunal determinasse a produção de prova adicional.

Q. O erro de julgamento é um erro de carácter substancial e ocorre quando na decisão proferida a lei é mal aplicada ou há um erro quanto à questão de facto ou de direito apreciada, afeta o fundo ou efeito da decisão, e dita a sua revogação por estar desconforme ao caso ou direito, neste sentido vide acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.05.2024, processo n.º 3278/21.2T8PRT.P2, relator: Isoleta de Almeida Costa.

R. O Tribunal aplicou o artigo 150.º, n.º1, do Código Civil, devidamente.

S. O tribunal a quo bem decidiu ao designar como acompanhante do requerido, a sua prima, BB.

T. Não existem razões substanciais para alterar a decisão proferida, devendo manter-se a mesma nos seus precisos termos.


*


O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo e assim recebido neste Tribunal da Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.


*


Colhidos os Vistos Legais, cumpre apreciar e decidir.


*


Questões a decidir:


O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, atento o disposto artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, n.º 1 e 2 e 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.


Assim, considerando o teor das conclusões formuladas, são as seguintes as questões que cumpre apreciar e decidir:

i. Da nulidade da sentença por omissão e/ou excesso de pronúncia e por falta de indicação e fundamentação dos factos não provados (artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC)

ii. Da impugnação da decisão da matéria de facto:

i.i. Se deve ser completado o facto provado em 8.;

i.ii. Se devem ser dados como provados os factos alegados nos artigos 4.º, 9.º 10.º, 17.º 19.º, 20.º a 26.º , 29.º, 30.º, 35.º 36.º 37.º, 39.º 42.º a 48.º e 51.º da contestação, que foram considerados como não provados e/ou se há lugar a ampliação da matéria de facto/renovação da prova (art. 662.º do CPC) por insuficiência instrutória

iii. Da nomeação do acompanhante ao maior acompanhado: relevância da escolha do maior acompanhado;


*

2. Fundamentação

1. Fundamentação de facto

1. O Tribunal considerou provados os seguintes factos:

1. O Requerido AA, nasceu em .../.../1960, é solteiro, e encontra-se registado como filho de EE e de FF.

2. O Requerido não tem pais, irmãos e/ou descendentes, residindo sozinho numa habitação sita na ..., ... Cidade A.

3. O Requerido padece de perturbação do desenvolvimento intelectual de nível ligeiro, que o afeta de forma progressiva e irreversível, tendo-se iniciado no seu primeiro ano de vida, na sequência de ter sofrido uma meningite, sendo que tal patologia não é passível de cura, assume um caráter de permanência e limita o desempenho do Requerido em termos volitivos e cognitivos.

4. Por causa da doença referida em 3. o Requerido:

a) fala de forma percetível, apresentando um discurso fluente e organizado e compreende, no essencial, o que lhe é comunicado verbalmente;

b) desloca-se pelo seu próprio pé;

c) sabe dizer o seu nome, idade, data de nascimento e filiação;

d) sabe dizer a freguesia onde vive e a sua morada;

e) encontra-se orientado no tempo e no espaço;

f) não necessita de auxílio/supervisão para se alimentar, vestir, calçar, tomar banho, tomar a medicação e tratar da higiene da habitação;

g) sabe ler e escrever textos simples, assim com, sabe assinar o seu nome;

h) consegue realizar cálculos aritméticos simples;

i) não consegue interpretar textos complexos, designadamente os contratos e documentos legais contantes dos autos;

j) conhece o dinheiro em circulação, sabe utiliza-lo, revelando capacidade em relação ao poder aquisitivo do dinheiro e ao valor dos bens de consumo;

k) sabe utilizar o cartão multibanco e telemóvel, mas não tem capacidade para perceber aplicações financeiras complexas, tais como ações, obrigações, fundos de investimento ou outros produtos financeiros do mesmo grau de complexidade;

l) sabe conduzir e orienta-se na localidade onde vive;

m) é particularmente crédulo, facilmente manipulado e influenciável;

n) tem dificuldades para a gestão de assuntos que dizem respeito à gestão do seu património;

o) tem dificuldades para compreender e interpretar contratos, nomeadamente contratos que envolvem a disposição de património;

5. Após a morte dos seus pais, o Requerido herdou e é atualmente proprietário de vários terrenos de olival, com uma área total de aproximadamente 38 hectares, todos localizados no concelho de Cidade A.

6. O Requerido é proprietário da casa onde vive e de mais dois imóveis destinados à habitação, os quais se encontram arrendados pelo valor total de € 500,00 (quinhentos euros).

7. Desde 2018, o Requerido tem prosseguido sozinho com a atividade profissional do pai, no trabalho agrícola e exploração do olival.

8. Por documento escrito datado de 27/02/2020, o Requerido deu de arrendamento cinco terrenos rústicos e um terreno misto a CC e mulher GG, por um prazo de 30 (trinta) anos, tendo sido convencionado, uma renda com o valor anual de € 1.000,00 (mil euros).

9. O Requerido não outorgou testamento vital, nem procuração para cuidados de saúde.


*


2.1.2. O Tribunal considerou não provados os seguintes factos:

a) Todos os demais factos alegados;

*

1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia e por falta de indicação e fundamentação dos factos não provados (artigos 615.º, n.º 1 , alíneas b) e d) do CPC)


O Apelante arguiu, em sede de Recurso, a nulidade da sentença, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do CPC, por entender que não consta da sentença qualquer justificação para o Tribunal ter dispensado a produção de prova testemunhal que o Apelante tempestivamente requereu na oposição (conclusões L) e M)).


Alega, em síntese, que ainda que se trate de um processo especial (acompanhamento de maior), o Tribunal não pode pura e simplesmente desconsiderar os meios de prova requeridos pelas partes, sem deles conhecer, nem sobre eles se pronunciar.


O Tribunal a quo pronunciou-se nos termos do artigo 617.º, n.º 1 do CPC, sustentando que ao processo especial de acompanhamento de maiores aplica-se o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, não existe audiência de discussão e julgamento e o juiz não está obrigado a produzir provas destinadas à escolha da pessoa do acompanhante.


Cumpre apreciar e decidir:


O invocado artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do CPC comina com nulidade a sentença em que juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia) ou conheça de questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia).


É jurisprudência1 pacífica que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que o Tribunal se pronuncie sobre todos os argumentos. As questões sobre as quais o juiz se deve pronunciar encontram-se explicitadas no artigo 608.º, n.º 2 do CPC que prescreve que o juiz deve conhecer “todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.".


Analisada a sentença, verifica-se que o Tribunal a quo identificou as questões a decidir e pronunciou-se sobre todas, pelo que não existe qualquer nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, no sentido do artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do CPC.


Porém, assiste razão, ao requerente/recorrente quando refere que o Tribunal não se pronunciou expressamente sobre o requerimento de prova apresentado em sede de oposição. De facto, tanto no formulário citius que capeia a oposição, como no próprio articulado de oposição, o requerido indicou, para serem notificadas e ouvidas, 6 testemunhas e sobre este requerimento o Tribunal omitiu decisão expressa.


Ora, embora o processo de maior acompanhado atribua ao juiz amplos poderes instrutórios, conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos dos artigos 897º nº 1 e 986º nº 2, ex vi art.º 891º nº 1 do CPC, o Tribunal não está dispensado de se pronunciar expressamente sobre os meios de prova requeridos pelas partes, avaliando a sua pertinência e necessidade, conforme impõem os artigos 154º e 897º nº 1 do CPC e é afirmado quer pela doutrina, quer pela jurisprudência. Com efeito, como se refere no Código de Processo Civil Anotado, em anotação ao artigo 897.º (Poderes instrutórios) “O juiz dispõe de amplos poderes instrutórios (….) Em relação às provas que tenham sido propostas, deve avaliar a sua pertinência ou necessidade (…) o que será especialmente pertinente quando esteja em causa prova testemunhal. Tratando-se de um processo com algumas características dos processos de jurisdição voluntária, o juiz tem um papel decisivo na aceitação e rejeição de meios de prova, só devendo admitir as provas que considere convenientes, necessárias à tutela do beneficiário, implicando a adoção de mecanismos de agilização do processo (…). Deve ainda realizar diligências para preparar a posterior designação do acompanhante (RP 28-02-21, 1050/20, RG 29-10-20, 1243/19, RG 12-11-20, 58/19). (sublinhado nosso).”.


Este entendimento foi reafirmado no recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-10-20242, proferido no Processo 8/23.8T8MFR.L1-8, onde de forma clarificadora se decidiu que:

• no processo de maior acompanhado, os poderes instrutórios do juiz não equivalem a arbitrariedade na escolha dos meios probatórios;

• o juiz está vinculado a pronunciar-se expressamente sobre a adequação e necessidade das provas propostas pelas partes, por força do s artigos 154. e 897.º, n.º 1 do CPC;

• a falta dessa pronúncia constitui omissão de um ato que a lei prescreve, geradora de nulidade que se projeta na sentença


Com efeito, como se refere neste acórdão a sentença proferida, sem que tenha havido decisão sobre a prova requerida pelas partes, constitui uma decisão surpresa, por violação do princípio do contraditório, consagrado no artigo 3.º do CPC, na sua conceção ampla , que exige que as partes possam intervir , em plena igualdade , em todos os aspetos relevantes para a decisão – factos , prova e direito.


Assim, a decisão recorrida padece de nulidade ao decidir sem pronúncia sobre o requerimento probatório que não poderia ter sido ignorado, nulidade essa que afeta diretamente a validade da sentença por ter sido proferida sem que as partes tivessem oportunidade de produzir prova que poderia influenciar o julgamento e sem que para as partes fosse expectável a prolação de sentença sem que tivesse recaído pronúncia sobre os seus meios de prova (a sentença constitui, assim, decisão surpresa) .


A arguição da nulidade, em sede de recurso, deve assim ser configurada como nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, enquadrável no artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do CPC, por ser a que melhor se adequa à falta de exercício do contraditório pelas partes na tramitação processual e deve ser apreciada e decidida em sede de recurso.


Pelo exposto, verifica-se assim a nulidade da sentença, nos termos do citado artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do CPC.


Sucede, porém, que o vício da sentença não se esgota por aqui.


Com efeito, para além de o Tribunal não se ter pronunciado expressamente sobre a prova requerida, a decisão recorrida não contém a descrição dos factos não provados, adotando uma formulação genérica e obscura referindo como Factos não provados: “Os demais factos alegados, que não se encontram supra elencados”.


Ora, não é possível extrair desta formulação a que factos concretos se refere o tribunal a quo, designadamente se se refere aos mais de 20 factos que o Apelante pretende que sejam julgados provados atenta a prova produzida ou a prova que foi requerida, mas não produzida. Com efeito, quer no requerimento inicial, quer na oposição foram deduzidos inúmeros factos, alguns até contraditórios entre si. Acresce que o Tribunal não considerou a existência de factos que não fossem relevantes para decisão da causa.


A referida remissão genérica que no fundo consubstancia uma omissão da descrição dos factos que o Tribunal considera não provados, integra o fundamento de nulidade previsto no artigo 615.º, n.º 1 alínea b) do CPC, por falta de especificação dos fundamentos de facto e designadamente quando conjugada com a parca fundamentação dos factos dados como não provados.


Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-10-2023 (Processo 525/21.4T8LRA.C1)3:


I- Decorre do disposto nos artºs 205, nº1, da Constituição, 154 e 607, nºs 3 e 4 do C.P.C., a imposição de um dever ao Magistrado Judicial de especificar os fundamentos de facto e de direito das decisões que profere, de forma a assegurar a todos os cidadãos um processo equitativo e justo (cfr. artº 20 da C.R.P.).


II- Em cumprimento deste dever de assegurar a todos os cidadãos um processo equitativo e justo, exige-se não só a indicação dos factos provados, como dos não provados e ainda, a indicação do processo lógico – racional que conduziu à formação da convicção do julgador, relativamente aos factos que considerou provados ou não provados, de acordo com o ónus de prova que incumbia a cada uma das partes (cfr. artº 607º, nº 4, do CPC.).


III-A omissão de indicação dos factos que o tribunal a quo considerou não provados e da respectiva fundamentação, determina os fundamentos de nulidade da sentença previstos no art. 615º, nº 1, al. b), do CPC.


IV- Em relação a esta nulidade não opera a regra de substituição do tribunal recorrido, prevista no artº 665 do C.P.C., sob pena de violação do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto.


É precisamente o que sucede no caso presente:


- o Tribunal limitou-se a enunciar, como factos não provados, uma fórmula vaga (“Os demais factos alegados, que não se encontram supra elencados”), sem especificar quais são esses factos4;


- a motivação quanto à matéria de facto não provada é igualmente genérica e indiferenciada. Diz-se na sentença que: “A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada e não provada baseou-se na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida, designadamente na audição do Requerido devidamente conjugada com o teor do relatório pericial de psiquiatria forense junto aos autos.


Mais se valorou a demais prova documental constante dos autos, designadamente certidão do Procedimento Cautelar n.º 536/23.5..., que correu termos no Juízo Local Cível de Cidade A – Juiz 2 (da qual consta os articulados principais, respetiva prova documental e decisão final), certidão de assento de nascimento, certidões da Conservatória do Registo Predial de Cidade A, informação da SS, informações clínicas, informação social, declaração de aceitação do cargo de acompanhante e certificado de registo criminal da pessoa indicada para acompanhante.”.


Tal como a Relação de Coimbra sublinhou no já citado Acórdão, este tipo de formulação:

• Não cumpre o disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC (aplicável no caso ex vi do artigo 549.º, n.º 1 do CPC) que impõe a enunciação clara dos factos provados e não provados;

• Impede que a parte possa recorrer eficazmente da decisão de facto, porque não sabe concretamente que factos foram considerados não provados, nem com base em que provas e no caso porque não se produziu toda a prova requerida, que não chegou a ser indeferida expressamente;

• E compromete o direito a um processo equitativo e ao duplo grau de jurisdição em matéria de facto.


O mesmo se decidiu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 08-05-2025 (processo 70/22.0T8ORM.E1)5 e no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-03-2025 (Processo 3214/19.6T8CSC.L1-8)6


Acresce que no caso concreto, a descrição dos factos não provados e motivação dessa decisão é essencial para apreciar a impugnação da decisão de facto e aferir dos invocados erros de julgamento que o apelante aponta à sentença, designadamente:

a. Da existência de um efetivo conflito de interesse no caso concreto:


O Tribunal parece ter dado como não provados os factos 15, 16, 19 e 20 do requerimento inicial que têm o seguinte teor:

15. - A respeito deste contrato, o requerido AA entendeu que apenas arrendou a erva e a pastagem nos seus terrenos por ovelhas ao seu vizinho, pelo valor anual de mil euros, em acordo com renovação anual, bem como que iria ele próprio continuar a explorar os olivais, tirando para si os proveitos da respetiva exploração, tal como vinha fazendo há anos.

16. - Não compreendeu que, por via dos termos do contrato, a sua duração é, na realidade, de 30 anos e que perdeu os direitos de exploração dos seis terrenos ali identificados, cedendo-os aos contraentes CC e mulher, seus vizinhos.

19. - Em consequência da celebração do referido contrato, o requerido ficou desprovido de parte importante de terrenos que constituem objeto da sua atividade profissional e, como tal, das suas potenciais fontes de rendimento.

20. - Em anos anteriores o requerido obteve proveitos anuais dos seis prédios referidos a rondar os 25 mil euros


Não obstante dar estes factos como não provados, o tribunal ainda assim concluiu que “atento o teor do referido contrato de arrendamento rural, torna-se evidente que o mesmo é manifestamente desequilibrado e que o Requerido face às limitações de que padece não compreendeu as suas consequências legais, isto porque não nos parece que a vontade do mesmo fosse ficar desprovido de parte importante de terrenos que constituem objeto da sua atividade profissional e, como tal, fonte dos seus rendimentos.


Deste modo, considera-se haver um conflito de interesses entre o Requerido e a pessoa que este escolheu para ser designado como seu acompanhante.”;

b. Dos critérios da escolha do acompanhante e sua aplicação ao caso:


É igualmente indispensável conhecer a matéria de facto que o tribunal considerou não provada para aferir:


- A vontade do beneficiário e o respetivo peso decisório tanto mais que a perícia atesta que “Após lhe ser explicado, consegue compreender o conceito de acompanhante e demonstrou capacidade para escolher quem pretende para esse cargo.”, e que o Tribunal foi além do requerido pelo Ministério Público e determinou o regime de administração total de bens.


- A disponibilidade e idoneidade da pessoa nomeada


- Se, em consequência, deve ser mantida, revogada e/ou substituída a decisão recorrida quanto à nomeação da acompanhante.


*


Em suma, a sentença padece de nulidade por excesso de pronúncia e por falta de especificação dos factos não provados e da respetiva fundamentação, nos termos do artigo 615.º, n.º 1 alíneas b) e d) do CPC.


Estas nulidades impõem a anulação da sentença e a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que o Tribunal:

1. Se pronuncie expressamente sobre o requerimento de prova testemunhal indicado pelo beneficiário na oposição;

2. Especifique os factos que considera não provados, nos termos do artigo 607.º do CPC.

3. Indique, de modo minimamente concreto, a motivação da decisão de facto, quanto a esta matéria, em conformidade com o artigo 607.º, n.º 4 do CPC.


Prejudicadas ficam, em consequência da declaração de nulidade, as demais questões suscitadas pelo recorrente.


*


3. Decisão:


Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em anular a decisão recorrida, ordenando a baixa dos autos à primeira instância, a fim de serem supridas as causas de nulidade acima apontadas.


Sem custas (artigo 4.º, n.º 2 alínea h) do RCP).

• Notifique.


*


Évora, 27 de novembro de 2025


Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)


José António Moita (1.º Adjunto)


Maria Adelaide Domingos (2.ª Adjunta)

______________________________________

1. Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/01/2024 (Nuno Gonçalves, proc. n.º 21/21.0YFLSB), “Constitui jurisprudência pacífica que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.”, acessível in:

https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e4147f7504c91d0880258aa0003bc7ab?OpenDocument↩︎

2. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/52a046f2f0582ee580258bcb004252dd?OpenDocument, com o seguinte sumário, na parte que releva: I - No processo de maior acompanhado os amplos poderes instrutórios que a lei atribui ao juiz nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 897º nº 1 e 986º nº 2, ex vi art.º 891º nº 1 do CPC, não são sinónimo de arbitrariedade na escolha dos meios probatórios a produzir, não estando o juiz dispensado de expressamente se pronunciar sobre a adequação e necessidade das provas que tenham sido propostas pelas partes, o que lhe é imposto pelo princípio geral estabelecido no art.º 154º CPC e ainda no art.º 897º nº 1 do mesmo código, ao prescrever que analisa os elementos juntos pelas partes e se pronuncia sobre a prova por elas requerida em ordem a determinar apenas, mas fundamentadamente, as diligências que considere convenientes.

II - Não havendo pronúncia sobre os requerimentos probatórios apresentados pelas partes o Tribunal omite um acto que a lei prescreve e que constitui uma nulidade que se projecta na sentença, por esta ser proferida sem que as partes tenham tido oportunidade de produzir os seus meios de prova de forma a convencer (ou não) o Tribunal das suas posições, e sem que para as partes fosse expectável a prolação de sentença sem que tivesse recaído pronúncia sobre os seus meios de prova.

III - Desse modo a sentença constitui uma decisão surpresa por violação do princípio do contraditório atenta a hodierna concepção ampla do mesmo, que contempla o direito das partes intervirem ao longo do processo de molde a influenciarem a decisão da causa no plano dos factos, da prova e do direito, garantindo a sua participação efectiva no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que sejam potencialmente relevantes para a decisão.

IV - No processo de maior acompanhado, dada a variedade e abundância de circunstâncias, mostra-se necessário apurar com rigor os contornos de cada situação, de modo a que, delimitado facticamente o caso nas vertentes pessoal e patrimonial do visado, se possa efectuar a subsunção jurídica e determinar se é necessária a aplicação de medidas e, na afirmativa, qual o acompanhamento que se impõe; pelo que têm de ser analisados, para efeito de serem considerados provados ou não provados, os factos alegados pelas partes nos articulados da causa.↩︎

3. Acessível em:

https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/50ec74c6537e635280258a52003879fc?OpenDocument↩︎

4. “A sentença deve observar, quanto à estrutura, o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do artigo 306.º e nos n.os 2 a 6 do artigo 607.º do C.P.C. (…) o tribunal deve fazer a enumeração dos factos provados e não provados com relevo para a decisão a proferir.” - O regime processual do acompanhamento de maior. Ana Luisa Santos Pinto, Julgar pág. 158, acessível em chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/05/JULGAR41-07-ALSP.pdf↩︎

5. https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/110d36eee9e9237a80258c9f0052dd1e?OpenDocument : A omissão da indicação dos factos que o tribunal considera provados e não provados, bem como das razões de direito que ditam a improcedência da pretensão, determina a nulidade por falta de fundamentação, da decisão proferida em incidente de reclamação contra a relação de bens em processo de inventário, na qual o juiz, sem remeter as partes para os meios comuns, considerou ser possível uma segura resolução das questões nele suscitadas.
III. No que respeita à matéria de facto, a nulidade verificada não é passível de aplicação da regra de substituição do tribunal recorrido, prevista no artigo 665.º do CPC, sob pena de violação do duplo grau de jurisdição em sede da decisão da matéria de facto.
↩︎

6. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/f3e9630d2cf1e59c80258c59003e6da4?OpenDocument : “3. A decisão em apreço não contém a descrição dos factos não provados, adotando uma formulação genérica e obscura referindo-se a “Estes os factos, nada mais se provou ”, (…)

4. Esta omissão determina a nulidade da sentença recorrida, por se integrar nos fundamentos de nulidade previstos no artigo 615/1-b) do CPC.”.↩︎