Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1511/08-2
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: LICITAÇÕES
NATUREZA JURÍDICA DAS LICITAÇÕES
ERRO NA FORMAÇÃO DA VONTADE
ERRO NA DECLARAÇÃO
Data do Acordão: 07/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário:
I - A licitação consiste na oferta por cada interessado de valores sucessivamente mais elevados relativamente a bens integrados em determinado património hereditário, para lhe ser adjudicado na partilha judicial. Este processo corresponde à estrutura de uma arrematação, como aliás impõe o art.º 1371º n.º 1 do CPC. Porém daqui não decorre que se possa qualificar o acto de licitação como um contrato de compra e venda.
II - Tendo em conta a forma do acto de licitação e o concernente efeito jurídico, a sua natureza jurídica é a de um negócio jurídico oneroso unilateral tendente à partilha dos elementos integrantes de determinado património indiviso e à concretização do quinhão do respectivo licitante.
III - Como negócio jurídico é susceptível de anulação, nos mesmo termos dos demais negócios, designadamente, por estar viciado por erro.
IV - O erro enquanto vício na formação da vontade só existe quando falta um elemento, ou a representação mental está em desacordo com um elemento, da realidade existente no momento da formação do negócio jurídico.
V- É condição primacial para a eventual relevância do erro, que ele exista no momento da formação do negócio jurídico, pois esse é o momento a que se devem reportar tanto a vontade real como a vontade conjectural.
VI- Num negócio unilateral como é o caso das licitações esse momento é o da declaração e se nesse momento os elementos de facto e de direito conhecidos correspondem à realidade é evidente que não ocorre qualquer erro e muito menos erro susceptível de alterar a vontade real que corresponde à vontade declarada.
VII - Se após a formação da vontade e a sua manifestação vierem a ocorrer alterações da realidade de facto ou de direito que a, existirem no momento da concretização do negócio, teriam determinado o declarante à não concretização do mesmo, isso já não constituirá erro viciante da vontade [no sentido de haver ignorância (falta de representação exacta) ou uma falsa ideia (representação inexacta) por parte do declarante duma realidade preexistente ou coexistente à formação da vontade] mas antes uma situação de imprevisão que deixa intocável a validade da declaração e do negócio.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
Proc.º N.º 1511/08-2
Apelação
2ª Secção
Tribunal Judicial da Comarca de Santiago do Cacém – 2º Juízo.

Recorrente:
Arnaldo................
Recorrido:
Maria............... e outro.




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Arnaldo............... interpôs a presente acção de anulação da licitação e emenda da partilha por apenso a processo de inventário contra Maria..............., António............. e Sid............ e Rita............, pedindo seja anulada a licitação feita pelo A. na conferência de interessados sobre o imóvel descrito sob a verba n.º 10 da relação de bens e restituídas ao A. as tornas pagas aos demais interessados, procedendo-se, em conformidade, à emenda da partilha.
Alega, para tanto, que quando licitou o imóvel em causa em conferência de interessados datada de 05.05.2005, por € 50.000,00, desconhecia que o memo viria a ser objecto de penhora, efectuada em 09.05.2005 e registada em 15.06.2005, no âmbito de um processo de execução em que é Executada a interessada Maria................
E apenas licitou o imóvel em causa por entender que o mesmo se encontrava livre de ónus ou encargos, pois se tivesse tido conhecimento de tal não teria licitado o mesmo nem pago o valor das tornas aos interessados.
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Os R.R. Ma............ e Ar.......... contestaram a acção alegando no essencial não existir qualquer erro por parte do A. quando licitou o imóvel em causa uma vez que efectivamente quando o mesmo foi licitado não tinha, ainda, sido efectuada ou registada a penhora sobre o referido imóvel.
Mais alegam que à data da licitação e sentença de partilha desconheciam da existência da execução em causa pelo que nunca poderiam ter avisado o A. relativamente à sua existência, sendo certo que também licitaram o referido imóvel em conferência de interessados.
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Veio o A., entretanto, desistir do pedido formulado nos autos contra os R.R.
Sid............ e Rita..........., tendo sido proferido despacho de fls. 138 a julgar válida a referida desistência e a declarar extinto o pedido formulado contra aqueles R.R. bem como a instância em relação aos mesmos.
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Saneado o processo, fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória, que não sofreu reclamação.
Instruída a causa foram produzidas as provas e decidida a matéria de facto foi proferida sentença onde se decidiu:
« julgar improcedente a acção e, em consequência, absolver os R.R. Maria............... e Ar.......... do pedido de anulação e emenda de partilha...».
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Inconformado veio o A. interpor recurso de apelação, tendo rematado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:

«1a - No processo de Inventário - de que a presente acção constitui apenso desempenhou as funções de cabeça de casal a ora recorrida, MARIA..............., a qual, em 21/10/2003, sob a Verba nº _10, relacionou, do modo a seguir transcrito, o seguinte imóvel:
"Prédio urbano de rés de chão ... sito em S. Francisco da Serra, freguesia de S. Francisco da Serra, concelho de Santiago do Cacém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém sob o n.º282/151293, inscrito na matriz da mesma freguesia sob o art.º270 ... "
2a - Na conferência de interessados, realizada em 5/05/2005, a referida Verba n.º10, foi objecto de licitação, sendo o valor-base resultante da avaliação, 47.500€. 3a - Coube ao ora A. oferecer o lance mais alto - 50.000€, pelo que o prédio urbano descrito sob a Verba n.º 10 foi adjudicado na partilha ao ora A., pelo referido valor de 50.000 Euros.
4a - A ora recorrida, Maria..............., por requerimento de 9/06/2005, reclamou o pagamento das tornas, que o A. pagou aos co-herdeiros, respectivamente, no valor de 27.731,12€, à 1a Ré, em 22/06/2005 e no valor de 11.134,44€, em 23/06/2005, ao 2° R.
5a - Posteriormente à notificação da sentença homologatória da partilha, quando o pretendia registar na Conservatória do Registo Predial o prédio urbano que lhe fora adjudicado, veio o ora A. a tomar conhecimento de que, em 15/06/2005. o BCP- LEASING, SA, requerera registo de penhora sobre o mesmo prédio, no âmbito do processo de execução n.º 1421/03.2TVLSB, pendente na 2a Secção da 16a Vara Cível de Lisboa.
6a - Mais tomou o A. conhecimento de que o BCP- LEASING, SA tinha requerido, em 29/03/2005, a penhora do imóvel descrito sob a Verba n.º10, para garantia do pagamento da quantia exequenda de 70.042.93€ e que, efectivamente, na sequência desse requerimento, o referido imóvel foi penhorado, pelo 1° Juízo da Comarca de Santiago do Cacém, em 9/05/2005.
7a - A cabeça de casal, e ora Ré, Maria Patrocínia Pinela, nunca informou o A. de que tinha pendente contra si o referido processo de execução nem que o imóvel em causa tinha sido objecto de penhora.
8a - Por desconhecer tais factos, é que o ora recorrente licitou por 50.000€ o prédio descrito na Verba n010 - identificada na matéria assente em 1.1., pois se o A. tivesse conhecimento, à data da conferência de interessados, que um credor da Maria .............. tinha requerido a penhora do prédio em causa para garantia de uma dívida de 70.042.93€ (mais do que o valor do prédio), o ora A. não o teria licitado.
9a - E se o A. soubesse, quando lhe foi reclamado o pagamento das tornas, que existia uma penhora sobre o prédio licitado, para garantia de 70.042.93€, o ora A. ter-se-ia recusado a pagar as tornas aos restantes interessados.
10a - A lei não define licitação, mas está expressamente consignado no art° 1371°/1., CPC que a licitação tem a estrutura de uma arrematação, por isso os autores definem-na como "negócio jurídico oneroso equiparável à arrematação" ou "arrematação sui generis, em atenção à qualidade dos concorrentes" .
11 a - É pacífico na doutrina e na jurisprudência que é lícito requerer a anulação da licitação nos termos gerais de direito e ainda com base nos art°s 908° e 909°/c), CPC, já que a licitação "tem a estrutura de uma arrematação"(cf. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, VoLlI, 4a Ed., pgs 312° e sgs; e França Pitão, Processo de Inventário, 4a Ed., pg. 215 e 216).
12a - Decorre do disposto no art° 908°/1., CPC, que são 2 as situações em que o arrematante/licitante pode pedir a anulação da venda/licitação:
- Se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais aos direitos da mesma categoria; e
Exista erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado.
13a - No douto Acórdão da Relação de Coimbra, de 7/11/2006, ponderou-se que "a licitação é anulável a pedido do interessado que licitou, ocorrendo vício nos pressupostos do acto (existência de ónus ou limitação que não fosse considerado e erro sobre o bem licitado) - in www.dgsi.pt/jtrc.nsf.
14a - No caso vertente, verificam-se ambos os supra referidos requisitos, já que:
a) - Foi julgado provado que o aqui recorrente não teria licitado o prédio descrito na Verba n010 - identificada na matéria assente em 1.1.- se tivesse conhecimento de que estava pendente um processo de execução, no qual fora requerida e efectivada a penhora do imóvel em causa, para garantia de uma dívida de 70.042,93€ (mais do que o valor do prédio).
b)- Existiu erro sobre a coisa transmitida (objecto da licitação), pois que a mesma foi descrita na Verba n.º 10 da relação de bens, sem quaisquer ónus ou limitações, quando, à data da conferência de interessados, estava pendente um processo de execução, no qual o exequente, BCP- LEASING, SA, já tinha requerido, em 29/03/2005, a penhora do prédio em causa, para garantia do pagamento da quantia exequenda de 70.042,93€ e que, efectivamente, na sequência desse requerimento, o referido imóvel foi penhorado, pelo 1° Juízo da Comarca de Santiago do Cacém, em 9/05/2005.
15a - Acresce que o aqui recorrente, na conferência de interessados, incorreu em erro sobre o objecto do negócio (o prédio supra identificado), previsto no art° 251°, CC e anulável nos termos do art°247°, CC.
16a - Com efeito, só por desconhecimento de que estava pendente um processo de execução, no qual fora já requerida - em 29/03/2005 - a penhora do imóvel em causa, para garantia de uma dívida de 70.042,93€ (mais do que o valor do prédio), é que licitou o mesmo por 50.000€.
17a - É facto notório que qualquer declaratário, no caso a recorrida, não devesse ignorar a essencialidade , para o aqui recorrente, do elemento sobre que recaiu o erro.
18a - Como assim, ex vi art° 247°, CC, sempre a licitação em causa seria anulável (não é exigível nem o conhecimento ou sequer a recognoscibilidade deste por parte do declaratário - Prof. Antunes Varela, C. Civ. Anot., Voll, 4a Ed., pg.233).
19a - Uma vez decretada a anulação da licitação do imóvel, deve ser ordenada a restituição ao ora recorrente, por força do disposto no art°289°,l1., CC, das tornas que pagou aos restantes interessados, respectivamente, à recorrida, Maria ...........,_€27.731,12 e ao interessado SIDÓNIO, €11.134,44 (este, no decorrer do processo, já reembolsou o A.).
20a - Deve ainda correspondentemente proceder-se á emenda da partilha, uma vez que se mostram preenchidos os requisitos consignados no art°1386°/1. CPC erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes, que possibilita a emenda da partilha "ainda depois de passar em julgado a sentença".
21a- Flui do supra exposto que a aliás douta sentença recorrida violou o disposto nos art°s1371°/1, 908°, CPC; e 251°, 247° e 289°, CC, pelo que se impõe a sua revogação.
Termos em que deve ser dado provimento à apelação, revogando-se a aliás douta sentença recorrida e, com a consequente anulação da licitação feita pelo A., na conferência de interessados, sobre o imóvel descrito sob a Verba n010; condenando-se ainda os 1°s RR a restituir ao A. a Quantia de €27.731,12, que dele receberam a título de tornas, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efectivo reembolso; e ordenando-se finalmente que se proceda, em conformidade, à emenda da partilha».
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Contra-alegaram os recorridos pedindo a manutenção da decisão.
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente [1] , os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) [2] , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Das conclusões do recurso resulta que o mesmo tem como objecto apenas saber se existe motivo legal para a emenda da partilha designadamente se ocorreu erro sobre o objecto, que tenha viciado a vontade do declarante, no momento da licitação.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
Dos Factos

Na primeira instância foi considerada provada a seguinte factualidade, que por não ter sido posta em causa, nem haver razões para a alterar oficiosamente, se tem por definitiva:
1) « Correm termos os autos de inventário com o n.o 692/03.9TBSTC deste juízo por óbito de António .......... em que são interessados Arnaldo ............, Maria............... e marido Ar.......... e Sid............ e mulher Rita............ - conforme autos em apenso.
2) Naqueles autos desempenhou as funções de cabeça de casal a ora Ré, Maria..............., a qual, em 21/1 0/2003, sob a Verba n° 10, relacionou o seguinte imóvel: "Prédio urbano de rés de chão ... sito em S. Francisco da Serra, freguesia de S. Francisco da Serra, concelho de Santiago do Cacém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém sob o nº 282/151293, inscrito na matriz da mesma freguesia sob o art° 270 ... " (alínea A) da matéria assente).
3) Oportunamente, o ora A. requereu a avaliação da referida Verba n.º 10. (al. B) da m.a.)
4) O valor atribuído à Verba n.º 10, pelo respectivo Perito, em 28/1 0/2004, foi de 47.500€. (al. C) da m.a.)
5) Na conferência de interessados, realizada em 5/05/2005, a referida Verba n° 10, foi objecto de licitação, sobre o valor-base resultante da avaliação: 47.500€. (al. D) da m.a.)
6) Coube ao ora A. oferecer o lance mais alto - 50.000,00 €. (al. E) da m.a.)
7) Consequentemente, o prédio urbano descrito sob a Verba n.º 10 foi adjudicado na partilha ao ora A., pelo referido valor de 50.000 Euros. (al. F) da m.a.)
8) A ora Ré, Maria..............., por requerimento de 9/06/2005, reclamou o pagamento das tornas. (al. G) da m.a.)
9) Notificado para esse efeito, o ora A. pagou aos restantes interessados as tornas aos mesmos devidas, respectivamente, no valor de 27.731, 12€ e de 11.134,44€, em 02/06/2005 e 23/06/2005. (al. H) da m.a.)
10) A partilha foi homologada por sentença de 17/10/2005, a qual foi notificada aos interessados, através dos seus mandatários, em 21/1 0/2005, tendo transitado em julgado por não ter sido objecto de qualquer reclamação ou recurso. (al. I) da m.a.)
11) Quer a avaliação do prédio em 47.500€ quer a licitação do mesmo por 50.000€ tiveram como pressuposto a inexistência de qualquer ónus, encargo ou responsabilidade incidente sobe o imóvel em questão. (al. L) da m.a.)
12) Em 15/06/2005, o BCP- LEASING, SA, requerera registo de penhora sobre o mesmo prédio, no âmbito do processo de execução n.º 1421/03.2TVLSB, pendente na 2a Secção da 16a Vara Cível de Lisboa. (al. J) da m.a.)
13) Consta do referido processo de execução que o BCP- LEASING, S.A. requereu, em 29/03/2005, a penhora do imóvel descrito sob a Verba n° 10, para garantia do pagamento da quantia exequenda de 70.042,93€. (al. M) da m.a.)
14) E que, na sequência desse requerimento, o referido imóvel foi penhorado, pelo 1 ° Juízo da Comarca de Santiago do Cacém, em 9/05/2005. (al. N) da m.a.)
15) O processo de execução n° 1421/03.2TVLSB, pendente na 2a Secção da 16ª Vara Cível de Lisboa, foi instaurado pelo BCP- LEASING, SA, em 7/02/2003, contra a Sociedade TRANSPORTES AR..........S, LDA, O marido da Ré AR.........., a Ré MARIA ...................., a filha dos lºs RR. (Maria de Fátima..............) º o genro dos lºs RR. (João.......................) com base em 3 contratos de leasing e em 3 livranças, de que a ora Ré foi subscritora, fiadora e avalista. (al. O) da m.a.)
16) Na carta dirigida para a morada Prolongamento Av. Infante D. Henrique, Talhão n° 3 R, ÉVORA, em 10/05/2005, para notificação à ora Ré da penhora efectuada sobre o prédio relacionado sob a Verba n. ° 10, a mesma foi devolvida pelos CTT, com a menção: "mudou-se" (o que só pôde ser consignado por informação da filha ou do genro da Ré). (al. P) da m.a.)
17) Em tempos, a empresa Transportes Ar..........s, teve naquela morada sedeado um escritório. (al. Q) da m.a.)
18) A cabeça de casal, e ora Ré, nunca residiu em Évora - e sim no Roncão - S. Francisco da Serra. (al. R. da m.a.)
19) A ora Ré, seu marido, sua filha eram os únicos sócios da executada principal:
TRANSPORTES AR..........S, LDA. (al. S) da m.a.)
20) A Ré e a filha da Ré, Maria de Fátima, eram, desde 15/11/1993, os únicos gerentes da Sociedade TRANSPORTES AR..........S, LDA. (al. T) da m.a.)
21) Posteriormente à notificação da sentença homologatória da partilha, quando o A. pretendia registar na Conservatória do Registo Predial o prédio urbano que lhe fora adjudicado, veio o ora A. a tomar conhecimento do facto referido em 12. (resposta ao art. 1 ° da base instrutória)
22) A cabeça de casal, e ora Ré, Maria .................., nunca informou o ora A. de que tinha pendente contra si o referido processo de execução nem que o imóvel em causa tinha sido objecto de penhora. (resposta ao art. 3° da B.I.)
23) Por desconhecer tais factos - e confiando na avaliação de fls. 89 dos autos de inventário - é que o ora requerente licitou por € 50.000 o prédio descrito na Verba 10. (resposta ao art. 4° da B.I.)
24) Se o A. tivesse conhecimento, à data da conferência de interessados, que um credor da Maria.................. tinha requerido a penhora do prédio em causa para garantia de uma dívida de 70.042,93€ (mais do que o valor do prédio), o ora A. não o teria licitado. (resposta ao art. 5° da B.I.)
25) E se o A. soubesse, quando lhe foi reclamado o pagamento das tornas, que existia uma penhora sobre o prédio licitado, para garantia de 70.042,93€, o ora A. ter-se-ia recusado a pagar as tornas aos restantes interessados. (resposta ao art. 6° da B.I.)
26) Era para a morada Prolongamento Av. Infante D. Henrique, Talhão n.º 3 R, Évora que a 2a Secção da 16a Vara Cível de Lisboa enviava todas as notificações dirigidas à ora Ré (e aos restantes executados)- (resposta ao art. 9° da B.I.)
27) O BCP- LEASING, SA requereu e conseguiu que fosse efectivada a penhora de um veículo automóvel utilizado pelo genro da ora Ré, o que levou este a escrever uma carta ao Meritíssimo Juiz da 16ª Vara Cível de Lisboa, a queixar-se de tal facto. (resposta ao art. 15° da B.I.)
28) A R. nunca informou o A. da existência contra si do referido processo, ou da respectiva penhora, porque desconhecia o processo ou a penhora. (resposta ao art. 17° da B.I.)
29) O escritório referido em 17) situado na Prolongamento Av. Infante D. Henrique, Talhão n° 3 R, ÉVORA. deixou de existir naquela morada, há cerca de três anos. (resposta ao art. 18° da B.I.)
30) Os RR. também licitaram o prédio, por estarem interessados no mesmo. (resposta ao art. 21 ° da B.I.)
31) Quer os lºs RR. quer os 2°s RR. são casados no regime da comunhão geral de bens, tendo o recebimento das tornas pagas pelo A. beneficiado o respectivo casal. (resposta ao art. 23° da B.I.)».
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O Direito

Tendo em conta a factualidade descrita, o Tribunal “a quo”, julgou a acção improcedente tendo a propósito, fundamentado o seu veredicto nos seguintes termos:
« No caso temos como alegado e provado pelo A. que este, ao licitar o imóvel descrito sob a verba n.O 10 da relação de bens pelo valor de € 50.000,00, o fez convencido que o mesmo se encontrava livre de ónus ou encargos, tal como se encontrava relacionado. Também temos como provado que tal licitação ocorreu em 05.05.2005 e que o referido imóvel, àquela data, encontrava-se, efectivamente, livre de ónus ou encargos, tendo apenas sido efectuada penhora sobre o mesmo a 09.05.2003, a qual veio a ser objecto de registo a 15.06.2005.
Ou seja, no momento em que o A. formou e formulou a sua declaração negocial de aquisição do imóvel em causa (efectuando licitação sobre o mesmo) este encontrava-se livre de quaisquer ónus e encargos que apenas vieram a constituir-se posteriormente.
O A. alega que se soubesse que o prédio que lhe foi adjudicado viria a ser objecto de penhora não o teria licitado, assim, como não teria efectuado o pagamento das tornas em causa.
Ora o erro na formação da vontade pressupõe a existência de circunstâncias contemporâneas da mesma que são desconhecidas do declarante e que, em certos casos, justificam a anulação da declaração (porque se fossem conhecidas ele não teria formado a sua vontade daquela forma e tal facto era do conhecimento do declaratário ou este não podia desconhecê-lo).
Tal como ensina Mota Pinto - "Teoria Geral do Direito Civil", 3° ed., pág. 505 -, O erro-vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido dessa circunstância - se tivesse exacto conhecimento da realidade - o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou.
Não pode, no entanto, consubstanciar uma situação de erro-vicio (ou qualquer outro tipo de erro) a situação descrita e alegada pelo A., porquanto o que sucedeu foi uma alteração da situação jurídica do imóvel que ocorreu posteriormente à formação da sua vontade.
Não existe, assim, fundamento legal para a referida emenda da partilha que o art. 1386°, n.º 1 do Cód. de Proc. Civil condiciona à existência de erro que vicie a vontade das partes que intervieram naquela.
Por tudo o exposto somos de concluir não ter procedência a pretensão formulada pelo A.».
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Não podemos deixar de concordar com a decisão e com a fundamentação de facto e de direito que lhe está subjacente.
A presente acção foi intentada nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 1387º do CPC, por não ter havido acordo quanto à emenda da partilha [3] efectuada nos autos de inventário n.º 692/03 do 2º Juízo do Tribunal da Comarca de Santiago do Cacém e visa o reconhecimento da existência de erro viciante da vontade com influência na partilha, tendo em vista a respectiva emenda.
Segundo o recorrente o erro relevante teria incidido sobre as qualidades do prédio em que licitou e consequentemente afectaria a validade da licitação!
A licitação consiste na oferta por cada interessado de valores sucessivamente mais elevados relativamente a bens integrados em determinado património hereditário, para lhe ser adjudicado na partilha judicial. Este processo corresponde à estrutura de uma arrematação, como aliás impõe o art.º 1371º n.º 1 do CPC. Porém daqui não decorre que se possa qualificar o acto de licitação como um contrato de compra e venda [4] .
«Tendo em conta a forma do acto de licitação e o concernente efeito jurídico, a sua natureza jurídica é a de um negócio jurídico oneroso unilateral tendente à partilha dos elementos integrantes de determinado património indiviso e à concretização do quinhão do respectivo licitante» [5] e como negócio jurídico é susceptível de anulação.
O artigo 1372º do Código de Processo Civil refere-se a uma particular situação de anulação do acto de licitação a requerimento do Ministério Público motivada pela ideia de defesa do interesse de incapazes ou equiparados.
Fora dessa situação, a anulação do acto de licitação é regida em termos substantivos pela lei geral relativa à falta e aos vícios da vontade a que se reportam os artigos 240º a 257º do Código Civil [6] .
. Neste preceitos podemos distinguir o erro na formação da vontade, a que por vezes se chama erro-vício ou erro-motivo, e o erro na declaração, figura de divergência entre a vontade real e a vontade declarada, prevista fundamentalmente no artigo 247º e a que se chama correspondentemente erro obstativo ou erro-obstáculo. No direito chama-se erro à ignorância ou falsa representação de uma realidade que poderia ter intervindo ou que interveio entre os motivos da declaração negocial. Sendo que a declaração é uma decisão volitiva, precedida, no plano psicológico, de uma deliberação, rápida ou demorada, em que o possível autor se representa o possível negócio e o seu circunstancialismo. Ora, nesta representação, podem faltar elementos, ou pode haver elementos que não correspondam à realidade. Quer isto dizer que, em direito, o erro abrange a ignorância [7] .
No erro vicio há coincidência entre o querido e o declarado sendo, contudo, a declaração a consequência de uma errónea representação da realidade.
Ocorre uma “ignorância (falta de representação exacta) ou uma falsa ideia (representação inexacta) por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado de coisas não teria querido o negócio, ou, pelo menos, não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu.” (Prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, Reimpressão, 1992, 233).
Assim, o erro enquanto vício na formação da vontade só existe quando falta um elemento, ou a representação mental está em desacordo com um elemento, da realidade existente no momento da formação do negócio jurídico.
O certo, porém, é que nem todo e qualquer erro tem repercussão no negócio jurídico [8] . Requisito da relevância do erro em geral é aquilo a que, com Castro Mendes, podemos chamar causalidade. Isto é, é preciso que o erro seja “error causam dans”, causa do negócio jurídico nos seus precisos termos. A causalidade implica a inserção de um factor anómalo - justamente o erro, abrangendo a ignorância - no processo volitivo. Processo volitivo esse que, sem a intromissão do erro, teria sido outro e diferente.
Mas acima de tudo é condição primacial para a eventual relevância do erro, que ele exista no momento da formação do negócio jurídico, pois esse é o momento a que se devem reportar tanto a vontade real como a vontade conjectural.
Num negócio unilateral como é o caso das licitações esse momento é o da declaração e se nesse momento os elementos de facto e de direito conhecidos correspondem à realidade é evidente que não ocorre qualquer erro e muito menos erro susceptível de alterar a vontade real que corresponde à vontade declarada. Se após a formação da vontade e a sua manifestação vierem a ocorrer alterações da realidade de facto ou de direito que a, existirem no momento da concretização do negócio, teriam determinado o declarante à não concretização do mesmo, isso já não constituirá erro viciante da vontade [no sentido de haver ignorância (falta de representação exacta) ou uma falsa ideia (representação inexacta) por parte do declarante duma realidade preexistente ou coexistente à formação da vontade] mas antes uma situação de imprevisão perfeitamente inócua e que por isso deixa intocável a validade da declaração e do negócio.
Foi exactamente o que sucedeu no caso dos autos. Na verdade o facto que determinou o A. a requerer a emenda, por alegado erro sobre o objecto do negócio e que, na sua tese, teria afectado a formação da sua vontade, só veio a ocorrer alguns dias após a concretização das licitações...!
No momento das licitações a realidade de facto e de direito coincidia com a realidade conhecida do A. e por isso, nestas circunstâncias de modo algum se pode falar em erro, seja de que natureza for, pela singela razão de que não existe !!!
Improcede pois a apelação.
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Concluindo

Deste modo e sem necessidade de mais considerações, acorda-se na improcedência da apelação e confirma-se a douta sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Registe e notifique.
Évora, em 8 de Julho de 2008.

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( Bernardo Domingos – Relator)

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(Silva Rato – 1º Adjunto)

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( Sérgio Abrantes Mendes – 2º Adjunto)




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[1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado.
Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida.
Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil).
Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa -1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra - 2000, págs. 103 e segs.
[2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[3] Segundo Rabindranath Capelo de Sousa, in Lições de Direito das Sucessões – Vol II, 2ª ed. – reimpressão, Pag. 373, a emenda da partilha judicial por erro terá lugar mesmo que tenha transitado em julgado a sentença homologatória da partilha (1ª parte do n .º 1 do art . 1386º e n.º 1 do art . 1387º do CPCiv) e quer haja acordo de todos os interessados na partilha ou dos seus representantes (art . 1386º do CPCiv) quer não haja tal acordo (art . 1387º do CPCiv), só que, neste último caso, tal emenda tem de ser pedida em acção judicial própria proposta pelo lesado dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença .
Se o conhecimento do erro é anterior à data em que é proferida a sentença, entendeu o acórdão do S . T. J ., de 26 de : Julho de 1940 (RLJ, ano 74º, pág. 10) que a emenda do erro deve ser pedida no incidente de reclamação do mapa da partilha . Se o conhecimento do erro é anterior à data do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha mas posterior à data em que foi proferida tal sentença, sustentou ALBERTO DOS REIS, na qualidade de autor do Projecto do Código de Processo Civil de 1939 (cfr . LOPES CARDOSO, ob . cit., II, págs . 538 e seg e Acta n.º 46, in ROA, 13º, pág. 300), que tal erro devia ser invocado no processo do recurso da mesma sentença. E tais posições parecem-nos as mais ajustadas não só com a letra do n. º 1 do art . 1387 º do Código de Processo Civil, mas também com o facto de, entre nós, o problema da emenda da partilha só se colocar face ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha (art . 1386º, n. º 1, do CPCiv).
[4] «Tendo a licitação a estrutura de uma arrematação[ A arrematação em hasta pública era uma das formas previstas para a venda judicial na acção executiva, anteriormente à reforma do processo civil de 1995-1996 ( n.º1 do art. 883º). ], como escreve Lopes Cardoso[ In Partilhas Judiciais, 1980, vol. 2º, p. 294.], não constitui, porém, uma verdadeira venda judicial, e embora equiparável a este negócio jurídico, busca mais propriamente uma escolha de bens e actualização de valores, na certeza de que não implica desde logo a atribuição da propriedade exclusiva dos bens sobre que recaiu àquele que ofereceu o maior lanço”. A transferência do domínio para o licitante apenas se dá com a sentença homologatória da partilha, devidamente transitada». Ac. da RC de 7/11/2006, proc. n.º 986-A/2001.C, disponível em http://www.dgsi.pt/
[5] Cfr. Ac. do STJ de 3/3/2005, proc. n.º 05B301, relatado pelo Cons. Salvador da Costa, disponível em http://www.dgsi.pt/
[6] O acto de licitação, enquanto acto processual, é também susceptível de ser anulado por virtude do cometimento de nulidades processuais, nos termos gerais do artigo 201º do Código de Processo Civil (artigo 909º, nº. 1, alínea c), do Código de Processo Civil).
[7] Cfr. João de Castro Mendes, "Teoria Geral do Direito Civil", vol. II, págs. 78 e segs.
[8] Segundo o Prof. Castro Mendes. (“Teoria Geral do Direito Civil”, II, 81), há que distinguir entre ;
erro essencial absoluto (a vontade negocial quer o negócio mas a vontade conjectural nada quer) que é gerador de plena anulabilidade; o erro essencial relativo (a vontade negocial quer o negócio mas a vontade conjectural queria outro, que não o celebrado), também gerador de anulabilidade; o erro incidental (a vontade negocial quer o negócio e a vontade conjectural também, mas com alterações de partes acessórias) o que gera a anulabilidade parcial quanto à parte viciada (se não for possível operar a redução ao abrigo do artigo 292º CC, por se concluir que o negócio não seria celebrado sem a parte viciada); o erro essencial parcial (a vontade negocial quer o negócio e a vontade conjectural também mas com alteração de aspectos essenciais) também gerador de anulabilidade parcial; e, finalmente, o erro acidental, ou indiferente (a vontade negocial e conjectural coincidem) que é irrelevante. (cf. ainda o Prof. Carvalho Fernandes – apud “Teoria Geral do Direito Civil”, II, 2001, 153, a defender a existência de essencialidade não só quando a vontade conjectural não celebraria o negócio, mas também quando o celebrasse, ainda que acessoriamente diferente;