Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3594/23.9T8ENT-B.E1
Relator: SÓNIA MOURA
Descritores: CONTRADITA
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
Data do Acordão: 12/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:
1. O incidente de contradita serve para demonstrar qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afetar a razão da ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer, nos termos do artigo 521.º do Código de Processo Civil, logo, este incidente não visa demonstrar a falta de veracidade do conteúdo do depoimento da testemunha.

2. A junção de documentos no âmbito do incidente de contradita tem, assim, por escopo, exclusivamente, a prova das alegadas circunstâncias que abalam a credibilidade do depoimento, e não a demonstração da versão dos factos que a parte que deduz o incidente considera ser a verdadeira.


3. A junção de documentos em audiência é regida pelo artigo 423.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, à luz do qual esta deve ser justificada pela superveniência objetiva ou subjetiva do documento, ou por ocorrência posterior.


4. O desconhecimento do documento, que caracteriza a superveniência subjetiva, é relativo à parte e não ao seu Il. Mandatário, pelo que não se mostra preenchido aquele requisito se o documento cuja junção é requerida em audiência corresponde a uma carta subscrita e enviada pela própria parte, da qual esta conservou uma cópia, mas da qual não deu conhecimento atempado ao Il. Mandatário que a representa.


5. O depoimento de uma testemunha não configura ocorrência posterior, a menos que de tal depoimento se extraiam factos novos e instrumentais ou atinentes a pressupostos processuais, isto é, excluindo-se os factos essenciais alegados nos articulados.


6. O exercício dos poderes inquisitórios do Tribunal em sede probatória, consagrados no artigo 411.º do Código de Processo Civil, deve garantir o equilíbrio do sistema, concretamente:


- entre o princípio do inquisitório e os princípios do dispositivo, preclusão e autorresponsabilidade das partes;


- entre os interesses das partes e a posição de imparcialidade que o juiz deve preservar ao longo de todo o processo.


(Sumário da responsabilidade da Relatora, nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil)

Decisão Texto Integral: ***

Apelação n.º 3594/23.9T8ENT-B.E1


(1ª Secção)


***


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


I - Relatório


1. PAO II – Investimentos Imobiliários, Lda., deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa que lhe foi movida por AA, peticionando a extinção da execução.


2. Foi apresentada contestação e, de seguida, foi proferido despacho saneador.


3. No decurso da audiência de julgamento realizada a 02.04.2025, encontrando-se a Embargada a prestar declarações de parte, o seu Il. Mandatário fez o seguinte requerimento:


“AA, embargada nestes autos vem requerer a junção aos autos dos documentos ora entregues constituídos por comprovativos de envio de cartas, registos e avisos de receção de interpelações feitas à Poao e faz este requerimento neste momento porque apenas durante a audiência teve conhecimento dos mesmos e pela relevância para cumprimento do art.º 521º do C.P.C. no sentido de servir como contradita para os depoimentos prestados pelas testemunhas da embargante e pelo legal representante da mesma”.


O Embargante declarou não prescindir do prazo de vista.


De seguida, foi proferido o seguinte despacho:


“Por se revelar de eventual interessa para a descoberta da verdade e boa decisão da causa admite-se a junção aos autos dos documentos apresentados, concedendo-se o prazo de vista de 10 (dez) dias, não se sancionando a parte apresentante em multa, atenta a justificação apresentada.”


Após, a Embargada continuou a prestar declarações de parte, tendo terminado aqui a produção de prova, pois na sessão seguinte, realizada em 23.05.2025, tiveram lugar apenas as alegações finais.


4. Inconformada com o despacho acima transcrito, a Embargante veio apelar do mesmo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:


“a) A decisão recorrida viola o disposto no art. 423º, nº 3, do Cod. Proc. Civil quando admite a junção aos autos de um documento apresentado em audiência de julgamento que estava na disponibilidade da parte há mais de seis anos;


b) Não sendo o critério de um eventual interesse para a decisão a proferir passível de suprir a violação pela parte da auto responsabilidade que lhe esta subjacente, sob pena de violação crassa do princípio do contraditório;


c) O exercício dos poderes inquisitórios do juiz não pode ser usado para colmatar toda e qualquer falta das partes a respeito da apresentação tempestiva dos meios de prova


d) Princípio do contraditório que foi igualmente ignorado pela decisão recorrida, proferida antes de acabado o prazo de pronuncia, não exercido pela parte, ainda que concedido;


e) Tanto mais que, as declarações de parte ou o depoimento de uma testemunha prestadas na audiência final não constituem circunstância passível de integrar o conceito de ocorrência posterior de forma a justificar a junção tardia de documentos;


f) O despacho recorrido violou os comandos e princípios legais invocados nas presentes conclusões de recurso.”


7. Não foram apresentadas contra-alegações.


8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Questões a Decidir


1. O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).


Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).


2. Impõe-se aqui apenas uma nota, a respeito da admissibilidade do recurso.


O recurso foi admitido com base no disposto no artigo 644.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil, norma que consente a apelação de despacho interlocutório de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova.


Como resulta do relatório que antecede, a junção de documentos foi requerida ao abrigo da norma que tipifica o incidente de contradita.


Ora, salienta Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 8ª ed., Coimbra, 2024, p. 293) que não são abrangidas pelo referido artigo 644.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil, “outras decisões respeitantes a incidentes suscitados no âmbito da prova testemunhal, como sucede com a acareação ou a contradita, pois em nenhum deles se trata de “admitir” ou “rejeitar” meios de prova, antes de controlar o valor probatório.”


No entanto, como também resulta do relatório que antecede, não foi proferido despacho de admissão ou rejeição do incidente, tendo apenas sido admitidos os documentos, pelo que o objeto do recurso não é a decisão do incidente de contradita, mas aquele despacho que admitiu os documentos.


Entende-se, assim, que o recurso é admissível.


3. Em conclusão, no caso em apreço cumpre apreciar se deve ser revogado o despacho que admitiu os documentos apresentados em audiência pela Embargada.


III – Fundamentação


1. Os factos relevantes para a apreciação do recurso são os que constam do relatório que antecede.


2. Da contradita


2.1. Antes de mais, constata-se que o Tribunal a quo não indica o suporte legal para a junção ordenada, mas a Embargada requereu a junção dos documentos no âmbito do incidente de contradita, pelo que tendo sido assim circunscrita a finalidade e o fundamento da junção, deverá ser este o enquadramento da questão.


2.2. Assim, são três os incidentes atinentes à prova testemunhal, a saber, a impugnação, a contradita e a acareação, previstos, respetivamente, nos artigos 514.º, 521.º e 523.º do Código de Processo Civil, nos seguintes termos:


- Artigo 514.º (“Fundamentos da impugnação”)


“A parte contra a qual for produzida a testemunha pode impugnar a sua admissão com os mesmos fundamentos por que o juiz deve obstar ao depoimento.”


- Artigo 521.º (“Contradita”)


“A parte contra a qual for produzida a testemunha pode contraditá-la, alegando qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afetar a razão da ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer.”


- Artigo 523.º (“Acareação”)


“Se houver oposição direta, acerca de determinado facto, entre os depoimentos das testemunhas ou entre eles e o depoimento da parte, pode ter lugar, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, a acareação das pessoas em contradição.”


Deste modo, no caso da impugnação estão em causa razões que determinam que a pessoa em causa não possua capacidade para ser testemunha, por remissão para o disposto nos artigos 495.º, n.º 1 e 496.º do Código de Processo Civil; no caso da contradita, o incidente visa demonstrar a falta de credibilidade da testemunha; e no caso da acareação, o incidente visa evidenciar que o conteúdo do depoimento da testemunha não é conforme à verdade dos factos.


2.3. A propósito da contradita referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., Coimbra, 2024, p. 618): “Pretende-se com este incidente fornecer ao julgador determinados factos acessórios, exteriores ao depoimento prestado, que o ponham de sobreaviso na apreciação da força probatória do depoimento. Este incidente visa questionar a credibilidade da própria testemunha e não a veracidade do seu depoimento, aspeto a que se ajusta a acareação (art. 523º), nem a capacidade para depor, que é avaliada no incidente de impugnação (art. 515º).” (…)


Entre os fatores capazes de afetar a fé ou a credibilidade da testemunha encontram-se a vida e costumes da pessoa, o interesse no pleito, o parentesco ou o relacionamento com as partes que tenham sido omitidos durante a inquirição.”


Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Coimbra, 2017, p. 406) explicam que “Através da contradita, faz-se valer uma exceção probatória (…) contra a força de prova do testemunho acabado de prestar. Não se trata já, como se pode fazer em instâncias (…), de atacar o conteúdo do depoimento, fazendo valer a sua falsidade, mas de invocar novos factos (acessórios) que, sendo exteriores ao depoimento, ponham em causa a razão de ciência invocada pela testemunha ou a fé que ela possa merecer, destruindo ou enfraquecendo o depoimento prestado, de modo que a que o juiz não venha a tê-lo em conta, ou o tenha só reduzidamente em conta, no juízo que fará sobre a prova dos factos que dele foram objeto.”


Consta, depois, do artigo 522.º do Código de Processo Civil, o modo de dedução do incidente da contradita, aí se dizendo que:


“1 - A contradita é deduzida quando o depoimento termina.


2 - Se a contradita dever ser recebida, é ouvida a testemunha sobre a matéria alegada; quando esta não seja confessada, a parte pode comprová-la por documentos ou testemunhas, não podendo produzir mais de três testemunhas.


3 - As testemunhas sobre a matéria da contradita têm de ser apresentadas e inquiridas imediatamente; os documentos podem ser oferecidos até ao momento em que deva ser proferida decisão sobre os factos da causa.


4 - É aplicável à contradita o disposto no n.º 3 do artigo 515.º.”


Revertendo ao caso concreto, vemos que a invocada contradita não foi deduzida no termo dos depoimentos das testemunhas da Embargante, antes surgiu no decurso das declarações da Embargada.


Por outro lado, a Embargada declarou que pretendia juntar os documentos “para contradita para os depoimentos prestados pelas testemunhas da embargante e pelo legal representante da mesma”.


Ora, como resulta do acima exposto, a contradita não visa colocar em crise os depoimentos em si mesmos, mas antes e diversamente as próprias testemunhas, não se aplicando, aliás, às partes, na medida em que estas, necessariamente, têm o comprometimento com a lide resultante da posição que nela ocupam.


A junção de documentos no âmbito do incidente de contradita tem, assim, por escopo, exclusivamente, a prova das alegadas circunstâncias que abalam a credibilidade do depoimento, e não a demonstração da versão dos factos que a parte que deduz o incidente considera ser a verdadeira.


As razões indicadas pela Embargada não são, pois, idóneas para fundamentar o incidente de contradita e, por isso, não são também suscetíveis de fundamentar a junção dos documentos requerida nesse âmbito.


3. Da junção de documentos em audiência: documento superveniente e ocorrência posterior


3.1. No despacho de admissão da junção não foi invocada qualquer norma legal de suporte para a decisão tomada, mas sustentou-se essa solução com fundamento em que os documentos se revelavam de “eventual interessa para a descoberta da verdade e boa decisão da causa”, e no recurso a Embargante convoca o disposto no artigo 423.º do Código de Processo Civil, norma que disciplina a junção de documentos, onde se estabelece que:


“1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.


2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.


3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”


São estas circunstâncias atinentes à estrutura da ação declarativa que justificam as regras contidas no referido artigo 423.º do Código de Processo Civil:


- o lugar próprio para a junção dos documentos é o articulado onde se alegam os factos que os documentos são idóneos a demonstrar;


- se a parte não tiver sido diligente na junção dos documentos ou se esta não lhe tiver sido possível em momento anterior, ainda pode juntá-los até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (no primeiro caso, mediante o pagamento de multa), assim se logrando a estabilização dos meios de prova constituídos, previamente ao julgamento, com a antecedência suficiente para que a parte contrária possa analisá-los;


- depois de iniciada a audiência de julgamento, só muito limitadamente a junção de documentos é possível, atendendo a que nesse momento processual a junção de documentos perturbará o andamento normal do processo.


Assim, porque nos encontramos em sede de audiência de julgamento, importa considerar as duas condições alternativas para a junção de documentos nesta fase processual, conforme enunciados no n.º 3 citado: a superveniência objetiva ou subjetiva; a ocorrência posterior.


Diz-se que o documento é superveniente quando foi produzido ou veio ao conhecimento da parte a menos de 20 dias da data em que se realize a audiência final (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., p. 541; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., p. 239).


Quanto à ocorrência posterior, salientam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (ob. cit., p. 241) que “não é um facto principal, pois este só pode ser introduzido na causa mediante alegação em articulado superveniente ou em articulado dum incidente (…), casos já cobertos pela norma do n.º 1; trata-se, antes, de um facto instrumental relevante para a prova dos factos principais ou de um facto que interesse à verificação dos pressupostos processuais, casos em que o documento que prova esse facto não pode deixar de se ter formado, também ele, posteriormente.” (no mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pp. 541-542).


Assim se tem pronunciado também a jurisprudência, encontrando-se estabilizado o entendimento de que o depoimento de uma testemunha não configura ocorrência posterior, a menos que de tal depoimento se extraiam factos novos e instrumentais ou atinentes a pressupostos processuais, isto é, excluindo-se os factos essenciais alegados nos articulados (neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 21.11.2019 (Manuel Bargado), Processo n.º 5145/18.8STB.E1-A, e de 05.12.2024 (Francisco Matos), Processo n.º 3914/21.0T8STB-A.E1; da Relação de Guimarães de 31.03.2022 (Antero Veiga), Processo n.º 7080/19.3T8VNF.G1, de 27.04.2023 (José Flores), Processo n.º 3212/19.0T8BCL-A.G1, e de 02.05.2024 (José Carlos Pereira Duarte), Processo n.º 3142/21.5T8BCL-B.G1; da Relação de Lisboa de 26.09.2019 (Ana de Azeredo Coelho), Processo n.º 27/18.6T8ALQ-A.L1-6, de 14.07.2021 (Edgar Taborda Lopes), Processo n.º 10866/19.5T8LSB-A.L1-7, de 12.10.2021 (Cristina Silva Maximiano), Processo n.º 5984/18.0T8FNC-B.L1-7, de 10.10.2024 (Rute Sobral), Processo n.º 30955/22.8T8LSB-A.L1-2, e de 26.05.2025 (Micaela Sousa), Processo n.º 15503/21.5T8LSB-A.L1-7; da Relação do Porto de 04.05.2022 (Filipe Caroço), Processo n.º 10639/20.2T8PRT-A.P1, de 25.10.2023 (Ana Luísa Loureiro), Processo n.º 1585/22.6T8GMR-A.P1, e de 22.09.2025 (Isabel Peixoto Pereira), Processo n.º 1129/24.5T8PNF.P1; todos in http://www.dgsi.pt/).


Deste modo, como se sintetizou no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24.11.2022 (Maria Adelaide Domingos) (Processo n.º 3211/16.3T8STR-A.E1, in http://www.dgsi.pt/), não se enquadra na previsão do artigo 423.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, “a junção de documentos que visam provar os fundamentos da ação ou da defesa (factos essenciais), nem os factos supervenientes, nem os que visam instruir a impugnação de testemunhas, o incidente de contradita, a impugnação da genuinidade de documento, a ilisão da autenticidade ou da força probatória do documento, porquanto tais incidentes têm regime específicos próprios para a junção dos meios de prova.”


Por outro lado, o requerimento de junção de documentos em audiência deve conter a indicação dos factos que sustentam a sua apresentação nessa fase processual, como se afirmou expressamente no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.06.2020 (Pedro Martins) (Processo n.º 9854/18.3T8SNT-A.L1, in http://www.dgsi.pt/): “II. A utilização da faculdade do art. 423/3 do CPC pressupõe que a parte, que apresenta os documentos, alegue e arrole prova, no próprio requerimento (art. 293/1 do CPC) de que não o pôde fazer antes ou que a apresentação só se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.”


Ora, a este propósito, a Embargada alegou que ”apenas durante a audiência teve conhecimento dos mesmos”.


Esta alusão remete-nos para o conceito de superveniência subjetiva.


Compulsados os documentos de que se cura, verifica-se que se trata de uma carta subscrita e enviada pela própria Embargada, acompanhada dos respetivos registo e aviso de receção, com data anterior à entrada em juízo da execução, cujas cópias se encontravam na sua posse, tendo sido durante as suas declarações que estes documentos surgiram e que foi feito o requerimento da sua junção pelo Il. Mandatário que a representa.


Conclui-se, assim, não estar preenchido o requisito da superveniência subjetiva, porquanto o desconhecimento que justifica a apresentação tardia do documento não é o do Il. Mandatário que representa a parte, mas antes o da própria parte. Se a parte não entregou, atempadamente, ao seu Il. Mandatário, os documentos relevantes para a defesa da sua posição na causa, sibi imputet.


Aliás, ainda que se ponderasse o requisito da ocorrência posterior, alcançar-se-ia a conclusão no sentido de não se verificar, de igual modo, este requisito, porquanto a junção dos documentos em causa foi requerida para provar as interpelações efetuadas pela Embargada à Embargante, matéria esta alegada na oposição e à qual a Embargada respondeu na sua contestação, pelo que não nos encontramos em presença de factos novos e que não constituam factos essenciais.


Não está, pois, justificada a junção dos documentos à luz do disposto no artigo 423.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.


3.2. Sublinha ainda a Embargante que não pode o juiz, oficiosamente, suprir a falta de junção oportuna dos documentos pela parte.


É consabida a importância e relevo crescente do princípio do inquisitório, designadamente, no domínio probatório, atento o disposto no artigo 411.º do Código de Processo Civil, onde se consagrou a solução de que “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”


Todavia, tem sido considerado na jurisprudência que o princípio do inquisitório não permite suprir a falta de iniciativa oportuna da parte no sentido da junção de documentos (neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.02.2025 (Hugo Meireles), Processo n.º 197/23.1T8CLB-A.C1, e de 16.09.2025 (Luís Cravo), Processo n.º 5149/21.3T8VIS-A.C1; da Relação de Évora de 29.09.2022 (Emília Ramos Costa), Processo n.º 6613/18.7T8STB-C-E1, de 06.06.2024 (Tomé de Carvalho), Processo n.º 3211/16.3T8STR-C.E1, e de 10.07.2025 (Filipe César Osório), Processo n.º 1343/23.0T8STB-B.E1, todos in http://www.dgsi.pt/); da Relação de Guimarães de 09.01.2025 (Vera Sottomayor), Processo n.º 1446/24.4T8VCT-A.G1; da Relação de Lisboa de 06.06.2019 (Laurinda Gemas), Processo n.º 18561/17.3T8LSB-A.L1-2, e de 20.11.2025 (Rui Vultos), Processo n.º 5815/20.0T8LSB-A.L1-8; da Relação do Porto de 10.10.2024 (Judite Pires), Processo n.º 650/22.4T8VLG-B.P1; todos in http://www.dgsi.pt/).


Ou seja, o princípio do inquisitório não pode ser invocado para “superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.10.2023 (Miguel Baldaia de Morais), Processo n.º 2518/21.2T8VNG-A.P1, in http://www.dgsi.pt/).


Importa, com efeito, garantir o equilíbrio do sistema, concretamente:


- entre o princípio do inquisitório e os princípios do dispositivo, preclusão e autorresponsabilidade das partes;


- entre os interesses das partes e a posição de imparcialidade que o juiz deve preservar ao longo de todo o processo.


Deste modo, as intervenções oficiosas do Tribunal não devem colocar em crise a equidistância que este deve preservar relativamente a ambas as partes.


A inobservância das regras legais sobre os meios de prova gera efeitos preclusivos, que são conformes com a necessidade de disciplina dos atos processuais, não podendo a intervenção oficiosa do Tribunal traduzir-se num desvirtuamento dessas regras, nem devendo o Tribunal assistir uma das partes em termos que se traduzam num benefício injustificado para essa parte.


Sem prejuízo, há, de igual modo, que ter presente que o juiz deve assegurar que o processo conduz a uma decisão materialmente justa, sendo, aliás, essa a finalidade da atribuição dos evidenciados poderes inquisitórios em matéria de prova, apontando-se as seguintes condições que devem presidir à intervenção oficiosa do Tribunal em sede probatória: de admissibilidade do meio de prova; da sua manifestação em momento processualmente adequado; da necessidade da diligência ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio; e de a prova a produzir incidir sobre factos que é lícito ao juiz conhecer (neste sentido, para além do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06.06.2024, acima indicado, e citado nas alegações de recurso, v. também o Acórdão da mesma Relação de 18.09.2025 (Filipe Aveiro Marques), Processo n.º 845/25.9T8STR-A.E1, in http://www.dgsi.pt/).


No caso em apreço consideramos que é fundamental ter presente que os documentos em causa foram produzidos pela própria parte que requereu a sua junção e que se encontravam na sua posse, o que entendemos que permite afirmar com segurança que a falta de junção atempada dos sobreditos documentos é imputável à parte, logo, não se justifica aqui a intervenção oficiosa do Tribunal.


Deve, pois, julgar-se procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, porquanto a junção de documentos que foi admitida não possui suporte legal.


4. As custas são suportadas pela Embargada, que fica vencida (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).


IV - Dispositivo


Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e indeferindo a requerida junção de documentos.


Custas do recurso pela Embargada.


Notifique e registe.


Comunique o presente Acórdão ao apenso A, que se encontra pendente na 2ª Secção Cível deste Tribunal da Relação.


Évora, 16 de dezembro de 2025.


Sónia Moura (Relatora)


Filipe Aveiro Marques (1º Adjunto)


António Fernando Marques da Silva (2º Adjunto)