Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
21/21.0YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
REFORMA DE ACÓRDÃO
DISTRIBUIÇÃO
PROVA
CONFISSÃO
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ACÇÃO ADMINISTRATIVA
Decisão: INDEFERIDA A ARGUIÇÃO DE NULIDADES.
INDEFERIDO O PEDIDO DE REFORMA.
Sumário :
I – A nulidade prevista na 1.ª parte da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, ocorre quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduziriam logicamente a resultado oposto ou diferente do que consta do dispositivo da sentença ou acórdão.
II - Ancorando-se unicamente na prova documental e pessoal já constante dos autos, o acórdão, sindicando a facticidade que a deliberação impugnada deu com assente, debruçou-se de forma lógica e crítica sobre todas as questões suscitadas, não se verificando qualquer antagonismo entre a fundamentação efetuada a respeito das questões apontadas pelo autor (e pelo réu) e a decisão proferida.
III – No regime processual civil vigente, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, diferentemente do regime antecedente, somente a ambiguidade ou obscuridade que se reflita na cognoscibilidade do sentido decisório constitui nulidade da sentença ou acórdão.
IV - A omissão de pronúncia geradora de nulidade apenas ocorre quando o tribunal não aprecia ou não decide matérias que a lei impõe que conheça e decida. Essas questões são aquelas que as partes submetam à apreciação do tribunal (cfr. n.º 2 do art. 608.º do CPC) e aquelas que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação, quer respeitem à relação material, quer à relação processual.
V – Constitui jurisprudência pacífica que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
VI - Nenhum facto ou ato ofensivo da lei deixa de ser ilícito e punível pela circunstância de o seu agente confessar os factos materiais que desrespeitam a correspondente prescrição normativa.
Decisão Texto Integral:

Processo nº 21/21.0YFLSB


(ação administrativa)


Autor: AA


Demandado: Conselho Superior da Magistratura


*


*


ACÓRDÃO:


O Supremo Tribunal de Justiça, em pleno da Secção de Contencioso, acorda: -


*


A. Relatório:


AA, Juiz ... jubilado, instaurou a presente ação administrativa de impugnação da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de .../.../2021, que decidiu aplicar-lhe a sanção disciplinar única de 210 (duzentos e dez) dias de suspensão de exercício, substituída pela perda de pensão pelo tempo correspondente, pela prática, "em concurso, de três infracções disciplinares muito graves, consubstanciadas na violação dos deveres de imparcialidade (de que o principio do «juiz natural» ou do «juiz legal» é garantia) e de prossecução do interesse público, previstos no art. 6.º-C do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n. ° 67/2019, de 27 de agosto, e no art. 73. °, n. ° 2, ais. a) e c) e n.°s 3 e 5, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de junho, aplicável «ex vi» do art. 188.º da versão actual do EMJ (e do art. 131.º da redacção anterior), e uma infracção disciplinar leve traduzida na violação do dever de exclusividade, previsto no art. 8.°-A, n.º 1, do EMJ".


Por acórdão de .../.../2023, a Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça julgou a ação improcedente.


*

Inconformado com o acórdão prolatado nos autos, o autor arguiu-o de nulidades: [i) por os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou pela ambiguidade e obscuridade dos fundamentos que tornam a decisão ininteligível; e -------

ii) por omissão de pronúncia] ---------

e requereu a reforma do mesmo [por manifesto erro na determinação da norma aplicável e na qualificação jurídica dos factos e pela não consideração de documento que implica necessariamente decisão diversa da proferida].


Concluiu da seguinte forma: -----------

A) O acórdão ora em apreço enferma de nulidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, pois é claramente contraditório, do ponto de vista lógico, considerar que existe facticidade não provada por o A. não produzir prova bastante e a que convocou ser insuficiente depois de se haver decidido que, no presente processo, não existia matéria controvertida;

B) O acórdão ora em apreço enferma ainda de nulidade, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, pois deixou de pronunciar-se sobre questões de que teria de tomar conhecimento - violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, in casu, sobre a prática da distribuição nos Tribunais Superiores -, devendo esta matéria ser objeto de decisão expressa;

C) Este douto Tribunal deve ainda reformar o acórdão pois constam do processo, designadamente, do processo administrativo instrutor, documentos que, por si só, implicariam decisão diversa da proferida (art.º 616º, n.º 2, al. b) do CPC, aplicável ex vi do art.º 1.º do CPTA);

D) Este douto Tribunal deve ainda reformar o acórdão porquanto ocorreu manifesto erro na qualificação jurídica dos factos, pois este douto Tribunal deu por confessados factos cindindo os mesmos do quadro fático em que se inserem (art.º 616º, n.º 2, al. a) do CPC, aplicável ex vi do art.º 1.º do CPTA)”.

*


Notificado, o Conselho Superior da Magistratura pugnou pelo indeferimento do requerido, afirmando que a divergência de entendimentos relativamente à solução jurídica alcançada no aresto, designadamente quanto à interpretação dos factos, não é justificativa, nem da nulidade do acórdão, nem da sua reforma.


*


B. Fundamentação:


III. Cumpre apreciar e decidir.


São as seguintes as questões jurídicas solvendas: -----


- nulidade do acórdão proferido nos autos;


- reforma do acórdão proferido nos autos;

1. Das nulidades arguidas:


O autor veio imputar ao acórdão proferido nos autos, em ........2023, as nulidades cominadas nas normas das als. c) e d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.


Nos termos do art.º 1.º do CPTA, aplicável ex vi do art. 173.º do EMJ, “O processo nos tribunais administrativos rege-se pela presente lei, pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, supletivamente, pelo disposto na lei de processo civil, com as necessárias adaptações”.


Rememora-se que por remissão, dupla, do art.º 678.º para o art.º 666.º e deste para os artigos 613.º a 617.º, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça é aplicável o regime das nulidades e também da reforma da sentença.


Rememora-se ainda que, nos termos do n.º 1 do art. 613.º do CPC, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.


Segundo ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA1O esgotamento do poder jurisdicional quanto à matéria da causa significa que lavrada e incorporada nos autos a sentença, o juiz já não pode alterar a decisão da causa, nem modificar os fundamentos dela. Respeitado, porém, esse núcleo fundamental do pronunciamento do tribunal sobre as pretensões das partes, o juiz mantém ainda o exercício do poder jurisdicional para a resolução de algumas questões marginais, acessórias ou secundárias que a sentença pode suscitar entre as partes”.


Sem prejuízo, dispõe o n.º 2 do mesmo preceito adjetivo que “é lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes” (dos artigos 614º e 616º do CPC).


*


As causas de nulidade da sentença ou acórdão são taxativas, constando o seu catálogo fechado do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.


Preceito que, no que releva para a arguição do autor, dispõe: --------


É nula a sentença quando:


(…)

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…);

(…)”.


Trata-se de omissões ou vícios de natureza material ou substantiva, cometidos no próprio momento da decisão, corrompendo-a. Não admitindo confusão com as nulidades do processo resultantes de desvios do formalismo processual prescrito na lei.


Sendo este o regime da arguição de nulidades da sentença, vejamos as que o autor veio arguir: ------


*


I - nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão:


O autor, ora arguente, alega, em síntese, que o acórdão visado enferma de nulidade, por se apresentar, “claramente contraditório, do ponto de vista lógico, considerar que existe facticidade não provada por o A. não produzir prova bastante e a que convocou ser insuficiente depois de se haver decidido que, no presente processo, não existia matéria controvertida.”


Sobre a nulidade cominada na al.ª c), do n.º 1, do art. 615.º do CPC tem o Supremo Tribunal de Justiça e, nomeadamente, a sua Secção de Contencioso, jurisprudência abundante e pacífica.


Assim, na fundamentação do recente Acórdão de 30/05/2023, desta Secção, prolatado no processo n.º 45/18.4YFLSB, expendeu-se2: ------


O primeiro vício enunciado na alínea c) deste preceito ocorre quando se surpreenda, no discurso motivador adoptado pelo tribunal, uma incongruência entre os fundamentos invocados e a decisão tomada, i.e. quando, de acordo com as regras da lógica, aqueles conduziriam a uma conclusão oposta ou, pelo menos diferente daquela que consta da decisão.


Trata-se, pois, de um vício atinente à inteligibilidade do discurso decisório, evidenciando «(…) um vício real de raciocínio do julgador que se traduz no facto de a fundamentação (i.e. as premissas do silogismo judiciário) se mostrar incongruente com a decisão (conclusão) que dela deve logicamente decorrer. (…)».


Na fundamentação do Acórdão de 23/09/2020, também desta Secção, tirado no processo n.º 52/19.0YFLSB3, sustenta-se: ------


Quanto à nulidade referida na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º (oposição entre os fundamentos e a decisão), (…) ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz, (…), conduzem logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto. Neste caso, (…) É o processo lógico da decisão que está errado.


Como se deixou estabelecido nos acórdãos deste Supremo de 21.09.2005 (proc. n.º 2843/04) e de 29.11.2005 (proc. n.º 05S2137), a nossa lei impõe que o silogismo da decisão se ache corretamente estruturado por forma a que a conclusão extraída corresponda às premissas de que ele emerge e a desconformidade não está no conteúdo destas mas no processo lógico desenvolvido. E essa oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta, pois quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento. Se, ao invés, ocorrer a assinalada desconformidade, a decisão é nula por contradição entre a fundamentação lavrada e o segmento decisório.”


No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.02.2017, explicitou-se que “ocorre a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c) do CPC quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, não se verificando quando a solução jurídica decorreu de interpretação dos factos, diversa da pretendida pelo arguente.4


A doutrina defende que a nulidade da sentença ou acórdão cominada na referida al.ª c) ocorre quando a decisão está em contradição com a fundamentação, quando o raciocínio explanado na fundamentação vai num sentido e o dispositivo é em sentido oposto ou pelo menos em sentido diferente5


Anselmo de Castro ensinava que a nulidade cominada na 1ª parte da alínea c) não tem autonomia em relação à da alínea b) (falta de fundamentação de facto e de direito), defendendo que a sentença ou acórdão só enferma de nulidade quando falta em absoluto a fundamentação6.


*


No caso, nota-se que o arguente, na conclusão A) do seu requerimento, diversamente do procedimento adotado na motivação, referindo-se ao texto do acórdão que argui de nulidade omitiu a parte final do parágrafo que citava. Mas, pela enorme relevância, reproduz-se aqui, integralmente, a aludido trecho, sublinhando-se a parte omitida pelo autor: ------


a factualidade julgada não provada – e apenas se atendeu à que podia ser relevante para a decisão da causa -, foi assim considerada porque o autor não produziu prova bastante, a que convocou foi manifestamente insuficiente conforme exposto e, sobretudo, porque se julgaram provados factos contrários”.


Salienta-se também que as nulidades da sentença ou acórdão têm de resultar do respetivo texto. A sentença ou acórdão enfermam de nulidade quando “não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podem ter (cf. art. 615.º, 666.º, n.º 1, e 685.º CPC)7.


Não é esse, manifestamente, o âmbito da arguição em apreço. Ao invés, o arguente, certamente por não detetar qualquer vício lógico no texto do acórdão visado, viu-se na necessidade de convocar o despacho proferido nos autos, em .../.../2022, para poder alegar que resulta contraditório afirmar-se aí que nenhum relevo tem a prova testemunhal e que inexiste matéria de facto, em si mesma, controvertida e, no acórdão afirmar-se que os factos não provados na ação resultam da não produção de prova bastante pelo autor ou da circunstância de aquela que convocou ter sido manifestamente insuficiente - e, sobretudo (para dizer com exatidão) -, como se fez constar no acórdão, a fls. 115 -, porque se julgaram provados factos contrários.


Não se compreende que o arguente, reafirmando a sua concordância com o aludido despacho (cfr. 1ª parte do ponto 23 do seu requerimento), onde se concluiu que “nenhuma das partes pretende ou logra, bem vistas as coisas, pôr em causa a dinâmica factual subjacente à relação material controvertida”, venha manifestar, agora, o seu putativo desacordo com a decisão em matéria de facto.


O arguente, confundindo factos e provas, considerava, pelos vistos, que “o facto não controvertido relevante é a falta de prova bastante que resulta da decisão disciplinar” (cfr. ponto 31 do seu requerimento).


Mas, essa afirmação é o remate da expressão da discordância do arguente com o julgamento da matéria de facto. Ou, em outro registo, a alegação de um putativo erro de julgamento.


Ademais de o acórdão visado não ter incorrido nesse ou qualquer outro erro, olvida o arguente que no catálogo, taxativo, das causas de nulidades da sentença não se incluem o erro de julgamento, alegada injustiça da decisão ou suposta não conformidade com o direito material aplicável.


Reafirma-se que a nulidade arguida, prevista na 1ª parte da al.ª c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, ocorre quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduziriam logicamente a resultado oposto ou diferente ao que consta do dispositivo da sentença ou acórdão.


Ora, basta uma leitura simples, minimamente atenta do acórdão visado para se concluir que a decisão de improcedência da ação é a decorrência lógica da linha de pensamento empreendida na motivação, mostrando-se o dispositivo em perfeitamente congruente com a extensa fundamentação ali exposta.


Compulsado o acórdão visado, verifica-se que o Tribunal analisou criteriosamente as questões que lhe foram submetidas através do articulado do autor (petição inicial), designadamente a que respeitava à apontada discordância quanto à apreciação efetuada pelo Plenário do CSM a propósito da prova documental e pessoal já constante dos autos.


Ancorando-se unicamente naquela prova, o acórdão, sindicando a facticidade que a deliberação impugnada deu com assente, debruçou-se de forma lógica e crítica sobre todas as questões suscitadas, não se verificando qualquer antagonismo entre a fundamentação efetuada a respeito das questões apontadas pelo autor (e pelo réu) e a decisão proferida.


Em momento algum resulta do acórdão que os fundamentos ali expostos, dos quais diverge o autor, conduzissem necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou de sentido diferente. Pelo contrário, reafirma-se, a decisão é o corolário congruente da fundamentação.


Reproduzindo palavras constantes do mencionado acórdão do STJ, de 23/09/2020 (processo n.º 52/19.0YFLSB):“Se a interpretação e a relevância que o acórdão deu a certos factos ou se a conclusão que deles se extraiu foi, ou não, a mais correta, são questões que têm que ver com o mérito da decisão e com um eventual erro de julgamento, mas que nada têm que ver com a construção lógica do acórdão, que se mostra coerente.


Coisa diversa é, pois, a discordância quanto à interpretação dos factos e à solução jurídica dela decorrente, distinta da pretendida e ensaiada pelo autor na sua petição inicial e que agora mais não faz que reiterar.


A maior ou menor relevância que o acórdão conferiu às provas, a interpretação que fez dos factos e a conclusão que extraiu, merecendo ou não concordância, poderão associar-se ao mérito da decisão, mas não intercedem com a construção lógica do acórdão, a qual se mostra logicamente correta.


Realçando-se que as objeções das partes que, em substância e como argui o autor, se traduzem na invocação de errada apreciação das provas ou erro de julgamento dos factos e de pretenso erro de direito, não determinam a nulidade da sentença.


*


Alega também o arguente que a afirmação, constante do acórdão em crise, de que a convicção se formou “com especial enfoque” na acusação deduzida contra o autor no processo criminal n.º 19/16.0..., significa que este Tribunal assentou a sua convicção em matéria e elementos probatórios que se encontram ainda a ser discutidos em sede própria (os tribunais criminais) e que apenas agora irão ser objeto da adequada produção de contraprova por parte do autor, ali arguido e de apreciação por parte do tribunal criminal competente.


Alegação que evidencia bem o exato sentido da pretensão, insistindo em questionar a valoração probatória efetuada pelo Tribunal competente para conhecer e decidir a pretensão de tutela jurídica que foi intentada neste processo.


Ainda assim, quanto à ponderação da prova coligida no aludido processo n.º 19/16.0..., impõe-se afirmar que o acórdão visado, tendo efetuando uma análise consentânea com a autonomia (jurisprudencialmente reconhecida) entre o processo criminal e o processo disciplinar (cfr. págs. 122 e 123), ademais de ter apreciado essa concreta questão suscitada pelo autor, tratou-a detalhadamente, não merecendo qualquer reparo.


Conclui-se, assim, pela manifesta improcedência da arguida nulidade ora em epigrafe.


*

II - nulidade por ininteligibilidade da decisão decorrente de ambiguidade e/ou obscuridade dos fundamentos:

O autor, ora arguente, embora acrescentando que o acórdão visado enferma de nulidade por alegada ininteligibilidade decorrente de ambiguidade ou obscuridade, não cuidou de especificar em que se traduzira tal ou tais vícios da decisão.


De todo o modo, esclarece-se que somente é admissível o conhecimento do vício de ambiguidade ou obscuridade que “torne a decisão ininteligível”, sendo, então, fundamento de nulidade, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do referido diploma.


É que, no regime processual civil vigente, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, diferentemente do regime antecedente, somente a ambiguidade ou obscuridade que se reflita na cognoscibilidade do sentido decisório constitui nulidade da sentença ou acórdão.


Na jurisprudência deste Supremo Tribunal entende-se, pacificamente, que “a ambiguidade ou a obscuridade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615.º só releva quando torne a parte decisória ininteligível e só torna a parte decisória ininteligível quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar8 (


Do sumário do acórdão de 11.04.2007, deste Supremo Tribunal, tirado no processo n.º 06P4086, consta: -------------


III - “O acórdão é obscuro quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, ou seja, quando não se sabe o que o juiz quis dizer. Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. A obscuridade de uma sentença é a imperfeição desta que se traduz na sua ininteligibilidade.


Só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exacto não pode alcançar-se.


IV - A ambiguidade tem lugar quando à decisão, no passo considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes. A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo.


V - Mas deve ter-se em conta que o haver-se decidido bem ou mal, de forma correcta ou incorrecta, em sentido contrário ao preconizado pela requerente, é coisa totalmente diversa da existência de obscuridade ou ambiguidade do acórdão. Com efeito, se do pedido de aclaração resulta que a reclamante compreendeu bem os fundamentos da decisão, e apenas não concordou com aqueles e esta, não ocorrem aquela obscuridade e ambiguidade.”


Na síntese definitório do acórdão de 12.05.2021, deste Supremo, proferido no processo n.º 143/17.1GDEVR.E1.S1, relatado pelo aqui relator: -----


“”III - Obscuridade é a falta de claridade, a ininteligibilidade da decisão.


IV - Ambiguidade significa ambivalência, pluralidade de sentidos.


No caso, o autor, não só não concretiza qualquer falta de claridade da decisão, como ressalta da sua arguição que o decidido no acórdão visado não dá azo a qualquer interpretação ambivalente. Certamente porque não detetou ambiguidade alguma da decisão ou obscuridade dos respetivos fundamentos, mais não fez que reclamar divergências entre o teor de um despacho proferido anteriormente nos autos e o julgamento da facticidade a que se procedeu no acórdão de ........2023.


Ao invés do que alega o autor, o acórdão visado é claro e inteligível, não podendo objetivamente subsistir a alegada ambiguidade ou obscuridade após leitura atenta da respetiva fundamentação. Aliás, a argumentação do autor/arguente evidencia que apreendeu perfeitamente o conteúdo do acórdão, sendo manifesto que as questões suscitadas no requerimento apresentado não se traduzem, na verdade, na formulação de qualquer dúvida relativamente ao significado do seu teor, antes a afirmação de discordância relativamente aos seus fundamentos e sentido decisório. O que tanto basta para se concluir pela manifesta falta de fundamento desta pretensão do autor.


III - nulidade por omissão de pronúncia:


Alega, por outro lado, o autor que a nulidade por omissão de pronúncia que imputa ao acórdão é, in casu, uma decorrência lógica da invocada contradição entre a decisão e os respetivos fundamentos porquanto “se não existe matéria controvertida no presente processo necessitada de mais prova do que aquela que resulta junta aos articulados e do processo instrutor, esta matéria deve constar como provada no presente acórdão.”


Concretiza que, apesar de expressamente mencionado na petição inicial, o Relatório elaborado pelo CSM (junto ao processo disciplinar) referente ao número de distribuições manuais/atribuições que foram realizadas no Tribunal da Relação …, foi “omitido” no acórdão visado, tendo sido, igualmente, omitida qualquer pronúncia sobre as conexas questões jurídicas constantes dos artigos 99.º e seguintes daquele articulado.


Acrescenta que resultando “incontrovertido” daquele Relatório a existência de diversas situações em que os Senhores Presidentes de todos os Tribunais Superiores (incluindo do Supremo Tribunal de Justiça) procederam à realização de distribuições manuais/atribuições, impunha-se, por essencial, a obtenção de decisão expressa sobre tais factos.


Concluiu que, nessa conformidade, “resulta que o acórdão enferma de nulidade, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, pois deixou de pronunciar-se sobre questões de que teria de tomar conhecimento – violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, in casu, sobre a prática da distribuição nos Tribunais Superiores –, devendo esta matéria ser objeto de decisão expressa.”.


Também sobre a questão da nulidade por omissão de pronúncia o Supremo Tribunal de Justiça tem jurisprudência vasta e uniforme.


Omissão de pronúncia geradora de nulidade somente ocorre quando o tribunal não aprecia ou não decide matérias que a lei impõe que conheça e decida. Essas questões são aquelas que as partes submetam à apreciação do tribunal (cfr. n.º 2 do artigo 608.º do CPC) e aquelas que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação, quer respeitem à relação material, quer à relação processual.


Na fundamentação do citado Acórdão de 30/05/2023, desta Secção, prolatado no processo n.º 45/18.4YFLSB, expendeu-se9: ------


“A omissão de pronúncia e o excesso de pronúncia reconduzem-se, por sua vez, à inobservância dos estritos limites do poder cognitivo do tribunal.


A decisão queda-se aquém ou foi além do thema decidendum ao qual o tribunal estava adstrito, consubstanciando-se no uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se ter deixado por tratar de questões que deveria conhecer (no caso da omissão de pronúncia) ou por se ter abordado e decidido questões de que não se podia conhecer (no caso de excesso de pronúncia).


A respeito da omissão de pronúncia, deve-se adicionalmente notar que os fundamentos (de facto ou direito) apresentados pelas partes para defender a sua posição, os raciocínios, argumentos, razões, considerações ou pressupostos - que, podem, na terminologia corrente, ser tidos como “questões” - não integram matéria que deva ser objecto de pronúncia judicial. Na verdade, a actividade judicativa deve apenas incidir sobre os «(…) fundamentos autónomos da acção que, como tal, podem conduzir à procedência do pedido ou pedidos e as que tenham sido alegadas pela defesa como facto extintivo, impeditivo ou modificativo do direito que o autor se pretende arrogar (…)», neles se consubstanciando a noção de “questões” à volta das quais gravita a referida infracção processual.(…)”.


Na fundamentação do citado acórdão de 23/09/2020, desta Secção, tirado no processo n.º 52/19.0YFLSB10, pode ler-se: -------


“ (…) constitui jurisprudência pacífica e reiterada que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões. Sendo que, como ensina o Prof. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, p. 143: «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão». A doutrina e a jurisprudência distinguem, pois, as “questões” dos “argumentos” ou “razões”, para concluir que só a falta de pronúncia sobre questões de que o tribunal deva conhecer integra a nulidade prevista no atual artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.


Como referia aquele Professor: «São, na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (idem, ob. cit.).


Decorre desta interpretação que a decisão não padece de nulidade quando não analisa um certo segmento jurídico que a parte apresentou, desde que fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito.


E é também jurisprudência pacífica que só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. art.º 608.º, nº 2, do CPC).


Deste modo, o julgador não tem de analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas (ALBERTO DOS REIS, ob. cit., pag. 141; ANTUNES VARELA / J. MIGUEL BEZERRA / SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pag. 688.). Por isso, não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da ação. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, exceto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.”.


No mesmo sentido, atente-se, ainda, no teor dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09/02/2017, processo n.º 2913/14.3TTLSB.L1.S111; de 08/03/2023, processo n.º 5987/19.7T8LSB.L3.S112 e de 16/05/2018, processo n.º 92/17.3YFLSB13.


O Juiz tem o dever de apreciar todas as questões de facto apresentadas pelas partes e resolvê-las aplicando o que for de direito. Mas esse dever não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelos litigantes.


Questões a resolver são as concretas pretensões de tutela jurídica e as respetivas causas de pedir. Não se confundindo com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os motivos, os juízos de valor com que as partes esperam convencer o tribunal.


Neste entendimento, que se reafirma, relativamente à argumentação de que o teor do Relatório referente ao número de distribuições manuais/atribuições realizadas nos Tribunais Superiores não foi objeto de apreciação, realça-se que o acórdão assinalou a questão (cfr. pág. 150 do acórdão), debruçando-se, logo se seguida, sobre a mesma (págs. 198 a 200), ainda que não da forma pretendida pelo autor.


A distribuição por atribuição fez-se, faz-se e vai continuar a fazer-se sempre que a lei assim expressamente impôs e continua a impor. É a distribuição a que obriga, entre outras disposições normativas, o disposto no art.º 218º do CPC e 426.º n.º 4 do CPP.


Mas essa era, é, e permanecerá sendo uma atribuição lícita, previamente definida em lei certa.


Distribuição por atribuição ex legis que nada tem a ver e, consequentemente, não ampara, nem pode justificar, de modo nenhum, procedimentos como os relatados nos factos provados. Não é admissível a postergação dos procedimentos legalmente imposto por atos meramente discricionários.


Pelo que não se pode aceitar que o autor, ora arguente, tenha a veleidade de pretender que o tribunal “meta no mesmo saco”, tratando-as como se fossem juridicamente iguais, a distribuição por atribuição imposta por leis expressas e a atribuição manual que efetuou dos três processos pelos quais está sancionado disciplinarmente.


Acresce que, ainda que assim não fosse, reitere-se, somente “Há nulidade da decisão, por omissão de pronúncia quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões (…)14”. (Sublinhado nosso).


Refira-se, por fim, que, em boa verdade, mais do que fundamentar as arguidas nulidades, o autor insiste na reiteração dos argumentos que sustentavam a sua discordância relativamente à deliberação impugnada. Mas, a reiteração em sede arguição de nulidades dos fundamentos que suportaram a ação, extravasa o âmbito da arguição de nulidades.


O acórdão visado não enferma, pelo exposto, as arguidas nulidades (ou de quaisquer outras).


**


Da reforma do acórdão de .../.../2023:


O autor requer, ainda, a reforma do acórdão de ........2023, aduzindo que tal deve fazer-se porque:

- ocorreu em manifesto erro na determinação da norma aplicável e na qualificação jurídica dos factos;

- pela não consideração de documento que implica necessariamente decisão diversa da proferida.

Alega, em suma, que do processo constam (designadamente do “processo administrativo instrutor”) documentos que, por si só, implicariam decisão diversa da proferida.


Convocando, novamente, a argumentação expendida quanto aos atos de distribuição “especiais” realizados nos Tribunais superiores e reiterando a omissão de apreciação do aludido Relatório no acórdão sub judice, conclui que este deverá ser objeto de reforma, nos termos da al. b) do n.º 2 do art. 616.º do CPC, porquanto a avaliação daquele documento importaria necessariamente decisão diversa da que foi tomada.


Alega, ainda, constar do processo administrativo documento que obriga a decisão diversa da que foi proferida nos pontos 8.3., 8.5., 8.6., 8.9. (fls. 15 do acórdão de .../.../2023).


Concretiza que naquele ponto 8.3. foi dado como provado que “nesse mesmo dia 07.01.2013, pelas 3h00, utilizando o aparelho de marca IPHONE, modelo 6 (A1586), com o IMEI .............68, BB contactou AA, então ... do Tribunal da Relação ..., com o contacto telefónico .......98”. Porém, do processo administrativo não resulta qualquer prova que respeite ao telemóvel do autor, designadamente, inspeção àquele aparelho, sendo que a única documentação existente respeita a inspeção ao telemóvel de BB.


E continua objetivando da seguinte forma:


- “A relevância do presente tema resulta evidenciada do facto que consta do ponto 8.6., no qual se revela que BB remeteu uma mensagem via spotlight para o A. quando não resulta do processo qualquer evidencia que o A. teria aquela aplicação (e não tinha).”;


- “O A., no processo disciplinar, sempre afirmou que nunca recebeu tal mensagem via spotlight nem qualquer outra no seu telemóvel.”;


- “Aliás, tanto assim é que resulta da decisão disciplinar (a fls. 205) que “a aplicação spotlight vem indicada como sendo instalada no emissor e não no recetor”.”;


- “Se assim é, tais factos não poderiam ser dados como provados, o que resultaria na invocada violação de lei da decisão disciplinar.


- “E, consequentemente, também resulta apodítico que a decisão disciplinar não podia considerar provado o facto 8.9. (fls. 16 do acórdão sub judice) por ter os factos provados anteriores como fundamento.”;


- “O CSM e este douto Tribunal dão como Provado no Ponto 8.5 que o Senhor ... CC: “se encontrava na posse das alegações de recurso de DD” (…) “pretensamente enviadas por EE” (Ponto 7.2).”;


- “Sobre esta matéria não existe qualquer prova no processo disciplinar que permita tal conclusão.”;


- “Com efeito, já depois da decisão proferida no processo disciplinar em relação ao aqui A., o CSM determinou o arquivamento do processo disciplinar respeitante ao Senhor ... CC e, nessa conformidade, determinou o arquivamento do processo disciplinar instaurado, por não se ter provado que este Senhor ... tenha rececionado as referidas alegações - Proc. ..........04.”;


- “O ponto 38 dos factos provados contraria o que resulta de fls. 251-252 da decisão disciplinar, porquanto não está em causa o número de dias, mas sim o número de sessões em que ocorreu a distribuição de processos, realçando-se que, à data dos factos, a distribuição era realizada semanalmente.”;


- “No acórdão de ........2023 é decidido que a testemunha FF “sobre pastas nada disse”, quando, em ... de ... de 2020 – data referida para apresentar essa afirmação –, a senhora testemunha se reportou a “pastas de arquivo”, conforme invocado expressamente na p.i. (arts. 221.º, 222.º e 228.º) e consta do depoimento transcrito e junto ao processo administrativo.”.


Concluiu que o acórdão de ........2023 deverá também ser objeto de reforma nesta parte, nos termos da al. b) do n.º 2 do art. 616.º do CPC.


Por fim, afirmando que o acórdão de ........2023 cindiu ilicitamente a sua confissão, o autor alega que o mesmo padece de erro na determinação da norma aplicável e na qualificação jurídica dos factos.


Sustenta que, naquele aresto é expressamente decidido que “a convicção do Tribunal relativamente aos factos provados consolidou-se desde logo na confissão, pelo Autor, na petição inicial, de ter subtraído os 2 processos penais em causa à distribuição automática por todos os/as Juízes/as Desembargadores/as das três secções criminais e o processo cível à distribuição por todos/as os/as juízes Desembargadores/as das cinco secções civis do Tribunal da Relação ... e a assunção de que ordenou a distribuição manual nos dois processos criminais e a atribuição manual do processo cível.”. No entanto, salienta, “invocou igualmente os factos ou circunstâncias em que tal não distribuição sucedeu”, “incluindo a invocação que apenas o efetuou por serem atos de gestão e que, no caso, apenas foi efetuado num dado quadro fático (…) quadro fáctico esse indissociável da pretensa confissão do A.”.


Assim, pretendendo o Tribunal dar como confessados factos invocados pelo autor, tem igualmente de dar como provado o quadro fáctico que suporta aquela “confissão”, nos termos do art. 360.º do Código Civil.


*


Quanto à reforma do acórdão, dispõe o art. 616.º, no n.º 2 do CPC:


Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.”.

A propósito da reforma da sentença, pronunciou-se o Acórdão de 18/03/2021, do Supremo Tribunal de Justiça, (processo n.º 1012/15.5T8VRL-AU.G1-A.S1)15, fazendo-o nos termos seguintes: ---------


É pressuposto desta reforma a existência de “lapso manifesto”, ou na determinação da norma aplicável, ou na qualificação jurídica dos factos (alíneas a) e b)), ou, finalmente, (alínea b)) na desconsideração de elementos de prova (documental ou outra) constantes dos autos e que, se atendidos, implicariam necessariamente decisão diversa da proferida.


(…)


A reforma da decisão não é um recurso – nem na modalidade de reapreciação ou reponderação, nem da de reexame (aqueles, ao contrário destes, sem possibilidade de “jus novarum”), pelo que não pode servir para mera manifestação de discordância do julgado, mas apenas, e sempre perante o juízo decisor – tentar suprir uma deficiência notória.”.


Ainda a respeito desta temática, disse-se no Acórdão do STA, de 01/07/2020, processo n.º 0153/07.7BECTB16:


A possibilidade de reforma de decisão judicial, ao abrigo do preceituado nos arts. 613.º, n.º 2 e 616.º, n.º 2, do CPC, constitui um limite ao princípio estruturante consagrado no art. 613.º, n.º 1, do mesmo Código, que impõe a extinção do poder jurisdicional do juiz depois de proferida a decisão.


Essa possibilidade está rigorosamente circunscrita às situações delimitadas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 616.º do CPC: quando, «por manifesto lapso do juiz», «[t]enha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos» ou quando «[c]onstem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem, necessariamente, decisão diversa da proferida».


Como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar repetidamente, a reforma do acórdão, que possui carácter excepcional, não abrange as situações em que o requerente se limita a manifestar a sua discordância com a decisão tomada, mas aquelas situações em que a decisão enferme de erros palmares, patentes, que, pelo seu carácter manifesto, se teriam evidenciado ao autor ou autores da decisão, não fora a interposição de circunstância acidental ou uma menor ponderação tê-la levado ao desacerto.”.


E veja-se, ainda, o seguinte excerto do mencionado Acórdão do STJ de 30/05/2023 (processo n.º 45/18.4YFLSB):


o incidente de reforma da decisão não se destina a veicular a discordância em relação ao julgado ou a demonstrar a existência de “error in judicando” - como é intentado pelo Autor -, não constituindo, pois, como que um sucedâneo do recurso, no contexto do qual se possam reverter pretensos erros de julgamento antes cometidos.


(…)


A previsão da alínea b) do n.º 2 do artigo 616.º do Código de Processo Civil reporta-se à existência, no processo, de meios de prova dotados de força probatória plena que, por si só, “impliquem necessariamente decisão diversa da proferida” e pressupõe que o juiz os haja desconsiderado por manifesto lapso.”.


Como sintetiza o respetivo sumário, no acórdão de 2.12.2021, desta Secção, proferido no processo n.º 9/21.0YFLSB, decidiu-se: -----


I. É pressuposto da reforma da sentença ou acórdão ao abrigo do disposto no art. 616.º, n.º 2, do CPC, além de não caber recurso da decisão, a existência de lapso manifesto na determinação da norma aplicável, na qualificação jurídica dos factos ou na desconsideração de documentos com força probatória plena ou outros meios de prova com efeito semelhante, com influência direta e causal no resultado, se atendidos.


II – O lapso manifesto tem de ser evidente e incontroverso, revelado por elementos exteriores à sentença ou acórdão reformandos, não se reconduzindo à mera discordância quanto ao decidido.


III - Não é permitida a reforma do acórdão quando apenas é fundada em manifestações de discordância do julgado e se pretende a alteração do decidido.”


Por sua vez, no entendimento do Tribunal Constitucional (máxime: Acórdão n.º 198/2022) “A nulidade da decisão judicial por omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º e artigos 716.º, n.º 1, e 732.º do Código de Pro­cesso Civil (CPC), constituindo sanção para o incumprimento do dis­posto na primeira parte do n.º 2 do artigo 660.º do CPC, que impõe ao juiz o dever deresolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excep­tuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.


Na doutrina, sustenta-se que “o lapso manifesto a que se reporta o n.º 2 tem de ser evidente e incontroverso, revelado por elementos que são exteriores ao despacho, não se reconduzindo à mera discordância quanto ao decidido”


São considerados pertinentes para efeitos de admissibilidade da reforma (…) os lapsos manifestos do juiz na determinação da norma aplicável ou na sua interpretação, a par das situações, seguramente patológicas também, em que tenham sido desconsiderados documentos com força probatória plena ou outros meios de prova com semelhante efeito17


Conforme referido, alega o autor/requerente que os meios de prova e os fundamentos legais invocados nos autos conduziriam necessariamente a decisão diversa daquela que foi tomada no acórdão cuja reforma agora reclama.


Mas somente tecendo razões de discordância relativamente à análise efetuada a propósito dos pontos 8.3., 8.5., 8.6., 8.9. e à relevância dada ao Relatório referente aos atos de distribuição que qualifica de “especiais”, realizados nos Tribunais Superiores, reiterando, em suma, a argumentação expendida na sua petição inicial. Em suma, discordando do julgamento que o Tribunal fez da facticidade provada.


Percorrido o acórdão reformando, verifica-se que, ainda que com ele o requerente não concorde, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se detalhada e fundamentadamente sobre todas as questões suscitadas nos autos, avaliando e analisando a confissão da materialidade objetiva confessada pelo autor, bem como a argumentação com que pretendeu legitima-la, examinando também, conjugada e criticamente aquela com toda documentação junta aos autos, com especial enfoque para a que instruiu o processo disciplinar. Está, pois, completamente deslocada a alegada desconsideração de quaisquer documentos ou meios de prova plena e muito menos que pudessem implicar necessariamente, decisão diversa.


Por outro lado, compulsado o requerimento do autor, constata-se que este não alicerça verdadeiramente o seu pedido de reforma em nenhuma das circunstâncias previstas no mencionado art.º 616.º (erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou existência no processo de documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida), mas, antes, na discordância do julgado.


Com efeito, repetindo argumentos constantes da sua petição inicial, o requerente tece várias considerações que mais não são do que a manifestação de seu desacordo relativamente ao acórdão reformando, sem apontar ou demonstrar qualquer erro manifesto, palmar ou evidente quanto ao decidido.


Nestes termos, não se vislumbra que tenha ocorrido qualquer “lapso manifesto”, na aceção do n.º 2 do art. 616.º do CPC, que sustente a pretendida reforma do acórdão.


Quanto à alegada indivisibilidade da confissão verifica-se que o autor nada veio objetar ao reconhecimento, - tanto na petição inicial como já antes no PD -, da materialidade dos factos. Pretende, isso sim, que, ademais da confessada facticidade objetiva se considerasse assente a justificação que alegou para ter violado a lei, para retirar da distribuição por sorteio e proceder à atribuição manual dos processos identificados nos factos provados. Como bem compreenderá, - razão pela qual se tem por abundante mais pormenorizada explicitação -, nenhum facto ou ato ofensivo da a lei deixa de ser ilícito e punível pela circunstância de o seu agente confessar os factos materiais que desrespeitam a correspondente prescrição normativa.


Daí não assistir razão ao autor, devendo indeferir-se a requerida reforma do acórdão.


C: decisão:


Em face do exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, Secção de contencioso, acordam em: ----

a. indeferir as nulidades arguidas;

b. indeferir a pretendida reforma do acórdão.


Condena-se o autor nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 2UCs.


Lisboa, 09 de janeiro de 2024


Nuno A. Gonçalves (Juiz Conselheiro Relator)


Orlando Gonçalves (Juiz Conselheiro Adjunto)


Maria Olinda Garcia (Juíza Conselheira Adjunta)


Ferreira Lopes (Juiz Conselheiro Adjunto)


António Magalhães (Juiz Conselheiro Adjunto)


Catarina Santos Serra (Juíza Conselheira Adjunta)


Maria dos prazeres Beleza (Juíza Conselheira Presidente da secção de Contencioso)


____________________________________________________

1. Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra, 1985, p. 684)↩︎

2. http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/↩︎

3. http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/↩︎

4. http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/↩︎

5. Alberto dos Reis, in C.P.Civil Anotado, vol, V, pág 142 e A. Varela, J.M. Bezerra e S. e Nora, in Manual de Processo Civil, 1984, pág. 671↩︎

6. Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina 1982, pág 141 e 142.↩︎

7. Miguel Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, 18-04-2018, in https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+processual.↩︎

8. Cfr. acórdão do STJ de 20/05/2021, proc. n.º 69/11.2TBPPS.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt↩︎

9. http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/↩︎

10. http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/↩︎

11. http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/↩︎

12. http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/↩︎

13. https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2018:92.17.3YFLSB.96/↩︎

14. Cfr. sumário do acórdão do STA, de 11/05/2016 (processo nº 01668/15), consultável em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/0/6dcbd30d7bb8e8fd80257fb70048b666↩︎

15. http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/↩︎

16. http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/↩︎

17. Código de P rocesso Civil Anotado, António Geraldes, Paulo Pimenta, Luis Filipe Sousa, Almedina, 2018, vol I, pag. 739.↩︎