Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2825/08.0TAFAR-A.E1
Relator: EDGAR VALENTE
Descritores: NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 11/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - Nos termos do artº 113° do CPP, as notificações, quando efectuadas por via postal registada, presumem-se feitas no 3º dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação.

II - A presunção prevista no nº 2 do artigo 113° do CPP, não tendo sido explicitado pelo legislador o seu carácter inilidível, deve ser considerada meramente relativa.

III - Tratando-se de uma presunção meramente relativa, também resulta evidente que a data em que a notificação é efectivamente recebida pelo destinatário, que assina o respectivo AR, deve ser a data em que se considera realizada aquela notificação, assim se considerando ilidida a presunção legal estabelecida.

IV – Se a secretaria fez, indevidamente, indicar como data do início do determinado prazo uma data posterior àquela que devia ser legalmente considerada, tal situação traduz-se na extensão objectiva do prazo para a prática do acto, tratando-se de uma situação em tudo análoga àquela em que a secretaria erra na indicação de um prazo para a prática de um acto processual, assinalando um prazo superior ao legalmente estabelecido.

V – Uma vez que os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes deve ser tal indicação levada em conta, não se prejudicando o destinatário da notificação.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, após conferência , na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório.

No 1º Juízo Criminal do TJ de Santarém corre termos o processo de Instrução nº 2825/08.0TAFAR, foi proferido despacho judicial, no qual CTT Expresso – Serviços Postais e Logística, S.A. (a ora recorrente) foi condenada em multa, por ter entregue o requerimento de abertura de instrução e de constituição de assistente no 2º dia útil após o termo do prazo legal.

De tal decisão foi interposto por aquela o presente recurso, tendo extraído da respectiva motivação as seguintes conclusões:

A - A Requerente foi notificada, por via postal registada, com a menção expressa do disposto artº 113° nº 2 do CPP, constante dos autos a fls.,;

B - A notificação tinha como objecto o despacho de arquivamento no Inquérito à margem identificado, com data de 14 de Janeiro de 2010.

C - Sucede que a lei processual civil estabelece um regime presumido das notificações por via postal registada e do modo como a presunção pode ser afastada.

D - Do disposto do n.º 2 do seu artigo 113°, resulta uma presunção ilidível, de que esta se efectua no 3° dia útil posterior ao do envio.

E - É aplicável à presunção a que alude o n.º 2 do artigo 113° do CPP o regime de subsidiariedade estabelecido no artigo 4° do CPP e, portanto, esta só poderá ser ilidida a pedido do notificado e no seu interesse.

F - Não obstante, tem que se considerar a recorrente notificada no dia 19 de Janeiro de 2010, iniciando-se a contagem do prazo no dia 20 de Janeiro de 2010.

G - E concomitantemente, o 20° dia do referido prazo, seria o dia 8 de Fevereiro de 2010.

H - Caso se entenda que o prazo se deveria contar de forma corrida, a recorrente teria sido notificada no dia 17 de Janeiro, Domingo, iniciando-se a contagem do referido prazo no dia 18 de Janeiro de 2010.

I - E terminando o prazo para a prática do acto no dia 6 de Fevereiro de 2010, Sábado, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, segunda-feira, dia 8 de Fevereiro de 2010.

J - Assim teremos de concluir, ao contrário da douta decisão recorrida, que o acto foi praticado dentro do prazo, não podendo ser afastada a presunção do artigo 113° n.º 2 do Código de Processo Penal.

Conclui pedindo que a decisão recorrida seja revogada, por o acto ter sido tempestivamente praticado.
O MP respondeu ao recurso, concluindo, por seu turno, do seguinte modo:

I - Efectuada por via postal com aviso de recepção - artigo 113.°, n. ° 1, alínea b) do CPP - a notificação do arquivamento, o prazo para requerer a abertura de instrução conta-se da data em que o destinatário assinou o aviso de recepção, não sendo aplicável o n.º 2 do artigo 113.° do CPP ..

II - A denunciante notificada do despacho de arquivamento no dia 15.01.2010, tinha até ao dia 04.02.2010 para requerer a abertura de instrução e constituir-se assistente.

III - Tendo-o efectuado apenas no dia 08.02.2010, o Tribunal A Quo, determinou, e a nosso ver bem, o cumprimento do disposto no artigo 145.°, n.° 6 do CPP ex vi artigo 4.° do CPP ..

Conclui no sentido de que deve ser julgado improcedente o presente recurso e mantida nos seus precisos termos a decisão recorrida.

O Exmº Magistrado do MP neste Tribunal da Relação entende que deverá ser negado provimento ao recurso.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Levaremos em conta o teor da decisão recorrida, que se reproduz na parte que interessa:

''Resulta dos autos, nomeadamente de fls. 186, que a queixosa foi notificada do despacho de arquivamento no dia 15 de Janeiro de 2010.

Também resulta que o requerimento de constituição de assistente bem como o requerimento de abertura de instrução foram remetidos via fax no dia 8 de Fevereiro de 2010.

Ora, o prazo legalmente previsto para que se possa requerer a abertura da fase de instrução e requerer a constituição de assistente é de vinte dias ( art.º 287°, n.º 1 e art.º 68º, n.º 3, al. b), ambos do Código de Processo Penal).

Assim, tendo em consideração que o terminus do prazo legal para apresentação dos dois requerimentos se deu no dia 4 de Fevereiro, determino o cumprimento do disposto no art.° 145°, n.° 6 do Código de processo Civil ex vi art.º 4° do Código de Processo Penal, sendo que a multa em causa, devida pela apresentação dos requerimentos no 2° dia útil, deverá ser liquidada para ambos os requerimentos, visto que estes são autónomos.''

2. Fundamentação.

A. Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido ( artigo 412º do Código de Processo Penal – CPP ) , de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso .

As questões a decidir no presente recurso são:

I - Averiguação da data de efectivação em processo penal de uma notificação através de carta registada com aviso de recepção;

II – Data do início da contagem do prazo para acto processual.

B. Decidindo.

I – 1ª questão.

Vejamos o quadro legal em causa.

Segundo o artº 287°, nº 1 do CPP, a abertura de instrução pode ser requerida no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento.

Por sua vez, segundo o artº 113° do mesmo compêndio legal:

1 - As notificações efectuam-se mediante:

a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;

b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;

c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou

d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.

2 - Quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3º dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação.

In casu, a notificação do despacho de arquivamento foi efectuada através de carta registada ''com prova de recepção'' (o vulgarmente conhecido AR) , como se alcança do teor da certidão constante de fls. 22 dos autos.

Trata-se, consequentemente, de um plus relativamente à via postal registada prevista na alínea b) do nº 1 do artº 113º acima citado.

Uma vez que foi utilizada pela secretaria uma via mais garantística (no sentido de obter uma certeza sobre não só a realização da notificação, como também sobre a respectiva data) para efectivar a notificação, a questão que se coloca é a de saber se, não obstante a carta contendo a notificação ter sido efectivamente recebida pelo destinatário, com a consequente assinatura do respectivo AR, ainda assim se deve obedecer à presunção prevista no artigo 113°, nº 2 do CPP.

Vejamos.

''As presunções legais dividem-se, quanto à sua força probatória, em relativas ou juris tantum, que admitem prova em contrário, e absolutas ou juris et de jure, que não admitem a possibilidade de prova em contrário.

As presunções legais relativas constituem a regra.''[1]
Resulta ser assim meridianamente claro que a presunção prevista no nº 2 do artigo 113° do CPP, não tendo sido explicitado pelo legislador o seu carácter inilidível, deve ser considerada meramente relativa.

Tratando-se de uma presunção meramente relativa, também resulta evidente que a data em que a notificação é efectivamente recebida pelo destinatário, que assina o respectivo AR, deve ser a data em que se considera realizada aquela notificação, assim se considerando ilidida a presunção legal estabelecida. Nesse exacto sentido se pronuncia o Acórdão da Relação do Porto de 21.06.2000[2], onde se afirma o seguinte: ''Repare-se que o actual Código de Processo Penal não exige que a notificação por carta registada seja acompanhada por aviso de recepção. E sendo enviada simples carta registada torna-se incerto o momento em que esta é recebida pelo destinatário. Daí que se compreenda que a lei tenha estabelecido uma presunção a ficcionar a data em que a notificação se considera efectuada; mas, se se souber a data exacta em que o notificando recebeu a notificação (pela aposição da data e assinatura no aviso de recepção), nada justifica que o mesmo não seja notificado nessa data.''

Trata-se de uma interpretação que, privilegiando o princípio da verdade processual e não pondo em causa quaisquer das garantias legais do notificando, não é inconstitucional. Com efeito, relativamente a uma situação com evidentes semelhanças com a dos autos, escreveu-se no Acórdão nº 244 do TC de 05.03.1997[3], ''o que releva é o conhecimento real da notificação pelo arguido - o qual se assegura, neste caso, com o aviso de recepção. (...) É evidente que - nos casos em que tiver funcionado um sistema garantístico mais completo, traduzido na exigência de aviso de recepção no expediente postal que incorpora as notificações judiciais, estando consequentemente documentada nos autos e efectiva recepção de tal expediente pelo destinatário e certificada a data em que a mesma teve realmente lugar - se configuraria, pelo menos, como insólito substituir tais datas "reais" e certificadas pela "ficção" decorrente da presunção legal (...).

Nestes termos, e voltando ao caso dos autos, uma vez que, como a própria recorrente reconhece, (certidão de fls. 30 dos presentes autos) a data em que recepcionou a nota de notificação (''foi dia 15 de Janeiro de 2010'') e o requerimento de constituição de assistente bem como o requerimento de abertura de instrução foram por aquela remetidos (e recepcionados) via fax no dia 8 de Fevereiro de 2010 (cfr. certidão constante de fls. 26/7 dos presentes autos), resulta indiscutível que, se considerarmos como início do prazo a data da notificação, estes últimos requerimentos deram entrada no 2° dia útil após o termo do prazo legal, nessa circunstância se mostrando legalmente ancorada a decisão de ordenar o cumprimento do disposto no art° 145°, n° 6 do Código de processo Civil ex vi artº 4° do Código de Processo Penal.

II – 2ª questão.

Entendemos, porém, que deve atender-se ao seguinte:

A nota de notificação da requerente do despacho de arquivamento (cuja certidão se encontra a fls. 22 dos autos), menciona que a destinatária (SIC) ''tem o prazo de vinte dias para querendo, requerer a abertura da instrução (…) tendo para o efeito de se constituir assistente''. Mais consta expressamente de tal nota que os prazos indicados se iniciam ''partir do terceiro dia útil posterior ao do registo postal (art.º 113º, n.º 2 do C. P. Penal).''

Uma vez que, como acima vimos, a data em que foi efectivamente recepcionada a nota de notificação não corresponde ao 3º dia útil posterior ao do registo postal, resta saber qual das datas deve ser, em concreto, atendida. Repare-se que já não se trata aqui de saber em que data foi efectuada a notificação, questão resolvida supra. A questão agora traduz-se na definição do termo inicial para a contagem do prazo para requerer a abertura da instrução e constituição de assistente.

Entendemos que, na prática e em concreto, o que a secretaria fez foi, indevidamente, indicar como data do início do mencionado prazo que, em concreto, face ao efectivo recebimento da notificação antes do decurso dos assinalados 3 dias, se veio a revelar ser posterior à efectiva notificação, o que se traduz na extensão objectiva do prazo para requerer a abertura da instrução e para constituição de assistente.

Trata-se de uma situação em tudo análoga àquela em que a secretaria erra na indicação de um prazo para a prática de um acto processual, assinalando um prazo superior ao legalmente estabelecido.
Quis juris?

Entendemos que a solução se encontra no disposto no artº 161º, nº 6 do CPC. Recorde-se que, de acordo com tal norma, os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes. Sobre tal normativo, diz-nos Lebre de Freitas (et alt.)[4] ''[o] n.º 6 estabelece a regra de que a parte não pode ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria judicial. Esta regra implica, porr exemplo, que o acto da parte não pode ''em qualquer caso'' ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido (…).''

Este princípio tem tido aplicação jurisprudencial (ao que sabemos) uniforme no que respeita à específica questão da indicação pela secretaria de um prazo superior para a prática de acto processual, afirmando-se que deve ser tal prazo erradamente assinalado o efectivamente levado em conta, não se prejudicando o destinatário da notificação. (neste sentido podem ver-se os Acórdãos da Relação de Lisboa de 23.10.1985, in BTE, 2ª série , números 7-8-9/87, página 1258, de 23.05, de 23.05.1996, in BMJ 457, página 431 e da Relação de Évora de 04.03.1999, in BMJ 485, página 496)

Podemos afirmar que esta solução (concessão do prazo mais favorável indevidamente indicado) é a única ''… que garante a imprescindível tutela da confiança, como elemento de um processo equitativo, confiança que sairia certamente abalada quando o tribunal, dando um sinal no sentido de um acto produzir determinados efeitos, afinal, como que ''dando o feito por não feito'' e retirando quaisquer efeitos ao acto judicial praticado (…) acaba por tirar o que acabara de conceder à parte.'' (Acórdão da Relação de Lisboa de 06.11.2008 proferido no Processo 7993/2008-6 e disponível em www.dgsi.pt)

Uma vez que se trata de um caso omisso no CPP e que o disposto no artº 161º, nº 6 do CPC (tutelando o princípio da confiança dos intervenientes processuais nas indicações que os tribunais lhes transmitem) se harmoniza com o processo penal, deve este normativo aqui também aplicar-se, nos termos do artº 4º do CPP.

Nestes termos e considerando qu, in casu, foi expressamente indicado pela secretaria à notificanda na nota de notificação uma data para o início do prazo para requerer a abertura da instrução e constituição de assistente mais favorável (ou seja, posterior) à data da efectiva notificação, deve ser aquela levada em conta em detrimento desta.

Assim, atendendo a que o terceiro dia útil posterior ao do registo postal ocorreu no dia 17.01.2010, Domingo, iniciou-se a contagem do referido prazo no dia 18.01.2010 e terminando o prazo para a prática do acto no dia 07.02.2010, Domingo, considera-se ter ocorrido o seu termo efectivo no primeiro dia útil seguinte, segunda-feira, 08.02.2010.

Nestes termos e por tudo o exposto, tendo os requerimentos dado entrada dentro do prazo legal, inexiste motivo legal para ordenar o cumprimento do disposto no artº 145º, nº 6 do CPC.

Consequentemente, muito embora por motivo diverso do alegado, o recurso merece provimento.

3. Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que, considerando tempestiva a apresentação dos requerimentos de constituição de assistente e de abertura de instrução, sobre os mesmos se pronuncie.

Sem custas.

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 04 de Novembro de 2010

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(Edgar Gouveia Valente)

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(Fernando Ribeiro Cardoso)

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[1] Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos in Notas ao Código Civil, Vol. II, Lisboa, 1988, página 125. No sentido da última asserção, J. Batista Machado – in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1989, página 112 – diz-nos que ''[n]a dúvida haverá de entender-se, pois, que a presunção legal é apenas iuris tantum.''

[2] Publicado na CJ Ano XXV, Tomo III – 2000, página 237 e citado na douta resposta ao recurso do MP na 1ª instância.

[3] Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19980244.html.

[4] In Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, 1999, página 285.