Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARTINHO CARDOSO | ||
Descritores: | ROUBO TENTATIVA MEDIDA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 10/30/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
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Sumário: | Deve ser punido como autor de um crime de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 23.º, n.º 2, 73.º, n.º 1 e 2 al.ª a) e b), 210.º, n.º 1 e 2 al.ª b) e 204.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, o agente que tendo-se apoderado numa instituição bancária da quantia global de € 5.225, apenas logrou ficar com a quantia de €230, por, durante a fuga, entre o balcão e a porta de saída dessa instituição, inadvertidamente, ter deixado cair ao chão o restante dinheiro, que logo foi recuperado. | ||
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Decisão Texto Integral: | I Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal colectivo acima identificados, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Olhão, o arguido HC foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenado pela prática de: -- Um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; -- Um crime de roubo agravado, p. e p. pelos art.º 210.º, n.º 1 e 2 al.ª b) e 204.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão; e -- Um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão. Em cúmulo jurídico: 7 anos e 9 meses de prisão. # Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões: I- o Tribunal a quo não apreciou correctamente toda a factualidade probatória produzida na audiência de julgamento e não aplicou com inteira correcção o Direito que o caso em apreço exigia. II- Efectivamente, julgou mal os pontos da matéria de facto que não deveriam ter sido dados como provados ou no sentido em que o foram o que sucedeu com os factos considerados provados 7., 20. e 43. 2ª parte. III- Assim, no roubo que o recorrente efectuou ao banco BPI, o mesmo apossou-se efectivamente da quantia de € 230 e dos cheques, sendo que a quantia de € 4995 não entrou no seu domínio do facto e os cheques não foram apresentados a pagamento pelo arguido, considerando-se apenas o valor do módulo de cheques, que se desconhece. IV- Razão por que se trata de um roubo simples e não de um roubo agravado pelo seu valor elevado, devendo operar-se à desqualificação deste. V- O arguido trabalhou durante anos como servente de pedreiro, exerceu a actividade de mariscador e de colhedor de fruta, recebendo as respectivas remunerações, tendo no respeitante ao trabalho, um percurso de vida caracterizado pela sua inserção laboral. VI- Motivo pelo qual o facto provado 20. do douto acórdão recorrido deve ser considerado como não provado. VII- O recorrente não fez depender "a intenção para parar o seu comportamento aditivo" - actualmente já não consome estupefacientes - "do seu imediato internamento em instituição de tratamento", pretendendo tão-só ingressar numa comunidade de terapêutica para consolidar a sua recuperação de toxicodependência. VIII- As cartas que enviou aos ofendidos e funcionários destes pedindo desculpa nomeadamente desculpa pelos que praticou contra aqueles consubstanciam um sincero arrependimento do recorrente como se verifica pelo teor das mesmas, reiterado em Tribunal. IX- O que é consonante com toda a sua postura no processo de inteira colaboração com a justiça. X- Termos em que lhe deveria ter sido feita uma atenuação especial da pena (art° 72º, n.ºs 1 e 2, al. c) do C. Penal) que erroneamente o Tribunal a quo não fez e agora expresse peticiona para os legais efeitos. XI- Pelo exposto deverá o Tribunal ad quem alterar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que lhe aplique uma pena de prisão especialmente atenuada, em medida não superior a 5 (cinco) anos pelos crimes que cometeu, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição ao regime de prova que entende mais adequado. XII- Foram violadas as seguintes normas: artigos 40º, n° 2, 71°, 72º e 210º do C. Penal e 20°, n.º 4, última parte, da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos e nos mais de direito, deve concedendo-se provimento ao presente recurso alterar-se o douto acórdão recorrido, substituindo-se por outro que lhe aplique uma pena de prisão especialmente atenuada, em medida não superior a 5 (cinco) anos pelos crimes que cometeu, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição ao regime de prova que entende mais adequado. # O Ex.mo Procurador Adjunto do tribunal recorrido respondeu, concluindo da seguinte forma: 1. O Tribunal, após a análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência, fixa a matéria de facto provada, valorando-a sob a égide do princípio da livre apreciação. 2. O que o recorrente pretende colocar em crise é, nem mais nem menos, a convicção em que o tribunal se baseou para proceder ao julgamento da matéria de facto, segundo o princípio da livre apreciação da prova a que alude o dispositivo legal supra (como impõe a lei). 3. Não poderemos de deixar de considerar inócuos os considerandos tecidos pelo ora recorrente sobre o que disse ou deixou de dizer a testemunha e o próprio arguido, cuja convicção não coincidiu com a convicção crítica, isenta e objectiva do julgador, apreciada à luz das faladas regras da experiência comum. 4. O que está em causa é uma diferente convicção ou valoração da prova feita por este necessariamente em conflito, tão só porque lhe é desfavorável. 5. Cabe assim dizer que, o Tribunal a quo indicou com rigor os meios de prova de que se serviu para formar a sua convicção e objectivou, racionalizou e motivou de forma exaustiva as razões que o levaram a dar como provados os factos que suportaram a condenação do arguido ora recorrente. 6. Para a determinação da medida da pena, nos termos do art. 71º do C.P., devem ser tidos em conta o grau de culpa do agente e as exigências de prevenção geral e especial quando aplicadas ao caso concreto, sendo ponderadas todas as circunstâncias que depõem a favor e contra o agente do crime. 7. Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas. 8. A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão. 9. No entanto, cumpre salientar que na douta decisão recorrida foi efectuada uma adequada ponderação quanto à não suspensão da pena a que o arguido foi condenado. 10. Não podemos senão concordar com as doutas conclusões a que chegou o Tribunal a quo, em face do já explanado quanto à nossa concordância pela aplicação de uma pena privativa da liberdade, supra. 11. Destarte, e pelas razões apontadas, entendemos que falecem os pressupostos em que o recorrente faz assentar as razões da sua discordância com a douta sentença sindicada, e que surgem plasmados nas conclusões da motivação do recurso. 12. Não foram, assim, violados quaisquer normativos legais. Termos em que se conclui sufragando a posição adoptada pela Mmª Juiz “a quo” na douta sentença sindicada, julgando-se o recurso interposto pelo recorrente HC improcedente, como é de toda a Justiça. # Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II No acórdão recorrido e em termos de matéria de facto, consta o seguinte: -- Factos provados: 1- No dia 17 de Setembro de 2011, pelas 14h40m, o arguido dirigiu-se ao “Quiosque D”, propriedade de V, sito ...., nesta cidade de Olhão, munido de uma reprodução de arma de fogo (pistola) - da marca “Gohner”, que apontou à empregada do referido estabelecimento - SB - para dessa forma obrigá-la a entregar-lhe todo o dinheiro que tivesse, o que aquela cumpriu de imediato, entregando-lhe a quantia de € 700,00 em numerário. 2- Na posse daquela quantia, o arguido fugiu de imediato do local, apeado, fazendo seu o referido dinheiro, não obstante saber que não lhe pertencia e que agia contra a vontade do seu dono. 3- No dia 30 de Setembro de 2011, cerca das 12h40m, o arguido dirigiu-se à agência do Banco BPI, sita na Avenida..., nesta cidade de Olhão, designadamente ao balcão da funcionária da instituição CS. 4- Aí, disse primeiramente àquela funcionária que queria abrir uma conta e, repentinamente, contornou o referido balcão e, simultaneamente, mostrou à dita funcionária a coronha de uma pistola de plástico, tipo metralhadora - imitação da pistola-metralhadora da marca “Uzi”, modelo “Mini” - que trazia à cintura, para obrigá-la, dessa forma, a entregar-lhe a quantia de dinheiro que tivesse em caixa, dizendo-lhe: “Dá-me o dinheiro, caralho!”. 5- Aquela funcionária do BPI disse ao arguido para levar o que quisesse, tendo aquele aberto a gaveta superior do balcão, donde retirou um módulo (caixa) de plástico contendo €5.225,00 em numerário e 30 cheques recebidos naquele dia para depósito - estes, no valor global de €17.484,21. 6- De seguida, quando se dirigia para a porta de saída do referido Banco, o arguido ainda foi interpelado verbalmente pelo subgerente daquela agência, RC, tendo o arguido sacado da referida arma, que tinha na cintura, e dito que o matava, caso interferisse. 7- Em ato contínuo, o arguido fugiu do local apeado, mas apenas na posse de € 230 em numerário e dos referidos cheques, porque deixou cair, inadvertidamente, o restante dinheiro durante a fuga. 8- O arguido fez seus os referidos cheques, o dinheiro e a caixa plástica preta, dos quais se apoderou naquela agência bancária, pese embora soubesse que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade dos seus donos. 9- No dia 30 de Setembro de 2011, cerca das 20h10m, o arguido dirigiu-se ao “Quiosque xxx”, sito..., nesta cidade de Olhão e tentou forçar a sua entrada lateral do citado estabelecimento. 10- Como não conseguiu entrar no quiosque, posicionou-se em frente ao balcão, munido de uma pistola de plástico, tipo metralhadora - imitação da pistola-metralhadora da marca “Uzi”, modelo “Mini” - que apontou ao proprietário do quiosque - HF - para obrigá-lo a entregar-lhe o dinheiro que tinha em caixa. 11- Todavia, como aquele ofendido HF se apercebeu que a arma do arguido era de plástico, empunhou um ferro junto do arguido, tendo o arguido ripostado, desferindo pancadas na face e mãos do mesmo. 12- Dessa forma, o arguido logrou apoderar-se da quantia de € 590,00 em numerário e fugir do Quiosque 28 de Setembro, apeado, fazendo seu o referido dinheiro, não obstante saber que não lhe pertencia e que agia contra a vontade do respetivo dono. 13- Em consequência da descrita agressão, o ofendido HF sofreu, para além de dores, escoriações na face metade direita e nas unhas da mão direita e hematoma labial superior, que lhe determinaram 6 dias de doença, o primeiro com incapacidade para o trabalho geral e profissional. 14- Daqueles € 590 subtraídos ao ofendido Humberto Francisco, € 350 foram recuperados pela P.S.P. em 30/9/2011, cerca das 21h30m, apreendidos que foram ainda na posse do arguido. 15- No dia 30 de Setembro de 2011, cerca das 21h30m, na Rua do Malhão localizada no Bairro dos Pescadores, nesta cidade de Olhão, o arguido, apercebendo-se que a P.S.P. o procurava, fugiu àquela polícia e, após intercetado, tinha na sua posse: 9 embalagens em plástico contendo no seu interior um produto, sendo a substância ativa presente no mesmo heroína, com o peso bruto de 2,385 g e com a tara de 0,934 g, sendo assim o peso líquido do produto apreendido de 1,451 gramas, mas desconhecendo-se o grau de pureza dessa substância ativa. 16- O arguido atuou nos referidos momentos sempre de rosto descoberto. 17- As armas usadas pelo arguido afiguraram-se aparentemente verdadeiras, pelo menos, à SB e à CS, causando nelas o medo pretendido pelo arguido. 18- Com efeito, a arma da marca Gonher é arma que é suscetível de ser convertida em arma de fogo e facilmente confundível com uma arma da classe B, uma pistola de calibre 7,65 mm. 19- A referida caixa plástica subtraída no BPI pelo arguido foi devolvida àquela agência bancária pela Polícia Judiciária. 20- Não é conhecida qualquer atividade profissional estável e remunerada ao arguido. 21- É consumidor de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína, há cerca de 5 anos. 22- Conhecia o arguido as características e natureza estupefaciente do produto que lhe foi apreendido em 30/09/2011. 23- O arguido destinava o estupefaciente apreendido - que adquiriu com dinheiro de que se apoderou nos moldes supra descritos - ao seu consumo pessoal, de quantidade diária não concretamente apurada, na forma fumada. 24- Ao agir da forma descrita supra nos referidos assaltos ao quiosque D e ao BPI, o arguido agiu em ambas as citadas ocasiões livre, deliberada e conscientemente, portando e mostrando, em cada uma das ocasiões, aos respetivos ofendidos as armas que trazia consigo, com o intuito, alcançado, de os intimidar e fazer temer pela sua vida, por forma a conseguir que lhe entregassem o dinheiro e/ou valores que tivesse na sua posse à data. 25- Ao agir da forma descrita supra no assalto ao quiosque xxx, não tendo o arguido logrado intimidar até à sua retirada do local integralmente o ofendido H com a arma que empunhou perante aquele, lançou então mão da agressão física sobre o mesmo - desferindo-lhe pancadas no rosto e mãos - para dessa forma lograr apoderar-se do dinheiro que aquele tinha em caixa no quiosque, o que conseguiu através da citada violência. 26- Mais sabia o arguido que as suas condutas descritas em 1 a 14 constituíam crime, ao que foi indiferente. 27- O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos de que se encontra acusado. 28- Em 15 de Junho de 2012, o arguido, através de carta, apresentou um pedido de desculpa aos ofendidos. 29- O arguido é originário de um agregado detentor de um estrato sócio-económico carenciado, tendo o seu processo de crescimento decorrido junto do pai e da avó paterna, na sequência da separação dos pais e completa demissão das funções parentais pela mãe. 30- Regista um trajeto escolar pouco significativo, com duas retenções, tendo abandonado a escola após a conclusão do 7.° ano de escolaridade. 31- Iniciou-se no mundo do trabalho como servente de pedreiro, atividade que tem mantido, ao serviço de entidades diferenciadas, de forma irregular. 32- Em paralelo exerce a atividade de mariscador. 33- Apresenta um percurso aditivo iniciado aos 18 anos de idade, com períodos de abstinência e de recaídas. 34- Encontra-se inscrito como utente do I.D.T. desde Agosto de 2001. 35- Esteve por 3 vezes internado em instituições de recuperação, que abandonou sempre no início do tratamento, sendo a última vez no ano de 2011. 36- Na data referida em 1, o arguido vivia com o pai e a avó materna. 37- O agregado habita numa casa térrea, arrendada, de tipologia T2, desprovida de condições adequadas de habitabilidade. 38- Exercia a atividade de servente de pedreiro em moldes irregulares, movimentando-se numa situação económica precária. 39- A situação económica do agregado assenta nas reformas do pai e da avó. 40- O relacionamento com a avó é de grande proximidade, mas não apresentando esta qualquer influência sobre o arguido em termos de modificação de comportamentos. 41- No ano de 2011 deu entrada em comunidade terapêutica em Évora que abandonou passados dois meses, ainda no início do tratamento. 42- Manteve posteriormente programa de substituição com metadona que terminou, já após a sua entrada no estabelecimento prisional de Olhão. 43- Mostra intenção para parar o seu comportamento aditivo, fazendo-o, no entanto, depender do seu imediato internamento em instituição de tratamento. 44- É bastante influenciável, sobretudo da parte do grupo de pares com comportamentos idênticos ao seu. 45- Deu entrada no Estabelecimento Prisional de Olhão em Outubro de 2011. 46- Participou no Programa de Intervenção de Estabilização psico-emocional para reclusos ingressados em EP. 47- Sofreu punição disciplinar por posse de telemóvel. 48- Não lhe são conhecidos antecedentes criminais. # -- Factos não provados: Com relevo para a discussão da causa, não se provaram os seguintes factos constantes da acusação: 1- O produto estupefaciente apreendido tinha o peso líquido de 1,451 gramas. 2- O arguido sabia que a sua conduta de detenção do produto estupefaciente referida em 15 constituía crime. # Fundamentação da convicção: O tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, valorados na sua globalidade. Concretamente, revelaram-se fundamentais para criar a convicção do Tribunal, os seguintes meios de prova: As declarações prestadas pelo arguido, HC, que confessou integralmente e sem reservas os factos de que se encontra acusado, tendo ainda mencionado alguns aspetos das suas condições pessoais e o pedido de desculpa que apresentou aos ofendidos. Pese embora tenha mencionado a quantidade de produto estupefaciente que consumia diariamente (10 panfletos de heroína e 5 de cocaína, os primeiros com o preço individual de € 5 e os segundos com o preço individual de € 10, sujeitos embora a redução face a aquisições de quantidades mais avultadas que não especificou), nessa parte consideraram-se as suas declarações insuficientes para a prova desse facto, atendendo a que o mesmo se mostrava inativo, sendo parcos os rendimentos do seu agregado familiar, sendo, assim, o montante diário de € 50 diários e € 1500 mensais incompatível com tal situação. De resto, não houve qualquer suspeita quanto ao carácter livre da confissão do arguido, tanto mais que vem de encontro ao teor da acusação e aos meios de prova existentes nos autos (autos de apreensão de fls. 41, 48, 66 dos autos principais, de fls. 20 do apenso de inquérito nº 846/11.4PAOLH, de fls. 16, 35 e 58 do apenso 849/11.9PAOLH e de fls. 7 e 8 do apenso 851/11,0PAOLH; autos de reconhecimento de fls. 93 a 104 dos autos principais, reportagem fotográfica a fls. 71 a 75 e fotogramas a fls. 82 a 93 do apenso de inquérito 846/11.4 PAOLH, reportagem fotográfica de fls. 50 a 57 do apenso 849/11.9PAOLH e fotografia de fls. 9 do apenso 851/11.0PAOLH). Foram ainda valorados: quanto às características das armas descritas nos factos provados, o auto de exame e avaliação de fls. 225 e o relatório de exame de fls. 272 a 302; quanto às lesões sofridas por HF, foi valorado o relatório pericial de fls. 71 a 73 do apenso 849/11.9PAOLH. Quanto à característica estupefaciente do produto apreendido ao arguido em 30 de Setembro e sua quantidade, foi valorado o auto de exame do LPC de fls. 332 (original a fls. 378) dos autos principais. Atendendo a que desse relatório não consta o grau de pureza da substância ativa presente e face à quantidade líquida apreendida (inferior a um grama e meio), não se mostra possível concluir se a detenção para consumo pelo arguido constituía crime (como infra melhor se explanará). Por fim, foram valorados, quanto aos demais factos provados, o relatório social de fls. 479 a 482 dos autos principais, a declaração do IDT de fls. 472 e a declaração do EPR de Olhão de fls. 473, em relação às condições pessoais, percurso de vida e comportamento prisional do arguido e o CRC junto aos autos no decurso da audiência, quanto à ausência de antecedentes criminais do mesmo. III De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer. De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes: 1.ª – Que foi por ter avaliado mal a prova testemunhal produzida em julgamento que o tribunal a quo deu como provados os pontos 20 e 43 dos factos provados; 2.ª – Que, em relação ao assalto ao BPI, descrito nos pontos 3 a 8 dos factos provados, no qual o arguido tirou 5 225 € que estavam no balcão dentro de uma gaveta, mas deixou cair 4 995 € durante a fuga, entre o balcão e a porta de saída do Banco para a rua, levando consigo apenas 230 €, este roubo não pode ser punido pelo art.º 210.º, n.º 1 e 2 al.ª b) e 204.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, mas apenas pelo art.º 210.º, n.º 1, do mesmo diploma legal; e 3.ª – Que, ao abrigo do disposto nos art.º 72.º, n.º 1 e 2 al.ª c) e 73.º, do Código Penal, deve ser aplicada ao arguido uma pena especialmente atenuada que não seja superior a 5 anos, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição ao regime de prova que se entenda mais adequado. # Vejamos: No tocante à 1.ª das questões postas, a de que foi por ter avaliado mal a prova testemunhal produzida em julgamento que o tribunal a quo deu como provados os pontos 20 e 43 dos factos provados: Nestes pontos foi dado como provado o seguinte: 20- Não é conhecida qualquer atividade profissional estável e remunerada ao arguido. 43- Mostra intenção para parar o seu comportamento aditivo, fazendo-o, no entanto, depender do seu imediato internamento em instituição de tratamento. Em relação ao ponto 20, começa o recorrente por dizer que o teor do mesmo está em contradição com o provado nos pontos 31, 32 e 38, que dizem o seguinte: 31- Iniciou-se no mundo do trabalho como servente de pedreiro, atividade que tem mantido, ao serviço de entidades diferenciadas, de forma irregular. 32- Em paralelo exerce a atividade de mariscador. 38- Exercia a atividade de servente de pedreiro em moldes irregulares, movimentando-se numa situação económica precária. Com o devido respeito, esta objecção não tem nada a ver com o Direito, trata-se antes de um problema de interpretação de português por banda do recorrente. O recorrente não se apercebeu, no tocante ao ponto 20, que o que aí consta como provado não é que o arguido não tenha qualquer atividade profissional, mas antes que actividade profissional ele até pode ter, só que a mesma não é estável e remunerada, o que sai reforçado por no ponto 31 ter ficado assente que ele vem sendo servente de pedreiro de forma irregular, ser sabido que a atividade de mariscador também é um part-time sazonal e irregular (tal como a apanha da fruta que também refere no ponto 28 e ss. da motivação), bem como que exercia a atividade de servente de pedreiro em moldes irregulares, movimentando-se numa situação económica precária. De forma que as dificuldades do recorrente em relação ao acórdão do tribunal "a quo" são de ordem linguística e não jurídica. Por outro lado, alega o recorrente que da gravação da prova resulta coisa bem diferente do assente como provado naquele ponto 20, de que não é conhecida qualquer atividade profissional estável e remunerada ao arguido. E então para o provar, cita segmentos da prova gravada, entre os quais, no ponto 27 da motivação: arguido: Diz aí que eu não tenho uma profissão conhecida, mas isso não é verdade. Eu trabalhei muitos anos nas ilhas da Ria Formosa e como as obras são ilegais... se calhar é por isso ... como nunca descontei ... Mm.ª: Diz-se aqui que não era conhecida na altura. Não quer dizer que o senhor antes não tivesse tido profissão. Nesta altura o senhor não tinha essa actividade? Nesta altura em que praticou estes factos? arguido: Nesta altura não. Trata-se de mais outra dificuldade de interpretação linguística do recorrente. Por fim, insurge-se o arguido em que o tribunal "a quo" tenha dado como provado que: 43- Mostra intenção para parar o seu comportamento aditivo, fazendo-o, no entanto, depender do seu imediato internamento em instituição de tratamento. E para contraditar estes factos, reproduz declarações do arguido, as quais, a nosso ver, só vêm é comprovar o teor daquele ponto 43. Repare-se: advogado: Queria perguntar ao arguido se nesta fase da evolução dele como toxicodependente, se entende ou não que ainda precisa de mais tratamento, como por exemplo o internamento numa comunidade terapêutica, a fim de reforçar os progressos que já conseguiu realizar e se fez alguma diligência no sentido de ingressar numa comunidade dessas? arguido: Estou consciente que preciso disso. De um tratamento mais... e levá-lo até ao fim. Que é como eu dizia há pouco: não basta só parar de consumir. É preciso ganhar novos hábitos e aprender a estar outra vez na sociedade e viver como uma pessoa normal. Eu quando fui à Juíza de Instrução também falei nesse aspecto e pedi-lhe que me ajudasse (?) e a Dr.ª lá, disse que procurasse uma comunidade. Mmª Juíza: Quem é que disse que deveria procurar ? ... arguido: Quando fui à juíza de Instrução e fiquei de prisão preventiva. Só que no momento não era possível encontrar uma comunidade. Acho que estava tudo cheio. E agora parece que há hipótese. Tenho procurado. Aliás, eu antes de ser preso andar a tentar integrar numa comunidade para fazer um tratamento, desta vez para levá-lo até ao fim. Agora pelo que sei está tudo dependente do que possa vir a acontecer. (de 18:53/31:44 a 20:52/31:44) O que esta conversa não quer dizer outra coisa, senão que o arguido mostra intenção para parar o seu comportamento aditivo, fazendo-o, no entanto, depender do seu imediato internamento em instituição de tratamento. Improcedem, pois, estas objecções. # No tocante à 2.ª das questões postas, a de que, em relação ao assalto ao BPI, descrito nos pontos 3 a 8 dos factos provados, no qual o arguido tirou 5 225 € que estavam no balcão dentro de uma gaveta, mas deixou cair 4 995 € durante a fuga, entre o balcão e a porta de saída do Banco para a rua, levando consigo apenas 230 €, este roubo não pode ser punido pelo art.º 210.º, n.º 1 e 2 al.ª b) e 204.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, mas apenas pelo art.º 210.º, n.º 1, do mesmo diploma legal: A questão a dirimir é, então, a de saber se, como o entendeu a 1.ª Instância, o roubo se chegou a consumar em relação aos 4 995 € que o arguido tirou do balcão de dentro de uma gaveta, mas deixou cair entre o balcão e a porta de saída do Banco para a rua, enquanto fugia após o assalto. Ou, por outras palavras, o que é que o arguido consumou: um roubo agravado, p. e p. pelos art.º 210.º, n.º 1 e 2 al.ª b) e 204.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, referente aos 5 225 €; ou um roubo simples, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, referente apenas aos 230 € que efectivamente conseguiu levar? A consumação ocorre quando a conduta do autor tipifica todos os elementos do respectivo tipo legal, independentemente daquele ter atingido ou não os seus propósitos com a realização de tal ilícito, bastando por isso a sua mera consumação formal, em contraponto com a consumação material ou terminação, como alude Jescheck, no seu "Tratado de Derecho Penal", Vol. II (1981), p. 705. O crime tentado, por sua vez e como resulta do art.º 22.°, n.º 1, do Código Penal, consiste numa realização parcial do correspondente crime, já que aí se estipula que "há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se", precisando-se no seu n.º 2 o que são actos de execução. Assim, na tentativa vai-se para além do acto preparatório, mas sem se chegar à consumação do respectivo crime (sobre as várias fases do iter criminis veja-se também Eduardo Correia, "Direito Criminal. 1- Tentativa e Frustração", 1950). A propósito do crime de roubo (tal como no de furto; o roubo é, para este efeito, um furto praticado com violência; daí que, no tocante ao tema da consumação, quando infra se fala em furto é como se estivéssemos a falar de roubo e vice-versa) têm surgido várias conceitualizações para se precisar ou destrinçar a consumação da tentativa, que vão desde: - a "teoria da contretação" (contrectatio), em que basta pegar ou tocar na coisa, - passando quer pela "teoria da apreensão” (aprehensio), onde é necessário que a coisa seja colocada sob o controle de facto e exclusivo do novo detentor, - quer pela "teoria da ablação" (ablatio), em que é essencial tirar ou levar essa coisa da zona ou local do domínio do anterior detentor, - até se chegar à "teoria da ilação" (iliatio), segundo a qual é necessário que a coisa seja transferida ou recolhida de modo pacifico na esfera de domínio do novo detentor. Ora bem. Eduardo Correia considerava necessário, para considerar verificado o elemento “subtracção”, a posse pacífica da coisa apropriada – o que será certamente uma exigência excessiva. Mas recentemente Faria Costa apresentou um critério menos exigente: o de um efectivo domínio sobre a coisa durante um espaço de tempo mínimo, de acordo com as circunstâncias do caso (Comentário Conimbricense do Código Penal, II, p. 50). Doutra forma, como explica este autor, estaria vedado o recurso à legítima defesa (própria ou alheia) contra o agente do crime quando este entra em fuga na posse dos objectos apropriados, o que seria absurdo. E também estaria prejudicada a relevância da desistência da tentativa e o arrependimento activo (ob. cit., pp. 50-52). Uma interpretação do elemento “subtracção” que elimine a aplicabilidade prática desses institutos do direito penal é evidentemente de afastar, por incoerente com o sistema. Por sua vez, Paulo Saragoça da Matta, em estudo também recente, veio propor um critério idêntico, defendendo que o furto se consuma quando a coisa entra no domínio de facto do agente com “tendencial estabilidade”, por ter sido transferida para fora da esfera do domínio do seu possuidor (“Subtracção de Coisa Móvel Alheia – Os Efeitos do Admirável Mundo Novo num Crime “Clássico”, in Liber Discipulorum para J. Figueiredo Dias, pág. 1026). Parece, assim, adequado optar por um conceito de subtracção que exija uma apropriação relativamente estável, como tal podendo considerar-se aquela que consegue ultrapassar os riscos imediatos de reacção por parte do próprio ofendido, das autoridades ou de outras pessoas agindo em defesa do ofendido. Tanto mais que no roubo, segundo o acórdão do STJ de 16-10-2008, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Arménio Sottomayor, processo 08P221, acessível em www.dgsi.pt, sendo os bens alheios subtraídos pela violência, existindo, portanto, uma proximidade física entre o agente do crime e sua vítima, em que esta poderá, em qualquer momento do processo, ensaiar uma reacção à prática do crime para evitar a respectiva concretização, torna-se bem mais premente a exigência de estabilidade da coisa no domínio de facto do agente para que se tenha o crime por consumado. É essa também a posição de Faria Costa (Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial - Tomo II, pág. 49, §69), que o furto (no nosso caso, o roubo) se consuma quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção. Consuma-se o roubo – acrescentaremos nós – quando o agente se consegue afastar da esfera de actividade patrimonial, de custódia ou de vigilância do dominus, ainda que perseguido venha a ser despojado. De modo que é consensual a ideia de que dos quatro momentos erigidos pela doutrina italiana para definir a localização temporal em que tal situação se verifica, quer a concretatio (que exige o tocar da coisa), quer a illatio (que postula que o agente atinja a sua conservação segura), são critérios actualmente a afastar na definição de tal momento. Como o sustenta o Prof. Faria Costa, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 50-51), sendo indiscutível que para existir furto, o agente tem “de subtrair a coisa da esfera do domínio real de terceiro”, e de a “passar para a sua própria esfera pessoal”, não bastando pois “que o sujeito passivo se veja privado do domínio de facto sobre a coisa, é ainda imprescindível que o agente da infracção tenha adquirido um pleno e autónomo domínio sobre a coisa”. Dito por outras palavras, não será “suficiente o instantâneo domínio de facto sobre a coisa, porquanto é isso um critério que faria, incorrectamente, coincidir ou fazer sobrepor subtracção com domínio de facto (ou até com o apossamento/apropriação), o que traria consequências desastrosas sobretudo para a desistência da tentativa e para o arrependimento activo. Para além disso, uma compreensão que tenha em conta o sentir comum obriga a que se perceba que o domínio de facto exige, ao nível da consciência colectiva, representações que afastem o preciosismo da instantaneidade como elemento único e preponderante para classificarmos o real e efectivo domínio de facto. Na verdade, ninguém compreenderia que ao chegarem ao Banco assaltado e ao verem o ladrão que tentava escapar pela porta com um saco cheio de notas roubadas, a polícia não pudesse exercer o direito de legítima defesa de outrem na medida em que o roubo já estaria consumado, isto é, o ladrão já teria o instantâneo domínio de facto sobre a coisa. Nada de mais irreal e sem qualquer aderência à substância da vida e das coisas.” Ou o caricato de, pela teoria da contrectatio, em que basta pegar ou tocar na coisa, se ter como furto consumado a situação em que o ladrão entrou na caixa forte do Banco, meteu os maços de notas em sacos mas… a porta do cofre fechou-se acidentalmente, deixando-o lá dentro fechado o fim de semana inteiro. Ou, aproximando outro exemplo do caso concreto destes autos, pela ordem de ideias usada pela 1.ª Instância para considerar o furto consumado em relação não só aos 230 € com que o arguido saíu do banco como também aos 4 995 € que deixou cair ao chão antes de sair e não apanhou, então se o arguido entre o balcão e a porta de saída tivesse deixado cair ao chão a totalidade do dinheiro e tivesse saído sem dinheiro algum, tinha consumado à mesma um crime de furto qualificado! Assim e em resumo: o crime de roubo, tal como o de furto, consuma-se quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, ainda que temporária, no domínio de facto do agente da infracção, ou seja, quando este adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, sendo que este não é o instantâneo domínio de facto, já que exige um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa; consuma-se quando o agente passa a poder dispor da coisa. Ora não esquecendo que cada caso é um caso diferente, que são os pormenores de cada caso que definem estar-se perante a tentativa ou a consumação, o que se segue é que, na situação destes autos, o agente não chegou a ter aqueles 4 995 € na sua mão em sossego ou em estado de tranquilidade, embora transitório, de detenção dos mesmos. E tanto assim, que quando entre o balcão e a porta de saída os deixou cair, ou seja, deixou cair quase todo o dinheiro de que lançara mão, nem teve o discernimento de, como obviamente aconteceria com qualquer proprietário, por mais nervoso que estivesse ou estouvado que fosse, de se baixar para apanhar as notas que tinham caído, tal a periclitante situação de detenção em que se achava, a falta de controle e de domínio que tinha sobre essa quantia. Afinal, os 4 995 € nem saíram da agência bancária aonde estavam. E ao deixá-los inadvertidamente cair e não os voltar a recolher, não se pode dizer que o arguido estivesse a dispor deles, como aconteceria, por exemplo, se no exterior da agência bancária tivesse brindado os transeuntes atirando o dinheiro ao ar, ou dando-o a um cego, ou atirando-o para um caixote do lixo – situações em que o agente, por já estar numa posse suficientemente consolidada da coisa, ainda que passageira ou transitória, estava a fazer o que queria dela. Neste assalto a um banco, o simples agarrar no dinheiro e removê-lo do lugar onde estava até poucos segundos depois desajeitadamente o deixar cair para o chão ainda dentro das instalações bancárias e aí o abandonar, fugindo com o resto que não caiu, não permite falar num mínimo plausível de fruição das utilidades do que assim se abandonou, pelo que não há consumação relativamente a essa parte. (No mesmo sentido: Acórdãos STJ de 23-11-1982, processo 036777; de 22-09-1999, processo 99P755; de 21-05-1997, processo 97P437; de 01-07-1993, processo 045258; de 12-09-2007, processo 07P2702; e acórdão da Relação de Lisboa de 24-11-2009, processo 451/08.2PVLSB.L1-5 – todos acessíveis em www.dgsi.pt. sob o descritor *consumação*) Aqui chegados, concluímos pois que, no assalto ao Banco, o arguido consumou apenas um roubo simples, previsto pelo art.º 210.º , n.º 1, do Código Penal, referente aos 230 € que efectivamente conseguiu levar, e punível com pena de prisão de 1 a 8 anos. Em relação aos 4 995 € que inadvertidamente deixou cair, o que temos é que essa quantia faz parte de um roubo agravado na forma tentada dirigido ao apossamento da totalidade do dinheiro a que inicialmente deitou mão (o que ele tenta não é roubar apenas o que deixa cair, mas tudo), isto é, aos 5 225 €, previsto pelos art.º 23.º, n.º 2, 73.º, n.º 1 e 2 al.ª a) e b), 210.º, n.º 1 e 2 al.ª b) e 204.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, e punível com pena de prisão de 7 meses e 6 dias a 10 anos. Ou seja, a consumação do roubo é-o de 230 €; a tentativa do roubo foi-o de 5 225 €. Ou, dito por outras palavras: com a mesma e única conduta, o arguido cometeu dois tipos de ilícito: um roubo simples consumado, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal; e um roubo agravado tentado, p. e p. pelos art.º 23.º, n.º 2, 73.º, n.º 1 e 2 al.ª a) e b), 210.º, n.º 1 e 2 al.ª b) e 204.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal. E então – pergunta-se agora: há aqui um concurso efectivo entre os dois roubos ou há um concurso aparente por consumpção? e se há um concurso aparente por consumpção, qual dos ilícitos é que consome o outro e por qual deles se pune o agente? Figueiredo Dias tratou estes assuntos no seu «Direito Penal, Parte Geral, I, 2.ª ed., pág. 992 a 1038, em termos que passamos a seguir de perto. Assim, da circunstância de a um concreto comportamento ser em abstracto aplicável uma pluralidade de normas incriminadoras não pode concluir-se sem mais estarmos perante um concurso de factos puníveis. Importa, antes de tudo, determinar se as normas abstractamente aplicáveis se não encontram numa relação lógico jurídica tal que, em verdade, apenas uma delas ou algumas delas são aplicáveis, excluindo a aplicação desta ou destas normas (prevalecentes) a aplicação da ou das restantes normas (preteridas); pela razão de que à luz da(s) norma(s) prevalecente(s) se pode já avaliar de forma esgotante o conteúdo de ilícito (e de culpa) do comportamento global. É neste contexto que aparece a figura da consumpção. Ela existe quando o conteúdo de um ilícito-típico inclui em regra o de outro facto, de tal modo que, em perspectiva jurídico-normativa, a condenação pelo ilícito-típico mais grave exprime já de forma bastante o desvalor de todo o comportamento: lex consumens derogat legi consuntce. São casos da vida em que os sentidos e os conteúdos singulares dos ilícitos se interceptam e se cobrem mutuamente, de tal modo que valorá-los na sua integralidade significaria violar a proibição de dupla valoração (ne bis in idem). Os casos de consumpção constituem, assim, hipóteses de pluralidade de normas concretamente aplicáveis e suscitam, por isso, um problema de concurso aparente de crimes, sendo nesse contexto que deve ser tratada. Situações da vida existem em que, preenchendo o comportamento global mais que um tipo legal concretamente aplicável, se verifica entre os sentidos de ilícito coexistentes uma conexão objectiva e/ou subjectiva tal que deixa aparecer um daqueles sentidos de ilícito como absolutamente dominante, preponderante, ou principal, enquanto o restante ou os restantes surgem como dominados, subsidiários ou dependentes; a um ponto tal que a submissão do caso à incidência das regras de punição do concurso de crimes constantes do art.º 77.° do Código Penal seria desproporcionada, político-criminalmente desajustada e em grande parte das hipóteses até inconstitucional por violação do princípio ne bis in idem. A referida dominância de um dos sentidos dos ilícitos singulares pode ocorrer em função de diversos pontos de vista: seja, em primeiro lugar e decisivamente, em função da unidade de sentido social do acontecimento ilícito global; seja em função da unidade de desígnio criminoso; seja em função da estreita conexão situacional, nomeadamente, espácio-temporal, intercedente entre diversas realizações típicas singulares homogéneas; seja porque certos ilícitos singulares se apresentam como meros estádios de evolução ou de intensidade da realização típica global. Assim – e como no caso concreto dos presentes autos –, quando a tentativa de um crime qualificado converge com a realização consumada do crime fundamental, punir por concurso efectivo implicaria violar a proibição de dupla valoração, porquanto, ao nível do ilícito global, se repetiria a tomada em consideração de circunstâncias relevantes para cada um dos tipos legais concorrentes. A solução correcta só pode pois residir na punição por concurso aparente. Punição que deve fazer-se tomando por base a pena mais severa dos tipos em concurso, observando-se o princípio da consumpção. Se a pena mais severa for a que é cominada para o crime qualificado tentado do que para o crime base consumado é aquela a que se aplica pois que, visando os dois preceitos incriminadores, com a pena que estabelecem, a protecção de determinados interesses, mais não se faz que lançar mão do que melhor protecção fornece para a defesa dos interesses concretamente violados. O ilícito fornecedor da moldura penal pela qual o arguido será condenado é o ilícito dominante e acaba por ser o roubo qualificado tentado, sendo o crime base do roubo simples consumado o ilícito dominado. Pode suceder em algum caso que a moldura penal correspondente ao sentido de ilícito dominado, possuindo embora um limite máximo igual ou inferior ao da moldura penal do ilícito dominante, todavia preveja um limite mínimo mais alto do que aquela. O que é o caso dos autos: o roubo simples (que é o ilícito dominado), é punível com pena de prisão de 1 a 8 anos. O roubo agravado na forma tentada (que é o ilícito dominante), é punível com pena de prisão de 7 meses e 6 dias a 10 anos. No ilícito dominado o limite mínimo (1 ano) é mais alto do que o do ilícito dominante (7 meses e 6 dias). Ora a moldura penal do concurso continuará a ser – apesar do mínimo mais alto da moldura penal correspondente ao ilícito dominado – a que cabe ao sentido de ilícito mais gravemente punível, ou seja, a do crime dominante. Só que como o ilícito dominado entrará em conta como factor de agravação da medida concreta da pena a aplicar, é razoável, por isso, que o efeito mínimo dessa agravação não deva permitir a fixação de uma pena concreta inferior ao limite mínimo da moldura penal correspondente ao ilícito dominado. Na verdade, um ilícito preterido (ou dominado) não pode influenciar a medida da pena no sentido de ser considerado e tratado com uma relevância jurídico-penal autónoma que já, de acordo com a essência da unidade de normas, precisamente lhe falta; o que não impedirá que o comportamento através do qual o tipo dominado foi preenchido possa relevar, independentemente da sua tipicidade, no contexto do ilícito dominante prevalecente, como factor de medida da pena a este cabida. Pressuposto, como é evidente, que desta forma não seja violado o princípio da proibição de dupla valoração. Aqui chegados, há pois que fixar a pena concreta ao arguido por este roubo agravado na forma tentada, p. e p. pelos art.º 23.º, n.º 2, 73.º, n.º 1 e 2 al.ª a) e b), 210.º, n.º 1 e 2 al.ª b) e 204.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal. No tocante à escolha e graduação da pena que a um arguido há-de ser imposta, é a medida da sua culpa que condiciona decisivamente a pena concreta a aplicar-lhe. Para além de ser fundamento, a culpa concreta é o máximo de condenação possível e nunca, em caso algum, as razões de prevenção poderão impor uma pena que ultrapasse essa culpa concreta do agente (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias Editorial, pág. 238 e ss.). Do que se trata é de sancionar um delinquente concreto que, num determinado circunstancialismo, cometeu um facto jurídico-penalmente relevante, desvalioso, merecedor de censura penal. Deve assumir-se a pena como sanção adequada, proporcionada aos factos e ao agente, e, procurando-se com ela dar satisfação aos fins de prevenção-ressocialização do agente, evitar-se que outros cometam infracções semelhantes. Há que ponderar, na situação concreta, como elementos ou factores a reflectirem-se na culpa, a gravidade da ilicitude, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram o crime, as condições pessoais do agente e sua situação económica e, em suma, em todo o demais condicionalismo mencionado não só no corpo como nas respectivas alíneas do n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal. No tocante aos presentes autos, norteados por este normativo e ponderando a elevada ilicitude do facto, atendendo ao uso de uma réplica de arma de fogo pelo arguido (de uma pistola metralhadora Uzi), com a qual intimidou a funcionária do Banco mais o subgerente que no entretanto assomou, ao montante do dinheiro de que pretendia apoderar-se (5 225 €) e ao montante do que efectivamente se apoderou (230 €[1]), a ter agido com a forma mais intensa do dolo, ou seja, com dolo directo, a confissão, a ausência de antecedentes criminais (pese embora se não possa olvidar que praticou três roubos num curto espaço de tempo), o seu percurso de vida, marcado por alguma inserção laboral e pelo apoio da avó, mas também pelos consumos de estupefacientes, que o determinaram à prática dos factos, com tratamentos iniciados e não concluídos, mas novo tratamento desde que se encontra recluso, em que já abandonou a metadona – levam a que, tudo visto e ponderado, se tenha por justo e adequado fixar em quatro anos de prisão a pena por este crime de roubo, na forma consumada, ao Banco BPI, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal. Tendo sido redefinida esta pena parcelar do cúmulo jurídico efectuado pela 1.ª Instância, impõe-se agora que reformulemos também esse cúmulo jurídico. Para a fixação da pena única, começa-se por encontrar a medida da pena do concurso, que tem como limite máximo a soma das penas de prisão e / ou de multa concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e 900 dias, tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (art.º 77.º, n.º 2, do Código Penal) e sendo as penas parcelares umas de prisão e outras de multa, esta diferente natureza mantém-se na pena única (art.º 77.º, n.º 3, do Código Penal) – acórdão do STJ de 24-3-99, CJ dos acórdãos do STJ, 1999, I-255. No caso dos autos, a pena única a aplicar ao arguido tem como limite máximo 11 anos e 6 meses de prisão e como limite mínimo 4 anos de prisão. Considerando em conjunto os factos praticados pelo arguido, nomeadamente o número e natureza dos crimes cometidos (três crimes de roubo graves num curto espaço de tempo) e a personalidade do mesmo (por um lado, ausência de antecedentes criminais, mas percurso de vida associado ao consumo de estupefacientes, o qual determinou a prática dos factos objecto destes autos), entende-se como adequado aplicar ao arguido a pena única de sete anos de prisão. # No tocante à 3.ª das questões postas, a de que, ao abrigo do disposto nos art.º 72.º, n.º 1 e 2 al.ª c) e 73.º, do Código Penal, deve ser aplicada ao arguido uma pena especialmente atenuada que não seja superior a 5 anos, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição ao regime de prova que se entenda mais adequado: Decorre do art. 72.º, n.º 1, do Código Penal, que o tribunal atenua especialmente a pena – fora dos casos expressamente previstos na lei – quando houver circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. A atenuação especial da pena deve funcionar quando, na imagem global dos factos e de todas as circunstâncias envolventes fixadas, a culpa do arguido e/ou a necessidade da pena se apresentam especialmente diminuídas, ou seja, quando o caso é menos grave que o "caso normal" suposto pelo legislador, quando estatuiu os limites da moldura correspondente ao tipo: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-3-99, Colectânea de Jurisprudência, 1999, I-247. Com efeito, como flui do n.º 1 do art.º 72.º, do C. Penal, é na acentuada diminuição da ilicitude ou da culpa, ou nas exigências de prevenção, que radica a autêntica "ratio" da atenuação especial da pena. Daí que as circunstâncias enumeradas no n.º 2 do mesmo artigo não sejam as únicas susceptíveis de desencadear tal efeito, nem que este seja consequência necessária e automática da presença de uma ou de mais daquelas circunstâncias – Ac. STJ de 7.12.99, in proc.113 5/99. Ora como circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, o recorrente alegou, fundamentalmente, as de que em julgamento confessou de forma integral e sem reservas a prática dos factos pelos quais vinha acusado, que se mostra arrependido, não tem antecedentes criminais e demonstrou progressos na luta contra a sua toxicodependência. A atenuação especial da pena só deve ser aplicada em casos extraordinários ou excepcionais, isto é, quando é de concluir que a adequação à culpa e às necessidades de prevenção geral e especial não é possível dentro da moldura geral abstracta escolhida para o respectivo tipo: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-1-08, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos deste tribunal, 2008, I-198. Ora o acervo de razões invocadas pelo arguido é muito pouco para diminuir por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. Por exemplo, a ausência de antecedentes criminais, mesmo que entendida no sentido de bom comportamento anterior, «tem escassa relevância quando esse bom comportamento não é superior ao comum e normal nas pessoas da classe do agente da infracção em idênticas condições de vida e de cultura» – acórdão do STJ, de 4-7-1984, Boletim do Ministério da Justiça n.º 339-223. Pelo que improcede esta pretensão do arguido. IV Termos em que, concedendo parcial provimento ao recurso, embora com fundamentação e consequências diversas das pretendidas no mesmo, se decide: 1.º Que o assalto ao BPI, que a 1.ª Instância considerara constituir um crime de roubo qualificado, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 e 2 al.ª b) e 204.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, e pelo qual aplicara a pena de 5 anos de prisão, integra antes a prática de um crime de roubo agravado na forma tentada, p. e p. pelos art.º 23.º, n.º 2, 73.º, n.º 1 e 2 al.ª a) e b), 210.º, n.º 1 e 2 al.ª b) e 204.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, e pelo qual esta Relação decide condenar o arguido na pena de quatro anos de prisão. 2.º Reformular, em consequência, o cúmulo jurídico e fixar a pena única em sete anos de prisão. 3.º Manter no mais a decisão recorrida. 4.º Não é devida tributação (art.º 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). # Évora,30-10-2012 (elaborado e revisto pelo relator, que escreve com a ortografia antiga) João Martinho de Sousa Cardoso Ana Barata Brito __________________________________________________ [1] Como acima se disse, o ilícito dominado entrará em conta como factor de agravação da medida concreta da pena a aplicar. |