Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JOÃO MOREIRA DO CARMO | ||
Descritores: | PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL PRINCÍPIO DA ADESÃO PEDIDO EM SEPARADO ÓNUS DE ALEGAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/28/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA POR UNANIMIDADE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 71.º E 72.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E ARTIGO 342.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | I - O art.º 71.º do CPP impõe que o pedido de indemnização cível fundado na prática de um crime seja deduzido obrigatoriamente no processo penal e o art.º 72.º do mesmo código prevê excepções a este princípio, cabendo ao lesado, autor na acção cível em separado, o ónus de alegar, na petição e vir a provar os factos que são pressuposto de alguma dessas excepções.
II - Se o A. não invocou na petição a excepção prevista na d) do nº 1, do referido art.º 72º do CPP, o tribunal não podia dar relevo à mesma, ainda que para a declarar não verificada, não podendo, depois, o A. vir em recurso pugnar pela verificação de tal excepção que oportunamente não invocou/alegou. III - A dedução de pedido cível em acção autónoma, previamente à queixa-crime, equivale à renúncia ao direito de queixa, não estando, contudo, prevista qualquer cominação para o caso em que se deduz o pedido cível posteriormente à queixa-crime; pelo que o titular do direito à indemnização civil por crime cujo procedimento dependa de queixa, pode sempre exercê-lo perante o tribunal civil. | ||
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Decisão Texto Integral: |
1. AA, com residência em ..., intentou, em 4.11.2020, acção declarativa contra BB, com residência em ..., peticionando a condenação do réu a pagar-lhe 319,11 € a título de danos patrimoniais e de 25.000 € enquanto compensação por danos não patrimoniais. Alegou o autor, como questão prévia que está em causa um crime de ofensa à integridade física simples, p.p., nos termos do art. 143º do CP, pelo que o ofendido poderá deduzir o pedido de indemnização cível, em separado, no Tribunal Civil, cumprindo, assim, os pressupostos do art. 72º, nº 2, do Cód. Proc. Penal, designadamente por se tratar de um crime de natureza semipúblico e por isso dependente de queixa. Deste modo, não tendo o ora demandante deduzido pedido de indemnização cível no processo crime que correu termos no Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., no âmbito do processo nº 65/19...., fá-lo agora em separado. Quanto aos factos, alegou, em síntese, que, conforme provado no acórdão desse Juízo Central, datado 13.7.2020, no dia 22.1.2018 o ali arguido e aqui réu agarrou o autor pela camisola, desferindo-lhe vários murros de forma intensa e repetida na zona da cabeça e, indiscriminadamente, por todo o corpo, tendo resultado de tal ofensa na sua pessoa diversas lesões físicas – devidamente discriminadas naqueles autos –, vindo assim peticionar nesta lide os consequentes danos patrimoniais – 12 dias com afectação de capacidade de trabalho e despesas médico-farmacológicas – e não patrimoniais. O réu contestou, pugnando pela sua absolvição, porquanto com a presente demanda não acatou o autor o princípio da adesão obrigatória do pedido cível ao processo penal, plasmado no art. 71º do CPP, não havendo lugar à excepção àquele prevista no art. 72º, nº 2, do referido código. Inobservância que conduz, à absolvição da instância por violação das regras de competência material. Impugnou diversa factualidade alegada pelo demandante. O autor respondeu, dizendo que as exceções ao princípio da adesão são taxativas e a que ele suscita está consagrada na c), do nº 1, do art. 72º do CPP, que é a do procedimento criminal depender de queixa ou de acusação particular, inexistindo qualquer incompetência. Em despacho pré-saneador o tribunal a quo ordenou a audição das partes, por entender que já podia conhecer da aludida questão de incompetência material, por estar, ou não, preenchida a excepção prevista no art. 72º, nº 1, c) do CPP, lido em conjugação com o nº 2 do mesmo preceito. * Foi proferido despacho saneador-sentença que julgou verificada a incompetência em razão da matéria, e, em consequência, absolveu o R. da instância. * 2. O A. recorreu, concluindo que: I. O presente recurso tem como objeto a matéria de direito proferida no Saneador Sentença, a qual julgou verificada a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria invocada pelo Réu, tendo-o, em consequência, absolvido da instância. II. Por acórdão transitado em julgado, datado de 13 de julho de 2020, nos autos de processo sob o nº 65/19...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal, Juiz ..., foi o aqui Recorrido condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p.e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal III. Estando em causa um crime de ofensa à integridade física simples, p.p., nos termos do artigo 143.º do CP, o recorrente deduziu o Pedido de Indemnização Cível, em separado no Tribunal Civil. IV. Tendo o Tribunal decidido por Saneador Sentença, a absolvição do ora recorrido da instância, por verificação da exceção dilatória de incompetência em razão da matéria. V. O ora recorrente discorda veementemente da decisão, ora em crise e, salvo o devido respeito, a douta Sentença padece de vários erros de julgamento, fazendo por isso uma incorreta interpretação e aplicação do direito. VI. O artigo 71.º do CPP consagra como regra, a obrigatoriedade da adesão do pedido cível à ação penal e como exceção a dedução do pedido civil fora do processo penal, plasmado no artigo 72.º do CPP. VII. As exceções ao princípio da adesão são taxativas e a que o recorrente suscitou está consagrada na alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP, que é a do procedimento criminal depender de queixa ou de acusação particular. VIII. Ora, o crime que fundamenta o pedido de indemnização civil deduzido pelo recorrente é o crime de ofensa à integridade física simples, p.p., nos termos do artigo 143.º, do CP, e que depende de queixa. IX. Pelo que, não tendo, in casu, o recorrente deduzido no processo-crime o pertinente pedido cível, podê-lo-ia fazer – em 04 de novembro de 2020, quando a petição inicial deu entrada -, em separado, perante o tribunal cível, enquadrando-se, tal circunstância, na hipótese prevista na alínea c) do n.º 1, do artigo 72.º do Código de Processo Penal. X. O Saneador Sentença padece de erro ao concluir que o Recorrente não deduziu, autonomamente o pedido cível até à publicação do acórdão, com as consequências previstas no n.°2 do artigo 72.º, e por isso não pode agora findo o processo criminal vir deduzi-lo. XI. Estabelece o n.º 2 do artigo 72.º do CPP que “No caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação particular, a prévia dedução do pedido perante o tribunal civil, pelas pessoas com direito de queixa ou de acusação, vale como renúncia a este direito”. XII. Assim, a lei estabelece uma exceção ao princípio da adesão obrigatória para os casos em que o procedimento depender de queixa e esclarece que a prévia dedução do pedido perante o tribunal civil, vale como renúncia ao direito de queixa. XIII. Reportando-se assim o n.º 2 à dedução do pedido Cível antes da instauração do processocrime. E por isso, não fazendo a lei qualquer referência à dedução do pedido cível posteriormente à queixa-crime, esta não está contemplada no n.º 2 do artigo 72.º do CPP, operando assim o estipulado na alínea c) do n.º 1, que permite deduzir o pedido cível em separado nos tribunais cíveis. XIV. Deste modo, o Tribunal a quo fez uma incorreta apreciação da norma prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP, ao considerar que o ora recorrente não poderia deduzir o Pedido de Indemnização Cível com fundamento nessa norma. XV. Assim, o recorrente nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP tem legitimidade para deduzir o pedido de indemnização cível nos tribunais civis e consequentemente não está precludido o direito de instaurar o referido pedido de indemnização civil. XVI. O tribunal a quo andou mal ao considerar também a inaplicabilidade do disposto na parte final da al. d) do n.º 1, do CPP, que estatui que “O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando: (...) d) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão.” XVII. Ora, à data da acusação não era conhecida a extensão integral dos danos pela simples razão que ainda estavam em curso e se ignorava quando cessariam. XVIII. Com efeito, o aqui recorrido sem a devida contabilização temporal dos danos sofridos, e porque se encontrava ainda em recuperação, não poderia deduzir o correspondente pedido com a segurança probatória e factual que lhe subjazem. XIX. Deste modo, ao arrepio do supramencionado, a sentença recorrida também aqui padece de um notório vício de julgamento ao concluir que a invocação da alínea d) do n.º 2 do art. 72.º do CPP também não procederia. XX. Em face do exposto, e compulsada a factualidade sobredita, encontram-se verificados quer os pressupostos previstos na alínea c) quer os previstos na alínea d) do n.º 1 do art. 72.º do CPP, para a dedução do pedido da indemnização cível, em separado, não se verificando, in casu, qualquer exceção dilatória de incompetência em razão da matéria. XXI. Pelo exposto, a Sentença ao decidir como decidiu violou as normas constantes dos artigos 72.º, n.º 1 alíneas c) e d) do CPP. Nestes termos e nos melhores de Direito deve ser concedido provimento ao presente Recurso, revogando a decisão recorrida que julgou procedente a exceção da incompetência em razão da matéria por preterição do princípio da adesão obrigatória do pedido cível à ação penal e substituindo-a por outra que declare o tribunal a quo absolutamente competente em razão da matéria, com fundamento na verificação da exceção ao princípio da adesão obrigatória do pedido cível à ação penal, nos termos e para os efeitos da alínea c) do artigo 72.º do CPP ou da alínea d) do referido artigo, fazendo-se assim JUSTIÇA. 3. Inexistem contra-alegações.
II - Factos Provados
1. No dia 9 de Novembro de 2017, cerca das 12h:05m, AA estava no ..., em ..., quando o aqui réu apareceu por trás, agarrou-o pelo ombro esquerdo, e desferiu-lhe um soco na cara atingindo-o na zona do maxilar. 2. Em consequência da força utilizada pelo arguido, naquelas circunstâncias, o aqui autor AA desequilibrou-se e caiu sobre uma estrutura metálica que ali estava. 3. Nesta altura, o réu desferiu-lhe um pontapé na zona lombar. 4. Em consequência directa e necessária da conduta do réu resultou “eritema circular com 2 a 3 cm de diâmetro na região fronto parietal esq+ eritema de 2-2,5 cm de diâmetro na reg. parieto occipital esquerda; tórx: na face esquerda anterior direita sobre grelha costal e ao nível da 3ª 4ª costela observa-se uma equimose de tom amarelo esverdeado com a 60 x 40 mm e terão determinado 10 dias para a cura sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional”. 5. O réu sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e que incorria em responsabilidade criminal. 6. Na sequência de tal incidente, veio o ofendido AA a ser observado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e das Ciências Forenses – Gabinete Médico Legal em 13-11-2017. 7. Pelo factos constantes nos factos provados n.º 1 a 5 veio o Ministério Público (2.ª Secção do Departamento do Ministério Público de ..., em 12-10-2018, no âmbito do processo 1694/17...., deduzir acusação contra o aqui réu, imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo art. 143.º, n.º 1 do Código Penal. 8. A acusação foi notificada à Ilustre Mandatária do assistente AA, aqui autor, em 16-10-2018. 9. Na sequência de 7., em 26-10-2018, a Ilustre Mandatário de AA deduziu acusação particular imputando ao aqui réu um crime de injúria, mais deduzindo Pedido de Indemnização Cível contra aquele demandado. 10. No Pedido de Indemnização Cível peticionou o autor a quantia de 2.500,00€ a título de danos não patrimoniais causados pelo aqui réu. 11. Para o efeito, alegou o demandante AA que o aqui réu ofendera o seu bom nome e consideração, tendo passado, ademais, a viver, após o incidente referido em 1 a 4, com medo, receando pela sua integridade física, não dormindo ou tendo dificuldade em conciliar o sono. 12. Na sequência de despacho da Mm.ª Juiz de Instrução do Tribunal Judicial da Comarca ..., veio o Ministério Público, em 14-05-2019, repetir a acusação referida em 8., imputando a BB, ademais, um crime de injúria agravada. 13. A acusação foi notificada ao autor em 21-05-2019 e à sua Ilustre Mandatária em 20-05-2019, nada tendo os mesmos requerido, designadamente, quanto ao Pedido de Indemnização Cível apresentado. 14. Por despacho de 13-11-2019 do Juízo Central Criminal ... – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca ... veio a ser determinada a apensação do processo 1694/17.... ao processo 65/19.... a correr termos naquele Juízo Central. 15. Por acórdão de 13-07-2020, transitado em julgado em 20-09-2021, proferido no processo 65/19...., veio o Juízo Central Criminal ... – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca ... a dar como provados a factualidade constantes nos factos 1 a 5, vindo o aqui réu a ser condenado pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples na pessoa de AA numa pena parcelar de nove meses de prisão. 16. Deu aquele acórdão como provado que por causa da conduta de BB, o aqui autor passou a recear pela sua integridade física e perdeu o sono, mais condenando, de forma equitativa, o aqui réu a pagar a AA, a título de danos não patrimoniais, 1.500,00€ (mil e quinhentos euros). 17. Na manhã de segunda-feira, dia 22 de Janeiro de 2018, após prévio contacto telefónico, AA e CC encontravam-se, por volta das 15H e 10M junto à Capela ..., na localidade de .... 18. Cerca de 30 a 40 minutos depois, aperceberam-se da chegada ao local de BB, aqui réu. 19. BB dirigiu-se exaltado ao arguido AA que agarrou pela camisola e desferiu-lhe vários muros de forma intensa e repetida, na zona da cabeça e indiscriminadamente por todo o corpo. 20. Em consequência necessária e directa da conduta do arguido BB sofreu AA, as seguintes lesões: Cabeça e face: equimose levemente arroxeada na região frontotemporal direita, com ligeiro edema subjacente, medindo 6cm de maior eixo por 3cm de menor eixo; equimose arroxeada bipalpebral direita, medindo 2,5cm de maior eixo por 2cm de menor eixo; equimose arroxeada bipalpebral esquerda, medindo 3cm de diâmetro; equimose arroxeada com orla esverdeada no pavilhão auricular esquerdo, medindo 1,5cm de maior eixo por 1cm de menor eixo; equimose arroxeada com orla amarelada no dorso do nariz, medindo 1,5cm de comprimento por l cm de largura, sem crepitação dos ossos próprios do nariz; alinhamento e ventilação nasal mantidos; equimose arroxeada com orla amarelada no lábio inferior, à esquerda da linha média, medindo 1,Scm de maior eixo por 1 cm de menor eixo; Tronco: equimose arroxeada com orla amarelada no terço inferior da face lateral do hemitórax esquerdo, medindo 6cm de maior eixo por 3cm de menor eixo; equimose amarelada com orla arroxeada no flanco esquerdo, medindo 4cm de maior eixo por 3cm de menor eixo; Região genital: equimose arroxeada na região púbica, à esquerda, medindo 2cm de comprimento por 0,5 cm de largura; Membro superior direito: equimose arroxeada com orla amarelada na metade lateral do dorso da mão, medindo 2cm de maior eixo por 1,5cm de menor eixo; Membro superior esquerdo: escoriação com crosta cicatricial no terço distal do bordo radial do antebraço, medindo 2cm de diâmetro; equimose arroxeada na região dorsal da articulação metacarpofalângica do 4° dedo, medindo l cm de diâmetro; escoriação punctiforme com crosta cicatricial na articulação interfalângica distal do 4° dedo; escoriação com fundo eritematoso na articulação interfalângica distal do 5º dedo, medindo 0,5 cm de diâmetro; Membro inferior esquerdo: equimose arroxeada na face anterior do joelho, medindo 4cm de diâmetro. 21. Tais lesões determinaram 8 dias para a consolidação médico-legal, com afectação de capacidade para o trabalho geral (8 dias) e com afectação da capacidade de trabalho profissional (8 dias). 22. BB agiu ainda deliberada, livre e conscientemente, com o intuito concretizado de causar lesões corporais a AA molestando-o no seu corpo e na sua saúde sabendo a sua conduta ser proibida e punida pela lei penal. 23. Na sequência de tal incidente, veio o ofendido AA a ser observado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e das Ciências Forenses – Gabinete Médico Legal em 25-01-2018. 24. Pelos factos constantes nos factos provados n.º 16 a 21 veio o Ministério Público (1.ª Secção do Departamento do Ministério Público de ...) em 22-05-2019, no âmbito do processo n.º 71/18...., deduzir acusação contra o aqui réu, imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo art. 143.º, n.º 1 do Código Penal. 25. A acusação foi notificada à Ilustre Mandatária de AA, aqui autor, por notificação de 24-05-2019, não tendo sido deduzido qualquer Pedido de Indemnização Cível. 26. Por despacho de 13-11-2019 do Juízo Central Criminal ... – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca ... veio a ser determinada a apensação do processo 71/18.... ao processo 65/19.... a correr termos naquele Juízo Central. 27. Por acórdão de 13-07-2020, transitado em julgado em 20-09-2021, proferido no processo 65/19...., veio o Juízo Central Criminal ... – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca ... a dar como provada a factualidade constantes nos factos 16 a 21, vindo o aqui réu a ser condenado pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples na pessoa de AA numa pena parcelar de um ano e quatro meses de prisão.
III – Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas. Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte. - Competência material do tribunal recorrido.
2.1. Além de se pronunciar sobre a excepção ao princípio da adesão, prevista na aludida c) do nº 1 do art. 72º, do CPP, o tribunal, sem que o A. tivesse invocado outra, pôs-se a discretear sobre a d) do mesmo nº 1 do art. 72º, alusiva à possibilidade de dedução em separado do pedido cível se não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão. O que motiva a discordância do recorrente, pois entende que a situação em análise integra a previsão da citada d) do nº 1 do art. 72º (cfr. conclusões de recurso XVI. a XXI.). Mas não tem razão. Na verdade, face ao mencionado princípio obrigatório da adesão, pretendendo o A. deduzir em separado pedido de indemnização cível por factos que constituem ilícito criminal, nos termos do artigo 342º do CC, cabe-lhe o ónus de alegar e provar a existência de alguma das excepções do art. 72º, nº 1, do CPP. Para tanto, deve o A., logo na petição inicial, como é natural e compreensível, alegar os factos em que se baseia a excepção ao princípio da adesão. Como tal, o tribunal não estava adstrito a conhecer quaisquer outras excepções potencialmente invocáveis. E nem sequer lhe era lícito fazê-lo, já que, como é sabido, impõe-se ao lesado que queira prevalecer-se da faculdade de dedução do pedido cível em separado o ónus de alegar os factos que integram a excepção ao princípio da adesão que é aplicável à sua concreta situação fáctico-jurídica, já que tal constitui um pressuposto do exercício do direito de acção nesses moldes. Até representaria uma subversão do princípio da adesão entender que o tribunal a quo estava adstrito a, em abstracto, isto é, desligado de qualquer invocação factual pertinente, tomar em consideração todas as excepções ao princípio da adesão legalmente previstas (vide sobre esta temática e neste sentido os Acds. da Rel. Coimbra, de 24.4.2007, Proc.6135/05.6TBLRA, da Rel. de Lisboa de 21.2.2013, Proc.193/11.1TBPST, e da Rel. de Évora de 11.7.2019, Proc.1009/18.3T8BJA, todos disponíveis em www.dgsi.pt). No nosso caso, o A. satisfez a apontada exigência legal na p.i., e depois repetiu/confirmou na sua resposta à contestação, onde apenas invocou a situação concreta da referida c) mas não a situação indicada na d). Contudo, sem mais nem menos, porque no despacho pré-saneador enunciou que iria conhecer da única excepção ao princípio da adesão invocado pelo A., o previsto na apontada c), o tribunal a quo lançou-se, de maneira inesperada, no apuramento de eventual preenchimento da situação prevista na referida d), sem que o A., como dissemos, tivesse invocado tal excepção ao princípio obrigatório da adesão !? O A., entretanto, perante a declaração de incompetência material, com fundamento nessa excepção ao princípio da adesão, inteligentemente, aproveitando o balanço do tribunal recorrido, ao ter decidido sobre uma excepção ao mencionado princípio da adesão não invocada, “mudou a agulha” e desviou-se para a mesma. O que não podia fazer. Ora, face a esta constatação, parece-nos óbvio que o tribunal de recurso não tem de conhecer de uma excepção ao aludido princípio da adesão nunca invocada/alegada. Improcedendo, assim, o recurso do A. nesta parte. 2.2. Sobre a excepção ao princípio da adesão prevista no art. 72º, nº 1, c), do CPP, o tribunal recorrido escreveu que: Na sentença escreveu-se que: “Consagra o art. 71.º do Código de Processo Penal o Princípio da Adesão, ali se lendo que o pedido de indemnização cível fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, … (…) Tratando-se de um princípio obrigatório, o arrastamento do pedido de indemnização civil de perdas e danos para a jurisdição penal só não sucederá numa daquelas situações excepcionais e taxativas previstas no art. 72.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Com o fito de mobilizar uma dessas hipóteses, veio o autor logo na sua Petição Inicial, a título de questão prévia, (art. 1.º) dar conta que, no seu entender, “estando em causa um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido nos termos do art. 143.º do Código Penal, o ofendido poderá deduzir o Pedido de Indemnização Cível, em separado no Tribunal Cível”. (…) Coisa diversa é, porém, saber se estamos ou não ante um caso de substanciação da alínea c) do n.º 1 do art. 72.º do Código de Processo Penal. Ora, a referida al. c) estatui enquanto excepção ao princípio da adesão, permitindo, consequentemente, a dedução do Pedido de Indemnização Cível fora do processo penal, as situações em que o processo penal dependa de queixa ou de acusação particular. Dito de outra forma, as situações em que o facto ilícito gerador da responsabilidade civil corresponde a um crime semipúblico ou particular (Cfr. arts. 113.º a 117.º do Código Penal e arts. 49.º a 51.º do Código de Processo Penal) como o que aqui está em causa, pois que no processo 1694/17.... e no processo 71/18.... veio o aqui réu, na qualidade de arguido, a ser acusado por um crime de ofensas à integridade física simples (art. 143.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal). Correlacionado com este preceito legal está o n.º 2 do art. 72.º do Código de Processo Penal que prevê que “no caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação particular, a prévia dedução do pedido perante o tribunal civil pelas pessoas com direito de queixa ou de acusação vale como renúncia a este direito”. (…) Ou dito de outro modo, “deste contexto normativo, resulta que, havendo ação penal, sem renúncia de queixa ou de acusação, o pedido de indemnização civil tem, obrigatoriamente, de ser deduzido na ação penal. Por isso, para a ação em separado, não basta que o procedimento dependa de queixa ou de acusação particular, é indispensável que não se exerça o direito de queixa ou de acusação, isto é, que o lesado renuncie ou esteja em situação equivalente a renúncia a tal direito. De outro modo, para além de não se seguir a melhor interpretação legal, estar-se-ia a comprometer em grande parte o princípio de adesão, dada a extensão dos crimes semipúblicos e particulares” in acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-04-2019 (Relator Olindo Geraldes, Processo n.º 1286/18.0T8VCT-A.G1.S1) disponível em www.dgsi.pt. Ainda connosco o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-06-2020 (Relatora Ana Paula Amorim, Processo n.º 382/18.8T8STS-A.P1, disponível em www.dgsi.pt) onde se decidiu que “da conjugação do art. 72/1 c) e 72/2 Código de Processo Penal resulta que, havendo ação penal, sem renúncia de queixa ou de acusação, o pedido de indemnização civil tem, obrigatoriamente, de ser deduzido na ação penal”, mais ali se concluindo que tendo o demandante desistido da queixa, renunciando ao procedimento criminal que, desse modo, veio a extinguir-se, podia, consequentemente, avançar com o Pedido de Indemnização Cível em separado junto do Tribunal Civil. Volvendo e revertendo ao caso sub judice. Dúvidas não há que nunca houve desistência de queixa, tanto assim é que foi proferido acórdão … e, por outra banda, inegável também é que esta lide veio a ser intentada posteriormente à condenação em sede criminal, donde não consubstancia qualquer desistência de queixa. Destarte, a conclusão a retirar é, pois, que o princípio da adesão in casu manteve-se incólume, devendo o autor ter deduzido no processo crime o seu Pedido de Indemnização Cível, não só pelos factos imputados ao aqui réu no âmbito do processo crime 1694/17.... – onde dúvidas não há que deduziu Pedido de Indemnização Cível em 26-10-2018, … –, mas igualmente por aqueloutros pelos quais veio o aqui réu a ser acusado no processo 71/18..... De facto, dúvidas não havendo que, relativamente a esta última lide – facto provado n.º 24 e 25 – veio o autor a ser notificado da acusação pública, bem podia o mesmo, querendo, ali deduzir o correlato Pedido de Indemnização Cível que agora pretende intentar.”. (…) A consequência da violação de tal princípio obrigatório substancia uma excepção dilatória de incompetência material passível de conhecimento oficioso – mas, no caso, tempestivamente arguida –, cujo momento próprio para a conhecer é o presente e que implica a absolvição do réu da instância e sem possibilidade de remessa para o Tribunal em que a ação deveria ter sido proposta atenta a caducidade (art. 77.º do Código de Processo Penal) do direito de deduzir o Pedido de Indemnização Cível (artigos 96°, alínea a), 97.º, n.º 2, 98.º, 99.º, n.º 2, 278.º, n.º 1, al. a), 576°, n.º 1 e n.º 2, 577.°, alínea a) e 578º, todos do Código de Processo Civil).”. Na situação em apreço está apenas em jogo a situação derivada do Proc.71/18...., a respectiva acusação e os factos que a suportaram, iguais aos alegados e provados nesta acção declarativa, ou seja, às circunstâncias derivadas dos factos provados 17. a 27., processo crime esse onde depois de notificado da acusação (em 24.5.2019), o A. não deduziu pedido cível. O A. questiona a fundamentação jurídica e decisão tomada com base nas razões que expôs (cfr. conclusões de recurso V. a XV.). Tal crítica merece a nossa adesão. Como excepção ao princípio da adesão, e que o recorrente suscitou, encontramos a consagrada na c), do nº 1, do art. 72º do CPP, que é a do procedimento criminal depender de queixa ou de acusação particular. Ora, o crime que fundamenta o pedido de indemnização civil deduzido pelo recorrente é o crime de ofensa à integridade física simples, p.p., nos termos do art. 143º, do CP, e que depende de queixa. Pelo que, não tendo, o recorrente deduzido no processo-crime o pertinente pedido cível, podê-lo-ia fazer em 4.11.2020, quando a petição inicial deu entrada, em separado, perante o tribunal cível, enquadrando-se, tal circunstância, na apontada previsão da c). De outro lado, vemos que o nº 2, do art. 72º, do CPP, ao estabelecer que no caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação particular, a prévia dedução do pedido perante o tribunal civil, pelas pessoas com direito de queixa ou de acusação, vale como renúncia a este direito, só significa que a prévia dedução do pedido antes da queixa ou acusação particular perante o tribunal civil, vale como renúncia a tal direito de queixa. Nada mais. Na verdade, não fazendo a lei qualquer referência à dedução do pedido cível posteriormente à queixa-crime, ou seja, não determinando qualquer consequência/cominação para essa dedução, esta não está, obviamente, contemplada no nº 2 do art. 72º do CPP, operando assim o estipulado na c) do nº 1, que permite deduzir o pedido cível em separado nos tribunais cíveis, quando o procedimento depender de queixa ou de acusação particular. Temos por clara esta conclusão (a idêntica conclusão se chegou no Ac. da Rel. Guimarães de 31.1.2019, Proc.5316/17.4T8BRG-A, disponível no mesmo sítio). A decisão recorrida ainda invocou a seu benefício dois acórdãos: o da Rel. do Porto, de 15.6.2020, Proc.382/18.8T8STS-A, e o do STJ de 30.4.2019, Proc.1286/18.0T8VCT-A, disponíveis em www.dgsi.pt. O do Porto não conclui exactamente da maneira que o tribunal a quo retira do seu sumário. Efectivamente, tal acórdão além de se reportar a situação concreta diferente – desistência da queixa e consequente extinção do procedimento criminal antes da apresentação de acção cível -, conclui, aparentemente, ao contrário do que a decisão recorrida supõe, como resulta da leitura dos seus últimos (5/6) parágrafos; o do STJ também respeita a situação concreta diferente – pedido de indemnização civil indeferido no processo crime por extemporaneidade -, mas em passant afirma a posição defendida na decisão recorrida: “Por isso, para a ação em separado, não basta que o procedimento dependa de queixa ou de acusação particular, é indispensável que não se exerça o direito de queixa ou de acusação, isto é, que o lesado renuncie ou esteja em situação equivalente a renúncia a tal direito”, sublinhado da nossa autoria. Afirmação sumária que não convence, nem nos parece estar devidamente justificada, e que rejeitamos, por se afigurar que inverte o que decorre da interpretação do indicado art. 72º, nº 2, do CPP. Pelo explicitado, o recorrente nos termos da c), do nº 1, do art. 72º, do CPP, tinha e tem legitimidade para deduzir o pedido de indemnização cível nos tribunais civis e consequentemente não há lugar a qualquer incompetência material. 3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): i) O art. 71º do CPP impõe que o pedido de indemnização cível fundado na prática de um crime seja deduzido obrigatoriamente no processo penal e o art. 72º do mesmo código prevê excepções a este princípio, cabendo ao lesado, autor na acção cível em separado, o ónus de alegar, na p.i. e vir a provar os factos que são pressuposto de alguma dessas excepções; ii) Se o A. não invocou na p.i, a excepção prevista na d) do nº 1, do referido art. 72º do CPP, o tribunal não podia dar relevo à mesma, ainda que para a declarar não verificada, não podendo, depois, o A. vir em recurso pugnar pela verificação de tal excepção que oportunamente não invocou/alegou; iii) A dedução de pedido cível em acção autónoma, previamente à queixa-crime, equivale à renúncia ao direito de queixa, não estando, contudo, prevista qualquer cominação para o caso em que se deduz o pedido cível posteriormente à queixa-crime; pelo que o titular do direito à indemnização civil por crime cujo procedimento dependa de queixa, pode sempre exercê-lo perante o tribunal civil.
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando a decisão recorrida, declarando-se o tribunal recorrido competente em razão da matéria, e ordenando-se o prosseguimento dos autos. * Sem custas. * Coimbra, 28.6.2022
Moreira do Carmo
Fonte Ramos
Alberto Ruço
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