| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | SÓNIA MOURA | ||
| Descritores: | REQUERIMENTOS PROBATÓRIOS DESPACHO SANEADOR AUDIÊNCIA PRÉVIA OBJECTO DO PROCESSO | ||
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| Data do Acordão: | 10/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
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| Sumário: | Sumário: 1. Nos casos em que é dispensada a audiência prévia, ou em que esta se realiza, mas não se profere despacho saneador, vindo o mesmo a ser exarado por escrito em momento posterior, deve admitir-se a alteração dos requerimentos probatórios no prazo de 10 dias contados da notificação do despacho saneador, sem necessidade de ser, em simultâneo, requerida a realização de audiência prévia para apresentação de reclamações contra o despacho saneador. 2. A tal solução chega-se por via do princípio da igualdade e do direito à prova, bem como pela consideração de que é através do despacho que identifica o objeto do litígio e enuncia os temas da prova que se delimita o objeto da instrução, elemento essencial para a ponderação dos respetivos meios de prova pelas partes. 3. A exigência de que os meios de prova apresentados pelas partes sejam pertinentes ao objeto do processo e relevantes para a sua decisão resulta da norma geral do artigo 411.º do Código de Processo Civil, bem como especificamente dos seus artigos 443.º, n.º 1, 476.º, n.º 1 e 516.º, n.º 3, onde se alude à rejeição dos meios de prova impertinentes ou dilatórios. 4. Esta exigência é compatível com o direito de acesso ao direito constitucionalmente consagrado, na medida em que o direito à prova, uma das vertentes do processo equitativo, não é absoluto, sendo admissíveis as restrições que se revelem objetivamente justificadas e sejam proporcionais. (Sumário da responsabilidade da Relatora, nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil) | ||
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| Decisão Texto Integral: | *** Apelação n.º 260/24.1T8OLH-A.E1 (1ª Secção) *** Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório 1. AA intentou ação declarativa, sob forma de processo comum, contra BB, pedindo a condenação do R. no pagamento à A.: a) dos valores correspondentes à ocupação/administração do imóvel, à razão de 700,00€ (setecentos euros), desde 1 de Setembro de 2017, que até à data soma o valor de 26.600,00€ (vinte e seis mil, e seiscentos euros); b) do montante referente a despesas feitas pelo R., e pagas pela A.; c) do montante de 7083,05€ (setecentos e oitenta e três euros, e cinco cêntimos), referente à aquisição de mobiliário por parte da A., de que o R. se apropriou; d) do valor de 1391,33€ (mil trezentos e noventa e um euros, e trinta e três cêntimos), referente aos consumos supra explicados; e) o valor vincendo em rendas, nos termos supra expostos, até ao término de administração por parte do R. do imóvel em questão, à razão de 700,00€ (setecentos euros) mensais, sempre na razão de metade; f) o montante de 5000,00€ (cinco mil euros) gastos a título de obras pela A., acrescidos de juros à taxa legal, até integral e efetivo pagamento. 2. Regularmente citado, o R. contestou, após o que a A. respondeu à contestação. 3. Em requerimento entrado em juízo a 22.10.2024, veio a A. indicar os factos que constituem o objeto das declarações de parte e do depoimento de parte requeridos na petição inicial, referindo, quanto às declarações de parte, os seguintes artigos da petição inicial: “3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 53.º, 54.º, 55.º, 64.º, 65.º, 75.º e 78.º”. 4. Em despacho proferido a 12.12.2024 foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova, bem como foram apreciados os requerimentos probatórios das partes, nos seguintes termos: “Objecto do Litígio - Da obrigação do R. pagar à A. a quantia mensal de € 700,00, desde 01 de Setembro de 2017 até ao término da administração pelo R. do imóvel descrito no art. 2º da petição inicial, acrescida de juros até integral pagamento. - Da obrigação do R. proceder ao pagamento à A. da quantia de € 7.083,05 referentes à alegada aquisição de mobiliário por parte da A. e de que o R. alegadamente se apropriou, acrescida de juros até integral pagamento. - Da obrigação do Réu proceder ao pagamento à A. da quantia de € 1.391,33 alegadamente paga pela A. e referente a consumos de água de que só o R. beneficiou, acrescida de juros até integral pagamento. - Da obrigação do R. proceder ao pagamento à A. da quantia de € 5.000,00 alegadamente despendidos pela A. em obras no supra citado imóvel, acrescida de juros até integral pagamento. Temas da Prova Importa apurar: 1 – Se o R. se encontra a ocupar o imóvel descrito no art. 2º da petição inicial desde 01 de Setembro de 2017. 2 – Se o R. impede a A., desde a data referida em 1) de usar o referido imóvel. 3 – Se o R. procede à administração do referido imóvel contra a vontade da A.. 4 – Qual o valor locativo mensal do imóvel referido em 1). 5 – Se a A. procedeu ao pagamento da quantia de € 1.391,33 correspondente a consumos de água feitos pelo R.. 6 – Se a A. adquiriu mobiliário para o referido imóvel, qual, quando e por que valores e se o R. dele se apropriou. 7 – Se ocorreu um incêndio no imóvel referido em 1), quando e se, em consequência do mesmo, a A. fez obras na casa de banho, quando, quais e qual o valor despendido. 8 – Se a A. ocupou o imóvel referido em 1), durante que período(s) e se pagou ao R. alguma quantia por essa ocupação. 9 – Se a A. pediu que lhe fosse atribuída a casa de morada de família e quando. 10 – Se existia algum acordo entre a A. e o R. quanto à ocupação do imóvel referido em 1) e qual. 11 – Se tem sido o R. a pagar a prestação mensal do crédito bancário referente à aquisição do imóvel referido em 1), as despesas de condomínio, o seguro e o IMI, desde 2007 e até à presente data e quais os seus valores. 12 – Se entre A. e R. houve algum acordo quanto ao pagamento das despesas de condomínio e de IMI e qual. (…) * No que se refere às declarações de parte e depoimento de parte requeridos pela A. na petição inicial, atento o disposto nos arts. 452º, nº 2 e 466º, nº 3, ambos do C.P.C., deverá a mesma, no prazo de 10 dias, indicar os concretos factos sobre os quais hão-de recair, sob a cominação de indeferimento. * Relativamente aos requerimentos formulados na petição inicial de que seja oficiado ao Banco de Portugal para comunicar aos autos as instituições bancárias em que as 2 partes tinham contas bancárias que eram titulares, por si só ou em conjunto e que, após, que sejam notificadas as instituições bancarias pelo Banco de Portugal para efeitos de facultar aos autos o saldo bancário à data de 1 de Outubro de 2007, de forma a poder fazer a partilha de valores monetários, e que se determine a avaliação pericial dos bens integrantes do “acervo patrimonial da herança” (menção que decorrerá de lapso pois a A. certamente se quer referir ao património do casal) através de perito nomeado pelo tribunal, indefere-se o requerido, porquanto tais diligências em nada relevam para a decisão da causa. Serão certamente relevantes no âmbito de inventário para partilha dos bens comuns do (ex) casal, mas não para os thema decidendum dos presentes autos.” 5. Em 06.01.2025 veio a A. responder à notificação contida no despacho que antecede, nos seguintes termos: “Relativamente às Declarações de parte, as mesmas devem versar sobre toda a matéria.” 6. Por despacho proferido a 04.02.2025, decidiu-se o seguinte: “Requerimento da A. de 06/01/2025: No que se refere às declarações de parte e depoimento de parte requeridos pela A. na petição inicial, atento o disposto nos arts. 452º, nº 2 e 466º, nº 3, ambos do C.P.C., foi a A. notificada para indicar os concretos factos sobre os quais há-de recair, sob a cominação de indeferimento. No que se refere às declarações de parte, veio a A. indicar que “as mesmas devem versar sobre toda a matéria”. A exigência prevista no art. 452º, nº 2 do C.P.C. quanto à indicação discriminada dos factos sobre que há-de recair o depoimento de parte, não é meramente formal, resultando de um dever de cooperação para com o Tribunal, que deve controlar se os factos escolhidos são passíveis de confissão e/ou factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, para além de tal indicação assegurar o contraditório e a organização da produção de prova no julgamento. O disposto no referido preceito legal é aplicável ex vi artigo 466º, n.º 3 do mesmo diploma legal, às declarações de parte. “Discriminar” significa, em tal contexto, que se devem mencionar os pontos do articulado onde constam os factos sobre que há-de incidir o depoimento ou as declarações, não se bastando com uma referência genérica, como, por exemplo, toda a matéria da petição inicial ou da contestação (cfr. neste sentido, Acs. da R.P. de 21/11/2019, proc. nº 29903/15.6T8PRT-F e de 06/02/2020, proc. nº 3144/12.2TBPRD-Q e Ac da R.L. de 31/05/2022, proc. nº 6660/21.1T8LSB-A). Assim, tendo a A. sido expressamente notificada para indicar os concretos factos sobre os quais há-de recair as suas requeridas declarações de parte, sob a cominação de indeferimento, e não tendo procedido a tal indicação, não se admitem as requeridas declarações de parte da Autora. * No requerimento em apreço veio a A. declarar pronunciar-se quanto ao objecto da perícia requerendo que o perito determine o valor de arrendamento do imóvel a preços de mercado, bem como o valor das obras que a A. refere ter levado a cabo. Vejamos. A A., na petição inicial requereu que se determine a avaliação pericial dos bens integrantes do “acervo patrimonial da herança” através de perito nomeado pelo tribunal. Tal requerimento foi indeferido no despacho saneador proferido nos autos. Nesse mesmo despacho, foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no art. 476º, nº 1 do C.P.C., relativamente à prova pericial requerida pela A. no seu articulado de 11/11/2024. A prova pericial aí requerida foi a perícia às assinaturas apostas no documento junto pelo R. com o nº 13 com o seu articulado de aperfeiçoamento da contestação, junto aos autos em 06/11/2024. Assim, não só decorre do disposto no art. 476º, nº 1 do C.P.C., que é a parte contrária (neste caso o R.) que pode pronunciar-se quanto ao objecto proposto, como se revela manifestamente extemporânea a perícia que, agora, pelo menos aparentemente, a A. vem requerer. Em face do exposto, indefere-se o requerido.” 7. Inconformada com os despachos acima transcritos, veio a A. deles interpor recurso de apelação, concluindo assim as suas alegações: “1. Foram indeferidos pelo Tribunal recorrido três meios de prova requeridos pela ora Recorrente: A) declarações de parte da A./Recorrente; B) valores das contas bancárias das partes aquando da altura da separação de facto; C) perícia sobre o valor de ocupação do imóvel. 2. As declarações de parte devem ser admitidas porque o art.º 466.º não indica expressamente que os factos sobre os quais irá incidir o respetivo meio de prova devem ser discriminados, ao contrário do que é exigido pelo artigo 452.º, além de que o Tribunal não pode presumir que os factos indicados em toda a matéria não são de conhecimento direto da A./Recorrente ou que a mesma não tem conhecimento direto desses mesmos factos. 3. Tendo sido a A.Recorrente apanhada completamente de surpresa com esse despacho - deveria o Tribunal determinar o porquê de a A./Recorrente ter indicado todos os factos. 4. Deveria o Tribunal ter diligenciado por obter a informação sobre os saldos das contas bancárias à altura da separação de facto das partes, porque tal foi solicitado e porque o objeto do processo é o mesmo o enriquecimento sem causa por parte do Recorrido - tanto no que se refere à ocupação do imóvel, como à apropriação de valores monetários. 5. Deveria o Tribunal produzir prova sobre a propriedade dos valores monetários produzindo uma decisão que consubstanciasse caso julgado formal no âmbito dos presentes autos, de modo a aferir se existe ou não enriquecimento sem causa por parte do Recorrido. 6. E a perícia a realizar deve incidir sobre o valor do imóvel, no que diz respeito ao seu valor para efeitos de rendas mensais, a preços de mercado, bem assim relativamente às benfeitoras realizadas pela A./Recorrente. 7. O objeto do processo versa principalmente sobre o impedimento por parte do Recorrido, da Recorrente ter acesso ao imóvel, pedindo que o Recorrido seja condenado num valor baseado em cálculos referentes à ocupação do imóvel, fazendo uma analogia com rendas. 8. Para além de ter sido requerida a perícia logo na Petição Inicial, relativamente aos bens integrados da herança - onde se inclui, naturalmente, direitos de crédito sobre um eventual uso/ocupação, no despacho semeador, ainda o Tribunal se encontrava a decidir sobre os concretos pontos da Perícia, que foi a altura em que aA./Recorrente especificou esse ponto. 9. O Juíz não pode ter uma atitude passiva, de «espectador» aquando da sua tomada de decisões, devendo oficiar, mesmo por sua iniciativa, todas as diligências para ajusta composição do litígio, conforme artigos 5.º, 6.º e 411.º, todos do Cód. do Proc. Civil. 10. O Juíz pode/deve averiguar factos procurando a verdade material, baseando-se aí o princípio do Inquisitório, devendo remover qualquer obstáculo à realização da Justiça, eliminando dúvidas, contradições ou divergências AC. Proc. n.º 1204/22.OT8FAR.E.1 11. O Tribunal deve assegurar a igualdade das partes, promover a descoberta da verdade e garantir um processo equitativo. Deve dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célebre, dialogar com as partes e participar da aquisição e discussão da matéria de facto e de direito relevante para o provimento da decisão. 12. Incumbe ao tribunal suscitar questões que se relacionam com algo que a parte, de forma deficiente ou incompleta, tenha exposto ou pedido, a cooperação do tribunal situa-se no plano processual, cuidando das insuficiências processuais, 13. O tribunal, nas palavras dos referidos dois autores, tem o dever de auxiliar as partes na remoção das dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou no cumprimento dos seus ónus ou deveres processuais (art.º 7.º, n.º 4). 14. O tribunal tem o dever de exercer esses poderes para cumprir a sua função assistencial perante as partes. 15. A omissão dos deveres inerentes ao dever de cooperação traduz-se até numa nulidade processual porque o tribunal deixa de praticar um ato que não pode omitir (art.º 195.º n.º 1). 16. O Juiz tem o dever de dirigir ativamente o processo e de providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias, ao normal prosseguimento da ação, adotando, depois de ouvir as partes, mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam ajusta composição de litígio em prazo razoável (art.º 6.º, n.º 1). 17. O Juiz deve. A) Promover as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação; B) Providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância - trata-se da concessão de um poder de sanação da inadmissibilidade do processo. 18. O Juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo (art.º 547.º). 19. De facto, como iria o Tribunal julgar o pedido principal da causa, sem estar reunido da Principal informação referente ao pedido Principal. 20. De maneira que entende a A./Recorrente que, salvo o devido respeito por opinião diferente, caso as declarações de parte da A., como os valores constantes das contas bancárias, e quais eram, à data da separação de facto, e ainda a perícia nos moldes peticionados deverão ser meios que a A.Recorrente deve ter acesso para a boa e justa prova a decisão da causa, sob prejuízo da violação dos artigos 18.º, n.º 2, 13.º e 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa, e 466.º, 4.º, 5.º, 6.º, 411.º, 7.º, n.º 4, 418.º, n.º 1, 195.º, n.º 1 e 457.º, todos do Cód. de Proc. Civil.” 8. Não foram apresentadas contra-alegações. 9. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – Questões a Decidir O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil). No caso em apreço importa apreciar se devem ser revogados os despachos sindicados, o que importa apreciar da pertinência e relevância dos meios de prova requeridos e sua oportunidade, bem como da regularidade formal do requerimento de prestação de declarações de parte. III – Fundamentação 1. Os factos relevantes para a decisão são os que constam do relatório que antecede. 2. Nos presentes autos pugna a A. pela revogação dos despachos nos quais o Tribunal a quo indeferiu o seu requerimento no sentido de ser oficiado o Banco de Portugal para informar sobre contas bancárias; o seu requerimento no sentido de ser produzida prova pericial tendo como objeto a determinação do valor de arrendamento do imóvel a preços de mercado e o valor das obras que a A. refere ter levado a cabo; e ainda o seu requerimento de prestação de declarações de parte. Invoca a A. a violação do disposto nos artigos 18.º, n.º 2, 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, bem como nos artigos 466.º, 4.º, 5.º, 6.º, 411.º, 7.º, n.º 4, 418.º, n.º 1, 195.º, n.º 1 e 457.º do Código de Processo Civil. 2.1. Assim, os artigos 18.º, n.º 2, 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa respeitam ao princípio da proporcionalidade no domínio da restrição de direitos, liberdades e garantias, ao princípio da igualdade e ao direito de acesso ao direito. Ora, do artigo 18.º, n.º 2 da Constituição não decorre a proibição absoluta do estabelecimento legal de restrições aos direitos, liberdades e garantias, antes se admitem as restrições necessárias para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, as quais devem ser estabelecidas por lei geral e abstrata, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito. No que respeita ao princípio da igualdade, é entendimento pacífico que o mesmo consente a diferenciação de situações desde que haja um fundamento legítimo para tal, como assinalam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2007, p. 341): “o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.” Por fim, quanto ao direito de acesso ao direito, consagra-se no n.º 4 do referido artigo 20.º o direito a um processo equitativo, sendo o direito à prova uma das suas vertentes. É, porém, consensual que não se trata de um direito absoluto, como explica Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 195): “concretamente, no que à produção de prova se refere, o Tribunal Constitucional tem entendido que um tal direito não implica necessariamente a admissibilidade de todos os meios de prova permitidos em direito em qualquer tipo de processo e independentemente do objecto do litígio e não exclui em absoluto a introdução de limitações quantitativas na produção de certos meios de prova. Todavia, as limitações à produção de prova (…) não podem ser arbitrárias ou desproporcionais”. 2.2. No que tange depois às normas dos artigos 4., 5.º, 6.º, 7.º, 411.º, 418.º e 547.º do Código de Processo Civil, respeitam à igualdade das partes, ao ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal, ao dever de gestão processual, ao princípio da cooperação, ao princípio do inquisitório, à dispensa de confidencialidade pelo juiz da causa e ao princípio da adequação formal. O dever de gestão processual está conexionado com o dever de direção do processo, sendo seu norte a ideia da justa composição do litígio em prazo razoável. Os dois vetores essenciais da gestão processual que daqui emanam são a “instrumentalidade dos mecanismos processuais em face do direito substantivo e o da prevalência das decisões de mérito sobre as formais” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., Coimbra, 2024, p. 35). Sem prejuízo, a norma aponta diretrizes de caráter genérico, e, como se repetirá adiante, deve ter-se sempre presente que os diversos princípios que presidem à arquitetura do processo se envolvem mutuamente, articulando-se entre si, pelo que importa ponderar também os princípios do dispositivo, da igualdade das partes e da autorresponsabilidade. Nas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.06.2022 (Fátima Reis Silva) (Processo n.º 18588/16.2T8LSB-DT.L1-1, in http://www.dgsi.pt/): “1 – O princípio da gestão processual conforma a atuação do juiz que deve providenciar pelo andamento célere e regular do processo, sendo que os concretos poderes do impulso dependem do modelo programático do processo. 2 – Trata-se de um poder dever de geometria variável, que encontra os seus limites nos direitos das partes. Esta regra tanto se aplica ao aspeto substancial como formal, havendo, claramente, limites traçados que não podem ser ultrapassados, desde logo o assegurar de um processo equitativo e os princípios previstos no nº2 do art. 630º do CPC: igualdade das partes, contraditório, aquisição processual ou admissibilidade de meios de prova, bem como o princípio do dispositivo e o da autorresponsabilidade das partes.” Por outro lado, as diversas vertentes que assume o dever de cooperação são enunciadas de forma clara no artigo 7.º do Código de Processo Civil, delas resultando a ideia geral de que o processo é instrumental, quer dizer, é um meio para se obter a definição do direito aplicável ao caso, pelo que deve ser conduzido de uma forma leal e correta, em ordem a uma solução final que seja justa (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, idem, p. 37). Porém, o princípio da cooperação não pode implicar que seja, por essa via, cometido ao juiz que auxilie uma das partes a ver reconhecida a sua pretensão em quaisquer circunstâncias, isto é, o dever de cooperação do Tribunal deve ser exercido com respeito pelos princípios da igualdade das partes e da sua autorresponsabilidade. Como se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.06.2020 (Rita Romeira) (Processo n.º 110/18.8T8VLG-B.P1), “(…) aquele poder-dever que incumbe ao juiz, no âmbito do princípio da cooperação consagrado naquele art. 7º, não é um poder ilimitado que se sobreponha ao princípio da auto-responsabilidade das partes e aos ónus de alegação e de prova que incumbem a cada uma das partes.” (no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22.06.2023 (Jorge Teixeira), Processo n.º 2121/11.5TBVCT-B.G1, todos in http://www.dgsi.pt/). Assim, desde logo, deve o Tribunal desenvolver diligências para auxiliar o cumprimento de ónus ou deveres por uma das partes, mas apenas se existir uma séria dificuldade da parte em fazê-lo (n.º 4), e, no mais, a cooperação manifesta-se em múltiplas formas que revelam aquele respeito pela igualdade do posicionamento das partes, como sucede com a solicitação de esclarecimentos, a prolação de despacho de convite de aperfeiçoamento dos articulados, entre outros (ibidem). O artigo 411.º do Código de Processo Civil tem, essencialmente, aplicação no âmbito da instrução da causa, dele decorrendo que apenas devem ser realizadas ou ordenadas as diligências “necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio”. Ou seja, o tribunal deve rejeitar os meios de provas que não cumpram aquela condição, o que encontra consagração específica nas seguintes normas do Código de Processo Civil: - artigo 443.º, n.º 1: se os documentos forem julgados impertinentes ou desnecessários, o juiz deve rejeitá-los, ordenando a sua retirada do processo e devolução ao apresentante; - artigo 476.º, n.º 1: o juiz só deve ordenar a notificação da parte contrária para se pronunciar sobre o objeto da prova pericial proposta, se entender que tal meio de prova não é impertinente nem dilatório; - artigo 516.º, n.º 3: o juiz deve obstar a que sejam feitas perguntas impertinentes à testemunha (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Coimbra, 2017, p. 208 e 214). E decorre da abundante jurisprudência produzida sobre o tema, como preocupação transversal, o equilíbrio do sistema, concretamente: - entre o princípio do inquisitório e os princípios do dispositivo, preclusão e autorresponsabilidade das partes; - entre os interesses das partes e a posição de imparcialidade que o juiz deve preservar ao longo de todo o processo. No artigo 418.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, estabelece-se a possibilidade da dispensa de confidencialidade de dados que se encontrem na disponibilidade de serviços administrativos, sendo, todavia, condição para que tal suceda que as informações em causa sejam essenciais ao regular andamento do processo e justa composição do litígio, o que significa que aquilo que está aqui em causa é, de igual modo, a solução a dar ao conflito nos termos em que este é apresentado ao tribunal. Ou seja, esta justa composição do litígio não prescinde da sua conexão ao objeto do litígio. Quanto ao princípio da adequação formal, sublinha-se a ideia fundamental de que este possui limites, entre os quais se contam, segundo Rui Pinto, citado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa (idem, p. 647): - as regras estruturantes do processo equitativo, onde se inscrevem a igualdade das partes e a imparcialidade; - a segurança jurídica quanto aos atos processuais consumados e quanto ao plano da tramitação sucedânea previamente definido; - as regras processuais imperativas, tais como as que fixam prazos perentórios para o exercício de direitos. No mesmo sentido referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (idem, p. 472) que “A adequação formal tem sempre como limite as normas imperativas e os princípios fundamentais do processo civil.” Assim, a aplicação do princípio da adequação formal não pode contender com normas que fixam prazos perentórios para a prática dos atos processuais, nem redundar na criação de desequilíbrios injustificados no posicionamento relativo das partes ou gerar insegurança quanto à tramitação processual. 3. Requerimento relativo ao ofício a dirigir ao Banco de Portugal 3.1. Nos termos do artigo 410.º do Código de Processo Civil, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova. Estamos, portanto, a falar dos factos que respeitam ao objeto do processo, aqueles que são alegados pelas partes em suporte dos pedidos formulados ou da defesa esgrimida contra esses pedidos, e que se mostram controvertidos, por terem sido impugnados (artigos 571.º e 574.º do Código de Processo Civil). Lidos os pedidos formulados neste processo, o objeto do litígio e os temas da prova, verificamos que os mesmos traduzem pretensões indemnizatórias relacionadas com a ocupação e administração de um imóvel, a realização de obras no mesmo e a compra de mobiliário. É certo que na petição inicial a A. se refere a contas bancárias, invocando o instituto do enriquecimento sem causa e alegando, com este fundamento, ter direito a metade dos saldos das contas bancárias. Porém, na parte final da petição inicial a A. requer que seja dirigido pedido de informação ao Banco de Portugal e, subsequentemente, às instituições bancárias, destinando-se a averiguar da existência de contas bancárias em nome das partes, em ordem à partilha dos respetivos saldos. Ora, são duas realidades jurídicas distintas a partilha dos bens comuns do casal, a qual tem por fundamento a dissolução de casamento celebrado sob o regime da comunhão de bens (geral ou de adquiridos) e a existência de bens que, nos termos da lei, devam ser qualificados como comuns, devendo ser realizada em processo de inventário para separação de meações (artigo 1133.º do Código de Processo Civil); e a restituição fundada em enriquecimento sem causa, que constitui um meio de intervenção subsidiário (artigos 473.º e 474.º do Código de Processo Civil). Ou seja, se houver um mecanismo legal que permita alcançar o equilíbrio entre as prestações, é esse mecanismo que deve ser utilizado e não o enriquecimento sem causa, pelo que alegando a A. que existem bens comuns, a forma de proceder à sua divisão entre os membros do casal dissolvido é a partilha e não a restituição com fundamento em enriquecimento sem causa. Assim, a argumentação da A. no sentido de que cabe aos tribunais comuns conhecerem da questão de saber se a apropriação dos bens pelo R. constitui enriquecimento sem causa não pode ser acolhida, precisamente porque aquilo que releva é apurar se existem ou não bens comuns, e se existirem, devem ser partilhados. Acresce que a A. não pediu ao Tribunal que declarasse que o R. se apropriou das contas bancárias, pelo que está vedado ao Tribunal proferir decisão com esse conteúdo, atento o princípio dispositivo (artigo 3.º, n.º 1, 1ª parte do Código de Processo Civil), sob pena de nulidade de tal decisão por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil). 3.2. Revertendo ao caso dos autos, verificamos que quanto às contas bancárias a diligência requerida não tem relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, não se vislumbrando que as normas processuais acima invocadas para a resolução das questões colocadas e a sua concreta aplicação ao caso ofendam os princípios enunciados, na medida em que as regras que estabelecem a necessidade de pertinência e relevância dos meios probatórios ao objeto do processo se afiguram objetivamente razoáveis e proporcionais, para além de que se dirigem a ambas as partes, pelo que não introduzem qualquer distinção no seu posicionamento relativo. Por outro lado, no que tange à intervenção do juiz no processo, deve a mesma respeitar a igualdade das partes, não sendo, consequentemente, aceitável que sobre a invocação de princípios como a gestão processual, a cooperação, o inquisitório ou a adequação formal o juiz desvirtue a tramitação, em termos que acabem por se traduzir em benefícios concedidos a uma das partes, necessariamente em prejuízo da outra. Aliás, se fosse consentida a produção de provas que extravasam do objeto do processo, portanto, relativas a factos dos quais não é lícito ao juiz conhecer, tal consubstanciaria, além do mais, atividade inútil, expressamente vedada por lei (artigo 130.º do Código de Processo Civil). Consequentemente, nada obsta à confirmação do despacho que indeferiu o requerimento da A. no sentido de ser oficiado o Banco de Portugal. 4. Perícia destinada a determinar o valor de arrendamento do imóvel a preços de mercado, bem como o valor das obras que a A. refere ter levado a cabo no mesmo 4.1. Compulsados os autos, verificamos que na petição inicial a A. requer apenas, como indica o Tribunal a quo, a avaliação dos bens que compõem o património comum do casal, o que foi indeferido pelo Tribunal a quo, no despacho saneador, com a mesma fundamentação que motivou o indeferimento do pretendido ofício a ser dirigido ao Banco de Portugal. Contudo, na audiência prévia o R. havia sido convidado a aperfeiçoar a contestação, o que fez a 06.11.2024, tendo a A., a 11.11.2024, exercido o contraditório sobre os factos objeto de aperfeiçoamento e requerido a realização de prova pericial à assinatura aposta em documento. No despacho saneador, o Tribunal a quo ordenou a notificação do R. para se pronunciar sobre o objeto da prova pericial requerida pela A.. Nesta sequência, veio a A., em requerimento apresentado em 06.01.2025, declarar, entre o mais, que vem pronunciar-se sobre o objeto da perícia, requerendo que o perito determine o valor de arrendamento do imóvel a preços de mercado, bem como o valor das obras que a A. refere ter levado a cabo. O Tribunal a quo indeferiu este requerimento, com fundamento que a pronúncia que foi solicitada, em cumprimento do disposto no artigo 476.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, foi a do R., uma vez que se trata de prova pericial à assinatura requerida pela A., e ainda com fundamento em que sendo este um aparente requerimento de uma nova prova pericial, é o mesmo extemporâneo. Com efeito, resulta claro de todo o exposto que a notificação para pronúncia não foi dirigida à A., mas antes ao R., e, por outro lado, estando em causa definir o objeto de prova pericial à assinatura, a indicação de prova atinente ao imóvel é desprovida de qualquer conexão com a questão em apreço. Acresce, ao contrário do que afirma a A. nas suas alegações, que quando alguém se refere ao valor de um imóvel tout court não se está a reportar ao seu valor locativo, mas antes ao valor de venda do imóvel, nada existindo na petição inicial que permita reconduzir o valor do imóvel aí aludido à diferente realidade do valor de uso do imóvel, a qual agora a A. nomeia expressamente. Assim, tal requerimento probatório deve, efetivamente, ser considerado como um novo e autónomo requerimento probatório, o que implica a sua apreciação à luz das regras gerais próprias, o mesmo é dizer: - artigo 552.º, n.º 6 do Código de Processo Civil: “No final da petição, o autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; caso o réu conteste, o autor é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, podendo fazê-lo na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação.” - artigo 598.º, n.º 1 do Código de Processo Civil: “O requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar nos termos do disposto no artigo 591.º ou nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 593.º.” Ora, esta prova pericial não foi requerida na petição inicial, nem no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação - na situação vertente, o R. não deduziu reconvenção, pelo que não há lugar a réplica (artigo 584.º, n.º 1 Código de Processo Civil). Por outro lado, a prova pericial aludida não foi também requerida na audiência prévia que se realizou e, tendo o despacho saneador sido proferido após essa audiência, não foi requerida a realização de nova audiência prévia, sendo certo que não foram apresentadas reclamações contra o despacho saneador. No entanto, tem vindo a ser debatida a questão de saber se é admissível a alteração do requerimento probatório nos casos em que não tenha sido realizada audiência prévia. Sublinhe-se que apesar de ter sido realizada audiência prévia nestes autos, o despacho saneador só veio a ser proferido em momento posterior, em conclusão aberta nos autos para esse efeito, o que se considera constituir uma situação equiparada àquela acima referida, sob a perspetiva de que na audiência prévia aqui realizada não foi proferido o despacho saneador. Assim, há quem entenda que se a parte não pretender apresentar reclamação contra o despacho saneador e, por esse motivo, não vier requerer a realização de audiência prévia após a notificação do despacho saneador, está-lhe vedada a alteração do seu requerimento probatório, uma vez que não existe suporte legal para esse procedimento (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, idem, p. 745). Diversamente, há quem entenda que deve ser reconhecida à parte a faculdade de alterar o seu requerimento probatório, ainda que não pretenda reclamar do despacho saneador, no prazo de 10 dias contados da notificação do despacho saneador, invocando-se, em abono desta orientação, os seguintes argumentos: - o princípio da igualdade e o direito à prova, sob a perspetiva de que inexistem razões para o tratamento diferenciado das duas situações, sendo certo ainda que, no limite, se estaria a fomentar a dedução infundada de reclamações contra o despacho saneador, apenas com o intuito de obter a alteração dos requerimentos probatórios; - a relevância da possibilidade de alteração dos requerimentos probatórios na sequência da prolação do despacho saneador assenta na circunstância de neste despacho se identificar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova, o que constitui o referencial essencial para as partes quanto aos factos cuja prova lhe incumbe fazer (Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.01.2019 (Jorge Arcanjo), Processo n.º 1178/16.7T8CLD.C1; do Tribunal da Relação de Évora de 24.10.2019 (Conceição Sampaio), Processo n.º 2457/18.4T8PTM-A.E1; do Tribunal da Relação do Porto de 07.10.2024 (Fátima Andrade), Processo n.º 8690/21.4T8VNG-A.P1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 31.10.2024 (José Carlos Duarte), Processo n.º 1697/22.6T8VNF.G1, todos in http://www.dgsi.pt/; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Coimbra, 2017, pp. 644-645). Há, depois, quem admita esta solução por via da aplicação do princípio da adequação formal, através da concessão às partes de um prazo para alterarem os requerimentos probatórios, sem necessidade da concomitante reclamação do despacho saneador, devendo esta menção ser incluída no despacho saneador (Paulo Ramos de Faria, Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., Coimbra, 2014, p. 562). Miguel Teixeira de Sousa (Questões sobre matéria de prova no nCPC, in https://blogippc.blogspot.com/2014/03/questoes-sobre-materia-da-prova-no-ncpc.html) apresenta outra solução, concretamente, a possibilidade de alteração dos requerimentos probatórios até 20 dias antes da audiência, por analogia com o disposto no artigo 598.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Salvo o devido e muito respeito pelas diferentes orientações, acompanhamos aqueles que admitem a alteração dos requerimentos probatórios no prazo de 10 dias contados da notificação do despacho saneador, com fundamento nos argumentos acima apresentados. Este prazo de 10 dias, para além de constituir o prazo geral para a prática de atos pelas partes (artigo 149.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), é também o prazo fixado para o requerimento de realização da audiência prévia no artigo 593.º, n.º 3 do Código de Processo Civil. Ou seja, quando confrontada com a indicação, por parte do tribunal, do objeto da instrução da causa, pode, efetivamente, a parte pretender alterar os seus requerimentos probatórios, revendo e atualizando nesse momento as suas possibilidades de demonstração dos factos dos quais depende o sucesso das suas pretensões ou da defesa que verteu contra as pretensões da parte contrária. Deste modo, tendo o despacho saneador sido notificado às partes a 17.12.2024 e mostrando-se o requerimento da A. submetido a juízo a 06.01.2025, conclui-se que semelhante requerimento foi apresentado no prazo de 10 dias contados da notificação do despacho saneador, considerando-se, consequentemente, oportuno. Por outro lado, tem vindo a considerar-se admissível esta alteração independentemente do teor do primeiro requerimento probatório da parte, ou seja, ainda que a parte não tenha inicialmente requerido a produção do meio de prova que agora apresenta (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, idem, p. 757; Paulo Ramos de Faria, Ana Luísa Loureiro, idem, p. 561; Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 18.03.2021 (Maria da Conceição Bucho), Processo n.º 2154/18.0T8BCL-A.G1, do Tribunal da Relação de Évora de 29.09.2022 (Francisco Xavier), Processo n.º 54355/21.8YIPRT-D.E1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.03.2023 (Vera Antunes), Processo n.º 20041/20.0T8LSB-A.L1-6, e do Tribunal da Relação do Porto de 10.07.2024 (Ana Olívia Loureiro), Processo n.º 19480/22.7T8PRT-A.P1, todos in http://www.dgsi.pt/). Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (idem, p. 645) perfilham uma orientação mais restritiva, advogando que dentro da prova constituenda não há obstáculos à substituição ou ao aditamento de meios de prova, mas já assim não sucede quando a questão se coloca relativamente à prova documental. Ora, no caso em apreço a A. requereu inicialmente prova pericial, pelo que mesmo para a orientação mais restritiva nada obstaria à alteração. Assim, importa agora apreciar se este requerimento deve ser admitido ou rejeitado. No caso específico da prova pericial interessa saber se a prova requerida é relevante para a decisão da causa e, adicionalmente, se o objeto que é proposto se adequa à natureza da perícia, assim caracterizada no artigo 388.º do Código Civil: “A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.” Ou seja, a prova pericial consiste essencialmente num juízo técnico, emitido por alguém que possui os conhecimentos especializados necessários para esse efeito. Ora, no que tange ao valor locativo do imóvel, enquadra-se o mesmo no tema da prova indicado sob 4), ao que acresce a circunstância de se tratar de facto suscetível de aferição técnica. Já quanto ao custo das obras suportado pela A., trata-se de facto integrante dos temas da prova sob 7), mas não assume tal facto uma dimensão técnica, isto é, o seu apuramento não requer conhecimentos especializados. Com efeito, as despesas com a realização de obras são um facto distinto da valorização de um imóvel por força dessas obras. O custo de uma obra reconduz-se às quantias concretamente despendidas com materiais e mão-de-obra, factos cuja prova se faz mediante documentos - orçamentos, notas de encomenda, faturas, recibos – e/ou testemunhas e declarações de parte/depoimento de parte. Consideramos, assim, que no que tange ao valor locativo do imóvel deve ser admitida a prova pericial requerida pela A., atenta a sua pertinência aos temas da prova, bem como a natureza técnica do facto em apreço, mas deve ser rejeitada a prova pericial relativa ao valor das obras que a A. refere ter levado a cabo, uma vez que aquilo que está aqui em causa é apurar o valor pago pela A. com a realização das obras e este facto não é de natureza técnica. 4.2. Sublinhamos ainda que o apelo aos normativos acima indicados não aponta para solução diferente daquela acima exposta quanto à prova pericial atinente ao custo das obras, essencialmente, pelas mesmas razões já aduzidas relativamente ao requerimento probatório relativo às contas bancárias. 5. Declarações de parte Nos termos do artigo 466.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, assiste à parte a faculdade de requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto, o que pode fazer até ao início das alegações orais em 1.ª instância. Por força da remissão operada pelo n.º 2 do preceito legal aludido, deve a parte indicar discriminadamente o objeto do seu depoimento (artigo 452.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). A jurisprudência tem entendido uniformemente que aquela indicação implica a especificação dos factos sobre os quais a parte pretende ser ouvida, e na eventualidade de não ser cumprido este ónus, impõe-se ao tribunal que convide a parte a aperfeiçoar o seu requerimento, sob pena de rejeição (Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 17.10.2024 (Vera Sottomayor), Processo n.º 3436/22.2T8GMR-B.G1, do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.11.2024 (Luís Cravo), Processo n.º 1760/23.6T8LRA-A.C1, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.04.2025 (Alexandra Laje), Processo n.º 3677/24.8T8ALM-A.L1-4, todos in http://www.dgsi.pt/). Ora, da tramitação dos autos decorre que a A. discriminou os factos sobre os quais deviam incidir as declarações de parte, em requerimento submetido a juízo em 22.10.2024, mas foi posteriormente notificada pelo Tribunal para esse efeito e, em lugar de remeter para o requerimento que havia já apresentado ou repetir o seu conteúdo em novo requerimento, respondeu que as declarações de parte deviam ter por objeto “toda a matéria”, o que motivou a rejeição das declarações de parte. Atendendo a que a parte apresentou oportunamente nos autos requerimento onde discrimina, em cumprimento da norma pertinente, a matéria objeto das declarações de parte, entendemos que deve esse requerimento ser tomado em consideração. Assim, compulsada a petição inicial, verifica-se que toda a matéria indicada pela A. se integra nos temas da prova, pelo que devem ser admitidas as declarações de parte com este objeto, salvo quanto aos artigos 23º (não se alega aqui um facto, expressa-se desconhecimento sobre a realidade), 24º, 64º e 65º (contêm alegações de direito). Nesta parte o recurso deve, pois, ser julgado procedente. 6.4. Da decisão que antecede resulta que improcede a arguição de nulidade procedimental invocada pela A., consistente na alegada omissão indevida da realização das diligências probatórias por si requerida (artigo 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). 7. As custas são suportadas pelas partes, na proporção do respetivo decaimento, sendo na proporção de metade para cada uma (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil). IV - Dispositivo Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em conformidade: 1. Revogam a decisão recorrida que indeferiu a prova pericial destinada a apurar o valor de mercado do imóvel, admitindo-se a mesma, bem como se revoga a decisão que indeferiu as declarações de parte da A., admitindo-se tais declarações com respeito à matéria contida nos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 53.º, 54.º, 55.º, 75.º e 78.º da petição inicial; 2. Confirmam as demais decisões recorridas. Custas pelas partes, na proporção de metade para cada uma. Notifique e registe. Sónia Moura (Relatora) Maria João Sousa e Faro (1ª Adjunta) Ricardo Miranda Peixoto (2º Adjunto) |