Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1825/08.4PBSXL.E1
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: COMPREENSÍVEL EMOÇÃO VIOLENTA
DIMINUIÇÃO DA CULPA
REGISTO CIVIL
IDADE DAS VÍTIMAS
Data do Acordão: 05/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - A compreensível emoção violenta susceptível de diminuir, de forma sensível, a culpa do agente, terá de condicionar de tal forma a sua capacidade de escolha e determinação, de modo a que se possa concluir que essa alteração do seu estado psiquico, resultante de um forte abalo emocional, provocado por uma situação que não pode controlar, a levou a agir de um modo pelo qual não pode ser censurado, na medida em que actuou nos termos em que o faria o homem médio, colocado na mesma concreta situação factual.
2 - Sendo assim claro que não basta para a subsunção ao homicídio privilegiado um cenário de mera diminuição da culpa.

3 - A especificidade característica do processo penal, onde se procura, mais do que tudo, a verdade material, justifica que o tribunal a quo tenha dado por assente a relação familiar e avoenga dos menores com a vítima e o ora demandante, apenas com base nos documentos por este juntos e sem as certidões de nascimento dos ditos menores.

4 - No caso de se tratarem de cidadãos estrangeiros apenas são obrigatoriamente sujeitos a registo, nos termos dos Artº 1 nº 2 do Código do Registo Civil, os factos ocorridos em território nacional, dai que se entenda poder defender-se, numa perspectiva de lógica processual penal, de celeridade e agilização de comportamentos, que tendo os nascimentos em causa, evidentemente, ocorrido fora de Portugal e aí terem sido sujeitos a registo, podem os mesmos ser invocados ainda que não registados, pois tal registo é, face à lei portuguesa, facultativo, por interpretação, à contrariu sensu, do Artº 2 do aludido Código.

Decisão Texto Integral:





Proc. 1825/08.4PBSXL.E1
1ª Sub-Secção

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

1. RELATÓRIO


A – Decisão Recorrida


No processo comum colectivo com Tribunal de Júri, nº 1825/08.4PBSXL, da Vara de Competência Mista de S, o arguido JSC, foi condenado pela prática de um crime de homicídio, p.p., pelo Artº 131 nº1 do C. Penal, na pena de 11 ( onze ) anos de prisão.

Foi ainda condenado a pagar ao demandante JB, por si e na qualidade de representante dos menores E B e JB, a quantia global de 115.000,00 € ( cento e quinze mil euros ) a título de danos não patrimoniais, sendo 60.000,00 € ( sessenta mil euros ) a título de indemnização pela perda do direito à vida, 50.000,00 € ( cinquenta mil euros ) a título de danos não patrimoniais próprios e 5.000,00 € ( cinco mil euros ) a título de ressarcimento do sofrimento da vítima antes de morrer.

B – Recurso

Não se conformando com o assim decidido, recorreu o arguido, concluindo as suas motivações da seguinte forma ( transcrição ) :
1 – Constando na fundamentação da matéria de facto que:
O Tribunal, entretanto, deu como provado que o Arguido e a sua mulher estavam convencidos que a vítima e os acompanhantes iam assaltar a casa, derivando tal convicção da credibilidade das declarações do arguido e sua mulher.”
Mas do elenco dos factos dados por provados nada consta sobre a convicção do arguido e sua mulher que a vitima e seus acompanhantes iriam assaltar a casa, resultando daí omissão daquele facto no descritivo factual convertendo-se em enorme divergência entre a matéria de facto e sua fundamentação, tal configura um vicio da decisão, nos termos em que se encontra previsto no Artº 410º nº 2 do Cód. Proc. Penal.
2 – Igual vicio de contradição da matéria factual descrita na decisão também se constata que o Tribunal não deu como provado que:
“O arguido executou os factos tendo ponderado todas as circunstâncias, nomeadamente a perigosidade do instrumento utilizado, o local da prática dos factos e as zonas do corpo a atingir com os disparos”.
Depois de ter dado por provado:
O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, admitindo que ao disparar cinco tiros na direção do corpo de RB, lhe causaria a morte, conformando-se com esse resultado.”
3 – O recorrente impugna, igualmente, a matéria de facto dada por provada nos termos do Artº 412º nº 3 do Cód. Proc. Penal, no sentido de que as declarações do arguido em audiência de discussão e julgamento da testemunha (…), determinariam que fosse dada por provada mais matérias de facto, nela se incluindo os seguintes factos:
- O Arguido e sua mulher estavam convencidos que a vitima e seus acompanhantes, pelo menos em número de três assaltar a caa e fazer-lhes mal.
- Que a mulher do arguido e este gritaram por socorro pedindo que os acudissem porque eram bandidos e que os estavam a roubar:
- Que quando a vitima desceu o muro e se deslocou para o carro o fez sem amparo de outrém.
4 – Também quanto a filiação e avoenga, o Tribunal deu por provados factos, com mais incidencia no pedido civel, apenas com base no testemunho.
Tais factos só poderiam resultar provados, por resultarem de factos obrigatoriamente sujeitos a registo (cfr Artº 1º nº 1 alínea h) com o Artº 3º do Cód Registo Civil) desde que observado o Artº 4 daquele Código que impõe uma presunção que não pode ser ilidida pela prova testemunhal: Dos factos sujeitos a registo só pode ser feita prova pelos meios previstos Código. Ou seja, pelo acesso à base de dados do Registo Civil ou por meio de Certidão do Registo Civil (Artº 211 do Cód. Reg. Civil), de que resulta que o parentesco só é possivel estabelecer e dar por provado com recurso aos meios de prova estabelecidos pelo registo.
5 – Os cidadãos de nacionalidade croata podem fazer prova quer a filiação quer da avoenga através de certidão de nascimento multilingue, emitida pelo Estado Croata, ao abrigo da Convenção assinada em Viena, de 8 de Setembro de 1976, a que Portugal aderiu pelo Decreto do Governo nº 34/83, de 12 de Maio, aliás como o demandante civel o fez.
6- Não tendo feito o Demandante Cível a junção dos títulos próprios não poderia o Tribunal ter dado como provados os seguintes factos nos quais se estabelece relações e graus de parentesco que a Lei não permite senão a prova por documentos, que no caso nunca foram juntos. Desta forma ao dar por provados factos cuja ónus da prova é tabular, também viciou a decisão proferida.
7- Atendendo aos poderes conferidos a esse Tribunal para reapreciação da matéria de facto, deverão ser dados por não provados:
- E e JB são filhos de RB, tendo respectivamente, nascido em 24-01-2003 e 26-08-2005.
- Ficaram ambos, após a morte do pai, à guarda e sob a tutela do avô paterno..
– RB tinha 26 anos à data da sua morte, era um homem saudável, tinha dois filhos com quem vivia, tinha uma vida familiar estável, muitos amigos e era uma pessoa bem disposta e amável.
- A notícia recebida deixou JBem estado de choque durante vários dias, tendo tido grande desgosto, tendo sofrido não só a dor pela perda do seu filho como igualmente a dor pela observação do sofrimento causado nos seus netos, E e JB, os quais ficaram subitamente sem pai.
-Os menores, após a morte do seu pai, ficaram a cargo do avô JB, sendo este o responsável por todos os encargos e despesas respeitantes aos mesmos.
- Com a morte de RB, E e JB sofreram perturbações psicológicas, criando-lhes sintomas de depressão, tristeza frequente, dificuldades em dormir e ansiedade, com maior intensidade nos primeiros 24 meses após a data da perda do pai.”
8- Afastada a relação parental e seus graus não é possível estabelecer se existe legitimidade activa para aqueles menores deduzirem qualquer pedido de indemnização civil, na suposta qualidade de filhos da vitima.
9- O arguido foi condenado pelo crime de homicídio p.p. pelo Artº 131 do C.Penal. Da análise do tipo legal simples do crime de homicídio (art.º 131.º do C.P.), resulta serem seus elementos constitutivos: que o agente mate outrem; e que esse agente tenha actuado dolosamente isto é, com conhecimento e vontade de praticar o facto (podendo o dolo revestir qualquer uma das modalidades previstas no art.º 14.º do C.P., dolo directo, necessário e eventual).
10- Os elementos constantes à intenção do Arguido integram matéria de facto, e por essa via também poderão ser objecto da intervenção desse Tribunal na sua alteração. Da análise do douto Acórdão resulta que o Julgador verificou existir tal intenção de matar não só pelo modo como o arguido operou mas essencialmente pelo instrumento que o arguido utilizou: revolver carregado com 5 munições. Embora a utilização de uma arma de fogo seja instrumento adequado para matar outrém, não pode o Tribunal formar uma convicção apriorística que o seu uso constitui, só por si, uma vontade que é indiciadora da intenção do Arguido em matar.
11- A intenção como elemento necessário á culpa é um acontecimento do foro interno do agente e não um acontecimento do mundo que lhe é exterior. Do foro psicológico do agente. De facto a natureza humana e a sua complexidade e diversidade, não determinaram que todos os indivíduos perante as mesmas circunstâncias tenham as mesmas reações ou que se espere deles uma mesma atuação, seguindo o mesmo raciocínio lógico-dedutivo, tal como está configurado o ordenamento juridico para as condutas a cumprir na vivência em sociedade.
12- A intenção de matar, enquanto matéria de facto, terá de ser captada através dos meios de prova produzida em audiência de discussão e julgamento, conjugadas com os documentos probatórios existentes nos autos. Salvo melhor opinião revista que seja a matéria dada por provada e não provada, não nos parece que o tribunal encontre na conduta do arguido qualquer facto que determine a sua intenção de atar independentemente do meu usado. O uso das regras de experiência, a livre convicção e a aplicação do princípio in dubio pro reo afastariam a intenção de matar, por inexistência de dolo, em qualquer uma das suas formas: dolo direto, dolo necessário e dolo eventual.
14-O estado psíquico em que Arguido se encontrava, aliado à consistente negação de que pretendia matar ou ofender alguém no seu corpo (queria era afastá-los, que se fossem embora, que saissem do interior do seu prédio, não por via de uma acção que violentasse a sua condição fisica mas por via do susto com a utilização da arma), são incompativeis com a verificação do elemento cognoscitivo (ou representação) e do elemento volitivo que integram o dolo. Pelo contrário, as regras de experiencia conjugadas com as declarações do arguido e testemunhas, pericia á personalidade, determinam uma ausência de quaisquer elementos que permitam afirmar que existe uma prognose, uma precisão de certeza da vontade do arguido na realização do crime, quando este o não deseja e como a pericia indica de pessoa sem pensamentos e condutas criminosas.
15- Também não existem elementos que indiquem que o arguido, mesmo disparando com uma inclinação para cima a quarenta e cinco graus tivesse efetuado qualquer movimento descendente da mão, no sentido de ter a vitima como alvo. Assim como será de presumir que a vitima de estatura mediana e após ter trepado dois metros de altura, terá colocado o seu corpo na trajetória dos disparos.
16 – Por esta razão também consideramos que a matéria de facto é insuficiente para imputar ao arguido um crime de homicidio, mas quanto muito um crime de ofensa à integridade fisica p.p. nos termos do Artº 148º do Cód. Penal – crime de ofensa á integridade física por negligência, não se admitindo, sequer que a ofensa tenha sido produzida com dolo eventual.
17 - Verificando-se negligência, como se defende o Arguido deveria ter sido condenado por um crime à integridade fisica por negligência p.e.p pelo Artº 148 do Cód. Penal e não por crime de homicidio pp artº 131 do Cód. Penal.
18- Perante os esclarecimentos prestados pela perita médico legal haverá que admitir por força da dúvida razoável, que a vítima poderia não ter morrido caso tivesse sido prestada a assistência adquada e oportuna. Da prova produzida verificamos que, a alegada assistência prestada pelos familiares e elementos do mesmo grupo, que não se socorreram de assistência especializada, poderá ter sido idónea para impedir o salvamento da vitima e até ter contribuído para o efeito contrário: propiciado a morte da vítima.
Não só porque as manobras de salvamento poderiam não ter sido adequadas já que não ficou provado que nenhum dos membros do grupo tivesse conhecimento de técnicas de socorro, como o emorme periodo de tempo em que a vitima esteve a circular no veiculo quando existia um hospita (do Barreiro) a 10 kms de distancia.
19- O que verificamos é que os acompanhantes da vitima estiveram mais preocupados em criar uma justificação para o ocorrido, inventando uma historia passada fora do local dos factos, e abandonando o corpo que desconhecemos estar ou não com vida no Posto de Abastecimento do que pedir socorro pelos meios próprios mesmo passando pelo posto da GNR – Transito junto ás portagens de Coina.
20 – A morte está dependente de verificação médica salvo se os factos notórios permitam um não médico aferir dessa morte (ex. Decapitação), pelo que temos de admitir que o momento da morte não se encontra determinado, e por isso a vitima, caso tivesse recebido assistência adquada poderia ter sobrevivido, e ter-se impedido o resultado.
21- A prevalecer a tese de homicídio teria o Tribunal de atender não só ao estado anímico do arguido e sua mulher como á convicção de que o grupo iria assaltar a sua casa ( e fazer-lhes mal como disse o arguido em declarações). Ora esta convicção alida ao pânico que o casal foi cometido, aos gritos de socorro, são importantes realçar para, se outro entendimento não houver, integrar a conduta do arguido no crime de p.p. no Artº 133º do Cód. Penal:
Quem matar outra pessoa denominado por compreensivel emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuiam sensivelmente a sua culpa é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.”
“A compreensivel emoção violente a que se refere o Artº 133 do CP, consiste na ocorrência de um estado de alteração ou de perturbação emocional, estando este que condiciona as faculdades e capacidades do agente, designadamente a sua capacidade de escolha e determinação. O agente, face a uma alteração do seu estado psiquico, resultante de um forte abalo emocional provocado por uma situação pela qual não pode ser consurado e a qual o homem normalmente “fiel do direito” não deixaria de ser sencsivel, conquanto mantenha a imputabilidade, vê limitada ou comprometida a capacidade de controlo dos seus atos, sendo empurrado ou conduzido para o crime.
(...)
A culpa só deverá ter-se por sensivelmente diminuida quando o agente, devido ao seu estado emocional, seja colocado numa situação de exigibilidade diminuida, ou seja quando atue dominado por aquele estado, isto é, seja levado a matar no sentido de não lhe era exigivel, suposta a sua fidelidade ao direito, que agisse de maneira diferente que assumisse outro comportamento.
O requisito da compreensibilidade da emoção consiste no entendimento de que a emoção só será relevante quando aceitável, sendo avaliada em função do padrão do homem médio, colocado nas condições do agente, com as suas características, o seu grau de cultura e formação, sem perder de vista o agente em concreto”. In Acórdão do STJ de 20-6-2012
22- Não temos dúvida que a actuação do arguido, em ultima instância, poderá enquadrar-se no crime p.p. no Artº 133 do CP, tanto mais que um homem médio, procuraria perante aquela ameaça ao seu património e integridade fisica procuraria afastar a ameaça, mediante os meios que tinha ao seu dispor, neste caso a arma, contrapondo ao número de elementos que compunha o grupo, o susto, o medo e respeito que os disparos de uma arma ocasionam.
23- Em ultimo caso também o Tribunal poderia ter atendido a esse circunstancialismo e aplicar, como defendeu o Sr, Procurador nas suas doutas alegações, tal circunstância atenuativa da culpa, nos termos do Artº 72º nº 2 alineas a) e d) do Cód. Penal . Na verdade, impunha-se que no seguimento dessa lógica uma atenuação especial da pena fixada. Atentas as qualidades sociais do arguido e a sua personalidade deveria, nos termos do nº 2 do Artº 73º do Cód. Penal, a pena privativa da liberdade ser substituida, por multa ou suspensa na sua execução, nos termos legais.
24- Não admitidas que sejam quaisquer das hipoteses supra identificadas sempre se dirá fixação da medida da pena, nos termos em que o Tribunal o fez excecede em muito, o razoável, e não atendeu aos critérios contantes no Artº 71 do Código Penal: Na decisão impugnada a medida da pena excede em muito a medida da culpa, devendo esse Tribunal atender a todo o circunstancialismo e reduzir a mesma na proporção da diminuta culpa do arguido.
25- Sem conceder quanto ao que ficou dito sobre a prova dos relacionamentos familiares e graus de parentesco, verifica-se que seguindo o pedido de indemnização civil as regras substantivas da acção civel, não existe nos presentes autos mandato do Ilustre Advogado para representar os menores, caso se verificasse por documento idoneo á prova do facto que eles existiam e eram filhos da vitima e que o avô exercia sobre eles tutela legal.
26 -De acordo com as regras notariais, a que a procuração forense está sujeita, para que ocorresse esse mandato tinha de ser expresso e o mandante declarar expressamente que confere mandato em representação legal de menores, o que não se verifica no teor da procuração junta. Ocorre, assim, uma inexistência de mandato, vicio esse que determinava desde logo uma absolvição da instância.
27- Mas mesmo que houvesse essa expra referência á representação dos menores teríamos de assegurar de essa representação era válida. Ora, de acordo com o nosso ordenamento jurídico a representação legal dos menores cabe aos progenitores (Artº 124º e 1877 do Cód. Civil); ao tutor (Artº 124 e 1291º nº 1 do C. Civil) ou ao Administrador de bens (Artº 1922º).
28- O Artº 16º do Cód. Proc. Civil (anterior Artº 10º) consta: “Os incapazes só podem estar em Juizo por intermédio dos seus representantes ou autorizados pelo seu curador, exceto quanto aos atos que possam exercer pessoal e livremente”.
29- Os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação. O poder de representação corresponde ao exercício de todos os direitos e cumprimento de todas as obrigações do filho exceptuados os atos puramente pessoais, aqueles que o menor tem direito de praticar e livremente e os atos respeitantes a bens cuja administração não pertence aos pais. (cfr Artº 1881 do Cód. Civil). Por morte de um dos progenitores, o exercicio das responsabilidades parentais pertence ao sobrevivo (Artº 1904º do Cód. Civil), ou seja, neste caso á mãe.
30 -Ora, atendendo a que as pessoas que reclamam o direito a indemnização são de nacionalidade estrangeira, as regras de Direito Internacional Privado reguladas no Artº 25º do Cód. Civil, indicam qual o âmbito da Lei Pessoal. O estado dos indivíduos, a capacidade da pessoa, as relações de família e as sucessões por morte são reguladas pela lei pessoal dos respetivos sujeitos, salva as restrições estabelecidas no C. Ciivl.
31- A atribuição de abono de família é uma decisão administrativa e não é feita com base na situação jurídica dos menores mas da situação de facto por eles vivida, estando ausente no documento quer a identificação da filiação dos beneficiários quer a situação juridica. Nem tal documento se revelava idoneo no sentido de garantir que era o suposto avô que tinha a representação legal dos menores, pelo que aqui também devia ter falecido o pedido deduzido, absolvendo o arguido, enquanto demandado da instância.
POR ÚLTIMO,
32- Caso se considerasse que existia representação legal dos menores pelo avô, o que não se admite, sempre se dirá que o douto acórdão recorrido não atendeu ás regras fixadas na lei substantiva para a determinação do quantum indemnizatório.
PORQUANTO,
33- Por força do disposto no Artº 128 do Cód. Penal a reparação por perdas e danos emergentes de um crime é regulada, nos seus pressupostos e quantitativos pelo que dispõe a lei civil. Nesta perspetiva nos termos do nº 1, 2 e 3 do Artº 496 e nos Artºs 566, 68 nº 1 e 71º a perda do direito à vida não é só suscetivel de reparação pecuniária, como esta se transmite aos familiares da vítima.
34-Mas haveria de atender ao comando constante do Artº 128 do Cód. Penal e aos pressupostos do disposto no Artº 570º do Cód. Civil:
“Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao Tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluidas.” (cfr nº 1 do Artº 570º do Cód. Civil).
35- O montante da indemnização, a fixar equitativamente, teria de atender ao grau de culpa do falecido ao colocar-se da situação de se introduzir no interior da da propriedade do arguido, sem fundamento e sem justificação para o fazer. Encontrando-se toda a propriedade vedada e tendo o falecido saltado um muro de alvenaria encimado por chapa, com cerca de um metro de altura, pelas traseiras da casa, aproveitando o isolamento do local e de noite, colocou-se em situação de risco.
36 -Sem qualquer dúvida que o falecido, com os demais que o acompanhavam, depois de terem tocado à campainha da casa e tendo, ato contínuo circulado em veiculo que contornou o quarteirão, e pelas traseiras da casa, introduziu-se no logradouro do prédio, após transpor o lote das traseiras e um muro em alvenaria com vedação em chapa que perfaz cerca de 2 metros de altura, está a cometer um ato ilícito, que embora não podendo dar lugar a procedimento criminal, por extinção da personalidade, não deixará de ser tido em conta para a fixação de qualquer indemnização. Na verdade, caso não tivesse o falecido transposto o muro de vedação e introduzido no quintal, a morte não tinha ocorrido.
37-Haverá, assim que atender ao disposto no nº 1 do Artº 570º e fixar as culpas dos intervenientes. Certamente, que o falecido ao introduzir-se, nos termos e modo em que o fez, no interior da propriedade do Arguido contribuiu para que a sua morte tivesse ocorrido.
38 -O respeito pela propriedade e património alheio é uma regra universal a que o falecido, embora de outra nacionalidade, não teria deixado de reconhecer como aplicável ao caso. Ao violar esse dever, colocou-se em situação de risco de que veio a ocorrer a morte.
39-Tendo o falecido tomado a iniciativa e caso ele não tivesse transposto o muro de cerca de 2 m de altura e entrado no interior da propriedade, fácil é concluir que também a morte não tinha ocorrido, pelo que o falecido contribuiu com a sua conduta em pelo menos 2/3 para o resultado. Esta regra deverá ser aplicada e a ela atender-se na fixação do “quantum” da indemnização.
40-No que respeita ao quantum indemnizatório estabelece o nº 3 do aludido Artº 496º que “o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso as circunstâncias referidas no Artº 494º do Cód. Civil.
41-A morte da vítima dando lugar a indemnização por danos não patrimoniais, deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada e atender ao grau de culpa do arguido mas também à do falecido para o resultado. Por essa razão e tendo o falecido contribuido pelo menos com 2/3 para o resultado ocorrido deverá a indemnização ser reduzida nessa proporção.
42-Ora o Tribunal não atendeu à concorrência de culpas pelo que, de igual forma não respeitou quer o disposto no Artº 496; 494 e 566 e 570º do Cód. Civil.
43 -Termos em que se peticiona perante esse Venerando Tribunal da Relação de Évora caso mantenha o direito a indemnização, o faça em conformidade com concorrência de culpa da vitima, reduzindo a que haja de fixar a 1/3 de obrigação de pagamento para o arguido.
O DOUTO ACORDÃO RECORRIDO VIOLOU AS NORMAS LEGAIS QUE AO LONGO DA MOTIVAÇÃO SE INDICOU.
Nestes termos e nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V.Exªas ,Venerandos Desembargadores, deverá o douto acordão ser revogado e a matéria de facto, provada e não provada, ser revista na maneira que se indicou, e consequencia da nova matéria fixada ser proferida decisão em conformidade.
Assim se fazendo, Inteira e Sã Justiça

C – Respostas ao Recurso

Quer o M. P, junto do tribunal recorrido, quer o demandante, responderam ao recurso e apesar de não terem apresentado conclusões, pugnaram pela sua improcedência, considerando o M.P. que seria de ponderar uma eventual atenuação especial da pena e apontando aquele uma nulidade de sentença relativa à omissão de um facto constante da pronúncia.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista à Exma Procuradora-Geral Adjunta, que pugnou pela improcedência do recurso.
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, foi apresentada resposta pelo demandante, que reafirmou os seus argumentos.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal
de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 ( neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria ) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Na verdade e apesar do recorrente delimitar, com as conclusões que retira das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.
O objecto do recurso cinge-se às conclusões do recorrente, das quais se podem extrair as seguintes questões :

1) Contradição entre a fundamentação e a matéria de facto ;
2) Erro de julgamento ;
3) Ausência de intenção de matar ;
4) Preenchimento do crime de homicídio privilegiado ;
5) Atenuação especial da pena ;
6) Inexistência de mandato forense para o pedido de indemnização civil ;
7) Ilegitimidade dos demandantes ;
8) Cálculo da indemnização ;
B – Apreciação

Importa, antes de mais, ter em conta a factualidade, provada e não provada, que foi assumida pela instância recorrida ( transcrição ) :

FACTOS PROVADOS
No dia 31 de Dezembro de 2008, após as 21:30 horas, o arguido viu, através de uma janela da sua residência, situada no lote n° 152, ou seja, na Vivenda "C" Quinta da M, em P, área desta comarca., o vulto de RB no interior do logradouro existente nas traseiras da mesma.
Ao aperceber-se deste facto, o arguido abriu a porta da cozinha da habitação ali existente tendo, de seguida, a sua mulher acendido a luz da cozinha.
Nesse momento RB subiu o muro, delimitador do logradouro, virando-se para o lado oposto daquele onde surgiu o arguido.
Concomitantemente o arguido efectuou cinco disparos na direcção de RB, o qual se encontrava de costas, em cima do muro, a uma distância entre 4 a 5 metros.
Um dos referidos disparos atingiu RB penetrando o seu abdómen, tendo seguido um trajecto oblíquo de baixo para cima, de trás para diante e da direita para a esquerda tendo saído do corpo.
RB desceu o muro pelo seu pé para o exterior da habitação do arguido.
Ao aperceberem-se do que se sucedera, Js B, ZH e DD, que o acompanhavam, agarraram RB, colocaram-no dentro do veículo automóvel e abandonaram o local imprimindo velocidade àquele, rumando ao Seixal, vindo a parar no posto de abastecimento de combustível da "Galp", na Rua M, na A.
No trajecto efectuado procuraram dar assistência à vítima, designadamente através de respiração boca a boca, mas a partir de momento não concretamente determinado deixaram de percepcionar sinais de vida na mesma.
Em consequência dos factos supra descritos, RB sofreu, entre o mais:
Ferida perfuro contundente, circular, medindo 0,5 de diâmetro, com bordos escoriados, com orla de contusão concêntrica medindo 0,25 centímetros, na face posterior, a nível do bordo inferior da décima segunda costela, cerca de oito centímetros para fora da linha média e 35 centímetros abaixo do ombro;
Ferida inciso contusa, oblíqua de cima para baixo e de fora para dentro, com uma ligeira escoriação no bordo interno da ferida, medindo 1,4 cm X 0,5 cm, tendo a extremidade interna e inferior 12 centímetros acima e um centímetro para dentro do mamilo;
Ferida transfixiva da parede posterior do hemitorax direito a nível da extremidade da 123 costela;
Ferida transfixiva do lobo direito do figado;
Ferida transfixiva do diafragma direito;
Ferida transfixiva do pulmão direito;
Infiltração hemorrágica do hilo do pulmão direito e dos lobos médio e inferior do pulmão direito;
Laceração do saco pericárdio e da aurícula esquerda com infiltração hemorrágica.
As lesões descritas foram causa dírecta, necessária e adequada da sua morte que foi verificada pelo INEM às 22:55 do dia 31.12.2008 na Rua 1° de Maio, na A. e certificada à 1 hora e 2S minutos do dia 1 de Janeiro de 2009.
Mais se apurou que:
Por motivo não concretamente apurado, RB , Js B, ZH e DD deslocaram-se no veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca Rover, modelo 213 SE, de matrícula XX-XX-XX à Quinta da M, em P, área desta comarca.
Aí chegados, e também por motivo não concretamente apurado, pararam o veículo automóvel junto do lote n° 152, ou seja, da Vivenda "C", habitação do arguido e de Maria Amélia C, sua esposa.
Nesse momento, ZH saiu do interior da viatura e dirigiu-se para junto da campainha da referida habitação, que tocou por cinco vezes.
Atenta a hora e pelo facto de não esperar receber ninguém, o arguido e Maria Amélia C não abriram a porta.
Todavia, o arguido abeirou-se de uma janela no primeiro andar da habitação e visionou ZH junto do seu portão e o veículo automóvel de matrícula XX-XX-XX que se encontrava parado à sua porta, onde se apercebeu da presença de mais indivíduos.
ZH voltou a entrar dentro do veículo automóvel, uma vez que ninguém abriu a porta da habitação ou sequer respondeu à chamada.
RB , Js B, ZH e DD contornaram a referida habitação utilizando, para o efeito, o referido veículo automóvel, o que fizeram, virando à direita e novamente à direita, tendo o arguido visto os mesmos a realizar o referido percurso.
Pese embora tivesse os portões, as portas exteriores e as portadas da habitação fechadas, o arguido deslocou-se ao seu quarto sito no piso inferior da sua habitação, de onde retirou, de um armário, o revolver de calibre 38 Smith & Wesson Special, de marca Taurus, modelo 85, com o número de série LB31100, o qual se encontrava carregado com cinco munições de igual calibre, de marca "G.F.L./Fiocchi", dirigindo-se, de seguida, para a cozinha.
Cerca de quinhentos metros depois, junto do terreno adjacente à propriedade do arguido, RB , Js B, ZH e DD voltaram a parar o veículo automóvel e saíram todos do seu interior, aproximando-se do muro traseiro da habitação do arguido.
Por motivo não concretamente apurado, RB subiu o muro de acesso à residência do arguido e saltou para o seu interior, acedendo ao logradouro.
Foi na sequência desta situação que o arguido veio a disparar a arma nos termos acima consignados.
Apurou-se ainda que:
O arguido e a sua mulher, após terem ouvido tocar à campainha e tendo visto o veículo e seguido a deslocação do veículo, ficaram preocupados e assustados.
O arguido e sua mulher mantiveram as luzes da residência apagadas até ao momento em que a mulher do arguido acendeu a luz da cozinha.
O arguido tinha a arma que disparou há cerca de 15 anos.
O arguido tinha carregado a arma com as munições há cerca de um mês.
Havia-o feito porquanto andava preocupado com o facto de já anteriormente, noutras ocasiões, terem tocado à campainha da porta e por terem existido assaltos a residências naquela região.
O arguido foi militar, tendo estado na guerra, na Guiné Bissau, tendo aí a categoria de atirador
O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, admitindo que ao disparar cinco tiros na direcção do corpo de RB, lhe causaria a morte, conformando-se com esse resultado
O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, causaria a morte, conformando-se com esse resultado.
Aquando dos factos, RB trazia consigo trezentos e quinze euros, sete dólares americanos e 0,8 gramas de cannabis (resina).
Mais se apurou que:
O arguido não tem antecedentes criminais.
O arguido nasceu na aldeia de SPC (G), sendo o quarto elemento de cinco irmãos, fruto do relacionamento conjugal dos progenitores.
Cresceu num agregado familiar estruturada, onde lhe ­foram passadas regras e valores em vigor na sociedade em geral. A situação económica caracterizou-se pela fragilidade, exercendo o progenitor a profissão de mineiro numa exploração local, ocupando-se a mãe dos afazeres domésticos.
O arguido iniciou a escolaridade obrigatória em idade regular, a qual concluiu com 12 anos de idade. Teve ainda cerca dos 10 anos de idade problemas de saúde do foro pulmonar, que foram posteriormente ultrapassados.
Não tendo prosseguido os estudos dadas as dificuldades económicas da família, iniciou atividade laboral como aprendiz de carpinteiro como forma de contribuição para a economia doméstica, sendo que com cerca de 14 anos de idade, passou a trabalhar como aprendiz de ourives em F (G), profissão que posteriormente exerceu como meio oficial em várias oficinas de ourivesaria da região, até ser chamado para cumprimento dos deveres militares.
Aos 20 anos de idade, iniciou o serviço militar obrigatório no exército português, onde permaneceu durante cerca de três, sendo que durante vinte e oito meses esteve mobilizado, em cenário de guerra, na ex-colónia portuguesa da Guiné.
Após ter passado à situação de disponibilidade militar, retomou a ocupação laboral anterior, numa oficina de ourivesaria.
A nível afetivo e emocional, o arguido, após um relacionamento de namoro de cerca de um ano, no ano de 1975, contraiu matrimónio católico com o atual cônjuge (Maria Amélia C), ficando o casal a viver num anexo da habitação dos progenitores do próprio. Do relacionamento conjugal ocorreu o nascimento de dois filhos, um rapaz (Hélder C) e uma rapariga (Rute C), é já emancipados, atualmente com 35 e 34 anos de idade respetivamente.
No início de 1978, ingressou como soldado na Guarda Nacional Republicana. Prestando inicialmente serviço em Braga, foi posteriormente transferido para Lisboa, (…) tendo, após cerca de vinte e cinco anos de serviço naquela corporação, por limite de tempo de serviço, passado à situação de aposentado, em Dezembro de 2002.
O seu desempenho como GNR foi considerado relevante, resultando no agraciamento com cinco louvores ao nível de chefe de estado-maior.
Como ocupação dos tempos livres, José C passava maioritariamente o tempo em casa com a família e a visionar televisão. Ainda enquanto militar da G.N.R., manteve complementarmente ocupação extra remunerada, como operador de bombas de combustível e serviços de segurança noturna.
Já aposentado, passou a exercer a profissão de motorista no Hospital (…), em S, tendo o agregado familiar mudado de residência, no ano de 2006, para a morada constante dos presentes autos.
O arguido tem mantido uma situação financeira estável, auferindo atualmente a título de pensão de aposentação cerca de €1.350,00, à qual acresce o vencimento de cerca de €700,00 mensais, pelo exercício da profissão de motorista no Hospital de S, em S.
O arguido e sua mulher mantêm convívio com os filhos e respetivos agregados, na base de um relacionamento de interajuda e de cumplicidade mútua.
Após o conhecimento da prática dos factos o arguido passou a revelar sintomatologia depressiva, com crises de ansiedade e ciclo de sono irregular, necessitando de acompanhamento médico especializado ao tempo, com toma de medicação antidepressiva e estabilizadora de humor, sendo que a nível laboral foi-lhe concedida uma licença sem vencimento no período de 21-03-2011 a 20-03-2012.
Embora atualmente não seja acompanhado a nível médico, mantem dificuldades ao nível do sono, assim como um estado geral de tensão, nervosismo e preocupação, relativamente às consequências do presente processo, bem como nas repercussões que poderão advir a nível pessoal, familiar, social e profissional.
A nível laboral é considerado como cumpridor de objetivos, assíduo, metódico e organizado, isento e determinado, considerado como bom trabalhador e bom colega, dedicado, denotando boa inserção no trabalho em equipa e na instituição empregadora, onde é estimado por todos.
É considerado no meio social em que está inserido, é normativo, humilde e capaz de manter fortes laços interpessoais.
Apurou-se ainda que:
Jv B é pai da vítima
E e JB são filhos de RB, tendo respectivamente, nascido em 24-01-2003 e 26-08-2005.
Ficaram ambos, após a morte do pai, à guarda e sob a tutela do avô paterno..
Entre o momento em que foi atingido nas costas pelo disparo efectuado pelo arguido e o momento da sua morte, RB sentiu dores, provocadas pelo projéctil que o atingiu pelas costas.
RB foi prontamente auxiliado pelo seu irmão, DD, e pelos seus dois amigos, Js B e ZH, que o transportaram até à viatura, tendo abandonado o local, vindo a parar no posto de abastecimento de combustível/estação de serviço da Galp, na A.
Apesar dos esforços dos seus companheiros para o manterem consciente até conseguirem encontrar auxílio médico, o RB veio a deixar de dar sinais de vida em momento não concretamente determinado do trajecto entre o local em que foi atingido pelo disparo e o posto de abastecimento de combustível da Galp, na A.
RB tinha 26 anos à data da sua morte, era um homem saudável, tinha dois filhos com quem vivia, tinha uma vida familiar estável, muitos amigos e era uma pessoa bem disposta e amável.
JB, pai de R, tinha um relacionamento muito próximo com a vítima, seu filho, tendo tomado conhecimento dos factos através do seu outro filho mais novo, DD.
A notícia recebida deixou JB em estado de choque durante vários dias, tendo tido grande desgosto, tendo sofrido não só a dor pela perda do seu filho como igualmente a dor pela observação do sofrimento causado nos seus netos, E e JB, os quais ficaram subitamente sem pai.
Os menores, após a morte do seu pai, ficaram a cargo do avô JB, sendo este o responsável por todos os encargos e despesas respeitantes aos mesmos.
Com a morte de RB, E e JB sofreram perturbações psicológicas, criando-lhes sintomas de depressão, tristeza frequente, dificuldades em dormir e ansiedade, com maior intensidade nos primeiros 24 meses após a data da perda do pai.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram, com interesse para a decisão da causa e objecto do processo, todos os factos que não se compaginam com a factualidade supra descrita, designadamente que:
O arguido executou os factos tendo ponderado todas as circunstâncias, nomeadamente a perigosidade do instrumento utilizado, o local da prática dos factos e as zonas do corpo a atingir com os disparos.
O RB viu jorrar do seu corpo uma quantidade abundante do seu próprio sangue.
O RB após ter entrado na viatura deixou de gemer e de falar após 5 minutos, tendo então perdido a consciência e falecido, facto que ocorreu cerca de 2 a 3 kilómetros antes de terem chegado ao posto da Galp, na Rua M, na A.

B.1. Contradição entre a fundamentação e a matéria de facto ;

Alega o recorrente duas contradições insanáveis na decisão recorrida, uma, entre a fundamentação e os factos provados e outra, entre estes e os não provados.
Reporta-se a primeira, ao facto de na fundamentação da convicção se consignar que o arguido e a sua mulher estavam convencidos que a vítima e os acompanhantes iam assaltar a casa, não tendo tal matéria sido plasmada no elenco da factualidade apurada.
Respeita a segunda, à circunstância do tribunal ter dado como provado que « o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, admitindo que ao disparar cinco tiros na direção do corpo de RB, lhe causaria a morte, conformando-se com esse resultado » e como não provado que « o arguido executou os factos tendo ponderado todas as circunstâncias, nomeadamente a perigosidade do instrumento utilizado, o local da prática dos factos e as zonas do corpo a atingir com os disparos»
Como se vê, da simples descrição deste segmento do recurso, torna-se evidente a inexistência de qualquer contradição e muito menos insanável, entre a fundamentação e a decisão, ou entre os factos provados e não provados.
Tal vício, previsto na al. b) do nº2 do Artº 410 do CPP, apenas se observaria na consagração de dois factos que não poderiam ter acontecido nos termos descritos, por se excluírem mutuamente, havendo, portanto, sobre a mesma questão, posições adoptadas pelo tribunal que seriam antagónicas e inconciliáveis e que teriam de constar do texto da decisão recorrida.
No que toca à primeira situação, o alegado pelo recorrente em nada consubstancia essa deficiência, mas apenas e quanto muito, a insuficiência probatória, no sentido de não ter sido consignada nos factos provados matéria que o recorrente julga relevante e que o próprio tribunal recorrido terá feito apelo na fundamentação da convicção.
Todavia, mesmo nesta vertente de análise, ter-se-á de concluir que a decisão sindicada não merece censura, na medida em que nela se assume por assente que « o arguido e a sua mulher, após terem ouvido tocar à campainha e tendo visto o veículo e seguido a deslocação do veículo, ficaram preocupados e assustados » e que « …andava preocupado com o facto de já anteriormente, noutras ocasiões, terem tocado à campainha da porta e por terem existido assaltos a residências naquela região »
Tais asserções probatórias correspondem, no fundo, ao agora reclamado pelo recorrente, de onde se alcança, linearmente, a sua ausência de razão, quando argumenta uma contradição de todo inexistente, já que na decisão recorrida se consagra, no essencial agora em causa, que o arguido actuou como descrito estando preocupado e assustado com a circunstância de já anteriormente terem ocorrido assaltos a outras residências naquela região.
Em relação à segunda situação apontada pelo recorrente, não se vislumbra onde possa estar a contradição assinalada, na medida em que do facto de não se ter apurado que o arguido, ao disparar, tenha ponderado a perigosidade do instrumento utilizado, o local em causa e as zonas do corpo da vítima a atingir, não impede que se assuma como provado que agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, admitindo que ao disparar cinco tiros na direcção do corpo daquela lhe causaria a morte e que agiu conformando-se com essa possibilidade.
São dimensões distintas, que não confluem uma com a outra, de onde não se alcança a invocada contradição, a qual, recorde-se, para poder preencher a previsão normativa do nº2 do Artº 410 do CPP, sempre teria de se configurar como insanável.
Assim sendo, ter-se-á de concluir, à evidência, pela improcedência do recurso nesta parte.


B.2. Erro de julgamento ;

Invoca o recorrente o erro de julgamento porquanto, em seu entender, o tribunal recorrido, tendo em conta a prova produzida em julgamento, deveria ter dado como provados os seguintes factos :
- O arguido e a sua mulher estavam convencidos que a vítima e seus acompanhantes, em número de três, iam assaltar a casa e fazer-lhes mal ;
-O arguido e a mulher gritaram por socorro, pedindo que os acudissem porque eram bandidos e os estavam a roubar ;
- A vítima desceu o muro e deslocou-se para o carro sem amparo de outrém
Pela instância recorrida, foi justificada a sua motivação factual nos seguintes termos ( transcrição ) :

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente na conjugação das declarações prestadas pelo arguido com o depoimento das testemunhas.
O arguido prestou declarações, dizendo que na data dos factos, entre as 9:30 e as 22:00 tocaram à campainha da sua residência 4 a 5 vezes e que o declarante e a sua mulher acharam estranho. Disse que se deslocou para o 1º andar e que viu pela janela um carro e um senhor encostado ao portão da casa. Meteu-se no carro pela parte de trás. O veículo arrancou e foi para a direita. Ia sem luzes, deu a volta, contornou a residência e parou junto ao terreno que fica de trás. Afirmou que saíram 3 indivíduos do veículo, os quais se deslocaram até junto do muro, tendo dois ido para o lado esquerdo e um para o outro lado, tendo deixado de o ver.
Afirmou que se deslocou para o rés-do-chão e foi ao quarto buscar a arma, tendo-se dirigido para a cozinha. Uma vez aí saiu pela porta, tendo visto um vulto junto ao muro, no seu terreno, quando estava a uma distância de cerca de 4 a 5 metros. Disse que viu o vulto a subir o muro e disparou. Disse que disparou 5 tiros e que viu os indivíduos a sair do local.
Foi confrontado com as fotografias de fls. 669 e sgs, as quais explicou, indicando o local onde viu o vulto e o local do muro onde o vulto estava a subir.
Afirmou ter achado que tocaram à campainha para o assaltar, que foi tudo muito rápido, que não deu tempo para chamar a polícia, que a sua mulher estava em pânico, que “estava perdido da cabeça”.
Disse que já noutras ocasiões tinham tocado à porta, o que lhe foi dito pela sua mulher, e que já tinha havido assaltos naquela zona.
Afirmou que já tinha a arma há cerca de 15 anos, que a tinha no armário do quarto e que a mesma estava carregada, porquanto considera a zona perigosa. Disse que anteriormente só tinha dado dois a três tiros com a arma.
Quando questionado quanto às razões pelas quais não havia acendido as luzes da residência não deu resposta a tal questão.
Disse que o objectivo dos disparos era assustar, que disparou a cerca de 45 graus, a meia altura.
Voltou a afirmar que foi tudo muto rápido.
(…)
Baseou-se ainda o Tribunal na prova:
Pericial:
- Exame pericial à droga apreendida - fls 135;
- Relatório de autópsia - fls 150 a 154 e 159 a 161; fls. 715 e 716;
- Exame pericial (ADN) - fls 231 a 234;
- Exame pericial (Balística) - fls 343 a 345;
- Exame pericial (Análise de Resíduos de Disparo) - fls 437 a 439;
- Exame pericial (Arma) - fls 440 a 448;
- Exame pericial (Balística) - que se protesta juntar.
Documental:
- Fotografias - fls 35 a 47;
- Reportagem fotográfica - exame autóptico - fls 48 a 53;
- Relatório de Inspecçào Judiciária ao veículo automóvel- fls 54 a 58, 128 a 130;
- Pesquisa na base de dados do registo automóvel- fls 59;
- Reportagem fotográfica - fls 240, 241;
- Auto de Busca e apreensão - fls 350, 351, 454;
- Auto de exame e avaliação do veículo automóvel- fls 474 a 483;
- Cópias certificadas do inquérito com NUIPC 2/09.1GDSTB - fls 506 a 509.
- No relatório social de fls. 806 e sgs., no relatório pericial de avaliação de personalidade de fls. 861 e sgs.
- No c.r.c. de fls. 793.
- Nas fotografias de fls.669 a 676;
- Na certidão de nascimento de fls. 393 e sgs.
- Nos certificados de fls. 609 a 621
*
Da análise crítica das declarações e depoimentos prestados, conjugadas com a restante prova junta aos autos, o Tribunal deu como provada e não provada a factualidade supra referida.
As declarações prestadas pelo arguido revelaram-se credíveis na medida da factualidade que resultou provada.
De facto, o Tribunal não ficou com dúvidas quanto a ter visto o vulto da vítima no logradouro da sua residência, e quanto ao facto de , após ter aberto a porta da cozinha, ter visto a vítima a voltar-se e a subir o muro de acesso ao logradouro e que foi quando a vítima já estava de costas, em cima do muro, que procedeu aos disparos
Já não mereceram credibilidade as suas declarações quando afirmou que os disparos foram efectuados para o ar. O disparo que atingiu a vítima manifesta com evidência a direcção de, pelo menos, um dos disparos.
O Tribunal fundou a sua convicção relativamente ao comportamento do arguido desde o momento em que ele e a sua mulher ouviram tocar a campainha da porta até ao momento em que procedeu aos disparos, nas suas declarações, assim como no depoimento prestado pela sua mulher. De igual modo, o Tribunal não ficou com dúvidas relativamente ao estado anímico e emocional do arguido na ocasião.
No que diz respeito a todo o circunstancialismo que rodeou a prática dos factos e às razões que determinaram a vítima e os seus acompanhantes a estarem naquele local, aquela hora e às razões pelas quais a vítima se introduziu no logradouro da residência do arguido, o Tribunal não formou uma convicção segura
Os depoimentos prestados pelas testemunhas Jz Be DD não se revelaram suficientemente credíveis quanto a tais aspectos, pelo que o Tribunal consignou como não apuradas as razões que os determinaram a estar naquele local.
Na realidade, poder-se-iam imaginar mil e uma situações, para tal. Certo é, entretanto, que nenhuma prova , certa e segura, foi feita para se poder retirar uma conclusão, sendo certo que tal factualidade se reporta a factos não essenciais.
No que tange à hora da prática dos factos o Tribunal deu como apurada a hora consignada em face da conjugação das declarações e depoimentos prestados, com a prova documental e pericial, conjugados com as regras da experiência. De facto, as declarações e depoimentos prestados levam a concluir que as 21:00, como hora de referência da prática dos factos, não é compatível com a generalidade dos depoimentos prestados, com o tempo que terá sido gasto no trajecto até ao posto de abastecimento de combustível da "galp" e com a hora em que foi verificada a morte pelo INEM.
No que diz respeito ao facto de o arguido ter a arma carregada há cerca de um mês o Tribunal baseou-se nas declarações do arguido, nas quais fez fé.
O tribunal, entretanto, deu como provado que o arguido e a sua mulher estavam convencidos que a vítima e os acompanhantes iam assaltar a casa, derivando tal convicção da credibilidade das declarações do arguido e sua mulher.
Quanto ao sofrimento da vítima antes de morrer o Tribunal deu como não provados tais factos, com base nos depoimentos prestados pelas testemunhas que acompanhavam a vítima no veículo.
No que diz respeito aos factos relativos ao pedido de indemnização civil, baseou-se o Tribunal na análise crítica das declarações prestadas pelas testemunhas.
Quanto à dor e sofrimento tido pelos familiares da vítima, baseou-se o Tribunal nas declarações e depoimentos prestados.

Invoca o recorrente, de forma algo genérica, o erro de julgamento do tribunal recorrido, no sentido de não ter dado como provados os factos que supra se referenciaram, sem que contudo tenha cumprido, com rigor técnico, a especificação exigida pelo nº3 do Artº 412 do CPP.
Com efeito, a decisão factual da 1ª instância pode ser impugnada, em sede de recurso, por duas vias : a invocação de um dos vícios formais do Artº 410 nº2 do CPP ou, através da reapreciação, nos termos do Artº 412 nsº3 e 4 do mesmo Código da prova produzida em Audiência de Julgamento.
É sabido que constitui princípio geral que as Relações conhecem de facto e de direito, nos termos do estatuído no Artº 428 do Código de Processo Penal, sendo que, no tocante à matéria de facto, é também sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro, da impugnação alargada se tiver sido suscitada, incumbindo a quem recorre o ónus de impugnação especificada, previsto no Artº 412 nsº3 e 4 do citado diploma, condição para que a mesma seja apreciada e, depois e se for o caso, dos vícios a que alude o Artº 410 nº2, do mesmo diploma legal.
O erro de julgamento, ínsito no Artº 412 nº3 do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, antes se alargando à análise do que contém e se pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nsº3 e 4 do Artº 412 do CPP.
É que nestes casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
E é exactamente porque o recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ( violação de normas de direito substantivo ) ou in procedendo ( violação de normas de direito processual ), que sobre o recorrente incumbe o ónus da tríplice especificação, previsto no nº3 do dito Artº 412.
No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto, é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão revidenda, justificando em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente, não se devendo bastar o recurso, neste caso, com meras e inconsequentes considerações genéricas de inconformismo sobre a decisão
Dito isto e descendo ao concreto da decisão, entende-se, com o devido respeito, que não assiste razão ao recorrente na impugnação suscitada.
Em relação a um dos factos peticionados – reportado à forma como a vítima desceu o muro e se terá deslocado para o carro – se parte dele já está vertido na factualidade apurada ( quando ali se diz que o mesmo desceu o muro pelo seu pé ), no restante, nenhuma prova se fez do invocado, na medida em que, quer o primo da vítima, quer o seu irmão, são unânimes em afirmar que esta assim que desceu do muro ficou caída no chão tendo tido necessidade de ser transportada para a viatura.
No que toca à circunstância de o arguido e a sua mulher terem gritado por socorro, pedindo que os acudisse porque eram bandidos e os estavam a roubar, importa dizer que apenas aquela assume ter gritado – ainda que não descrimine o teor desses gritos – já que o arguido nunca referiu assim ter actuado.
Por outro lado e apesar de um vizinho se referir às expressões mencionadas pelo ora recorrente, o que importa assinalar é que tal matéria, sendo, pelos motivos expostos, de duvidosa aquisição probatória, pelo menos em relação ao arguido, não reveste, para a boa decisão da causa, de uma natureza essencial ou imprescindível, sequer, de uma importância, que justifique a alteração do quadro factual tal como ele foi desenhado pela instância recorrida.
O mesmo se diga do terceiro e último facto peticionado pelo recorrente e que supra se transcreveu, conclusão que aqui sai reforçada pela circunstância do mesmo, de alguma forma, já estar vertido no elenco dos factos apurados, quando ali se diz que o arguido agiu preocupado e assustado com pelos assaltos ocorridos na zona a outras residências.
O que o recorrente traz á liça é, no fundo, a sua divergência com o tribunal julgador no tocante à apreciação que este fez da prova, pretendendo sobrepor a sua perspectiva pessoal à livre convicção daquele tribunal, mas esquecendo que esta, neste domínio, se impõe soberanamente sem outros limites para além dos que a lei assinala.
Por outras palavras :
Pretende o recorrente, no fundo, substituir-se ao julgador na apreciação da prova, mau grado a forma lógica e adequada, como, na decisão recorrida, se fez a apreciação e valoração da prova produzida nos autos.
Antes de mais, no nosso ordenamento jurídico, e particularmente no processo penal, não existe prova tarifada, inexistindo regras de valoração probatória que vinculem o julgador, pelo que, por regra, qualquer meio de prova deve ser analisado e valorado de acordo com o princípio da livre convicção do julgador, como lho permite o Artº 127 do CPP - princípio da livre apreciação da prova – onde se estipula que : Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Tal princípio assenta, fundamentalmente, em duas premissas:
A de que o juiz decide de forma livre e de acordo com a sua íntima convicção, formada a partir do confronto das provas produzidas em audiência.
E que tal convicção há-de ser formada com base em regras de experiência comum.
Nestes termos, o juiz não está sujeito a critérios de valoração de cada um dos meios probatórios, legalmente pré-determinados, sistema da prova legal, sendo o tribunal livre na apreciação que faz da prova e na forma como atinge a sua convicção.
Contudo, sendo esta uma apreciação discricionária, não é a mesma arbitrária, tendo a referida apreciação os seus limites.
Não verdade, livre convicção não pode ser sinónimo de arbitrariedade.
Ou seja, a livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração "racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência (…), que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão” de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o tribunal se convenceu de determinado facto, ou, dito de outro modo; porque é que o juiz conferiu credibilidade a uma testemunha e descredibilizou outra, por exemplo.
« A sentença, para além dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova, deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência. »- Ac. do STJ de 13/02/92, CJ Tomo I, pág. 36.
O que o juiz não pode fazer nunca é decidir de forma imotivada ou seja, decidir sem indicar o iter formativo da sua convicção, « é o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir (…) comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi racional ou absurdo » ( Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, pág. 126 e sgs. ).
Como diz o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Editora, 1974, págs. 202/203, « a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo ».
Por outro lado, e segundo o mesmo autor « a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. (...) Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.
Uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável ».
Também o Prof. Cavaleiro Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, 1986, 1° Vol., Fls. 211, diz que o julgador, sem ser arbitrário, é livre na apreciação que faz das provas, contudo, aquela é sempre « vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório ».
Directamente ligada a esta apreciação livre das provas, e determinante na formação da convicção do julgador, está o “princípio da imediação”, que Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 232, define como « a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão ».
« (...) Só estes princípios (também o da oralidade) permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem, por último, uma plena audiência destes mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso ».
Ora, analisada a valoração que da prova foi feita pelo tribunal recorrido, é manifesto que a convicção alcançada por este se mostra suficientemente objectivada e motivada, capaz, portanto, de se impor aos outros.
E, para assim se concluir, basta atentar-se, com a isenção ou distanciamento exigidos, nos meios de prova que da respectiva fundamentação constam como tendo sido ponderados pelo tribunal a quo e, bem assim, nas razões invocadas pelo mesmo tribunal para terem sido relevados pela forma como o foram.
Com efeito, lida a sentença recorrida, em especial a parte relativa à fundamentação da convicção, verifica-se que o tribunal fez uma análise crítica de toda a prova, sendo perfeitamente compreensível quais as provas que fundaram a convicção do julgador.
O que se impunha ao tribunal recorrido é que explicasse e fundamentasse a sua decisão, pois só assim seria possível saber se fez a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correcto e normal, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada.
E isso foi feito, poder-se-á dizer, de modo sério e exaustivo, em todo o caso, perfeitamente inteligível para qualquer leitor, que logo compreenderá o modo de valoração das provas e o juízo resultante dessa mesma aferição efectuado pelo tribunal a quo, sendo manifesto que as razões que presidiram à motivação da prova provada e não provada se apresentam como lógicas, racionais e minimamente coerentes com o conjunto da prova produzida.
O raciocínio consequente pelo qual o tribunal recorrido deu por assente uns factos e não deu por provado outros, configura-se, por isso, como adequado às regras de experiência, à normalidade da vida e à razoabilidade das coisas, razão pela qual, não merecendo censura, não é sindicável por este tribunal, inexistindo por isso motivos para ser alterado.
Ora, o modo de valoração das provas e o juízo resultante dessa mesma aferição, efectuado pelo tribunal a quo, ao não coincidir com a perspectiva do recorrente nos termos em que este as analisa e nas consequências que daí derivam, não traduz, face ao que se expôs, qualquer erro de julgamento, insuficiência para a decisão da factualidade apurada, ou contradição entre esta e a prova produzida.
Importa trazer à colação o já afirmado em Acórdão deste Tribunal da Relação, em 03/05/07, proferido no processo n.º 80/07-3 disponível no sítio da internet www.dgsi.pt,
«O erro na apreciação das provas relevante para a alteração da decisão de facto pressupõe, pois, que estas (as provas) deveriam conduzir a uma decisão necessária e forçosamente diversa e não uma decisão possivelmente diferente; se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão, diversa da proferida, mas sem excluir logicamente a razoabilidade desta, neste caso pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior; a decisão proferida com base numa interpretação e valoração (ainda que discutíveis) fundamentadas nas provas produzidas contida no espaço definido pela livre apreciação das provas e pela convicção por elas criada no espírito do juiz, não pode ser alterada, a menos que contra ela se apresentem provas irrefutáveis, já existentes nos autos e desconsideradas ou supervenientes.
Por outras palavras: a sindicância da decisão de facto deve limitar-se à aferição da sua razoabilidade em face das provas produzidas …
… A segunda instância em matéria de facto não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas tão só apreciar se a convicção expressa pelo tribunal a quo na decisão da matéria de facto tem suporte razoável …»
Esta é, manifestamente, a situação dos autos.
A decisão, em relação aos aludidos factos, por parte do tribunal recorrido, foi proferida com base numa interpretação e valoração que se mostra suficientemente fundamentada, quer nas provas produzidas, quer pela livre convicção por elas criada no espírito do julgador, só podendo ser alterada, se contra si se apresentassem meios de prova irrefutáveis, existentes nos autos e que tivessem sido desconsiderados, ou se a mesma se configurasse como totalmente irrazoável, contrária às mais elementares regras de experiência ou ao sentido das coisas.
Mas nenhuma destas condições é o caso sub júdice, em que o decidido pelo tribunal recorrido, se desenha com lógica ou razoabilidade necessárias, de modo que, se deve concluir como no aresto citado : « … se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão, diversa da proferida, mas sem excluir logicamente a razoabilidade desta, neste caso pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior. »
Ora, se a avaliação conjunta da prova, tal como foi feita pelo tribunal recorrido se mostrar, como é o caso, perfeitamente compreensível e justificável, tal terá que conduzir, necessariamente, ao insucesso da pretensão da recorrente na medida em que, como já por este Tribunal foi afirmado em Acórdão de 23/03/01 : « A divergência quanto à decisão da 1ªinstância sobre a matéria de facto será relevante na Relação apenas quando resultar demonstrada pelos meios de prova indicados pelo recorrente a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, sendo necessário para que ele se verifique, que os mencionados meios de prova se mostrem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente ».
O presente tribunal só poderia assim alterar o decidido factualmente pela 1ª instância se existissem provas nos autos que impusessem decisão diferente e in casu, embora a prova produzida, eventualmente, permitisse uma decisão de facto em sentido diverso, ela não impunha decisão distinta, pelo que o pretendido pela recorrente está destinado ao fracasso.
Assim sendo, há que concluir pela improcedência do recurso, nesta parte.

B.3. Ausência de intenção de matar ;

Alega aqui o recorrente não se ter produzido prova da sua intenção de matar, a qual não pode resultar, por si só, do instrumento por si utilizado e do modo como operou.
Mais invoca que pelos elementos recolhidos nos autos e resultantes da audiência de julgamento, apenas se poderá concluir pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p.p. pelo Artº 148 do C. Penal.
Especificamente sobre isto, escreveu-se na decisão recorrida ( transcrição ) :

ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS
Estabelecido o quadro factual importa efetuar o seu enquadramento jurídico.
O arguido encontrava-se acusado da prática de um crime de homicídio p. e p. pelos arts. 131º do Cód. Penal.
Do crime de homicídio
Dispõe o artigo 131º do Cód. Penal, subordinado à epígrafe “Homicídio” que “Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”
Esta tutela jurídico-penal resulta claramente do dever de respeito absoluto pela dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º da CRP, consiste na defesa intransigente da vida humana e é o primeiro imperativo de qualquer ordem jurídica, quer no plano internacional (arts. 3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 2º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) quer no plano interno (arts. 24º, nº 1 e 16º, nº 2, ambos da CRP).
Os direitos à vida e a não ser agredido ou ofendido no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais, estão organicamente ligados à defesa da pessoa enquanto tal, o que justifica a forma enfática utilizada pela Constituição da República Portuguesa (“… é inviolável”) e a proteção absoluta que lhes confere. Como se extrai da Constituição da República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2007, volume I, págs. 446/7, “O direito à vida é um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto”.
O direito à vida é a
conditio sine qua non para gozo de todos os outros direitos.
O tipo objectivo de ilícito do homicídio consiste em matar outra pessoa. O momento a partir do qual cessa a tutela jurídico-penal dispensada por aquele tipo. A qualidade da pessoa para efeito do tipo de ilícito objectivo do homicídio termina com a morte, sendo o critério adoptado é o da morte cerebral.
O tipo objectivo de ilícito do homicídio deve pois, dizer-se que ele se realiza com a morte de uma pessoa, isto é, com o causar a morte de pessoa diferente do agente. O "causar morte" implica a indispensabilidade do nexo de imputação objectiva do resultado à conduta.
O tipo subjectivo do crime de homicídio p. e p. pelo art. 1310 do C. Penal, exige o dolo, em qualquer das suas formas, traduzindo-se na intenção de matar ou, pelo menos, na admissão dessa possibilidade e conformação com a mesma. O elemento subjectivo constitui o elemento diferenciador entre os crimes de homicídio e de ofensas à integridade fisica e, nessa medida, a sua análise reveste-se de particular importância.
Em face da factualidade apurada resulta que se encontram preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime.
Resultou apurado que o arguido visionou a vítima no interior do logradouro situado nas traseiras da sua residência, abriu a porta da cozinha que dá acesso a tal logradouro munido da arma que previamente tinha ido buscar, tendo, de seguida, a sua mulher acendido a luz da cozinha.
Nesse momento a vítima subiu o muro, virando-se para o lado oposto daquele onde surgiu o arguido, abandonando, dessa forma, o logradouro.
O arguido efectuou então cinco disparos na direcção da vítima, tendo um dos referidos disparos atingido a mesma, penetrando o seu abdómen, tendo seguido um trajecto oblíquo de baixo para cima, de trás para diante e da direita para a esquerda tendo saído do corpo.
Em consequência dos factos supra descritos, RB sofreu, entre o mais:
Ferida perfuro contundente, circular, medindo 0,5 de diâmetro, com bordos escoriados, com orla de contusão concêntrica medindo 0,25 centímetros, na face posterior, a nível do bordo inferior da décima segunda costela, cerca de oito centímetros para fora da linha média e 35 centímetros abaixo do ombro;
j) Ferida inciso contusa, oblíqua de cima para baixo e de fora para dentro, com uma ligeira escoriação no bordo interno da ferida, medindo 1,4 cm X 0,5 cm, tendo a extremidade interna e inferior 12 centímetros acima e um centímetro para dentro do mamilo;
k) ferida transfixiva da parede posterior do hemitorax direito a nível da extremidade da 123 costela;
1) ferida transfixiva do lobo direito do figado;
m) ferida transfixiva do diafragma direito;
n) ferida transfixiva do pulmão direito;
o) infiltração hemorrágica do hilo do pulmão direito e dos lobos médio e inferior do pulmão direito;
p) laceração do saco pericárdio e da aurícula esquerda com infiltração hemorrágica.
As lesões descritas foram causa dírecte, oecessária e adequada da sua morte que foi verificada pelo INEM às 22:55 do dia 31.12.2008 na Rua 1° de Maio, na A. e certificada à 1 hora e 25 minutos do dia 1 de Janeiro de 2009.
Em face da localização do arguido em relação à vitima R, do facto de a vítima se encontrar em cima do muro de costas para o arguido, do tipo de arma utilizada pelo arguido, dos 5 disparos que o arguido efectuou, do local do corpo (abdómen) em que um dos disparos atingiu a vítima, há que concluir que o arguido representou como possível que através da sua actuação retirava a vida ao ofendido, tendo-se conformado com essa possibilidade.

Tem inteira razão o recorrente quando refere que a intenção é um acontecimento do foro interno do agente e não um acontecimento do mundo que lhe seja exterior, cuja prova, por isso mesmo, destinando-se a apurar um estado de alma, o desenho de um propósito, o quadro de uma vontade, é extraída de presunções judiciais, por sua vez retiradas da apreciação crítica e conjugada de todos os elementos probatórios produzidos nos autos, na qual ter-se-á de ter por referência, como é evidente, as regras de experiência, a normalidade da vida e a razoabilidade das coisas.
Ora, efectuada essa aferição sob tais critérios, nenhuma dúvida pode haver, atenta a factualidade apurada, da prova da intenção de matar, pelo menos a título de dolo eventual, como aliás foi concluído pelo tribunal recorrido.
Só pela mera descrição do momento do crime logo seria quase impossível não configurar uma intenção de matar.
O arguido visiona a vítima no interior do logradouro situado nas traseiras da sua residência, abre a porta da cozinha que dá acesso ao munido da arma que previamente tinha ido buscar e que estava municiada com cinco balas, ao mesmo tempo que a sua mulher acende a luz da cozinha ; nesse momento, a vítima sobe o muro, virando-se de costas para o arguido, abandonando, dessa forma, o logradouro, altura em que este efectua cinco disparos na direcção daquela, tendo um deles atingindo a mesma, penetrando o seu abdómen, seguindo um trajecto oblíquo, de baixo para cima.
Se conjugarmos estes factos com a circunstância do arguido ser militar da GNR e ter grande experiência de armas, tendo tido a especialidade de atirado na Guerra Colonial e ter efectuado os ditos disparos a cerca de 4/5 metros, no máximo, da vítima, torna-se evidente a configuração de uma intenção de matar, ainda que desenhada a título de dolo eventual.
Com efeito, pela profissão do arguido, pela sua experiência no uso e manuseamento de armas de fogo, pela curta distância a que a vítima se encontrava, pela visibilidade que o arguido tinha para com a mesma - pois a luz estava acesa – é inevitável concluir que ao disparar cinco tiros na direcção daquela, o arguido, pelo menos, representou como possível que com tal conduta poderia provocar a morte desta e actuou, conformando-se com essa possibilidade.
Esta é a única conclusão que faz sentido, a única que se adequa, quando confrontada com as regras de experiência, a normalidade da vida e os ditames da lógica.
Com o devido respeito por opinião contrária, quem age nos termos efectuados pelo arguido e naquele concreto circunstancialismo temporal e espacial, com os conhecimentos e experiência que detêm relativamente ao uso de armas de fogo tem, evidentemente definida na sua mente, o propósito, a intenção, de matar.
A prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada, tendo antes de ser apreciada e valorada na sua globalidade, devendo o juiz estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.
Nessa medida, as provas não têm forçosamente que criar no espírito do julgador uma absoluta certeza dos factos a provar, certeza, essa, que, muitas vezes, seria impossível, ou quase impossível de alcançar.
O que é necessário, é que as mesmas provoquem um grau de probabilidade tão elevado, que se baste, como certeza possível, para as necessidades de vida, de forma a se poder concluir, sem dúvida razoável, que um indivíduo praticou determinados factos.
Ora, in casu, os elementos factuais atrás assinalados, afastam, por completo, qualquer dúvida razoável em relação à assumida intenção de matar por parte do arguido, apesar deste a negar – como sucede muitas vezes em situações similares – e de o recorrente chegar a afirmar, no seu recurso, que terá sido a vítima a colocar o seu corpo na trajectória dos disparos, afirmação completamente destituída de sentido se nos recordarmos que esta foi atingida quando estava de costas para o arguido…
Provando-se, como se prova, à saciedade, a intenção de matar, torna-se evidente que o arguido, com a sua conduta, cometeu – objectiva e subjectivamente – um crime de homicídio, estando assim prejudicado o seu pedido de ser condenado por um crime de ofensa à integridade física por negligência.
Apenas uma última palavra, neste domínio, para dizer que não se alcança a relevância das considerações aduzidas pelo recorrente no que respeita à ausência de determinação da hora concreta da morte.
Com efeito, apesar de apenas se ter apurado a hora aproximada do óbito – como aliás sucede na esmagadora maioria das situações e homicídio – desse facto nada advém de essencial para a sorte dos autos.
Por outro lado, não se fez prova bastante, de forma segura e objetiva – como se alcança do relatório de autópsia e dos esclarecimentos prestados pela medica legista – que a circunstância da vítima não ter sido logo assistida tenha sido causa concomitante da morte, ou, dito de outro modo, que a assistência prestada pelos companheiros daquela tenha propiciado o seu falecimento.
Improcede pois o recurso, também nesta parte.

B.4. Do crime de homicídio privilegiado ;

Peticiona ainda o recorrente, que caso se entenda estar na presença de um crime de homicídio, deve o mesmo ser enquadrado sob as vestes do privilegiamento, do Artº 133 do C: Penal, na medida em que apenas actuou dominado pelo estado de pânico em que se encontrava, juntamente com a sua mulher, e com o forte temor que tinham de serem assaltados, por um grupo de quatro pessoas, em local isolado, sem possibilidade de recorrerem a auxílio em tempo útil e que lhes iam fazer mal, percepção que mais aumentou quando viu que no seu quintal já se encontrava um dos intrusos.
Sobre esta concreta matéria, escreveu-se na decisão recorrida ( transcrição ) :

Sem dúvida que todo o contexto da prática dos factos leva a concluir que o arguido estava num estado anímico de preocupação perante o que vira nos momentos imediatamente anteriores. Sem dúvida que o arguido, acompanhado pela sua mulher, criaram uma convicção de que iriam a ser assaltados. Não se dúvida.
Mas tal, não constitui qualquer causa justificativa para os factos que praticou. Na realidade, não se entende que o arguido e a sua mulher durante o período de tempo que rodeou o momento em que visionaram a vítima e os seus acompanhantes até ao momento em que o arguido abriu a porta da cozinha não tenha acendido qualquer luz da residência, quando a sua convicção era a de que aquelas pessoas pretenderiam assaltar a residência. Na realidade, tal procedimento, com certeza, que se revelaria idóneo para fazer desistir os imaginados assaltantes.
De facto, o arguido, na convicção imaginada de que iria existir um assalto, muniu-se da sua arma, a qual já se encontrava municiada, há cerca de um mês, quando ainda só vira a vítima e os seus acompanhantes na rua, sem ter havido qualquer acto que legitimasse a conclusão de que iria ser assaltado.
Dir-se-á que o imaginado pelo arguido se transformou em realidade quando abriu a porta da cozinha e viu o vulto da vítima.
No contexto imaginado pelo arguido admite-se que possa ter assim pensado.
Entretanto o arguido vê o vulto da vítima a subir o muro e é quando a vítima já está em cima do muro, após ter saído do logradouro, que o arguido disparou os 5 tiros, tendo um atingido a vítima.
É indiscutível a conclusão de que a partir do momento em que o arguido vê o vulto da vítima a subir o muro, abandonando o logradouro, não pode continuar a ter a mesma imaginação (certa ou errada) que iria ser assaltado e que anteriormente tinha sido em si gerada pelos comportamentos a que assistira.
É indiscutível que, a partir desse momento, o arguido não pode tirar a conclusão de que disparou para se defender de um imaginado assalto.
Não existia qualquer necessidade de disparar uma vez que já não existia qualquer acto da vítima que permitisse concluir que qualquer direito do arguido viesse a ser violado.
Se o comportamento da vítima fosse aquele que o arguido disse ter imaginado, quando a mesma abandona o logradouro e sobe o muro, só permite uma conclusão, que é a de que desistira dos seus intentos.
Não existe, consequentemente, qualquer legítima defesa, tão pouco qualquer excesso de legítima defesa. Obviamente que não existindo legítima defesa não se pode considerar que exista excesso da mesma.
De facto, a legítima defesa, como causa de exclusão da ilicitude, constitui o exercício de um direito: o direito de legítima defesa que tem, entre nós, assento na Constituição, no Código Civil e está previsto para efeitos penais no art. 32.º do C. Penal.
Mas a legítima defesa exige a verificação dos seguintes requisitos: - agressão actual e ilícita; - defesa necessária e com intenção defensiva.
O exercício do direito de legítima defesa tem que se limitar a um acto de defesa de uma agressão actual e ilícita.
A defesa só é legítima se surgir como indispensável para a salvaguarda de um interesse jurídico do agredido ou de terceiro.
A necessidade de defesa tem de ser vista em confronto com as circunstâncias em que se verifica a agressão, e, em particular, consoante a intensidade desta, a perigosidade do agressor, a sua forma de actuar e os meios de que se dispõe para a defesa.
A defesa tem que restringir-se a uma mera defesa, o que se extrai claramente do texto da lei quando refere “... facto praticado como meio necessário para repelir a agressão”.
Como já se referiu a “agressão” da vítima já não era actual, já não era iminente, pois a mesma já virara costas e tinha subido o muro do logradouro.
Já não existia qualquer necessidade de defesa por parte do arguido, pelo que quando o arguido disparou já não existia qualquer intenção defensiva da sua parte.
Assim, em face da factualidade provada dúvidas não subsistem que os factos praticados pelo arguido integram os elementos, objectivo e subjectivo, do tipo do crime de homicídio p. e p. pelo art. 131º do Cód. Penal.

Como se sabe, o crime de homicídio simples cede relativamente à sua qualificação agravativa como homicídio qualificado, ou à sua qualificação atenuativa, como homicídio privilegiado.
Nessa medida, um homicídio qualificado não é mais do que uma forma agravada de homicídio e um homicídio privilegiado traduz-se, no fundo, num homicídio atenuado.
Quer a agravação resultante do Artº 132, quer a atenuação decorrente do Artº 133, ambos do C. Penal, têm a ver com a medida da culpa do agente, no primeiro caso, plasmada na sua especial censurabilidade ou perversidade e no segundo, estando sensivelmente diminuída.
Dispõe o Artº 133º do Cód. Penal :
“Quem matar outra pessoa denominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuíam sensivelmente a sua culpa é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.”
Como ensinam, de forma abundante, a Doutrina e a Jurisprudência, a compreensível emoção violenta a que norma se refere, susceptível de diminuir, de forma sensível, a culpa do agente, terá de condicionar de tal forma a sua capacidade de escolha e determinação, de modo a que se possa concluir que essa alteração do seu estado psiquico, resultante de um forte abalo emocional, provocado por uma situação que não pode controlar, a levou a agir de um modo pelo qual não pode ser censurado, na medida em que actuou nos termos em que o faria o homem médio, colocado na mesma concreta situação factual.
Exige-se assim, que o agente actue dominado por esse estado emocional, em que a exigibilidade de adequação do seu comportamento aos comandos legais está diminuída de forma sensível, sendo que o requisito da compreensibilidade da emoção consiste no entendimento de que a emoção só será relevante quando aceitável, quer por si só, quer pela forma como o agente age perante ela, aqui se apelando para um quadro de diminuída desconformidade entre o injusto da situação que o leva a actuar e o injusto da sua conduta, ou seja, o acto de matar.
Só na adequada concertação de tais elementos é que se justifica o enquadramento legal do homicídio sob o manto mais leve do Artº 133 do C. Penal, na medida em que só aí é que se poderá dizer que a culpa está sensivelmente diminuída, sendo assim claro que, nos termos legais, não basta, para a subsunção ao homicídio privilegiado um cenário de mera diminuição da culpa, exigindo-se que esta seja considerável.
Descendo agora ao concreto da situação, não se vislumbra, com o devido respeito, uma situação que justifique a subsunção legal no Artº 133 do C. Penal.
Na verdade, apesar do arguido ter razão quando diz que ao longo de toda a dinâmica em que os eventos ocorreram se encontrava com medo de ser assaltado, percepção que aumentou ao ver que um dos quatro indivíduos já se encontrava no interior do seu quintal, a verdade é que, algo incompreensivelmente, no momento em que dispara esse cenário estava a diluir-se.
Como se afirmou na decisão recorrida, pode dar-se de barato que o « …o contexto da prática dos factos leva a concluir que o arguido estava num estado anímico de preocupação perante o que vira nos momentos imediatamente anteriores » e que,
« … acompanhado pela sua mulher, criaram uma convicção de que iriam a ser assaltados ».
Mas tal percepção, que se pode assumir no pensamento do arguido como uma realidade, assim que viu o vulto da vítima dentro do seu logradouro, deixa de fazer sentido quando testemunha, iluminado pela luz da cozinha que a sua mulher acendeu, a vítima a sair do logradouro, subir ao muro, virar-se de costas para si, preparando-se assim para abandonar a residência.
Apoiando-nos de nova na decisão recorrida, « É indiscutível a conclusão de que a partir do momento em que o arguido vê o vulto da vítima a subir o muro, abandonando o logradouro, não pode continuar a ter a mesma imaginação (certa ou errada) que iria ser assaltado e que anteriormente tinha sido em si gerada pelos comportamentos a que assistira.
É indiscutível que, a partir desse momento, o arguido não pode tirar a conclusão de que disparou para se defender de um imaginado assalto.
Não existia qualquer necessidade de disparar uma vez que já não existia qualquer acto da vítima que permitisse concluir que qualquer direito do arguido viesse a ser violado.
Se o comportamento da vítima fosse aquele que o arguido disse ter imaginado, quando a mesma abandona o logradouro e sobe o muro, só permite uma conclusão, que é a de que desistira dos seus intentos »
A descrição factual dos autos não permite, de facto, outra conclusão, sob pena de se tornar irrazoável, destituída de sentido e violadora das mais elementares regras da experiência comum.
Acresce, que sendo convicção do arguido que estava a ser assaltado, há que concluir, pela dinâmica factual que se apurou, que assim que os presumíveis assaltantes se viram descobertos, parece terem abandonado tal desiderato, o que por certo teria ocorrido também anteriormente, se o arguido tivesse acendido uma luz, dando assim a entender àqueles que apesar de ninguém responder aos insistentes toques de campainha, havia gente dentro da residência.
Por outro lado, importa não olvidar que para resolver a situação em causa e ainda sem se ter confrontado, directamente, com qualquer um dos indivíduos em questão, o arguido proveu-se de arma municiada com cinco balas e, empunhando-a, abriu a porta da cozinha e disparou sobre a vítima, a uma distância de cinco metros, quando esta já se encontrava de costas para si, em cima do muro e depois de ter abandonado o seu logradouro.
Não pode assim desenhar-se um cenário de o arguido ter agido por uma compreensível emoção violenta que lhe diminua sensivelmente a culpa, na medida em que o quadro que poderia justificar essa emoção violenta – a possibilidade eminente de ser vítima de um assalto – estava em vias de desaparecer no momento em que o arguido disparou, pois o intruso foi mortalmente atingido precisamente quando abandonava a propriedade do ora recorrente.
Nesta medida, ainda que se pudesse afirmar que o arguido agiu dominado pela emoção de estar a ser assaltado e mesmo que esta, no quadro circunstancial em causa, fosse violenta – no sentido de lhe causar medo e temor, pela sua integridade física e da sua mulher – a verdade é que pelas razões apontadas nunca ela se poderia configurar como compreensível, na medida em que a ameaça em causa era, indiscutivelmente, menos real quando o arguido disparou, sendo essa diminuição do real produto, apenas, do mero aparecimento do arguido e de se ter acendido a luz da residência, compreendendo assim o presumível assaltante que, afinal, esta estava ocupada.
Como corolário lógico deste raciocínio, não se pode falar de uma diminuição sensível da culpa para efeitos do estatuído no Artº 133 do C. Penal, sem prejuízo de uma melhor ponderação do circunstancialismo em que o agente actuou em sede de medida concreta da pena.
Mas aqui e agora, o que se afere, é o enquadramento jurídico-criminal dos factos e esse, indiscutivelmente, deve ser aferido por via do Artº 131 do C. Penal e não, como peticiona o recorrente, pelo Artº 133 do mesmo Código.
Assim sendo, também aqui, improcede o recurso.

B.5. Da atenuação especial da pena ;

Solicita ainda o arguido uma atenuação especial da pena e que a mesma seja suspensa na sua execução, nos termos do nº 2 do Artº 73 do C. Penal, tendo em conta a sua diminuída culpa, o bom comportamento anterior e posterior, a ausência de antecedentes criminais, a sua colaboração com a investigação, a sua integração familiar e comunitária e a ausência de alarido social em relação aos factos dos autos.
A tal propósito, afirmou-se na decisão sindicada ( transcrição ):

DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA.
Em obediência ao artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a determinação da medida de qualquer pena terá sempre como pressuposto inicial o objectivo estrutural de qualquer sistema jurídico-penal democrático: a finalidade da pena.
E esta decompõe-se numa dupla perspectiva: a prevenção geral positiva, traduzindo uma ideia de que a pena aplicada ao agente deve manter e reforçar a confiança da comunidade de paz na validade e eficácia das normas jurídico-penais como instrumentos de tutela de bens jurídicos; e a prevenção especial positiva como reintegração do agente na sociedade, através da sua adesão aos valores e princípios da comunidade.
Diz-nos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.05.2010 (in www.dgsi.pt, processo n.º 775/09.1JAPRT.S1):
“Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena.”.
Por outro lado, e em consonância com o preceituado no n.º 2, do mesmo artigo 40.º, do Código Penal, proclama-se que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Assim, seguindo bem de perto o pensamento do Prof. Figueiredo Dias, explicitado em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 3.ª edição, pág.ª 184 e 185, o substrato da culpa reside na “totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo que chamamos a «atitude» da pessoa perante as exigências do dever-ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita e, assim, o critério essencial de medida da pena.”.
Deste modo, a determinação da medida da pena, nos termos do artigo 71.º, do Código Penal, obedece a três fases: determinação da moldura penal (medida legal ou abstracta da pena) aplicável ao caso; escolha da espécie de pena que efetivamente deve ser imposta; determinação concreta da pena. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Numa frase: “as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. Nestas duas proposições reside a fórmula básica de resolução de antinomias entre os fins das penas; pelo que também ela tem que fornecer a chave para a resolução do problema da medida da pena.” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2.ª Reimpressão, pág.ª 227).
A este propósito e louvando-nos na jurisprudência do Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 95/2001, diga-se “que um direito penal de culpa não é compatível com a existência de penas fixas: de facto, sendo a culpa não apenas princípio fundante da pena, mas também o seu limite, é em função dela (e, obviamente também, das exigências de prevenção) que, em cada caso, se há-de encontrar a medida concreta da pena, situada entre o mínimo e o máximo previsto na lei para aquele tipo de comportamento. Ora, prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não pode, na determinação da pena a aplicar ao caso que lhe é submetido, atender ao grau de culpa do agente – é dizer: à intensidade do dolo ou da negligência.”.
Assim,
Da determinação e escolha da medida concreta da pena
Nos termos do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, e para efeitos de determinação da medida concreta da pena, o Tribunal deverá atender, nomeadamente, ao grau de ilicitude do facto, à culpa do agente, à intensidade do dolo ou negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, aos fins ou aos motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente e à sua situação económica, à conduta posterior e anterior ao facto e à falta de preparação, revelada através dos factos, para manter uma conduta conforme às prescrições ético-jurídicas.
Assim, no caso concreto, há que ter em consideração a moldura abstracta da pena de 8 a 16 anos de prisão, medida abstracta da pena que traduz de imediato a ideia de que o crime de homicídio constitui uma violação do bem mais precioso de qualquer pessoa que é a própria vida.
A relevância social do bem jurídico protegido pela norma incriminadora: tirar a vida a alguém é atingir o bem jurídico mais valioso do nosso sistema penal. Provoca uma compreensível apreensão e um justificado sentimento de rejeição, por parte da população, sendo também importante que a comunidade tenha presente que as violações dos laços mais básicos de relação social sejam penalizados com adequada punição e, por tal forma, se tenha a noção de que a vida é um valor intocável, pelo que, em termos de prevenção geral positiva, se fazem sentir exigências muito importantes.
Trata-se de crime gerador de grande alarme social, face à enorme intranquilidade que gera e que vem assumindo uma prática frequente.
As exigências de prevenção geral assumem, por outro lado, relevância face à errónea convicção, em determinados meios sociais, da justificação de utilização de armas.
Aliás não se podem olvidar também os efeitos que o processo de globalização e de mediatização provocam, com a divulgação de factos e realidade ocorridas noutros Países e noutras culturas.
Importa ter em consideração o grau da ilicitude dos factos e o dolo com que o arguido agiu.
Há, assim, que ter em consideração que o arguido após ter visionado a vítima e os acompanhantes se muniu de uma arma, a qual já se encontrava carregada, há cerca de um mês.
Importa considerar o número de tiros que o arguido disparou..
Importa atender à distância, cerca de 4 a 5 metros da vítima, a que o arguido procedeu aos disparos, assim como quanto ao facto de proceder aos disparos na direção da vítima que se encontrava de costas, já em cima do muro, a abandonar o logradouro.
Há que ter em consideração a intensidade e a modalidade do dolo. O arguido tinha visto um vulto no logradouro da sua residência. viu um vulto a subir o muro e mesmo assim disparou, bem sabendo que o vulto era de uma pessoa e que ao disparar, como disparou, o podia atingir, como atingiu, conformando-se com essa possibilidade.
Há que considerar o conhecimento no manuseamento de armas que o arguido tinha, atenta a qualidade de atirador que havia tido na guerra colonial e de ex agente da G:N.R.. Aliás, esta qualidade impunha-lhe um acrescido dever de ponderação na utilização da arma que veio a utilizar e na ponderação da possibilidade de recurso à autoridade pública, que não equacionou.
Importa valorar todo o circunstancialismo em que os factos ocorreram. Há, assim, que atender ao estado anímico e de preocupação em que o arguido se encontrava, derivado do facto de haverem tocado à porta da residência, ter visto os ocupantes do veículo, ter visto a viatura a dar a volta à residência, ter visto os ocupantes do veículo a sair do veículo, ter visto a vítima no interior do logradouro da sua residência.
Como já supra se referiu o arguido criou uma convicção acerca do que poderia vir a acontecer, imaginou a possibilidade de estar em curso um assalto e actuou no quadro dessa convicção, convicção essa que, como já supra se referiu, não justifica nem legitima a sua actuação, mas que permite integrar os factos que praticou.
Importa considerar a idade do arguido, assim como o seu percurso de vida, com hábitos de trabalho, que manteve após a sua aposentação de agente da G.N.R..
Há que atender à sua integração familiar e social, assim como ao facto de não ter antecedentes criminais.
Tudo visto e ponderado, afigura-se justo, adequado e razoável, em face da personalidade e culpa do arguido, tendo em consideração os limites abstractos supra referidos, fixar a pena em 11 anos de prisão.

Sucessão de leis no tempo
O artº 86º, nº 3 da Lei 5/2006. De 23 de Fevereiro, passou a ter a seguinte redacção a partir da Lei nº 17/2009 de 6 de Maio, a qual entrou em vigor 180 dias depois):
“ As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.”.
Atenta a previsão típica deste preceito, a conduta do arguido integraria a mesma uma vez que o crime foi praticado com recurso a arma.
A moldura penal abstracta do crime passa, assim, a ser de 10 anos e 8 meses de prisão a 21 anos e 4 meses de prisão.
Tal medida abstracta facilmente leva a concluir que a pena concreta, tendo em consideração os factores de ponderação a que já supra se aludiu, se situaria na em medida superior, pelo que, consequentemente, em obediência ao princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido, deve ser aplicável a legislação aplicável na data dos factos.

Como se sabe, na determinação da pena concreta, importa ter em conta, nos termos do Artº 71 do C. Penal, as necessidades de prevenção geral e especial que nos autos se imponham, bem como, as exigências de reprovação do crime, não olvidando que a pena tem de ser orientada em função da culpa concreta do agente e que deve ser proporcional a esta, em sentido pedagógico e ressocializador.
Como ensina Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo 2, As consequências jurídicas do crime. 1988, pág. 279 e segs :
« As exigências de prevenção geral, ... constituirão o limiar mínimo da pena, abaixo do qual já não será possível ir, sob pena de se pôr em risco a função tutelar do Direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada ;
As exigências de culpa do agente serão o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio politico-criminal da necessidade da pena ( Artº 18 nº2 da CRP ) e do principio constitucional da dignidade da pessoa humana ( consagrado no nº1 do mesmo comando )
Por fim, as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena »
Importa ainda ter em conta que :
« A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.
Ainda, embora com pressuposto e limite na culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, (só) na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade - cf. Anabela Miranda Rodrigues, RPCC, Ano 12º, nº 2, pág. 182» – Ac. do STJ de 4-10-07, Proc. nº 2692/07 - 5ª »
Como se vê do acórdão recorrido, o tribunal considerou, na fixação das penas concretas, todos os argumentos que o recorrente agora invoca para obter uma diminuição das mesmas, mas não deixou de ter em conta, como não poderia deixar de ser, as intensas e evidentes razões de prevenção geral e especial que resultam do circunstancialismo dos autos.
Na verdade, com a previsão do Artº 131 do C. Penal, protege-se o bem jurídico vida, como fundamento primeiro da culpa criminal, o seu principal valor axiológico, aquele que a nível individual se tem por mais sagrado, por natureza irreversível.
Na verdade, é o livre arbítrio que define a condição humana, na capacidade de – melhor ou pior, mais ou menos livremente, mais ou menos condicionadamente – decidir o seu próprio destino em cada momento, na possibilidade de escolher entre o certo e o errado, com todas as consequências daí inerentes, para si e para os seus semelhantes.
Ora, matar é o mais grave acto concebível numa sociedade humana, vedado até – no que Portugal se pode orgulhar em ser um dos primeiros países do Mundo a abolir, espera-se que em definitivo, a pena de morte - ao ius puniendi do Estado, aquele que não deixa possibilidade de regresso, a única conduta verdadeiramente irreparável, a criação do vazio, da ausência, do nada.
Esta, foi e é, a consequência para a vítima do comportamento do arguido.
A morte, o nada, o fim de uma vida, de projectos, a ausência de um futuro, bom ou mau, o qual o arguido, sem qualquer direito, em absoluto destruiu.
Todavia, o arguido, após o cumprimento da pena em que vier a ser condenado, seja esta qual for, poderá sempre refazer a sua vida, ou reiniciá-la, após a ter suspendido no fatídico momento em que matou.
Para este, em qualquer caso, existe sempre essa oportunidade, até porque é um homem de meia-idade.
Para a vítima, ao invés, com a sua conduta o arguido inviabilizou-lhe, em definitivo, qualquer hipótese de vida.
É esta irreversibilidade do acto de matar que confere um enorme desvalor ao resultado, sendo de extrema gravidade o ilícito cometido pelo arguido.
Por outro lado, o dolo é eventual, a vítima era pessoa desconhecida do arguido e o crime foi cometido através de arma de fogo, tendo o arguido disparado, por cinco vezes, a curta distância daquela e quando esta já estava em processo de abandono da sua propriedade e de costas para si.
Acresce, que como bem se aponta na decisão recorrida, a qualidade de ex-agente da GNR impunha ao arguido um especial dever de cuidado na utilização da arma e de ponderação na possibilidade de recurso à autoridade pública, o que por si não foi sequer equacionado.
É aliás este o momento para suprir a nulidade apontada pelo demandante na sua resposta ao recurso e relativa à omissão no acórdão recorrido de um facto da pronúncia (sob o nº 40), relativo à dedução de queixa por parte do arguido no dia seguinte à ocorrência dos factos.
A decisão do tribunal a quo não contempla, efectivamente, esta matéria, o que se deverá, por certo, a um lapso, o que será agora corrigido, nos termos do Artº 379 nsº1 al. c) e 2 do CPP e de onde resulta, com clareza, que na dita queixa, interposta no dia seguinte aos factos, o arguido omite a circunstância de ter disparado sobre um dos indivíduos que, alegadamente, se preparavam para o assaltar, comportamento que, como é óbvio, não o favorece na exegese agora levada a cabo.
O cenário dos autos revela, por isso, uma assinalável violência, um intenso juízo de censura e um acentuado desvalor social do comportamento do arguido, não se verificando qualquer circunstância susceptível de detonar uma atenuação especial da pena a qual sempre teria de radicar numa diminuição sensível, fosse do quadro da ilicitude, fosse do desenho da culpa ou da necessidade da pena.
Entende-se todavia, que a pena aplicada pela instância recorrida é algo excessiva e desproporcionada, tendo em conta o específico circunstancialismo em que o crime foi cometido.
Na verdade, como ali mesmo foi reconhecido, o arguido agiu sob um estado anímico de intensa preocupação, quer pelos assaltos que anteriormente tinha ocorrido naquela zona, quer pelos passos que testemunhou aos alegados assaltantes, que depois de terem tocado à porta da residência, deram a volta à mesma na viatura, parando-a em seguida, dela saindo, chegando um deles a saltar o muro para o interior do logradouro.
No espírito do arguido foi assim criada a convicção de que estaria em curso um assalto, circunstância que, não justificando, nem legitimando a sua actuação, permite enquadrá-la com olhos distintos de um homicídio frio e cruel.
Por outro lado, há que olvidar a idade do arguido, a ausência de antecedentes criminais, a sua completa integração familiar, social e comunitária e a circunstância de sempre ter mantido hábitos de trabalho, mesmo após a sua aposentação da GNR.
Parece assim ser evidente que as exigências de prevenção geral estão, in casu suficientemente atenuadas o que justifica que a pena a aplicar ao arguido se situe próxima do limite mínimo – aplicável por força do regime legal mais favorável como foi feita na decisão recorrida – ou seja, se cristalize em 9 (nove) anos de prisão, assim se satisfazendo, com segurança, as necessidades punitivas que atrás se mencionaram.
Procede assim o recurso, nesta parte e nestes termos.


B.6. Da inexistência de mandato forense para o pedido de indemnização civil ;

Invoca o arguido a inexistência de mandato forense para a dedução de pedido de indemnização civil, na medida em que a procuração junta a Fls. 380 dos autos, o demandante JB não mandata expressamente o Drº PS, para representar os menores, vicio que deve determinar a absolvição do arguido da instância cível.
Decidindo, se dirá que apesar de na dita procuração não constar, de forma expressa, a representação dos menores em causa, sempre teria de se considerar como tal, tendo em conta que JB apenas intervêm no processo na qualidade de pai da vítima e ser, por isso, o representante legal dos menores, filhos desta.
É aliás nessa qualidade que foi deduzido o pedido de indemnização civil em causa e que o demandante interveio nos autos, arrolando prova, testemunhando na Audiência e respondendo ao recurso agora interposto, pelo que sempre estaria evidentemente ratificada toda e qualquer intervenção processual levada a cabo pelo Ilustre Mandatário mencionado na procuração de Fls. 380 dos autos e nessa medida, sanado o apontado vício.
Pelo que e sem necessidade de mais considerações, se considera que o recurso improcede nesta parte.

B.7. Da ilegitimidade dos demandantes ;

Alega também o arguido não ter sido feita prova da relação de filiação e avoenga dos menores, quer em relação ao falecido, quer no que toca ao demandante, bem como, da qualidade de herdeiros daqueles no que respeita à vítima, inexistindo ainda prova que a sua representação legal caiba àquele, baseando-se, para tanto, na ausência de documentos que provem, com suficiência bastante, tais matérias.
Com o devido respeito por opinião contrária, entende-se que a especificidade característica do processo penal, onde se procura, mais do que tudo, a verdade material, com uma natureza muito particular, justifica que o tribunal a quo tenha dado por assente a relação familiar e avoenga dos menores com a vítima e o ora demandante, apenas com base nos documentos por este juntos e sem as certidões de nascimento dos ditos menores.
Não se crê, todavia, que assim decidindo, o tribunal recorrido tenha violado qualquer disposição legal, quer pelo facto de, em processo penal, serem admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei, as quais, como se sabe, são apreciadas livremente, de acordo com as regras da experiência comum (Artsº 125 e 127, ambos do CPP), quer ainda, pela circunstância, não despicienda, de no caso de se tratarem de cidadãos estrangeiros – como é a situação dos autos – apenas são obrigatoriamente sujeitos a registo, nos termos dos Artº 1 nº 2 do Código do Registo Civil, os factos ocorridos em território nacional.
Dai que se entenda poder defender-se, numa perspectiva de lógica processual penal, de celeridade e agilização de comportamentos, que tendo os nascimentos em causa, evidentemente, ocorrido fora de Portugal e aí terem sido sujeitos a registo, podem os mesmos ser invocados ainda que não registados, pois tal registo é, face à lei portuguesa, facultativo, por interpretação, à contrariu sensu, do Artº 2 do aludido Código.
Nessa medida, entendendo-se que a obrigatoriedade de se fazer prova de uma relação de filiação através de uma certidão emitida pela Conservatória de Registo Civil não é, em alguns casos, como o dos autos, pelas razões expostas, absoluta, julga-se poder afirmar, com segurança, que bem andou o tribunal a quo ao dar por assente a factualidade em causa, tendo em conta os documentos juntos aos autos – emitidos pelo Estado Croata – os quais, apreciados criticamente com a restante prova testemunhal produzida, permitiram assumir como provado a relação familiar e avoenga agora colocada em causa pelo recorrente, a qualidade de herdeiros dos filhos da vítima e a circunstância dos mesmos estarem a cargo da tutela do ora demandante, que sobre eles exerce as responsabilidades parentais.
Assim sendo, improcede também o recurso, nesta parte.

B.8. Do cálculo da indemnização cível

Por fim, invoca o recorrente que o quantum indemnizatório fixado pela decisão sindicada não levou em conta que o falecido contribui, com a sua conduta para a sua própria morte, pelo que se verifica um cenário de concorrência de culpas, em que à vítima deverão ser imputados, pelo menos 2/3 para o infeliz desenlace, devendo a indemnização ser reduzida nessa conformidade, nos termos do Artº 570 do C. Civil.
Mais afirma que não há factos que comprovem que a vítima tenha tido grande sofrimento ou agonia antes da morte, que justifiquem a atribuição do seu dano próprio no valor de 5.000,00 €.
Atente-se primeiro, no que, sobre estas matérias, se escreveu no acórdão recorrido ( transcrição ) :

PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL
A fls. 605 e sgs. JsB, por si e na qualidade de representante de E B e JB, pai e filhos da vítima, deduziram pedido de indemnização cível contra o arguido/demandado, peticionando o pagamento da quantia global de 190 000, 00 € (cento e noventa mil euros), sendo:
10 000, 00 €, , devidos aos filhos da vítima, E B e JB, a título de ressarcimento pelos danos morais sofridos pela vítima e
75 000,00 €, devidos aos filhos da vítima, E B e JB, a título de ressarcimento do direito à vida
25 000, 00 € a título de danos não patrimoniais sofridos pelo demandante . JsB
40 000, 00 €, a título de danos não patrimoniais próprios sofridos por E B.
40 000, 00 €, a título de danos não patrimoniais próprios sofridos por JB
*
Atento o disposto no art.º 129.º do Código Penal, a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, pelo que deve atender-se ao que esta estatui quanto à responsabilidade civil extracontratual.
Dispõe o art.º 483.º do Código Civil que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
São assim pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto voluntário do agente, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Conforme ensina Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", Vol. I, o elemento básico da responsabilidade é o facto do agente, que consiste, em regra, num facto positivo.
O referido facto, importa, pois, a violação de um dever geral de não ingerência na esfera de ação do titular do direito absoluto, bastando, para fundamentar a responsabilidade civil, a possibilidade de controlar o ato, não sendo necessária uma conduta predeterminada e orientada para certo fim.
O segundo pressuposto é a ilicitude, que consiste na violação de um direito de outrem e na violação de uma lei que protege interesses alheios.
O facto ilícito, é, assim, de acordo com Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", Vol. I, o comportamento de uma pessoa, por ação ou omissão, controlável pela vontade, que se consubstancia na violação de um direito de outrem, designadamente qualquer direito absoluto, em que se incluem os direitos de personalidade.
Como terceiro pressuposto, exige-se a culpa, que “pode ser definida como um comportamento reprovado por lei”. Agir com culpa significa, assim, como explanou Antunes Varela, in ob. cit., Vol. II, atuar de uma forma censurável ou reprovável, sendo que, o juízo de censura ou de reprovação da conduta do agente terá que ser aferido em função das circunstâncias concretas do caso, perante a verificação de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo. Nestes termos, a culpa exprime, um juízo de reprovação da conduta do agente.
Por outro lado, como evidência Antunes Varela, in ob. cit., Vol. I, "para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a outrem". Este pressuposto constitui o próprio parâmetro da indemnização.
Por último, exige-se ainda o nexo de causalidade entre o facto e o dano, pois, apenas os danos resultantes do facto do agente são por ele indemnizáveis.
Dispõe o artigo 71.º do Código de Processo Penal, que “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo (...)”, devendo, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 do mesmo diploma, ser deduzido pelo lesado, “entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente”.
De harmonia com o artigo 496º nº 1 do Código Civil: na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, segundo o nº 3 do preceito, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º;.
O artº 494º alude ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso justificativas.
A indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade compensar desgostos e sofrimentos suportados pelo lesado,
Na indemnização pelo dano não patrimonial o "pretium doloris" deve ser fixado, por recurso a critérios de equidade, de modo a proporcionar ao lesado momentos de prazer que, de algum modo, contribuam para atenuar a dor sofrida.
Como bem foi referido no Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 21 de Abril de 2010, Processo 3089/07.8TALRA.C1,
“Na fixação do dano não patrimonial identificável como o direito à vida da vítima (ou noutra expressão, «o dano de morte»), há que ponderar que a natureza desta indemnização é mais compensatória do que verdadeiramente reparadora do dano não patrimonial decorrente da perda da vida, por si só insusceptível de avaliação pecuniária. Daí que as Portarias referidas levem em consideração a idade da vítima como valor de ponderação, numa grelha objectiva que pretende criar alguma guias na atribuição da indemnização devida, mas que não deixa de ser apenas indiciadora do montante da indemnização a arbitrar. Nesse sentido foram fixados os limites da idade das vítimas até aos 25 anos, entre 25 anos e 49 anos, entre 50 e 75 anos e mais de 75 anos – cf. anexo II das referidas Portarias citadas.” (…)
“Sublinhe-se mais uma vez que os valores referidos naquelas Portarias não podem deixar de ser meramente indicativos e nunca como «tabela» fechada que deva ser cegamente seguida.”
Quanto ao dano morte, importa ter em consideração que a vida, em si própria, é o bem supremo e base de todos os demais. Importa ter em consideração a idade da vítima – 26 anos, assim como a sua vivência familiar, designadamente o afecto que nutria pelos seus filhos
A indemnização devida pelo dano morte é transmissível, bem como, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros descendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem – artº 496º nº 3 do Código Civil, sendo ainda indemnizáveis, por direito próprio, os danos não patrimoniais sofridos pelas pessoas referidas no preceito familiares da vítima, decorrentes, do sofrimento e desgosto que essa morte lhes causou.
Tendo em conta os factores supra referidos, tendo em conta também os valores que jurisprudencialmente têm sido fixados entende-se como adequada a indemnização de 60 000, 00 € a atribuir aos filhos da vítima, E B e JB.
Sobre os danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes importa considerar o facto de os demandantes E B e JB serem menores, importa considerar que os mesma mantinham com o seu pai uma relação afectiva forte, tendo sido muito afectados com a morte do mesmo, ficando privados do mesmo desde a sua infância.
Tendo em consideração os factores de equidade a que já supra se referiu entendemos como adequado fixar a indemnização em 25 000, 00 € a cada um.
Quanto ao sofrimento tido pela vítima tal é, também, indemnizável. Resultou apurado que a mesma sofre antes de morrer, ainda que não tenha sido apurado o momento concreto em que ocorreu a sua morte. Tendo em consideração o recurso a critérios de equidade configura-se-nos adequada fixar em 5 000, 00 € a indemnização a esse título.
Tendo em consideração a redacção do artigo 496º nºs. 1 e 2 do Código Civil, o direito à indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela vítima e sofridos pelos seus familiares, cabe em primeiro linha e em conjunto ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes e só na falta desta classe de sucessíveis do falecido, é que o seu pai poderia beneficiar dessa indemnização a título de danos morais quer sofridos pela vítima, que se transmitiriam por via sucessória, quer sofridos pelo próprio
Neste sentido leia-se o Acórdão do STJ, datado de 24/05/2007, disponível in www.dgsi.pt: “(…)3. Do teor literal do nº 2 do art. 496º C.Civil, decorre que esse direito de indemnização cabe, em simultaneidade, ao cônjuge e aos filhos e, representativamente, a outros descendentes que hajam sucedido a algum filho pré-falecido.
Só na falta desta primeira classe de familiares é que os referidos no segundo grupo terão direito a essa indemnização, ou seja, só se não houver cônjuge nem descendentes da vítima é que os ascendentes passarão a ter direito à indemnização”.
Atento o exposto improcede o pedido formulado pelo demandante a título de ressarcimentos do danos não patrimoniais próprios por si invocados.

No que toca à invocada concorrência de culpas, pouco há a dizer, tão evidente é o sem sentido da alegação.
Entender que a vítima, pelo facto de ter entrado sem autorização do arguido no quintal deste contribuiu e logo na medida de 2/3, para a sua própria morte é quase um absurdo, parecendo o recorrente ignorar que a mesma foi alvejada quando estava a sair dessa propriedade e se encontrava de costas para quem a matou !!!
Por fim, em relação ao dano não patrimonial próprio sofrido pela vítima, o mesmo decorre do seu sofrimento ocorrido entre o facto danoso e a morte, matéria que consta da factualidade apurada e cujo quantum indemnizatório arbitrado pelo tribunal recorrido, no valor de 5.000,00 €, não se afigura como excessivo ou desproporcionado, improcedendo assim, nesta parte, o recurso.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se :
Aditar aos factos provados o seguinte :
No dia seguinte aos factos dos autos, o arguido apresentou na GNR de P a queixa que originou o inquérito com o NUIPC 2/09.1GDSTB

Conceder parcial provimento ao recurso e em consequência, condenar o arguido JSC, pela prática de um crime de homicídio, p.p. pelo Artº 131 do C. Penal, na pena de 9 (nove) anos de prisão.

No mais, manter o acórdão recorrido.
Sem custas.
xxx
Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi integralmente revisto e elaborado pelo primeiro signatário.
xxx
Évora, 19 de Maio de 2015
(Renato Damas Barroso)
(António Manuel Clemente Lima)