Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
417/18.4PCCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANA CAROLINA CARDOSO
Descritores: RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
LIVRE CONVICÇÃO
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
PROVA INDICIÁRIA
PRESUNÇÃO
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
FURTO QUALIFICADO
ESPAÇO FECHADO
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DO JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 32.º, N.º 2, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
ARTIGOS 191.º, 204.º, N.º 1, ALÍNEA F), E N.º 2, ALÍNEA E), DO CÓDIGO PENAL
ARTIGOS 349.º E 355.º DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 125.º, 127.º, E 412.º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.
Sumário:
I – Dentro das regras da experiência, que presidem, a par da livre convicção, à apreciação da prova, podem identificar-se dois grandes grupos: o das leis científicas, que se forma a partir dos resultados obtidos pela investigação das ciências; e o das regras da experiência quotidiana, que assentam na experiência que surge através da observação quotidiana de determinados fenómenos ou práticas e a respeito das quais se pode estabelecer um consenso no sentido de que um determinado conjunto de factos conduz regularmente a um conjunto igualmente determinado de factos, o que permite afirmar com um elevado grau de probabilidade um certo facto histórico. É isto que constitui a prova indiciária.

II – Se a prova directa se faz por perceção, a prova indireta, assente na prova indiciária, faz-se por percepção e presunção, resultando dos artigos 127.º e 125.º do C.P.P. a admissibilidade do recurso a presunções em processo penal.

III – Para que um espaço fechado funcione como qualificativa do crime de furto, nos termos do artigo 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, é essencial que esteja conexionado com a habitação, que exista uma dependência ou enlace estrutural.

IV – Já para a aplicação da qualificativa do artigo 204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal não é imprescindível que o “espaço fechado” esteja em conexão com uma habitação ou estabelecimento comercial ou industrial, identificando-se o conceito de espaço fechado desta alínea com a noção de “espaço vedado ao público”, do artigo 191.º.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I.

RELATÓRIO


1. Por Acórdão datado de 24 de março de 2023, …, foi decidido:

Condenar o arguido pela prática de um crime de furto qualificado, pp. pelo 204.º, n.º 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo prazo de 3 anos, com regime de prova;


*

2. Inconformado com a decisão, dela recorre o …, formulando as seguintes conclusões

4ª Da prova produzida em audiência de julgamento, não resulta, inequivocamente, prova direta de que o arguido tenha assaltado a dita exploração agrícola, no dia em causa ou em qualquer outro.
5ª Os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados são os referidos em 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 dos factos dados provados.
6ª Contudo, analisados todos os depoimentos transcritos e demais elementos de prova, conjugados entre si, a verdade é que se IMPUNHA que se tivesse dado como não provada a matéria factual supra mencionada.
7ª A prova indireta usada no acórdão recorrido não permite concluir pela participação do arguido no assalto à mencionada exploração agrícola.
8ª Com efeito, nenhum agente da PSP, nem nenhuma testemunha, afirmou ter visto o arguido a introduzir-se na propriedade …
9ª A Polícia de Segurança Pública procedeu à inspeção judiciária ao local que foi objeto de assalto, …
11ª Naquele relatório de inspeção judiciária em momento algum se diz que o autor dos factos terá entrado com recurso a escalonamento de rede ou arrombamento de portas, não se verificando documentado, quer naquele relatório, quer na reportagem fotográfica, qualquer rede ou qualquer arrombamento de portas.
13ª Afirma o Tribunal a quo que o ofendido, …, confirmou em audiência de julgamento que seguiu, juntamente com o ofendido …, o rasto dos objetos que estavam caídos junto à rede e pela estrada até à casa onde morava o arguido.
14ª Tal depoimento não se afigura minimamente credível.

18ª Se existisse um qualquer rasto de objetos o mesmo sempre teria sido avistado e, consequentemente, documentado, analisado e examinado pelos agentes que foram realizar a dita inspeção judiciária, que, de resto, como supra se disse, não documentaram qualquer rede ou porta arrombada.

19ª Foram recolhidos vestígios lofoscópicos, pese embora sem qualquer valor de informação, de uma coluna de som que se encontrava junto à rede que delimitava a dita propriedade, o que demonstra, uma vez mais, que tal rasto sempre teria de ter sido detetado pelos agentes que levaram a cabo a dita inspeção judiciária (cfr. auto de notícia e relatório de inspeção).

20ª Razão pela qual os depoimentos dos ofendidos … não merecem qualquer credibilidade, …

21ª Mais, referiram … que, no seu entender, o assaltante terá entrado na dita propriedade agrícola através de escalonamento, baixando e dobrando uma rede que delimita a propriedade, o que, uma vez mais, o Tribunal deu como provado (n.º 2 dos factos dados como provados).

22ª O que, no mínimo, é estranho.

23ª Porque razão o arguido, dando de barato a tese que foi o autor da prática dos factos, vivendo numa propriedade vizinha à que foi alvo de furto, se daria ao trabalho de dobrar e pular uma rede quando podia entrar por um portão que se encontrava aberto?


26ª Mais, por que deixaria o arguido um suposto trilho de bens até onde reside? Seria desleixado e imprevidente a tal ponto?


27ª De todo o exposto é forçoso concluir que o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova.

28ª Por outro lado, afirma-se, no acórdão recorrido, que foram encontrados e apreendidos bens na residência do tio do arguido, …

29ª O facto de o arguido ter na sua posse algum ou alguns dos objetos furtados, não é suficiente como indício seguro e inequívoco, capaz de fundar um juízo de certeza para além de toda a dúvida razoável, e não de mera probabilidade, de que foi ele o autor dos factos.

31ª Os bens constantes do ponto 5 dos factos provados …, foram apreendidos e encontrados na residência onde o arguido vivia e que não era unicamente por si habitada, além de não ser sua propriedade.

32ª E aqui entramos na parte fundamental que respeita aos objetos apreendidos ao arguido e que, alegadamente, se encontrariam na exploração agrícola em questão;

33ª “Alegadamente” porquanto, ao contrário do que se diz no acórdão recorrido, não foi feito qualquer reconhecimento aos objetos que foram apreendidos na casa onde o arguido habitava, que, de resto, foram entregues ao ofendido … e sem precedência de qualquer ato de reconhecimento, constando dos autos apenas um termo de entrega dos aludidos objetos (cfr. fls. 9 dos autos).

34ª Os referidos objetos, mencionados no ponto 5 dos factos provados, nunca foram dados a reconhecer aos seus alegados titulares e, muito menos, em conjunto com outros objetos idênticos àqueles.

35ª Estas conjeturas nada têm a ver com a questão das provas indiretas ou indiciárias já que a jurisprudência tem entendido que este tipo de prova implica sempre demonstração do facto-base através da prova direta, e que esses factos-base se relacionem com o facto-consequência sem sombra de dúvidas, isto é, sem que seja possível retirar do facto-base outro ou outros factos-consequência que não aqueles que consubstanciam a prática do crime.

36ª Assim, não pode afirmar-se que ao arguido, ora recorrente, foram apreendidos bens subtraídos naquela propriedade, uma vez que não se pode afirmar que tais bens se encontravam no dito terreno que os ofendidos amanhavam, nem que deles era pertença; porque nenhum reconhecimento foi feito.


38ª Ademais, a prova produzida em audiência não permite concluir que tenha existido “escalamento” ou “arrombamento”.

39ª O próprio ofendido …, em declarações, referiu que encontrou a porta da adega/ “loja”, onde se encontravam guardados os seus bens e os bens de AA, aberta e que crê que tal abertura possa ter sido feita com o pé ou com as costas.

40ª Daqui resulta que a entrada nos ditos anexos da exploração em questão pelo assaltante se fez pela simples abertura dessas portas, abrindo o respetivo trinco e, portanto, sem qualquer arrombamento, escalamento ou chaves falsas.

42º Também não resulta dos autos a mínima prova que coloque o arguido, ora recorrente, no interior da dita propriedade.

43ª Na verdade, ninguém pode afirmar que viu o arguido e ora recorrente a abrir ou a tentar abrir, a estroncar ou a tentar estroncar a rede e ou as portas dos referidos anexos da exploração agrícola; porque a tal ninguém assistiu, ninguém.

47ª Ainda que com recurso ao Princípio In Dúbio Pro Reo impõe-se que se dê como não provado esse conjunto de factos, isto é, não se provou que o arguido e ora recorrente tenha acedido à dita exploração em causa, tenha estroncado a rede e forçado a abertura de portas, após o que se introduziu nos ditos anexos.

50ª Subsidiariamente, e ainda que assim não se entenda, sempre se dirá ainda o seguinte:

Tendo em conta o local furtado, uma exploração agrícola, isto é, uns terrenos que continham uns anexos de apoio à agricultura, como, de resto, vem dito no acórdão recorrido por diversas vezes, ainda que fechado, não preenche o conceito constante da circunstância qualificativa de “espaço fechado” constante da al. e) do n.º 2 do artigo 204.º do CP.

51ª Assim, discorda o recorrente da qualificação jurídica efetuada pelo tribunal a quo, por se entender que, nesse caso, sempre deveria tal conduta ser enquadrada e punida pela alínea e) do n.º 1, do artigo 204º do CP, com reflexos ao nível da pena.

55ª Acaso, porventura, assim não se entenda, como se deixou exposto, o arguido só poderá ser condenado pela prática do crime de furto previsto no art.º 203.º, n.º 1, do CP.


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3. O Ministério Público, em primeira instância, respondeu ao recurso, sustentando a manutenção do Acórdão recorrido.


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4. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da parcial procedência do recurso, …

[1].

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***

II

ACÓRDÃO RECORRIDO


(transcrição das partes relevantes para o conhecimento do recurso)

«(…) Da audiência de julgamento resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:

1. Em data e hora não concretamente apurada, mas entre as 18.00 horas do dia 19.04.2018 e as 08.15 horas do dia 20.04.2018, o arguido dirigiu-se a uma propriedade integrante da herança aberta por óbito de BB, sita na Estrada ..., cuja exploração agrícola se encontra cedida a CC.

2. Aí chegado, o arguido dobrou e baixou a rede, com cerca de 1,80 metros de altura, que delimita a propriedade e, assim, transpôs a mesma e logrou aceder ao seu interior.

3. Já no interior da propriedade, o arguido percorreu uma zona de quintal até aos anexos.

4. Aí chegado, o arguido, através de método não concretamente apurado, estroncou a porta de acesso a uma loja/adega, onde entrou.

5. Do interior da referida loja/adega o arguido retirou:

                               - uma motosserra da marca Promac 54 Mcculloch, no valor de € 500,00 (quinhentos euros) , propriedade de AA;

                   - uma motosserra da marca Top Son, no valor de € 200,00 (duzentos euros), propriedade de AA;

                   - uma motoserra da marca Oleo Mac, no valor de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), propriedade de CC;

                               - uma roçadora da marca Conta, no valor de € 300,00 (trezentos euros), propriedade de CC;

                   - uma roçadora da marca Kawasaki, no valor de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), propriedade de AA;

                    - duas malas de ferramentas, cada uma no valor de € 50,00 (cinquenta euros), uma propriedade de CC e outra de AA; e

                   - uma extensão, propriedade de CC.

6. De seguida, o arguido abandonou a referida loja/adega, levando consigo os referidos objetos.

7. Em momento não concretamente apurado, mas naquela zona da propriedade, o arguido dirigiu-se até outro dos anexos e, abrindo as portas de correr, logrou entrar no seu interior.

8. Desse anexo o arguido retirou várias garrafas de vinho do Porto, duas tostadeiras, duas colunas e várias garrafas de vinho tinto, com o valor global de cerca de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).

9. De seguida, o arguido abandonou esse anexo e levou consigo os objetos referidos em 8. até junto da rede de vedação da propriedade por onde tinha entrado, e aí os deixou, juntamente com a extensão e a mala de ferramentas de CC, para mais tarde os ir buscar, o que somente não aconteceu por motivo alheio à sua vontade, tendo os mesmos sido encontrados.

10. Após, o arguido abandonou a propriedade levando consigo os objetos referidos em 5., que fez seus, à exceção da mala de ferramentas e da extensão de CC.

11. No dia 20.04.2018, cerca das 14.30 horas, o arguido detinha no interior da residência do seu tio DD, sita na Quinta ..., ..., os objetos referidos em 5.

A convicção do Tribunal quanto à factualidade considerada provada radicou na análise crítica, concatenada e ponderada da prova produzida em julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção do julgador (artigo 127.º do Código de Processo Penal).

Analisemos, em pormenor.

O arguido não prestou declarações.

O ofendido …, que explora a propriedade identificada em 1, relatou que, no dia a que se reportam os autos, quando se deslocou à propriedade … verificou que a adega, onde guardava materiais de sua atividade agrícola, tinha a porta arrombada e que tinham sido retirados, contra a sua vontade, os objetos identificados no ponto 5. Esta testemunha explicou que alguns dos bens retirados pertenciam ao ofendido EE e outros eram seus, confirmando o valor dos objetos que lhe retiraram nos exatos termos em que considerámos provados. Relatou ainda que a propriedade é vedada com uma rede alta, apercebendo-se que quem tinha realizado o assalto tinha entrada depois de baixar esta rede, ficando a mesma dobrada. Explicou, ainda, que de uma cozinha que existe na mesma propriedade retiraram os objetos descritos no ponto 8, que foram levados e encontrados junto à rede dobrada, o que nos permite concluir, apoiando-nos nas regras de experiência comum, do normal ser, que viriam mais tarde buscar os objetos subtraídos.

Esta testemunha explicou, sempre de forma isenta e credível, que, de forma inadvertida, o autor dos assaltos foi deixando objetos caídos na propriedade e depois na estrada. Seguiu estes objetos, acabando por encontrar o último – uma tesoura de podar, sua propriedade – à entrada de casa do arguido. Então, chamou a PSP, que compareceu, efetuou a busca e encontrou os bens furtados na posse do arguido. Fez o reconhecimento dos bens e, posteriormente, foram-lhe entregues ….

O ofendido EE, que acompanhava a testemunha CC no dia a que se reportam os factos, confirmou que, quando chegaram à exploração agrícola, viram a porta do local onde guardavam diversos objetos arrombada, apercebendo-se que tinham levados os bens identificados no ponto 5. Identificou os objetos que eram sua propriedade e o valor dos mesmos. Declarou que a propriedade é vedada por uma rede e que a mesma estava dobrada, presumindo que por ali entraram para efetuar o assalto. Neste local já encontraram objetos da testemunha. Com a testemunha CC seguiram o rasto dos objetos que estavam caídas junto à rede e pela estrada até à casa onde morava o arguido. Chamaram a polícia e recuperaram todos os objetos furtados, que se encontravam na posse do arguido.

FF, herdeira de BB, relatou que foi assaltado anexo existente na propriedade e os bens levados do local e que estão identificados em 8. Também confirmou o valor dos mesmos. Referiu, outrossim, que os bens foram encontrados junto à rede de vedação, certamente para os irem buscar mais tarde.

O agente da PSP …, que se deslocou ao local, confirmou que a porta da adega estava arrombada, que a vedação estava tombada e que, junto à vedação, foram encontrados bens que foram retirados da adega e do anexo referidos.

O agente da PSP … explicou que efetuaram a busca a casa do arguido e que assim recuperaram os objetos furtados que se encontravam na sua posse, …


(…)

Tudo ponderado, este tribunal coletivo considera adequada uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

*

Apesar da instabilidade laboral do arguido, cremos que ainda é possível acreditar que a sua ressocialização se possa fazer em liberdade, porquanto beneficia de apoio familiar, nomeadamente da sua mãe, com quem reside, e vai tendo atividade profissional.

Por todas estas razões, se decide suspender a pena aplicada, pelo prazo de 3 anos, com regime de prova, para evitar a prática de atos semelhantes no futuro (artigos 50.º e 53.º do Código Penal).»


**

III

 QUESTÕES A DECIDIR


… ([9]).

            Assim, são as seguintes as questões a decidir:

a) Impugnação da matéria de facto;

b) Vício de erro notório na apreciação da prova;

c) Violação do princípio in dubio pro reo;

d) Verificação da circunstância qualificativa do furto; e

e) Medida da pena.


*

IV.

APRECIAÇÃO DO RECURSO



A) Impugnação da matéria de facto provada:

Como é sabido, o recurso que tem por escopo a reapreciação da prova encontra-se dependente do cumprimento de requisitos formais, impondo que o recorrente cumpra um tríplice ónus, a saber:
a) Indicar individualizadamente os pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Indicar as provas que impõem decisão diversa, com menção concreta, quanto à prova gravada, do início e termo da gravação, e a citação do ponto concreto da gravação, que fundamente s impugnação; e
c) Indicar as provas que pretende que sejam renovadas, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação.

O recurso em matéria de facto é concebido pela lei como um remédio jurídico para correção de erros de julgamento e de procedimentos devidamente discriminados pelo recorrente, não se destinando a que seja realizado um novo julgamento, com uma reapreciação de toda a prova que fundamenta a decisão recorrida.
Estas exigências recursivas resultam da competência jurisdicional atribuída ao tribunal de recurso: o julgamento da matéria de facto em primeira instância é efetuado segundo o princípio da imediação, sendo assegurado um contato direto e pessoal entre o julgador e a prova, encontrando-se o juiz de primeira instância em melhores condições que o tribunal de recurso para apreender a verdade histórica e, assim, a verdade material. Os princípios da oralidade e da imediação permitem um maior contacto entre o julgador e as provas, que “virão a ser apreciadas por quem assistiu à sua produção, sob a impressão viva colhida nesse momento e formada através de certos elementos ou coeficientes imponderáveis, mas altamente valiosos, que não podem conservar-se num relato escrito das mesmas provas” ([10]).
Esta apreensão não é comparável à que pode ser efetuada pelo tribunal de segunda instância, que procede à audição das provas registadas que lhe forem sugeridas no recurso e sem visualização, ou seja, ficando inibido de verificar as manifestações físicas e expressões das pessoas inquiridas.
Acresce que a primeira instância julga a matéria de facto segundo o princípio da livre apreciação da prova, estabelecido no art. 127º do CPP, ou seja, o julgador aprecia os meios de prova segundo a sua valoração e convicção pessoal.
O que significa que a Relação controla a existência de eventuais erros de julgamento de acordo com o exame crítico da prova efetuado em primeira instância, que se encontra naturalmente vinculado a critérios objetivos jurídico-racionais e às regras da lógica, da ciência e da experiência comum. “Se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com o beneficio da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum”, tornando-se “necessário que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação das regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, que demonstre não só a incorreção decisória mas o absoluto da imperatividade de uma diferente convicção” ([11]).  

Assim, só poderá a Relação concluir pelo erro de julgamento da matéria de facto nos casos em que o recorrente demonstre que a convicção do tribunal de primeira instância sobre determinado facto concreto é inadmissível, porque não foi sustentada por quaisquer dados objetivos, ou porque existem hipóteses decorrentes da prova produzida que impõem resposta diversa à adotada na decisão recorrida.

Analisando a peça recursiva, limita-se o recorrente a insurgir-se contra o recurso à prova indireta efetuado na decisão, arremessando parte dos depoimentos prestados em audiência para concluir ninguém ter assistido a qualquer ato dos provados praticado pelo arguido, não tenso pois sido produzida prova sobre os factos declarados como provados.

A questão que cabe desde logo decidir é se a fundamentação vertida na sentença assenta num meio proibido de prova, no caso a prova indireta.

É sabido que o art. 127º do Código de Processo Penal estabelece que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

A “livre convicção” tem caráter pessoal, é livre, objetivável e motivável, ou seja, capaz de por si se impor aos outros. Trata-se, em primeiro lugar, da credibilidade que merecem os meios de prova ao tribunal, o que depende substancialmente da imediação, no que intervêm elementos não racionalmente explicáveis; e, em segundo lugar, as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, baseadas nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nos conhecimentos científicos (as regras da experiência).

A experiência comum são regras consistentes em realizações empíricas fundadas sobre aquilo que ocorre; têm origem na observação de factos que se repetem de forma rotineira, e que permitem a formulação de uma regra (máxima) potencialmente aplicável em idênticas situações. Decorrem daqui regras que fazem parte do conhecimento do homem comum, relacionado com a vida em sociedade ([12]).

Ora, dentro das regras da experiência que vigoram na nossa sociedade podem identificar-se dois grandes grupos: por um lado as leis científicas e, por outro, todas aquelas ilações que não são mais do que as regras de experiência quotidiana. As primeiras formam-se a partir dos resultados obtidos pela investigação das ciências, enquanto que as outras assentam na experiência que surge através da observação quotidiana, que não exclusivamente cientifica, de determinados fenómenos ou práticas e a respeito das quais se pode estabelecer um consenso ([13]).

A máxima da experiência constitui uma regra a partir de casos semelhantes que exprime o que sucede na maior parte dos casos. Utilizando a experiência relacionam-se os factos e extrai-se dos mesmos um juízo; a partir deles, infere-se que um determinado conjunto de factos conduz regularmente a um conjunto igualmente determinado de factos, o que permite afirmar com um elevado grau de probabilidade um certo facto histórico.

É isto que constitui a prova indiciária.

Se a prova direta se faz por perceção, a prova indireta, assente na prova indiciária, faz-se por perceção e presunção. O recurso a presunções é admitido em processo penal, conforme decorre dos arts. 127º e 125º do Código de Processo Penal, importando recordar que o Código Civil estabelece que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (arts. 349º e 355º do Código Civil).

Assim, “o juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova direta do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e às circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta, só por si, conduzir à sua convicção” ([14]).

Finalmente, importa considerar que para que a prova indireta, circunstancial ou indiciária possa ser tomada em consideração, exigem-se os seguintes requisitos:
Ø Uma pluralidade de factos-base ou indícios;
Ø Que tais indícios sejam suportados por prova direta;
Ø Que sejam periféricos do facto a provar, ou interrelacionados com esse facto;
Ø A racionalidade da inferência;
Ø A expressão, na motivação do tribunal a quo, de como chegou à inferência;
Ø Não sendo admissível que a demonstração do facto indício base da inferência seja, também ele, obtido através de prova indireta ([15]).
Passemos ao caso concreto:

Da fundamentação constante da decisão recorrida, retira-se que o tribunal a quo analisou uma panóplia de provas absolutamente credíveis, extraídas, através da experiência, de outros meios de prova produzidos, racionalizou-as e a partir delas inferiu, por dedução, os factos que assentou.

O que nesta sede se impõe analisar é se a linha de raciocínio plasmada na fundamentação de facto vertida na decisão recorrida assenta na lógica e nas regras da experiência comum, tendo em consideração a argumentação recursiva.

Assim, o tribunal a quo confrontou as declarações das testemunhas, o facto de terem sido encontrados objetos furtados no mesmo dia da prática do crime em casa do arguido (sem que este tenha dado qualquer explicação, sendo certo que se é verdade que o direito ao silêncio não pode prejudicar o arguido, também significa que não é suficiente para o beneficiar), os autos de fls. 23 e 27, a descrição do modo de entrada na propriedade e abandono de objetos junto da rede, inferindo a partir destes dados objetivos que a autoria dos factos só pode ter sido do arguido.

Na peça recursiva, o recorrente não coloca em causa a descrição objetiva de todos os meios de prova que sustentaram a convicção do tribunal coletivo, limitando-se a discordar da avaliação efetuada na conjugação dos meios de prova, donde decorreu a inferência que pretende contrariar.

Desde logo, atente-se que da motivação de facto resulta que o tribunal respeitou todos os requisitos acima enunciados para chegar à inferência objeto da discordância do recorrente: ter sido ele o autor dos factos descritos nos autos. 

Deste modo, não recorreu o tribunal a quo a qualquer meio proibido de prova para a formação da sua convicção.

Quanto à impugnação de facto propriamente dita, é mister concluir que a peça recursiva não cumpre os requisitos acima enunciados, a que se referem o art. 412º, n.º 3, do Código de Processo Penal, pressuposto da apreciação da mesma impugnação. …

… ([16]).


*

Impõe-se assim, pelo exposto, rejeitar o recurso incidente sobre a impugnação da matéria de facto.


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B) Vício de erro notório na apreciação da prova:


Estabelece o art. 410º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal:

            …

            O erro notório na apreciação da prova consiste na desconformidade entre os factos provados e a prova produzida em audiência, o erro ostensivo e evidente que qualquer homem de formação média dele dá imediatamente conta, através do que consta da decisão recorrida, por se fundar em juízos ilógicos, arbitrários ou que desrespeitem as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis ([17]).

            Acresce que os vícios a que se reporta o n.º 2 do art. 410º referido terão de resultar do texto da decisão recorrida, o que, como decorre da análise já efetuada no ponto anterior, não se verifica no caso.

            Na realidade, a fundamentação vertida na sentença proferida obedece a critérios lógicos e conformes à experiência comum – que, aliás, impõe que se extraia a autoria dos factos da forma efetuada, com exclusão de outra, por ser a que confronta corretamente as provas produzidas, inferindo a factualidade que não resulta de prova direta de modo irrepreensível, tendo em conta os critérios do normal acontecer.

            Improcede igualmente nesta parte o recurso.


*

C) Violação do principio in dubio pro reo:


O recorrente invoca ter sido violado este comando constitucional, previsto no art. 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa da seguinte forma: “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.”

Decorrendo do principio da presunção da inocência, o princípio in dubio pro reo impõe que o tribunal, em caso de dúvida, decida a favor do arguido – constituindo assim um limite normativo da livre apreciação da prova, consagrada no art. 127º do CPP. Significa que, em caso de persistência de uma situação probatória incerta, de uma dúvida razoável, que impeça a formação de uma convicção segura pelo tribunal após a produção de prova, este tem de atuar de modo favorável ao arguido.

Ora, em sede de recurso o princípio in dubio pro reo só opera se da decisão recorrida resultar a sua violação, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. No caso, não resulta da decisão recorrida que ao tribunal coletivo tenha restado qualquer dúvida incidente sobre a factualidade que deu como provada, ou sobre o processo de formação da sua convicção. Pelo contrário: o que se retira da fundamentação vertida na decisão recorrida é uma análise cuidada e profunda dos meios de prova produzidos, alicerçando a sua convicção na prova documental e pessoal produzida, destrinçando as provas convergentes, e usando de modo lógico e racional os juízos fácticos decorrentes da experiência comum.

Inexiste, pois, qualquer violação do princípio in dubio pro reo.


*


D) Verificação da circunstância qualificativa do crime de furto:

O recorrente foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, n.º 2, al. e), do Código Penal.

Prevê a norma incriminadora a seguinte conduta: “Quem furtar coisa móvel ou animais alheios penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas”.

Quanto ao modo de entrada na loja/adega, encontra-se provado sob o ponto 4 que o arguido estroncou a porta de acesso, não havendo dúvida de preencher a definição de arrombamento estabelecida no art. 202º, al. d), do Código Penal.

A questão que pertinentemente se coloca é o preenchimento do requisito objetivo outro espaço fechado, uma vez que tal barracão/adega não constitui habitação nem estabelecimento comercial ou industrial.

Na verdade, como bem refere o Sr. Procurador-geral Adjunto no douto parecer que emitiu, o espaço fechado a que a norma se refere é o que se encontra dependente da habitação ou estabelecimento, apenas preenchendo tal noção os espaços dependentes, limítrofes ou anexos a habitação ou estabelecimento comercial ou industrial ([18]). Deste modo, para que um espaço fechado, como é os que estão em causa nos autos, funcione como qualificativa do crime de furto, é essencial que este esteja conexionado com a habitação; se não existi8r essa relação de dependência ou enlace estrutural, o espaço fechado fica fora do âmbito de proteção da norma ([19]).

Ora, os factos aqui em causa foram cometidos numa propriedade onde funciona uma exploração agrícola (facto provado em 1), em dois anexos (factos 3-4 e 7). Nos factos tais anexos encontram-se denominados como “loja/adega”, não preenchendo, pois, o elemento típico exigido na qualificativa em análise, por não ser referido em lado algum que tais anexos se encontravam dependentes de uma habitação ou estabelecimento comercial ou industrial ([20]).

Fica pois afastada a qualificativa prevista na al. e) do n.º 2 do art. 204º do Código Penal.


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No entanto, estabelece a al. f) do n.º 1 do mesmo art. 204º: “Quem furtar coisa móvel ou animal alheios introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias”.

Tem sido objeto de controvérsia saber se o conceito de “espaço fechado” empregue nesta alínea f) do nº 1 do artigo 204º do CP é ou não equivalente ao que corresponde a essa expressão que consta da al. e) do n.º 2 do mesmo artigo 204º (exigindo-se nesta, além do mais, o escalamento, arrombamento ou uso de chaves falsas).

Para os que defendem a equivalência do conceito numa e noutra das referidas alíneas, o elemento que as diferencia é a forma como se dá a introdução do agente no “espaço fechado”: se ocorrer por arrombamento ou por escalamento, estará preenchida a al. e) do nº 2 do artigo 204º; se não se verificar tal requisito, a qualificativa a aplicar será a da al. f) do n.º 1 do artigo 204º.

No entanto, a redação das normas é distinta quando se refere ao “espaço fechado”: “introduzir-se ilegitimamente” tem um significado diferente e menos exigente que o “penetrando”, que inclui naturalmente o primeiro, sendo porém mais exigente no que respeita à qualidade que assume o espaço em causa; por outro lado, a al. e) do n.º 2 contém a proposição “ou outro espaço fechado”, enquanto a al. d) do n.º 1 omite a expressão “outro”, diferença significativa para a sua interpretação.

Acresce que o conceito de “espaço fechado” empregue na al. f) do nº 1 do artigo 204º do Código Penal não tem a mesma abrangência do constante da al. e) do nº 2 do mesmo artigo 204º, uma vez que, enquanto na alínea e) do n.º 2, esse conceito tem de ser interpretado e conjugado com as definições legais de “penetrar por arrombamento ou escalamento” que constam das alíneas e) e d) do artigo 202º do Código Penal, já na alínea f) do nº 1 tal não acontece.

Ou seja, para a aplicação da qualificativa do artigo 204º, nº 1, al. f), do Código Penal não é imprescindível que o “espaço fechado” esteja em conexão com uma habitação ou um estabelecimento comercial ou industrial, pois estes elementos agravantes típicos não são cumulativos ([21]).

De facto, seguimos o entendimento, já maioritário na jurisprudência, que a norma legal transcrita não faz depender que o mencionado “espaço fechado” seja anexo ou integrante de qualquer habitação, estabelecimento comercial ou industrial, desde logo pelo elemento linguístico “ou”. Efetivamente, para o preenchido da alínea em apreço basta a introdução “em habitação, ainda que móvel”, em “estabelecimento comercial”, em “estabelecimento industrial” ou “em espaço fechado”.

O “espaço fechado”, tipicamente agravante, para efeitos da al. f) do nº 1 do artigo 204º, identifica-se com a noção de “espaço vedado ao público” do artigo 191º do CP, sendo assim fechado todo o espaço que se encontra vedado ou cercado e que não é de acesso livre.

Pelas razões mencionadas, a conduta do arguido integra o crime de furto qualificado previsto na al. f) do n.º 1 do art. 204º do Código Penal.

Procede nesta parte parcialmente o recurso do arguido.


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E) MEDIDA DA PENA:


Atendendo à nova qualificação jurídica efetuada, cumpre determinar a pena adequada ao mesmo, sendo que o crime de furto simples é punível com pena de multa até 600 dias ou com pena de prisão até 5 anos (art. 203º, n.º 1, do Código Penal) ([22]).

O recorrente não coloca em causa as circunstâncias atendidas na 1ª instância na determinação da pena concreta, que desta forma se mantêm, na parte aplicável à qualificação agora efetuada.

Os quadros normativos relativos à finalidade das penas determinam que a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum poderá ultrapassar a medida da culpa - artigo 40º, nºs1e 2, do Código Penal. A determinação da sua medida faz-se em função da culpa e das exigências de prevenção – artigo 71º, nº1, do Código Penal, devendo a pena, que é destinada a proteger o mínimo ético-jurídico fundamental, cumprir o seu especial dever de prevenção.

Entre aquele limite mínimo de garantia da prevenção e máximo da culpa do agente (culpa que, naturalmente, é insuscetível de ser medida com exatidão), a pena é determinada em concreto por todos os fatores do caso, previstos nomeadamente no nº 2 do referido artigo 71º, que relevem para a adequar tanto quanto possível à ilicitude da ação e culpa do agente.

 Neste sentido, a culpa (pressuposto-fundamento da pena que constitui o princípio ético-retributivo), a prevenção geral (negativa, de intimidação ou dissuasão, e positiva, de integração ou interiorização) e a prevenção especial (de ressocialização, reinserção social, reeducação, mas que também apresenta uma dimensão negativa, de dissuasão individual) representam três exigências atendíveis na escolha da pena, principio este tendencial uma vez que podem apresentar incompatibilidade.

O crime praticado pelo arguido é punível, em alternativa, com pena de multa ou pena de prisão, impondo a lei que o tribunal dê preferência à primeira sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No caso, o arguido conta já com passado criminoso, tendo anteriormente condenado pela prática do mesmo crime contra o património, não se mostrando suficiente a aplicação da pena de multa para o afastar do percurso criminoso.

Considerou o tribunal coletivo, no acórdão sob recurso, as seguintes circunstâncias:

- As muito elevadas necessidades de prevenção geral, atenta a quantidade de crimes de furtos praticados no nosso país;

- Serem os factos de mediana ilicitude, atendendo ao valor dos objetos furtados;

- As diminutas consequências do crime, tendo os objetos sido recuperados;

- O grau de culpa elevado do arguido;

- Os antecedentes criminais do arguido, que conta com condenações pela prática de 5 crimes de furto (antes e depois dos factos aqui em causa);

- As condições em que foi criado e ser consumidor esporádico de haxixe para lidar com as suas emoções.

Numa moldura abstrata entre 1 mês e 5 anos de prisão, entende-se adequada às circunstâncias enunciadas a fixação da pena de prisão em 1 ano e 6 meses.

Mostram-se integralmente válidas as razões enunciadas na decisão sob recurso para a suspensão da execução da pena de prisão, não sendo suficientes no caso concreto, face às condições pessoais do arguido, as restantes penas de substituição legalmente aplicáveis.

Assim, mantém-se a decisão nessa parte, bem como a sujeição da pena de substituição a regime de prova, nos termos do art. 53º, n.º 1, do Código Penal, entendendo-se adequado fixar o prazo da suspensão da execução da pena de prisão em 2 anos.


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V.

DECISÃO


Pelas razões expostas, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido GG, decidindo-se:

- Condenar o arguido, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, n.º 1, al. f), do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão, cuja execução se suspende pelo prazo de 2 (dois) anos, sujeita a regime de prova.

Sem tributação.

Coimbra, 11 de outubro de 2023

Ana Carolina Veloso Gomes Cardoso (relatora – processei e revi)

Cristina Pêgo Branco (1ª adjunta)

Alcina da Costa Ribeiro (2ª adjunta)





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[8]
[9]
[10] Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português – Do Procedimento, Univ. Católica Ed., pág. 212.
[11] Ac. desta Relação de 4.5.2016, no proc. 721/13.8TACLD.C1; cf. ainda o Ac. RC de 12.9.2012, no proc. 245/09.8GBACB.C1, em www.dgsi.pt.
[12] cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Verbo Ed., págs. 182 a 188.
[13] Cf. Santos Cabral, citando Jaime Torres, em “Prova Indiciária e as Novas Formas de Criminalidade”, intervenção de 30.11.2011, disponível em www.stj.pt. V. ainda, do mesmo A., o artigo “Prova Direta e Indireta”, in “Da Prova Indireta ou por Indícios”, CEJ, julho de 2020, Coleção Temas, 01, disponível em www.cej-justica.gov.pt.
[14] cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 17.6.2010, no proc. 806/03.TBMGD.C1.S1, em www.dgsi.pt.
[15] Cf., a título exemplificativo, o Ac. desta Relação de Coimbra de 21.3.2012, rel. Paulo Valério, proc. 460/10.1JALRA.C1, em www.dgsi.pt.
[16]
[17] cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8ª ed., pág. 72 e ss., e Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Do Procedimento, Univ. Católica, 2018, pág. 323 e ss
[18] Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3ª ed., pág. 806.
[19] Faria e Costa, “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, tomo II, vol. 1, 2ª ed., 2022, págs. 16 e ss. e 38 e ss.
[20] No mesmo sentido, Ac. da RC de 30.10.2013, proc. 11/10.8GCCTB.C1, em www.dgsi.pt
[21] Ac. Acórdãos da Relação de Évora de 14/04/2020, proc. n.º 1258/16.9T9LSB.E1, de 25.1.2022, pro. 89/199GCPTG.E1, de 06/11/2018, proc. 39/14.9GDSTC.E1 e de 10/12/2009, proc. 43/07.3GEELV.E1; e ainda o Acórdãos da RP de 20/11/2013, proc.1308/11.5GAMAI.P1, de 21/2/2018, proc. 784/14.9GBVNG.P10; e ainda desta Relação de Coimbra de 7.6.2023, proc. 220/19.4T9ACB.C1, todos em www.dgsi.pt
[22] acresce ter sido deduzido atempadamente o direito de queixa pelos ofendidos.