Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | SÓNIA MOURA | ||
| Descritores: | PERSI COMUNICAÇÃO DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA ÓNUS DA PROVA EXECUÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 12/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | Sumário:
1. No que concerne ao “suporte duradouro” aludido nos artigos 14.º, n.º 4 (fase inicial), 15.º, n.º 4 (fase de avaliação) e 17.º, n.º 3 (extinção) do regime do PERSI, na jurisprudência tem-se entendido que: - pode tratar-se de uma carta ou de uma comunicação enviada por correio eletrónico, na medida em que ambas as formas permitem aceder à comunicação em momento posterior ao da sua emissão, comprovando os respetivos termos, ou seja, estamos em presença de documento, nos termos do artigo 362.º do Código Civil; - não é necessário que a carta seja enviada sob registo e com aviso de receção, na medida em que não consta tal exigência das normas apontadas, pelo que é suficiente o envio de uma carta simples; - não obstante, tais comunicações são recetícias, atenta a sua finalidade, pelo que se exige a prova do seu envio e receção; - as cartas, por si só, não demostram o seu envio, mas podem ser consideradas um princípio de prova desse envio, a complementar com apoio em outros meios de prova e em presunções judiciais. 2. Não tendo sido juntas sequer as próprias cartas que contêm as comunicações de integração dos Executados em PERSI e a respetiva extinção, e tratando-se de documento exigido para a prova da declaração, não pode a sua falta ser suprida senão por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, nos termos do artigo 364.º, n.º 2 do Código Civil. 3. A circunstância das cartas terem sido destruídas pelo Banco, designadamente, ao abrigo do disposto no artigo 20.º, n.º 2 do regime do PERSI, que estabelece um prazo máximo de conservação dos documentos, não justifica a falta de apresentação dos documentos, porquanto essa destruição ocorreu na pendência da presente execução e a Exequente tinha necessariamente consciência de que até à primeira transmissão dos bens penhorados podiam ser decididas pelo Tribunal todas as questões de conhecimento oficioso que importassem o indeferimento liminar do requerimento executivo, nos termos do artigo 734.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. (Sumário da responsabilidade da Relatora, nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil) | ||
| Decisão Texto Integral: | ***
Apelação n.º 2335/13.3TBSTR.E1 (1ª Secção) *** Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório 1. A Caixa Geral de Depósitos, S.A., instaurou a presente execução para pagamento de quantia certa contra AA e BB, para cobrança da quantia de € 29.820,51, através de requerimento executivo entrado em juízo em 09.10.2013. Alegou, no requerimento executivo, que: “1- A 28/02/2005 a exequente celebrou com AA e mulher BB, casados no regime de Comunhão de Adquiridos, na qualidade de mutuários, um contrato de Mútuo com Hipoteca, ao qual a exequente atribuiu o nº PT ..., no montante de € 60.000,00 (sessenta mil euros) - vide pf. doc.1 em anexo; 2 - Em garantia do capital mutuado, juros e despesas, foi constituída hipoteca, a favor da exequente, sobre os imóveis aqui indicados à penhora, pertencentes aos mutuários - vide pf. Doc.1, 2 e 3 em anexo; 3 - O empréstimo destinou-se a fins diversos – vide pf. doc.1; 4 - A partir de 01/12/2010 e em relação ao contrato supra indicado, os devedores deixaram de cumprir com as obrigações assumidas perante a exequente no âmbito do clausulado do mesmo; 5 - O incumprimento das obrigações assumidas no âmbito do contrato acima indicado, por parte dos mutuários, que deixaram de proceder ao pagamento das prestações mensais a que estavam obrigados, confere à exequente o direito de exigir judicialmente a totalidade do valor em dívida no âmbito do empréstimo, tendo em conta que o incumprimento do prazo de pagamento das prestações mensais determina o vencimento de todas as prestações vincendas e, por isso, a sua exigibilidade por parte da exequente. 6 - A exequente tem direito a receber o valor do capital em dívida, no âmbito do contrato celebrado com os executados, acrescido dos juros vencidos calculados nos termos legais e contratuais, os quais constam melhor reproduzidos na liquidação da obrigação, o que se peticiona.” 2. A execução correu os seus termos, tendo sido efetuada a penhora de um imóvel e diligenciada a sua venda por propostas em carta fechada, que se frustrou, pelo que se prosseguiu com a realização de diligências destinadas à concretização da venda por negociação particular. Em 11.05.2023, o Agente de Execução colocou à consideração do Tribunal a aceitação de uma proposta apresentada para aquisição do imóvel. 3. De seguida, em 13.09.2023, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “Notifique a exequente para, em 10 dias, esclarecer se os títulos executivos se referem aos seguintes contratos de crédito com clientes bancários e/ou respetivos fiadores: a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria; b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel; c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo; d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato; e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês. Nessa eventualidade, a exequente deverá juntar aos autos o respetivo PERSI no prazo de 10 dias, bem como juntar aos autos os documentos comprovativos do envio das referidas cartas do PERSI, designadamente registos postais (e/ou comprovativo do registo no site dos CTT), e/ou avisos de receção, bem como ainda os contratos subjacentes. Suspende-se a venda (designadamente quanto à aceitação de propostas, exercício de preferência e/ou remição, e/ou emissão de título de transmissão), e/ou quaisquer atos de transmissão, e/ou pagamentos, à exequente, até demonstração pela exequente do PERSI, nos termos ordenados.” 4. A Exequente Promontoria Mars Designated Activity Company, que no decurso da execução ingressou na posição da Caixa Geral de Depósitos, por virtude de cessão de créditos, declarou não possuir qualquer documento sobre a questão colocada pelo Tribunal a quo, pelo que foi notificada a Caixa Geral de Depósitos, a qual comunicou, em 13.10.2023, que em virtude de terem decorrido mais de 10 anos sobre a data dos factos não se encontram já em arquivo as cartas solicitadas, que datam de 18.04.2013. 5. Nesta sequência, o Tribunal a quo ordenou à Exequente que se pronunciasse quanto à extinção da execução, por falta de PERSI. 6. A Exequente respondeu, entendendo que não se verifica a causa de extinção da execução indicada no despacho. 7. Após, foi proferido despacho que declarou extinta a execução, por falta de PERSI. 8. Inconformada com esta decisão, a Exequente apelou da mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “A) Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida em 28/01/2025, a fls._, cujo conteúdo foi notificado à ora Recorrente em 13/02/2025, qual determinou a extinção da execução e a absolvição dos Recorridos no âmbito da presente ação, da qual o ora Recorrente não se conforma, porquanto a referida decisão padece de erro de julgamento. B) Fundamenta o Tribunal a quo a decisão proferida por entender que o Recorrente não provou a emissão e remessa das cartas do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (doravante, PERSI) instituído pelo Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, bem como de resolução contratual, uma vez que não foi possível fazer a sua junção dado que já passaram mais de 10 anos desde a sua elaboração. C) Desde logo, cumpre esclarecer que o ora recorrente atuou sobre o princípio geral de boa-fé processual pelo que, tanto as comunicações da integração, bem como as comunicações de extinção em PERSI foram feitas, com a consciência de que estaria a proceder em conformidade com o legalmente admissível, como o fez e não incumpriu, muito menos desrespeitou qualquer normativo legal. D) As comunicações de integração e de extinção do PERSI e bem assim as cartas de resolução, foram realizadas, através de carta, em consonância com o estabelecido do Decreto-Lei nº227/2012 de 25 de Outubro. Contudo: E) Preceitua o n.º2 do artigo 20.º do DL n.º 227/2012, de 25/10 que “As instituições de crédito devem conservar os processos individuais durante os cinco anos subsequentes ao termo da adoção dos procedimentos do PERSI.” F) Resulta que, os cinco anos previstos no n.º2 do artigo 20.º do DL n.º 227/2012, de 25/10, durante os quais a Caixa Geral de Depósitos tinha o dever de conservar as cartas de integração e extinção remetidas aos Executados, se encontram ultrapassados desde 18/04/2018, i.e., há mais de 6 anos. G) Posto isto, reitera-se que a CGD remete automaticamente aos seus clientes em incumprimento, as comunicações de integração/extinção do PERSI e de resolução, pelo que não existe opção de não enviar, ou haver erro humano. Portanto tais cartas existiram e foram remetidas. O que a CGD informou os autos é que não tem cópia das mesmas para as remeter aos autos. Daqui não se pode tirar que os procedimentos não ocorreram. H) Relativamente ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, cumpre fazer a distinção entre o nº 1 e o nº 2 do artigo 17º de acordo com o aviso do Banco de Portugal supra referido. I) Assim, no nº 1 encontram-se previstos os factos automáticos de extinção do PERSI, por sua vez, no nº 2 encontram-se elencados factos que podem motivar a extinção do PERSI por iniciativa da instituição de crédito, relativamente aos quais devem ser estar fundamentados com base no nº3 do artigo 17º. J) Desta forma, e estando em causa a aplicação do nº 1, não pode entender o douto Tribunal a quo – como, erradamente, fez - que a carta que comunicou a extinção do PERSI por decurso do prazo estipulado no artigo 17.º, n.º 1, alínea c) não seja suficientemente clara, rigorosa e legível, em especial quando o cliente já estava devidamente informado das consequências do decurso do prazo de 91 dias (nesse sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo N.º 2348/22.4T8ENT.E1, datado de 28/04/2023). K) Porquanto, in casus, dúvidas não podem existir quanto à motivação subjacente à causa pela qual se deu a extinção do PERSI. L) Mais, os Recorridos tinham conhecimento e não podiam desconhecer que a consequência do decurso do prazo legal de 91 dias seria a extinção do procedimento PERSI, na medida em que a carta de integração no PERSI remetida, estava acompanhada com anexo com informação detalhada quanto ao regime do Decreto-Lei nº227/2012, em cumprimento de todos os deveres legais de informação a que a instituição bancária se encontrava adstrita. M) Em face do supra exposto e, salvo douto e melhor entendimento, não podia o Tribunal a quo ter decidido como decidiu, porquanto, a decisão proferida consubstancia um manifesto erro de julgamento, devendo ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento da instância.” 9. Não foram apresentadas contra-alegações. 10. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – Questões a Decidir 1. O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil). Assim, no caso em apreço cumpre apreciar se deve ser revogada a decisão que declarou a extinção da execução, por falta de PERSI. III – Fundamentação 1. Os factos que relevam para a decisão são os que constam do relatório que antecede. 2. O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações. A justificação da regulamentação legal indicada encontra-se exposta no respetivo preâmbulo: “A concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a atuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na aceção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril. A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias. Neste contexto, com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas.” O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) encontra-se regulado nos artigos 12.º a 21.º do referido diploma legal, comportando três fases: a fase inicial, na qual o cliente bancário deve ser informado da mora e do valor da dívida, assim como deve ser apurado o motivo do incumprimento e integrado o cliente bancário no PERSI; a fase de avaliação, na qual é apreciada a solvabilidade do cliente bancário e é formulada uma proposta de regularização da dívida; a fase de negociação, na qual se diligencia o acordo do cliente bancário para a regularização da dívida (artigos 13.º a 16.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10). A pendência do PERSI constitui impedimento à instauração de cobrança de dívida pela instituição bancária contra o cliente bancário (artigo 18.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10). Assim, a observância do PERSI tem vindo a ser considerada uma condição objetiva de procedibilidade da execução, pelo que a sua falta consubstancia exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, determinante da extinção da instância executiva (neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.04.2021 (Graça Amaral), Processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1; do Tribunal da Relação de Évora de 26.05.2022 (Tomé de Carvalho), Processo n.º 829/17.0T8ENT-D.E1; do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.06.2022 (Cristina Neves), Processo n.º 172/20.8T8VLF-A.C1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 09.05.2024 (José Cravo), Processo n.º 306/22.8T8CMN-A.G1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.05.2024 (Rute Sobral), Processo n.º 1289/23.2T8PDL-A.L1-2; do Tribunal da Relação do Porto de 25.11.2024 (Eugénia Cunha), Processo n.º 1145/24.7T8PRT-A.P1; todos in http://www.dgsi.pt/). Consequentemente, a alegação e prova da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção do procedimento competem ao credor exequente (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil). 3. O caso concreto 3.1. Revertendo ao caso concreto, a decisão sindicada alinha, em síntese, os seguintes argumentos: - no caso era obrigatório o cumprimento do PERSI, na medida em que se trata de um contrato de crédito com consumidores finais; - por outro lado, não foi demonstrado que a resolução desse contrato tenha ocorrido em data anterior à entrada em vigor do regime do PERSI, porquanto não foram juntas as cartas de resolução e respetivos registos e avisos de receção, pelo que se aplica, efetivamente, esse regime ao caso; - não foram juntos aos autos os documentos comprovativos da integração dos Executados em PERSI e respetiva extinção, não podendo essa prova documental ser substituída por qualquer outra, maxime testemunhal, uma vez que o legislador impõe que tais comunicações sejam feitas em suporte duradouro; - assim, se a Caixa Geral de Depósitos destruiu esses meios de prova, ficou impedida de demonstrar os factos correspondentes; - a circunstância de ter sido cedido o crédito, não desobriga a Exequente da demonstração do cumprimento do PERSI. 3.2. Quanto à sujeição do contrato de mútuo que constitui o título executivo ao PERSI, a mesma é consensual entre as partes, sublinhando-se que apesar de ter sido discutido se, atenta a data da alegada resolução do contrato, o mesmo estaria abrangido no âmbito de aplicação temporal do referido regime, a Exequente não dissentiu, no recurso, da resposta positiva àquela questão vertida pelo Tribunal a quo na decisão sindicada. 3.3. Relativamente à questão da falta de prova documental da integração dos devedores no PERSI e respetiva extinção, adianta-se ser claro que nos termos dos artigos 14.º, n.º 4 (fase inicial), 15.º, n.º 4 (fase de avaliação) e 17.º, n.º 3 (extinção) do referido regime, tais comunicações devem ser efetuadas em “suporte duradouro”. No que a este “suporte duradouro” concerne, na jurisprudência tem-se entendido que: - pode tratar-se de uma carta ou de uma comunicação enviada por correio eletrónico, na medida em que ambas as formas permitem aceder à comunicação em momento posterior ao da sua emissão, comprovando os respetivos termos, ou seja, estamos em presença de documento, nos termos do artigo 362.º do Código Civil; - não é necessário que a carta seja enviada sob registo e com aviso de receção, na medida em que não consta tal exigência das normas apontadas, pelo que é suficiente o envio de uma carta simples; - não obstante, tais comunicações são recetícias, atenta a sua finalidade, pelo que se exige a prova do seu envio e receção; - as cartas, por si só, não demostram o seu envio, mas podem ser consideradas um princípio de prova desse envio, a complementar com apoio em outros meios de prova e em presunções judiciais (neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.04.2021 (Graça Amaral), Processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, e de 28.02.2023 (Manuel Aguiar Pereira), Processo n.º 7430/19.2T8PRT.P1.S1; do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.01.2025 (Luís Miguel Caldas), Processo n.º 374/23.5T8SRE-A.C1; do Tribunal da Relação de Évora de 25.11.2021 (Manuel Bargado), Processo n.º 209/21.3T8ELV.E1, e de 05.06.2025 (Maria Domingas Simões), Processo n.º 3087/23.4T8ENT.E1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.09.2024 (Alexandra Rolim Mendes), Processo n.º 32744/23.3YIPRT.G1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.03.2024 (Micaela Sousa), Processo n.º 4102/20.9T8OER-D.L1-7, e de 20.11.2025 (Carla Matos), Processo n.º 562/25.0T8ALM.L1-8; e do Tribunal da Relação do Porto de 09.09.2024 (Eugénia cunha), Processo n.º 462/21.2T8OVR.P1, todos in http://www.dgsi.pt/). Ora, desde logo, constata-se que o caso em apreço é diferente da generalidade das situações abordadas na jurisprudência quanto a um aspeto, a saber, inexistem quaisquer cartas nos autos, pelo que não se cura aqui apenas de apurar se as comunicações foram enviadas e ou recebidas, mas antes se existiram comunicações e qual o seu teor. A esta luz, a questão reside em saber se pode ser suprida a apresentação das próprias cartas por outros meios de prova ou por presunções. De todo o acima exposto decorre que a imposição legal de que as comunicações sejam efetuadas em “suporte duradouro” visa assegurar uma mais fácil comprovação da sua realização, o que se inscreve na importância da aplicação deste regime para o equilíbrio financeiro das famílias e a estabilidade da economia. Devemos, pois, qualificar como ad probationem essa exigência formal de realização das comunicações em documento escrito, o que importa a convocação do disposto no artigo 364.º, n.º 2 do Código Civil: “Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.” Da norma exposta decorre, pois, que nestes casos não é legalmente admissível a prova por testemunhas ou por presunções judiciais (artigos 351.º e 393.º, n.º 1 do Código Civil). Com efeito, “a forma ad probationem não constitui um requisito do negócio, consubstanciando uma regra processual que limita diretamente a prova testemunhal (cf. Art. 364º, nº 2). Em suma, a forma ad probationem não rege sobre a forma dos atos mas sobre a prova judicial dos mesmos.” (Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material, 2ª ed. Coimbra, 2021, p. 127). Deste modo, as comunicações não podem ser provadas senão através dos próprios documentos que as corporizam ou por confissão expressa, judicial ou extrajudicial. A Exequente alude, nas suas alegações, ao silêncio dos Executados quanto a esta matéria como uma “manifestação tácita de concordância”. Ora, em sede adjetiva, a falta de pronúncia por uma parte quanto a alguma questão só possui valor confessório quando assim seja expressamente previsto na lei, como sucede com a confissão tácita dos factos alegados na petição inicial, por falta de contestação, e com a admissão, por acordo, dos factos alegados na petição inicial, por falta de impugnação especificada na contestação (artigos 567.º, n.º 1 e 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). Deste modo, atendendo a que se trata aqui de uma questão de conhecimento oficioso e que a prova dos factos em causa compete à Exequente, a circunstância dos Executados nada terem dito não revela qualquer anuência, por nada se mostrar expressamente previsto a este respeito. Aliás, a Exequente não juntou aos autos quaisquer documentos, pelo que os Executados nada tinham sobre o que se pronunciarem. Assim, dos autos não decorre que tenha sido confessada a realização das comunicações. A Exequente reitera ainda, nas suas alegações de recurso, que as comunicações foram elaboradas e enviadas, aduzindo que ”a CGD remete automaticamente aos seus clientes em incumprimento, as comunicações de integração/extinção do PERSI e de resolução, pelo que não existe opção de não enviar, ou haver erro humano. Portanto tais cartas existiram e foram remetidas. O que a CGD informou os autos é que não tem cópia das mesmas para as remeter aos autos. Daqui não se pode tirar que os procedimentos não ocorreram.” Todavia, esta argumentação não pode colher, porquanto daqui se extrairia a eliminação dos ónus probatórios, passando a ser suficiente a mera afirmação pela parte dos factos cuja demonstração lhe compete. Aduz também a Exequente que a falta de junção dos documentos se mostra justificada pela sua destruição, autorizada por lei, concretamente: - pelo artigo 20.º do regime do PERSI, relativo aos “Processos individuais”: “1 - As instituições de crédito devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os clientes bancários abrangidos pelos procedimentos previstos no PERSI, os quais devem conter todos os elementos relevantes, nomeadamente as comunicações entre as partes, o relatório de avaliação da capacidade financeira desses clientes e, quando aplicável, as propostas apresentadas aos mesmos, bem como o registo das razões que conduziram à não apresentação de propostas, e ainda a avaliação relativa à eficácia das soluções acordadas. 2 - As instituições de crédito devem conservar os processos individuais durante os cinco anos subsequentes ao termo da adoção dos procedimentos do PERSI.”; - pelo artigo 51.º da Lei n.º 83/2017, de 18.08, que estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, sendo tal norma atinente ao “Dever de conservação”: “1 - As entidades obrigadas conservam, por um período de sete anos após o momento em que a identificação do cliente se processou ou, no caso das relações de negócio, após o termo das mesmas: a) As cópias, registos ou dados eletrónicos extraídos de todos os documentos que obtenham ou lhes sejam disponibilizados pelos seus clientes ou quaisquer outras pessoas, no âmbito dos procedimentos de identificação e diligência previstos na presente lei; b) A documentação integrante dos processos ou ficheiros relativos aos clientes e às suas contas, incluindo a correspondência comercial enviada; c) Quaisquer documentos, registos e análises, de foro interno ou externo, que formalizem o cumprimento do disposto na presente lei. 2 - Os originais, cópias, referências ou quaisquer outros suportes duradouros, com idêntica força probatória, dos documentos comprovativos e dos registos das operações são sempre conservados, de modo a permitir a reconstituição das operações, durante um período de sete anos a contar da sua execução, ainda que, no caso de se inserirem numa relação de negócio, esta última já tenha terminado. 3 - Para o cumprimento do disposto nos números anteriores, os elementos aí referidos são: a) Conservados em suporte duradouro, com preferência pelos meios de suporte eletrónicos; b) Arquivados em condições que permitam a sua adequada conservação e fácil localização, bem como o imediato acesso aos mesmos, sempre que solicitados pela Unidade de Informação Financeira e pelas autoridades judiciárias, policiais, setoriais e pela Autoridade Tributária e Aduaneira. 4 - O disposto no presente artigo não prejudica nem é prejudicado por outras obrigações de conservação que não decorram da presente lei, designadamente em matéria de meios de prova aplicáveis a investigações e inquéritos criminais ou a processos judiciais e administrativos pendentes.” Como decorre, porém, com toda a clareza, do n.º 4 do citado artigo 51.º, esta norma tem âmbito geral, pelo que o prazo máximo de conservação dos documentos que se encontra nela fixado deve ser concatenado com outras exigências de ordem legal, desde logo, as que resultam da pendência de processos judiciais. O mesmo se deve entender com respeito ao citado artigo 20.º, porquanto é a mesma a ideia subjacente a ambos os preceitos, curando-se de garantir a preservação dos documentos pelo prazo no qual, na maior parte das situações, os mesmos poderão revelar-se úteis. Contudo, no caso concreto eclodiu um litígio judicial entre as partes, tendo a presente ação executiva dado entrada em juízo em 2013, pelo que a partir desse momento a Caixa Geral de Depósitos teve necessariamente consciência de que até à primeira transmissão dos bens penhorados podiam ser decididas pelo Tribunal todas as questões de conhecimento oficioso que importassem o indeferimento liminar do requerimento executivo, nos termos do artigo 734.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Atendendo, assim, a que na data em que foi oficiosamente suscitada a questão atinente à integração dos Executados no PERSI ainda não tinha sido concretizada qualquer transmissão do imóvel penhorado nos autos, conclui-se que a Caixa Geral de Depósitos não podia legitimamente agir com a certeza de que a execução prosseguiria os seus termos até final. Nem a circunstância da Caixa Geral de Depósitos haver cedido o seu crédito justifica a destruição dos documentos, porquanto esta vicissitude não impede que seja suscitada a questão do cumprimento do PERSI, não no sentido de o exigir ao cessionário, mas antes com vista a que seja comprovado pelo cedente. Com efeito, nos casos de cessão de créditos, a prévia observância do PERSI pelo Banco é obrigatória, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.11.2024 (Fernando Baptista) (Processo n.º 451/14.3TBMTA-C.L2.S1, in http://www.dgsi.pt/): “VI. Considerando que o legislador do Dec.-Lei n.º 227/12, de 25.10 teve o cuidado de plasmar todo um conjunto de garantias de defesa aos clientes em situações de mora ou incumprimento, maxime no artigo 18.º (Garantias do Cliente bancário), estando o mutuário/devedor em situação de lhe ser aplicado o PERSI, a entidade bancária não pode ceder o crédito a terceiro (instituição não bancária) sem ter previamente cumprido as exigências decorrentes do regime ínsito no regime decorrente do Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25.10. VII. De outro modo, estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec.-Lei n.º 227/2012 (bastando que, em violação desse diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito, o que permitiria que este (cessionário) não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no art. 18º e pudesse obter de imediato a satisfação do crédito cedido), VIII. o que representaria uma autêntica fraude à lei, pois era uma forma de deixar entrar pela janela o que o legislador proibiu que entrasse pela porta, frustrando-se completamente o objectivo prosseguido com a criação do PERSI.” Em conclusão, não foram juntas aos autos as cartas relativas à integração dos Executados no PERSI e à respetiva extinção, sendo inequívoco que a Exequente não vai juntar estes documentos aos autos, pois alega que foram destruídos, e não pode a falta dos documentos ser suprida por outros meios de prova, pelo que se verifica, efetivamente, a exceção dilatória inominada de falta de integração dos Executados no PERSI. Improcede, consequentemente, o recurso. 4. As custas do recurso são suportadas pela Exequente, que fica vencida (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil). IV - Dispositivo Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas do recurso pela Exequente. Notifique e registe. Évora, 16 de dezembro de 2025. Sónia Moura (Relatora) Maria João Sousa e Faro (2ª Adjunta) Ricardo Miranda Peixoto (2º Adjunto) |