Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | EDGAR VALENTE | ||
Descritores: | OBRAS LICENÇA DE CONSTRUÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 05/24/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | 1. A definição de (coisa) imóvel assenta no conceito de incorporação no solo com carácter de permanência. 2. A implantação de um barracão de madeira, numa área aproximada de 60 m2, constituído por diversas construções adquiridas como se se tratassem de “abrigos de jardim” que foram colocados de forma justaposta, alguns dos quais com ligação interna, os quais se encontram apoiados sobre um estrado de madeira e este, por sua vez, sobre vigas colocadas sobre o solo, não está sujeita a licença administrativa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, após conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Relatório. No âmbito dos autos de contra-ordenação nº 548/2004 que correu termos na Câmara Municipal de Loulé, em que figura como arguido PS, foi, por decisão proferida por um Vereador daquela Câmara (com competência delegada), determinado que aquele pagasse uma coima no montante de € 3.000,00, bem como custas do processo, no montante de € 96,00, por infracção ao disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 98º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 177/2001, de 4 de Junho. Inconformado, o arguido impugnou judicialmente aquela decisão administrativa, nos termos constantes de fls. 42 a 49 dos autos, pedindo a revogação da decisão recorrida e sua absolvição, ou, pelo menos, a aplicação de admoestação. O recurso de impugnação foi admitido por despacho proferido em 29.04.2009 (cfr. fls. 72/3), e, após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 29.10.2010, decisão (que consta de fls. 120 a 124), julgando parcialmente procedente o recurso, reduzindo a coima aplicada para € 600,00. Ainda não resignado, o arguido veio, em 08.11.2010, interpor recurso para esta Relação, nos termos constantes de fls. 129 a 135, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões e concluindo do seguinte modo: (transcrição): ''1 - A decisão administrativa padece de insuficiência de fundamentação da matéria de facto essencial para a correcta aplicação do direito; 2 - Questão que a douta decisão em crise não conheceu pelo que nula (art.º artº 379º, nº1, al. c) do CPP); 3 - Resulta da decisão recorrida a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Cfr. artº. 410º do Código de Processo Penal; 4 - O Tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo e o seu corolário da presunção de inocência (cfr. artº. 32º, nº 2, da CRP), pelo que, em lugar de condenar, devia ter absolvido o recorrente; 5 - Resulta da decisão recorrida a contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão. Cfr. artº. 410º do Código de Processo Penal; 6 - Da matéria de facto dada como provada resulta o carácter não permanente ou duradouro da estrutura em causa; 7 - Não pode ser imputada ao Recorrente a infracção de que vem acusado porquanto o mesmo não é proprietário do terreno, não tendo legitimidade para requerer o licenciamento da construção; 8 - Como precário é também o fim a que a estrutura se destinou, servir de apoio à actividade de campo de férias que só funciona no período das férias escolares, e cujo alvará foi concedido por um período limitado de três anos; 9 - Não tendo, tais estruturas gravidade do ponto de vista urbanístico, devem as mesmas serem consideradas de escassa relevância urbanística, enquadrável nas isenções ao licenciamento de acordo com o previsto no art.º 6.º/2 do RJUE; 10 - O arguido não agiu com intenção ou vontade consciente de praticar o acto ilícito que lhe é imputado, convencido que estava e está que as estruturas em causa estão isentas de licença; 11 - O arguido não agiu com culpa, dependendo a obtenção do alvará para a actividade de campo de férias da sujeição de instalações licenciáveis ao RJUE, o arguido obteve o alvará, sem que lhe fosse comunicada a necessidade ou exigida a licença de utilização por parte da Edilidade Camarária; 12 - Ainda que se considere que a obra em causa carece de licenciamento e que tal infracção é de imputar ao recorrente, deve o mesmo ser sancionado apenas com a pena de admoestação, para que a decisão final seja mais equilibrada e justa;'' A digna magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta, extraindo, por seu turno, da mesma, as seguintes conclusões (transcrição): ''1º Alega o recorrente que o tribunal a quo não conheceu da nulidade da decisão administrativa por falta de fundamentação da matéria de facto arguida em sede de impugnação judicial, assim padecendo a sentença sob recurso de nulidade prevista nos termos do art. 379.º nº1 al.c) do Código de Processo Penal. 2º Afigura-se-nos que atenta a não apreciação concreta da nulidade invocada pelo recorrente, deverá o tribunal a quo suprir tal omissão. 3º Embora, sempre se dirá que atenta a decisão administrativa afigura-se-nos que a mesma possui todos os factos relevantes que permitem enquadrar a conduta do recorrente na contra ordenação que concretamente lhe é imputada, tanto mais que o próprio conseguiu apresentar de uma forma cabal a sua defesa. 4º Alega ainda o recorrente que a sentença padece de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, atento o disposto no art. 410.º nº 2 e 3 do Código de Processo Penal e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada por dos factos provados resultar o carácter não permanente ou duradoura da estrutura e bem assim o seu fim precário. 5º Ora tendo em consideração os factos que resultaram provados na douta sentença sob recurso, mais precisamente o facto 7 – O barracão aludido no facto provado 1) é constituído por diversas construções adquiridas como se tratassem de “abrigos de jardim” que foram colocados de forma justaposta, alguns dos quais com ligação interna, os quais se encontram apoiados sobre um estrado de madeira e este, por sua vez, sobre vigas colocadas sobre o solo e a sua instalação destinou-se ao exercício da actividade de organização de campo de férias não residencial para funcionar na época das ferias escolares. 6º Desse mesmo facto não se infere ao contrário do alegado pelo recorrente que tenha resultado provado que a estrutura era de reduzida dimensão e destinado a fins não duradouros. 7º Na verdade em momento algum alegou o recorrente em sede de impugnação judicial que o objecto social visado com tal construção tivesse uma duração prevista no tempo, sendo que o facto de se destinar a actividade de campo de férias não residencial não lhe retira tal durabilidade, a qual assenta no facto de estarmos perante uma construção para durar por tempo indeterminado ainda que utilizada sazonalmente! 8º Invoca o recorrente a existência de erro notório na apreciação da prova. Parece existir alguma confusão, por parte do recorrente, quanto ao funcionamento dos vícios previstos nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 410º e as realidades supostas para o seu preenchimento; 9º O erro notório na apreciação da prova (alínea c), caracteriza-se como o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta; 10º O recorrente pretende é impugnar o processo de convicção do tribunal. Tal não pode suceder porque o acto de julgar pertence ao tribunal e tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção do julgador; 11º Consta da douta sentença recorrida uma adequada e cuidada fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto; 12º Além da referência às declarações das testemunhas ouvidas, são fundamentados os motivos da credibilidade dos depoimentos os quais se conjugam, uma tal fundamentação satisfaz plenamente a exigência resultante dos artigos 127º e 374º n.º 2 do Código de Processo Penal; 13º Alega, ainda o recorrente que estamos perante uma estrutura de cariz precário, uma vez que a estrutura serviu de apoio à actividade de campo de férias a funcionar nas férias escolares e cujo alvará foi concedido por um período de três anos, sendo por isso uma construção isenta de licenciamento nos termos do art. 6.º nº2 do RJEU. 14º Discordamos de tal posição, uma vez que o carácter precário da construção não se presume nem se retira pelo facto que a mesma não possuir fundações, constituir abrigos de jardim entre si ligados, funcionar unicamente durante o período de férias escolares, não incluir a pernoita e possuir um alvará emitido pelo IPJ de três anos. 15º Assim tal precariedade para se demonstrar deveria assentar fundamentalmente no facto de a construção em causa visar a prossecução de um objecto social com um fim precário ou definido no tempo, o que o recorrente não alegou nem demonstrou, sendo que o facto do alvará ser atribuído por três não implica a conclusão que a actividade cesse no referido espaço temporal, nem mesmo o facto de o objecto social ser de duração temporária (durante o período de férias escolares). 16º Além do mais, os materiais de construção e o facto de a construção não assentar em fundações, não exclui tal construção do âmbito da norma, atenta a sua finalidade duradoura, sendo que resultou que a construção ainda existe nos dias de hoje (vide Ac STA de 14.02.2006 in www.dgsi.pt proc. Nº 0600/05) 17º Nessa conformidade não se encontra preenchida a alegada isenção prevista no art. 6.º nº2 do RJEU tendo em conta que as características que resultaram provadas não permitem inclui-la numa estrutura de escassa relevância jurídica (desde logo as dimensões demonstram o contrário, tanto mais que não resultou provado que a construção não tivesse implicado uma alteração da topografia do terreno! 18º Finalmente, não nos afigura que a conduta do recorrente a qual assume a forma de dolosa assume a diminuta culpa e gravidade necessária que se preencherem os pressupostos da aplicação de uma simples admoestação, nem mesmo consideramos que as finalidades da punição ficam asseguradas com a aplicação de tal pena. 19º Por tudo o que se disse, parece-nos apodíctico que o recurso deve improceder e, em consequência, manter-se a douta sentença recorrida proferida pelo tribunal de 1ª Instância.'' O Exmº Magistrado do MP neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da existência de uma omissão de pronúncia na decisão recorrida sobre a aplicação das alterações introduzidas pela Lei 60/2007, de 04.09 ao caso dos autos, com a possibilidade do apagamento da conduta do arguido da esfera contra-ordenacional. Foi cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (CPP), não tendo havido resposta. Procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. Reproduz-se , no essencial , o teor da decisão recorrida na parte que interessa para os presentes autos : ''Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão: 1 - No dia 5 de Agosto de 2004, o arguido levou a efeito a construção de um barracão de madeira numa área aproximada de 60 m2, sita em Sítio da Barrada, freguesia …, concelho de Loulé, sem que para o efeito possuísse projecto aprovado e licenciado pela Câmara Municipal. 2 - O arguido foi notificado através de ofício remetido pelo Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística para apresentar projecto com vista à legalização das construções efectuadas, não o tendo feito até à presente data. 3 - A construção, à data do levantamento do auto – 5 de Agosto de 2004 – estava concluída. 4 - O arguido tinha conhecimento de que não lhe era permitido levar a efeito as citadas obras, sem que previamente obtivesse o respectivo licenciamento, mas mesmo assim realizou-a, obtendo desta forma um proveito económico que de outra forma não conseguia. 5 - Inexistem quaisquer motivos justificativos que o tenham levado a agir em desacordo com os dispositivos legais em vigor. 6 - O arguido agiu deliberada e conscientemente, sabendo que tal conduta era proibida por lei, mas tal não o coibiu de mandar executar obras sem a devida licença, actuando, assim, de forma dolosa, tendo persistido na sua conduta delituosa, mesmo após o levantamento do auto de notícia e as notificações do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística, o que denota uma atitude de indiferença e afronta à lei e às determinações administrativas. 7 - O barracão aludido no facto provado 1) é constituído por diversas construções adquiridas como se se tratassem de “abrigos de jardim” que foram colocados de forma justaposta, alguns dos quais com ligação interna, os quais se encontram apoiados sobre um estrado de madeira e este, por sua vez, sobre vigas colocadas sobre o solo e a sua instalação destinou-se ao exercício da actividade de organização de campo de férias não residencial para funcionar na época das férias escolares. 8 - O arguido é primário. Dos elementos constantes dos autos não resultam provados quaisquer outros factos, nomeadamente constantes do requerimento de interposição de recurso com relevância para a presente decisão, relegando-se para a sede própria a matéria conclusiva e de direito nele vertida. Designadamente, não se provou que: 1 - No local encontram-se apostos um total de seis abrigos de jardim cada um com a dimensão de 2,20x2,20 metros e um outro abrigo com as dimensões de 5,50x5,50 metros, possuindo o conjunto de abrigos fechados uma área aproximada de 26,40 m2 e o abrigo aberto uma área aproximada de 30,25 m2. 2 - A colocação dos abrigos de jardim não implicou alteração da topografia local.'' 2. Fundamentação. A. Delimitação do objecto do recurso. No âmbito dos processos contra-ordenacionais, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, funcionando como tribunal de revista (cfr. artº 75º, nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que aprovou o Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas [RGCOC], alterado pelos DL números 356/89, de 17 de Outubro e 244/95, de 14 de Setembro e pela Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro). A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artº 412º do CPP), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso[1]. Contudo, apesar da delimitação do âmbito do recurso efectuada pelo recorrente, o tribunal ''ad quem'' deve (apesar de funcionar, como vimos, como tribunal de revista) oficiosamente[2] conhecer dos vícios referidos no artº 410º, nº 2 do CPP, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada. (nº 3 do referido preceito) As questões a resolver suscitadas pelo recorrente são as seguintes: I – Nulidade da sentença. II – Contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão. III – Erro notório na apreciação da prova. Para além das questões suscitadas pelo recorrente, existe ainda a questão prévia colocada pelo MP nesta instância. * Iniciamos o conhecimento das questões suscitadas precisamente pela última, uma vez que a sua (eventual) procedência prejudicará o conhecimento (formal) das demais. Assim: Como acima vimos, a decisão recorrida confirmou a imposição ao recorrente de uma coima (cujo montante reduziu) por infracção ao disposto no artº 4º, no 2, alínea c) do DL nº 555/99, de 16.02, alterado pelo DL nº 177/2001, de 04.06 (cfr. o artº 98º, nºs 1 e 2 do mesmo diploma legal). O mencionado diploma estabelece o regime jurídico da urbanização e da edificação. (artº 1º) Segundo o MP nesta instância não foi ponderado na decisão recorrida se da aplicação das alterações introduzidas pela Lei 60/2007 ao caso dos autos, resultaria ainda a necessidade legal de licenciamento municipal da ''construção'' do ''barracão'', de onde poderia resultar, na negativa, a possibilidade do apagamento da conduta do arguido da esfera contra-ordenacional. Diremos, desde já, que não subscrevemos este entendimento, pois a decisão recorrida alude especificamente ao teor do artº 6º-A do DL 555/99, disposição precisamente introduzida pelo artº 2º da mencionada Lei 60/2007. De qualquer modo, analisando os preceitos invocados pelo MP (artigos 2º, 3º, 4º, 6º, 6º-A e 98º) não se vislumbram alterações (por aquele normativo introduzidas) significativas no que respeita à temática dos autos, sendo certo que, apesar do teor do artº 6º-A (que refere o que são obras de escassa relevância urbanística), sempre se manteve a definição que anteriormente constava do nº 2 do artº 6º e que, com aquela Lei, passou a estar vertida na alínea m) do artº 2º. Directamente relacionada com esta questão prévia podemos descortinar em toda a linha argumentativa do recorrente um entendimento implícito, que, muito embora não tenha sido pelo mesmo autonomizado como questão, não poderá deixar de assim se qualificar e que, dados os (eventuais) reflexos processuais decorrentes da sua eventual procedência, não pode deixar de se conhecer previamente: estamos a referir-nos à integração da conduta do recorrente no conceito de ''obra de construção'' (artº 4º, nº 2, alínea c) do DL 555/99), nos exactos termos recortados pela decisão que aplicou a coima. Assim, nos termos do artº artigo 4º, nº 2 daquele diploma, estão sujeitas a licença administrativa: (…) (c) as obras de construção, de ampliação ou de alteração em área não abrangida por operação de loteamento ou plano de pormenor (...). Por seu turno, de acordo com o disposto no artº 2º ainda do mesmo diploma, considera-se (b) obras de construção as obras de criação de novas edificações, sendo que edificação é (a) a actividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência. A questão que coloca é: o barracão aludido nos factos provados 1) e 7) deverá ser considerado uma ''edificação'', para os efeitos previstos na aludida norma? Entendemos que não. De referir que o conceito de imóvel utilizado importa as características civilísticas matriciais do termo. Com efeito, ao definir como imóvel uma ''construção que se incorpore no solo com carácter de permanência'', é notória a similitude conceptual com a definição para o efeito utilizada no artº 204º, nºs 2 e 3 do C. Civil. Assim, deve considerar-se pressuposto essencial para a classificação de uma coisa como imóvel a incorporação no solo de qualquer edifício ou construção, sendo certo que a base da distinção entre coisas móveis e imóveis é a circunstância de poderem ou não ser transportadas de um para o outro lugar sem se deteriorarem. (neste exacto sentido, vide o Acórdão do STJ de 05.02.1969 in BMJ nº 192, página 242) Por outras palavras, a definição de (coisa) imóvel[3] assenta no conceito de incorporação no solo com carácter de permanência. (cfr. artº 204º, nº 3 do C. Civil) Mostra-se claro que o barracão em causa não possui tal característica. Com efeito, segundo o facto provado 7) a estrutura em causa é um barracão constituído por diversas construções adquiridas como se se tratassem de “abrigos de jardim” (...), os quais se encontram apoiados sobre um estrado de madeira e este, por sua vez, sobre vigas colocadas sobre o solo: se as vigas estão colocadas sobre o solo, inexiste a necessária incorporação no solo. Tal resulta, não só da descrição fáctica referida, como dos documentos juntos aos autos a fls. 4 e 51. A aludida estrutura pode, assim, ser transportada de um para outro lugar sem se deteriorar, sendo, consequentemente, uma coisa móvel, insusceptível de integrar o conceito de edificação. Por outro lado, até em termos terminológicos não se vê como a instalação de ''construções adquiridas'' possa constituir uma ''edificação''[4], ou seja, a actividade de construção de um imóvel. De referir que, ainda na vigência do DL 445/91, de 20.11[5] e face a norma (artº 1º) que impunha a sujeição a licenciamento municipal de ''todas as obras de construção civil (fórmula similar à utilizada no artº 4º, nº 1, alínea c) do DL 555/99), designadamente novos edifícios'', entendia a jurisprudência que uma instalação desmontável sem ligação permanente ao solo não integrava aquele conceito e, consequentemente, não carecia do mencionado licenciamento.[6] Pelo exposto, entendemos que a dada como provada ''construção'' do barracão pelo recorrente não estava sujeita a licença administrativa. Como tal, mostra-se juridicamente insubsistente a imputada contra-ordenação p. p. artº 98º, nº 1, alínea a) do DL 555/99. O recurso deve, pois, proceder, o que se decidirá. O conhecimento das demais questões fica, consequentemente, prejudicado, excepto no que respeita à matéria de facto dada como provada e respeitante ao elemento subjectivo da contra-ordenação que, em face da insubsistência desta, terá de se considerar não provada. 3. Dispositivo. Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e, consequentemente, absolvendo o recorrente da coima que lhe foi aplicada, considerando-se não provados os factos dados como provados naquela decisão sob os números 4) a 6). Sem custas. (Processado em computador e revisto pelo relator) Évora, 24 de Maio de 2011 (Edgar Gouveia Valente) (Sénio Manuel dos Reis Alves) __________________________________________________ [1] - Sendo certo que, no âmbito específico dos processos de contra-ordenação, não está vedado ao tribunal ad quem o conhecimento de questões que não tenham sido submetidas à apreciação do tribunal recorrido (questões novas), ao contrário do que sucede nos demais recursos de decisões penais, em face da possibilidade de alteração da decisão recorrida sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da mesma. (neste sentido, vide Simas Santos e Lopes de Sousa in Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 5ª edição, Vislis, Lisboa, Setembro de 2009, páginas 648 e 649) [2] - Cfr. Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência nº 7/95, de 19.10.1995 in DR I Série-A, de 28.12.1995. [3] - Neste sentido, vide Oliveira Ascensão in Direito Civil – Reais, Coimbra Editora, 1983, 4ª edição, página 41. [4] - Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa (página 1329), edificar é a acção de construir um edifício, um monumento ou outro tipo de obra. [5] - Revogado pelo artº 129º do DL 555/99, de 16.12. [6] - Neste sentido, vide o Acórdão do STA de 15.01.2003 proferido no processo 0846/02 e disponível em www.dgsi.pt. |